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81 LEMBRAR, REPETIR E PERLABORAR (1914)! Nao me parece supérfiuo advertir constantemente os aprendizes das transformagSes profundas que técnica pricanalitica sofreu desde os seus primordios. PHimeiro, na fase da catarse de Breuer, 0 foco se dava sobre © momento da formagio dos sintomas, ¢ havia o esforgo consequent ‘em deixar reproduzir 0s processos psiguicos daquela si- tnagio, para depois conduzi-los 2. um. decurso* [Ablauf] genivés da atividade consciente. Naquela época, lembrar ic ab-reagir eram os objetivos a serem atingidos por meio do estado hipnético. Depois, apés 2 reniincia 4 hipnose, tornava-se premente a tarefa de inférir, a partir das ocor réncias [Eirfile? livres do analisando, aquilo que ele née conseguia lembrar. Através do trabalho de interpretagéo da comunicarao de seus resultados 20 paciente, objets ‘vava-se contornar a resisténcia; manteve-se © foco sobre a preparagio para as situagbes da formagio de sintomas fe daqueles outros que surgiram por tris do momento do adoecimento, a ab-reagio ficou em segundo plano ¢ parccia substituida pelo dispéndio de trabalho que 0 ana~ fisando tinha de fazer para a superagio da critica contra as sas ocorréncias (eguindo a regra fundamental da tet) 152 Beas incomeLetas ve 5. neu superagio esta que Ihe era imputada. Por fim, constituiu- sea técnica atual, cderente, em que © médico abdica do estabelééimento de um determinado momento ou pro- blema e se contenta em estudar a superficie psiquica do analisando, usando a arte da interpretacio basicamente para reconhecer as resisténcias que surgem ali e para torni-las conscientes para o paciente. Instala-se, entio, um novo tipo de divisio de trabalho: o médico revela as resistencias que eram desconhecidas do paciente; sendo estas dominadas, muitas vezes o paciente narra sem qualquer esforgo as si- tuagSes esquecidas os contextos esquecidos. O objetivo dessas técnicas, naturalmente, permaneceu inalterado. De forma descritiva: 0 preenchimento das lacunas da lem- branga [Erinnerung], de forma dindmica: a superagio das resisténcias de recalque [Verdringungswiderstande|. Precisamos continuar gratos 4 antiga técnica hipné- tica, pois ela nos apresentou alguns processos psiquicos especificos da andlise de forma isolada ¢ esquemitica, S6 assim conseguimos ter coragem de criar nés mesmos situagSes complicadas no tratamento [Kur] analitico e manté-las transparentes. © lembrar, entio, configurava-se de modo mui- to simples naqueles tratamentos hipnéticos. © paciente transportava-se para uma situago anterior, que ele parecia nunca confundir com a situacio presente, informava os processos psiquicos delas, até onde haviam permanecido normais, ¢ acrescentava o que poderia resultar da transfor- magio dos processos entio inconscientes para conscieates. Acrescento aqui algumas observages para as quais todo analista encontrar confirmagSes a partir de sua ex- periéncia. O esquecimengo de impresses, cenas e vivén- cias geralmente se reduz a um “bloqueio” delas. Quando © paciente fala desse “esquecido”, raramente ele deixa FUNDAMENTOS OA CLiNICA PSICANALITICA, 153, de acrescentar a seguinte afirmagio: “Na verdade, eu sempre soube disso, mas nfo pensava nisso", Nao raro ele expressa a sua decepcG0 quanto ao fato de que no Ihe ocorrem coisas suficientes que ele possa reconhecer como “esquecidas”, nas quais ele nunca mais pensou desde que aconteceram. Mas também esse anseio 6 satisfeito, especificamente nas histerias de conversio. O “esquecer” sofre uma nova limitagio através do reconhecimento das lembrangas encobridoras [Deckerinnerungen], geralmente presentes. Em alguns casos, tive a impressao de que a conhecida amnésia da infiincia, tio importante para nés do ponto de vista tedrico, é totalmente compensada pelas Jembrangas encobridoras, Nelas, no apenas se perpetuou muito do essencial da vida da infancia, mas sim tudo 0 que é essencial. Precisamos apenas saber delas extrai-lo através da anilise. Blas representam os anos de infancia esquecidos tio bem quanto o contetido manifesto do sonho represents os pensamentos do sonho. © outro grupo de processos psiquicos, que podem ser contrapostos as impressdes € 3s vivéncias como atos exclusivamente interiores: fantasins, processos de relagSes, mogdes de sentimentos, conexdes, precisa ser observado em separado, na sua relagio com o esquecer eo lembrar. ‘Aqui acontece com bastante frequéncia que se “lembre” algo que nunca poderia ter sido “esquecido”, porque nao foi percebido cm nenhum momento, nunca esteve cons~ ciente e, além disso, parece ser totalmente indiferente para 0 percurso psiquico se tal “conexio” foi consciente € depois esquecida, ou se nunca chegou 4 consciéncia. A convicgao que o paciente adquire ao longo da anilise ¢ totalmente independente de tal lembranga. Especialmente nas variadas formas da neurose ob- sessiva, o esquecido geralmente se limita 3 dissolugio de 154. OBRAS INCOMPLETAS of s, FREUD nexos, ao nio reconhecimento de sequéncias ¢ ao isola~ mento de lembrangas. Para um tipo especial de vivéncias extremamente importantes, que fazem parte dos primérdios da infincia © que a sua época foram vividas sem compreensio, mas que a posterior’ fnschtriglich] encontraram compreensio € interpretagio, geralmente no se consegue evocar uma lembranga. Chegamos ao seu conhecimento através de sonhos e pelos motives mais prementes da engrenagem da neurose somos forgados a acreditar nela, e também pode- mos nos convencer de que o analisando, apés a superagio de suas resisténcias, ndo utilizard a auséncia da sensagio de lembranga (Gensagio de familiaridade) contra a sua aceita~ cio, Enfim, esse objeto requer tanto cuidado eritico e traz tanta coisa nova e estranha que eu me reservo o direito de trata-lo em separado a partir de material adequado. Mas, ao colocar essa nova técnica em pritica, sobra muito pouco, as vezes nada daquele decurso que feliz~ mente nfo tem obstéculos. Também aqui hi casos que se comportam em parte como na técnica hipnética e que sé mais tarde fracassam; mas outros casos se comportam de forma diferente desde o inicio. Mas se tivermos em mente © Gltimo tipo, no inouito de marcarmos a diferenga, pode mos dizer que 0 analisando nio se lembra de mais nada do que foi esquecido e recalcado, mas ele atua’ com aquilo. Ele nao o reproduz como lembranga, mas como ato, le repete sem, obviamente, saber que o repete. Por exemplo: 0 analisando nao conta que lembra ter sido rebelde e incrédulo diante da autoridade dos pais, mas se comporta dessa forma diante do médico. Ele no Jembra que em sua pesquisa sexual infantil ficou perplexo, atGnito e desamparado, mas apresenta uma série de sonhos © ocorréncias confusos, reclama de que nada di certo para FUNDAMENTOS DA CLINICA PSICANALITICA, 155 gle e mostra como sendo 0 seu destino nunca terminar uma empreitada. Ele ndo lembra que te envergonhou in~ tensamente por certas atividades sexuais ¢ que temia ser descoberto, mas mostra guie tem. vergonha do tratamento a0 qual se submeteu agora, buscando oculti-lo de todos, Principalmente, ele comeca o tratamento com tal repetigio. Frequentemente, quando se informa a regra psicanalitica fimdamental a um paciente com uma hist6ria de vida repleta de alternncias ¢ um longo histérico da doenga, ¢ se convida o paciente a dizer o que The ocorre esperando que suas informagdes brotem em torrente, temos a experiéncia inicial de que cle nfio tem nada a dizer. Ele se cala ¢ afirma que ada Ihe vem & mente. £ evidente que isso nada mais é que a repeti¢io de uma postura homosexual, que se impde como uma resisténcia contra todo tipo de lembranga, Enguanto ele permanecet em tratamento, ele no se Tibertari mais dessa obsessio da repeticio; enfim, entendemos que esse € 0 seu modo de lembrar. F claro que nos interessa em primeira linha a relagio dessa obsessio da repetico com a transferéncia e com a resisténcia. Logo percebemos que a resisténcia, ela pr6- pria, é apenas uma parcela de repeti¢io, e que a repeti¢io &a transferéncia do passado esquecido nao apenas para ‘0 médico, mas também para todos os outros aspectos da situagdo presente. Portanto, precisamos estar preparados para o fato de que o analisando se entrega & obsessio da repeti¢io, que agora substitni o impulso para a lembranga, no apenas na relacZo pessoal com o médico, mas também em todas as outras atividades ¢ relages simultineas da sua vida, por exemplo, quando durante um tratamento [Kur] ele escolhe um objeto de amor, assume uma tarefa, inicia uma empreitada. Também a parte da resistencia é facil de 156 ORAS INCOMPLETAS Des, FREUD reconhecer. Quanto maior for a resisténcia, de forma mais frequente o lembrar sera substituido pelo atuar [agieren| (epetit). [sso pois 0 lembrar ideal do esquecido durante a hipnose corresponde a um estado em que a resisténcia é totalmente posta de lado. Se 0 tratamento comegar sob 0s auspicios de uma transferéncia suave ¢ positiva, sem que o seja de forma expressa, ele inicialmente permite um aprofundamento na Iembranga, como na hipnose, enguanto até mesmo os sintomas da doenga se calam; mas se no decorrer do tratamento essa transferéncia se tornar hostil ou excessivamente forte e, por isso, passivel de recalque, imediatamente 0 lembrar di lugar ao atuar. A partir daf, entio, sio as resisténcias que irdo definir a sequéncia daquilo a ser repetido. E no arsenal do pasado que o doente busca as armas com as quais se defende da continuidade do tratamento ¢ que precisamos tirar dele peca por pega. ‘Ouvimos, entio, que o analisando repete em vez de lembrar, ele repete sob as condigdes da resisténcia; agora podemos perguntar.o que, de fato, cle repete’ou atua. A resposta diz que ele repete tudo que ji se impés a partir das fontes do seu recalcado em sua esséncia evidente, suas inibigdes e posigdes invisveis, seus tragos de cariter pa tologicos. Pois ele também repete todos os seus sintomas durante o tratamento. E agora podemos perceber que ‘com o destaque da compulsio para a repetigio [Zwvang zur Wiederholung'] no ganhamos um fato novo, mas apenas ‘uma concep¢ao mais coesa. Entio chegamos 3 conclusio de que o estar doente do anslisando nao pode terminar com 0 inicio da sua anilise, de que devemos tratar a sua doenga nio como Am assunto hist6rico, mas como ‘uma poténcia atual. Peca por pega desse estar doente sera colocada agora no horizonte € no raio de infuéncia do FUNDAMENTOS BA CLINICA BSICANALITICA, 157 tratamento, ¢ enquanto 0 paciente vivenciar isso como algo real ¢ atual, entramos com o trabalho terapéutico, que em boa parte consiste na recondugao 20 pasado. O fazer lembrar na hipnose deve ter causado a im- pressio de um experimento de laboratério. O fazer repetir durante tratamento analitico segundo a técnica mais recente significa invocar uma parcela de vida real e, por isso, nio é inofensivo e sem problemas em todos os casos. Entra aqui toda a questo da “piora durante o tratamento”, muitas vezes incontorndvel. Antes de tudo, o infcio do tratamento leva o pa- ciente a mudar a sua opinigo consciente em relagio 4 doenga, Usualmente, ele se contentava em se queixar dela, desprezé-la como bobagem, subestimé-la em sua impor- tincia, mas de resto continuava com 0 comportamento recalcante em relago as suas manifestagdes, adotando a politica de avestruz contra as origens da doenga. Pode ser, ent, que ele nfo conheca devidamente as condigdes da sua fobia, que no ouga 0 enunciado correto de suas ideias obsessivas ou que nio entenda a verdadeira intengio do seu impulso obsessivo. Isso certamente nio ajuda no tratamento. Ele precisa criar coragem para ocupar a sia atengio com as manifestagdes de sua doenga. A doenga em si nfo pode mais ser algo desprezivel para ele, deve ser antes um adversirio digno, uma parte de sua esséncia que se apoia em bons motivos, de onde se trata de buscar algo valioso para a sua vida futura. Fazer as pazes com 6 recaleado, que se expressa nos sintomas, dessa forma seré algo preparado desde o inicio, mas também se cal- cula uma certa tolerincia para com 0 estar-doente. Se, porém, agora, através dessa nova relagio com a doenga, 98 conflitos ficarem mais acirrados e sintomas que antes ainda nio eram nitidos aflorarem, podemos consolar 0 158 Beas iNcomPLETAS DE. FREUP paciente com facilidade se dissermos que se trata de pioras necessirias, mas que sio passageiras, ¢ que nio se pode matar um inimigo que esti ausente ou que nao esta perto © suficiente. Mas a resisténcia pode explorar a situagio de acordo com as suas intengdes, podendo querer fazer mau uso da permissio de estar doente. Entio, ela parccera demonstrar 0 seguinte: olhe aqui ¢ veja o que acontece quando eu realmente me deixar levar por essas coisas, Ba no fiz. bem em deixi-las para o recalque? Especialmente Jovens ¢ criangas costumam usar a condugao para o estar- doente, necessaria no tratamento, para uma permanéncia prazerosa nos sintomas da doenga Outros perigos surgem pelo fato de que, no decurso do tratamento, mogdes pulsionais novas, mais profundas, que ainda nio tinham se imposto, podem chegar 3 repe~ igo, Por fim, as ages do paciente podem trazer consigo danos passageiros 3 sua vide fora da transferéncia, ou podem até sex escolhidas de tal modo que desvalorizem constantemente a satide a ser alcangada. A titica a ser adotada pelo médico nessa situagio facilmente justificivel. Para ele, 0 objetivo continua sendo o lembrar 3 moda antiga, o reproduzir em ambito Psiquico, objetivo ao qual ele se atém, mesmo sabendo que com a nova técnica cle no poderi ser alcangado. Ele se prepara para uma luta constante com 0 paciente, para represar todos os impulsos no Smbito psiquico que ele quer levar ao mbito motor, comemorando como um triunfo do tratamento a resolugdo de algo através do trabalho de Jembrar, que o paciente quer descarregat através de uma aco. Quando o vinculo se tornou titi de algama forma através da transferéncia, o tratamento conseguird impedir © paciente de realizar todas as agdes de repeticio signi- ficativas, utilizando essa intengio in statu nascendi como FUNDAMENTOS DA CLINICA PSICANALITICA, 159 material para o trabalho terapéutico. A melhor forma de proteger 0 paciente dos danos qué decorreriam da exe- cugio de seus impulsos quando acertamos com ele compromisso de nio tomar nenhuma decisio importante na vida enquanto durar o tratamento, por exemplo, que ele nio escolha nenhuma profissao, nenhum objeto definitivo de amor, mas que para todos esses propésitos ele espere o momento da cura [Genesung] Nesse contexto, muitas vezes gostamos de preservar aquela porcio da liberdade pessoal do analisando que € compativel com esses cuidados, nés nio o impedimos de colocar em pritica certas intengSes sem importancia, mesmo que estas sejam tolas, e no esquecemas que 0 ser humano na verdade s6 aprende com os erros que comete ¢ através da experiéncia propria. Deve haver casos em que nao conseguimos impedir a pessoa de se envolyer em algum empreendimento completamente inadequado durante 0 tratamento, casos que s6 depois serio acessiveis ao trabalho analitico, e isso com muita dificuldade. Ocasionalmente deve acontecer também de no se ter tempo de colocar as rédeas da transferéncia nas pulsdes selvagens, ou que o paciente, em uma agio de repeticio, rompa o laco que © atrels ao tratamento, Como exemplo extremo, posso citar 6 caso de uma senhora de idade mais avangada que repetidas vezes abandonava a casa € 0 marido, em estados confusionais, fugindo para um lugar qualquer, sem ter consciéncia do motivo de tal “escapada”, Ela veio ao meu tratamento com uma transferéncia carinhosa bem formada, aumentando-a de forma espantosamente rapida nos primeiros dias, ¢ 20 fim de uma semana também “escapou” de mim, antes que eu tivesse tempo de Ihe dizer algo que pudesse impedi-la de incorrer nessa repeticio. 160 oanas ncomPLeTAS DES. FREUD ‘Mas o principal recurso para conter a compulsio 4 repeti¢ao no paciente ¢ reconfiguré-la num motivo para.a Jembranga encontra-se no manejo da transferéncia, ‘Tormamos a compulsio indcua, até mesmo itil, na medida em que lhe damos o dircito de se esbaldar em uma deter aminada érea. Abrimos a transferéncia para ela como sendo um parque de diversdes, onde ela tem autorizagio para se desenvolver com liberdade quase total ¢ é instada a nos mostrar tudo que ficou escondido em termos de pulses patolbgicas na vida animica do paciente. Se 0 paciente pelo menos tiver uma postura colaborativa, na medida em que respeita as condicdes de existéncia do tratamen- to, geralmente conseguiremos dar a todos os sintomas da doenga um novo significado de transferéncia, substituindo a sua neurose comum por uma neurose de transferéncia, da qual ele pode ser curado pelo trabalho terapeutico. A transferéncia cria, assim, uma zona intermediaria entre a doenga ¢ a vida, onde se di a transigio da primeira para a segunda. © novo estado assumiu todas as caracteristicas da doenga, mas representa ura doenga artificial, na qual podemos intervir em todo lugar. Ao mesmo tempo, é um pedaco da vivéncia real, mas que é tornada possivel através de condigées especialmente favoriveis e que tem a natureza de algo provisério. Partindo das reagdes de repeti¢io que se mostram na transferéncia, os caminhos j4 conhecidos Jevam ao despertar das lembrangas que se instalam quase que sem esforgo apés a superacio das resistencias. Eu poderia encerrat aqui, se o titulo deste artigo no me obrigasse 2 incluir nesta apresentago mais uma parte da técnica analitica. A superacio das resisténcias, como se sabe, € introduzida com,o médico descobrindo a resistén- cia, até entio desconhecida do analisando, informando 0 paciente a respeito. Ao que parece, iniciantes na anilise FUNDAMENTOS DACLINICA PSICANALITICA 161 tendem a tomar essa introdugio como jf sendo todo trabalho. Muitas vezes, fui chamado como consultor em casos nos quais 0 médico se queixava, dizendo que apre- sentara ao doente a sua resistencia, mas nada tinha mudado; a resisténcia a partir dali até aumentara, e a situagio toda tinha ficado ainda mais opaca. Parecia que 0 tratamento empacara. Essa expectativa sombria mais tarde sempre se revelou enganosa. Em geral, 0 tratamento estava no bom caminho; 0 médico apenas tinha esquecido que 2 nomeagio da resistencia nio pode ter como consequéncia © seu fim imediato. Precisamos dar tempo ao paciente, para que cle se aprofunde na resisténcia que até entio Ihe era desconhecida, para perlaboré-la, superd-la, na medida em que ele, a cla resistindo, continua o trabalho de acor~ do com a regra analitica fundamental. $6 no ponto mais alto desse trabalho que, em conjunto com o analisando, iremos descobrir as mogSes pulsionais recalcadas, que alimentam as resisténcias ¢ de cuja existéncia ¢ poder 0 paciente se convencerd através dessa vivencia, O médico nio tem mais nada a fazer ai sen’o esperar e aceitar um percurso que nio pode ser evitado e que também nem sempre pode ser acelerado. Se ele se ativer a essa percepeao, cle muitas vezes poupard a ilusio de ter fracassado, apesar de ter seguido o tratamento na linha correta. ssa perlaboracio das resisténcias na pratica pode se tornar uma tarefa dificil para o analisando ¢ uma prova de paciéncia para o médico. Mas é aquela parte do trabalho que ter’ a influéncia mais transformadora no paciente e que diferencia o tratamento analitico de todo influenciamento por sugestio [Suggestionsbeeinflussung]. Do ponto de vista te6rico, pode ser comparado 3 “ab-rea¢o” dos montantes de afeto [Affekthetrige] retidos pelo recalque, sem o que © tratamento hipnético no teria influéncia algama. 162 oweasiwcompueras.o€ 5. FREUD Brinnern, Wiederholen und Durcharbeiten (Weitere’ Rats- chllige zur Technike der Psychoanalyse Il) (1914) 1914 Primeira publicagio: Intertionole Zeitschrift fir Payehoanalyse, 2,n. 6, p. 485-491 1918 Somlung bleinen Schriften zur Newrosenlehre,t4, p. 441-452 1925 Gesamimelte Sdvifen,«. VI, p. 109-119 1946 Gesammelte Werke, &.X, p. 126-136 ste titulo tripartite formula to cara as elaboragtes feeudia- ras, merece alguns esclarccimentos. Dos «18s verbos que compdem 9 titulo, o nica que nfo coloca maiores dificuldades de tradugio & © segundo: “repetic” (Hiederkolen]. Quanto a0 primeiro, Freud em- ptega o verbo trimer, que significa “lembrar", “recordar”. Apesar a relativa difusio de “recordar”, 0 verbo mais usual, que descreve melhor nossa experiéncia cotidiana e que & mais recorrente na prética clinica parece ser “lembrae”. Ouvimos de nossos pacientes: “lembret de uma coisa”, “tenho uma lembranga vaga", ete, Além disso, outro conceito igualmente consagrado pelo uso, e gentral no presente astigo, formado a partir da mesma palavea: Deckerinnerung. ou “lembranga encobridora’ Quanto a0 terceiro termo, trate-se do que talver ofereea maior dificuldade. De fato, © léxico relive a arbeiten (rabalhar, labora) @ patticularmente rico. 1550 ocorre pela vatta gama de significados {que um verbo alemio pode assumir conforme o prefixo anteposto, Acrescido de prefixos como auf-, be, durch, mit, ume, ver, 0 verbo arbeiten descreve diferentes atividades psiquicas, Fread empregox com valor conceitual pelo menos algumas delas, ei especial bear- beiten, durcharbeiten © verarbeten. De fato, come resealta Luiz Hanns, rradzic todos estes termos por “claborar” implica umia perda de sentido irremediavel, que selega conotagdes e nuances importantes a segundo plano, Embora esta colecio evite sempre que possivel 0 uso de neolo- gismos, € bastante diffeil encontrar na lingua portuguesa um verbo que traduzs especificamence o mevanismo ilustrado por Freud. Durcharbeien eriva do verbo orbeiren, ou seja, “crabalhar”, “laborar”. Quando esse verbo tem uma conatario transitive direta, ou seja, quando o trabalho € realigado em algo ou em alguém, bi no alemio 4 possbilidade de atizi-lo com 0 prefixo be-. Nesse caso, bearbeiten significaria algo proximo de “elaborst”. Entrctanto, Freud usa aqui o prefixo duc, Inuito préximo do through na lingua ingless. Quer dizer, hé quia nose FUNDANENTOS DA GLINICA PSICANALITICA, 163 ope ee le a opaee pcaaltten, coms dtennes de Adler ede Jung © ave learn ‘ 130 apenas as diretrizes técnicas da occa eae ge [igen aan ee ei sre sorl ao opie sbi serena Se i se emg ec eg = ‘Nese sentido, “Lembraz, repetic e perlaborar™ pode ser visto 164. opnas wicompucras 0€ 5. FREUD NoTAS * Sobre titulo, ver noes editorial, nio numerada, acima. (NE) = Termo comumentetraduzide por descarga, no por a conotagao de algo abrupte e violeato, mas sim de um vx de ercoamesto, (NR) + Novamente agui se tsdusiu Einfll, ow sei, “aqui que ocortee5- Pontaneamente, que ver-3 mente do sjeto", como “acorséncis” WR) 4 Freud costuniavs war ase de se referirPsicandlise. (NR) + Trats-se agui do verbo de origens latina agieen, pas do por “agic” ou “atuar". (UR) gs ps alfa como forma abreviada ive de ser trade i, ainda que posss ter sido utilizada em wnt Freud 00 usa a célebre palavra compoxta Wederholungszweng [eompulsio a repetisia]. (NR) 165 OBSERVACOES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL (1915 [1914]) Cada iniciante na Psicandlise por certo teme, de inicio, as dificuldades que Ihe apresentario a interpreta~ Gio daquilo que ocorre (Einfille] ao paciente e a tarefa da reprodugo do recalcado, Mas logo ele dard importancia menor a essas dificuldades, trocando-as pela conviceio de gue as tnicas dificuldades realmente sérias sio encontradas no manejo da transferéncia. ‘Das situagdes que se criaram nesse contexto, des- tacarei uma tinica, claramente descrita, tanto pela sua frequéncia ¢ importincia real quanto pelo seu interesse tedrico. Refiro-me a0 caso em que uma paciente, mulher, permite inferirmos a partir de suas sugestdes pouco diibias ou entio o diz diretamente que, assim como qualquer outra mulher mortal, apaixonou-se pelo médico que a analisa. A situagio tem seus aspectos desconcertantes ¢ divertidos, assim como os sérios; ela também é tio intrin- cada ¢ condicionada de miltiplas formas, tio inevjtavel e de tio dificil solucao, que a sua discussio h& muito teria preenchido uma necessidade vital da técnica analitica. Mas como nés mesmos nem sempre estamos livres de incorrer

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