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29/01/2019 Anticapitalismo, Ecossocialismo E Movimentos Sociais: Uma Entrevista Com Michael Löwy | Brasil de Fato

INÍCIO  INTERNACIONAL

ENTREVISTA

Anticapitalismo, ecossocialismo e movimentos


sociais: uma entrevista com Michael Löwy
Pensador marxista fala sobre América Latina e os desa os do anticapitalismo

Marco Álvarez* COMPARTILHE


Fundação Miguel Enríquez, 3 de Julho de 2018 às 16:49

Michael Löwy, sociólogo brasileiro radicado na França / José Eduardo Bernardes/Brasil de Fato

O franco-brasileiro Michael Löwy é um dos mais destacados intelectuais


revolucionários em nível mundial. O sociólogo e lósofo marxista é um dos principais
impulsionadores da alternativa ecossocialista. Em uma entrevista exclusiva para a
Fundação Miguel Enríquez, do Chile, ele dialoga sobre o marxismo na América Latina,
movimentos sociais, o novo internacionalismo e os desa os do anticapitalismo.

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Fundação Miguel Enríquez: Michael, no seu livro O Marxismo na América Latina,


Latina você
assinala três períodos na história do marxismo na região: um “período
revolucionário”, a partir dos anos de 1920 até meados dos anos 30, no qual se
sobressaem o aporte teórico de [José Carlos] Mariátegui e a experiência de insurreição
em El Salvador, em 1932; um “período stalinista”, iniciado em meados dos anos 1930
até 1959, marcado pela hegemonia soviética; e um terceiro que você denomina “novo
período revolucionário”, iniciado com o triunfo da revolução cubana. Continuando
com essa classi cação, como você denominaria a etapa do marxismo na América
Latina dos últimos 25 anos e quais seriam suas principais características?

Michael Löwy: Boa pergunta… É difícil saber se o período revolucionário aberto pela
Revolução Cubana segue até hoje, de alguma forma, ou  se ele terminou logo depois de
1990 (derrota dos Sandinistas [Nicarágua], dos Acordos de Paz em El Salvador). Talvez
o futuro nos dê a resposta. Outra hipótese é considerar terminado o capítulo iniciado
em 1959 e de nir os últimos 25 anos como “a batalha antineoliberal”: é um período no
qual se ensaia, em vários países do continente, saídas do inferno neoliberal. Uma
hipótese mais otimista seria falar de um período de “socialismo do século 21”, mas
isso é, por enquanto, mais  um horizonte de esperanças que uma realidade social. O que
caracteriza esse período é: 1) a grande dispersão da referência marxista, que já não é
limitada às correntes “clássicas” da esquerda; 2) a vitória eleitoral da esquerda na
maioria dos países, mas com uma diferenciação muito clara entre os governos social-
liberais (Brasil, Uruguai, Chile) e os anti-imperialistas (Venezuela, Bolívia, Equador),
com várias situações intermediárias.

No prefácio da reedição do livro A Teoria da Revolução no Jovem Marx,


Marx você se refere às
“numerosas lacunas, limitações e insu ciências de Marx e da tradição marxista” e
sugere corrigi-las “por meio de um comportamento aberto, uma disposição a
aprender e  se enriquecer com as críticas e contribuições de outros setores”. Nesse
contexto, como se expressaria esse comportamento aberto e quais são esses “outros
setores” chaves para corrigir a teoria marxista e suas contribuições?

Em primeiro lugar, acredito que nós, os marxistas, temos que estar dispostos a
aprender com os movimentos sociais: sejam os mais “clássicos”, como o movimento
operário e o camponês, ou os mais “heterodoxos”, como o feminismo, o indigenismo,
as redes de luta contra o racismo. Trata-se, nestes últimos casos, de problemáticas –
as formas não classistas de opressão – pouco desenvolvidas na tradição marxista. Vale
a pena também “reinventar” as outras correntes revolucionárias do socialismo –
incluindo as que Marx e Engels já haviam “refutado” – como os socialistas utópicos,
os anarquistas e o que eu chamaria de “socialistas românticos”: William Morris,
Georges Sorel, Charles Péguy. Temos também que estar abertos às contribuições do
pensamento social não marxista, de Max Weber a Sigmund Freud, ou de Karl
Mannheim a Hannah Arendt, o que não signi ca, claro, aceitar todos seus
apontamentos.

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Mas penso que a principal insu ciência da tradição marxista – ainda que se encontrem
alguns elementos importantes sobre essa temática na obra de Marx e Engels – é a
questão ecológica. Uma re exão marxista no século 21 tem que dar a isso uma
importância central pela ameaça que representa, para a humanidade, o processo de
destruição capitalista acelerada do meio ambiente e dos equilíbrios ecológicos
(mudança climática); isso implica uma revisão da visão tradicional do
“desenvolvimento das forças produtivas” e mesmo do socialismo. O conceito de
“ecossocialismo” busca traduzir essa nova visão ecológica e antiprodutivista da
revolução socialista.

No Chile, desde 2011,  encontramos um forte protagonismo dos movimentos sociais,


como o estudantil, os regionalistas, etc. Que avaliação você faz desses movimentos
sociais e qual deve ser, na sua opinião, a relação entre eles e as organizações
anticapitalistas?

O movimento da juventude estudantil no Chile e a luta dos Mapuches são alguns dos
movimentos sociais mais importantes da América Latina nos últimos anos. Creio que
os anticapitalistas devem apoiar sem reservas essas mobilizações, tratando de
impulsionar sua dimensão antissistêmica e fazendo propostas concretas que enfrentem
a lógica do capitalismo neoliberal.

Duas das referências históricas do marxismo que você estudou são Walter Benjamin e
Rosa Luxemburgo. Quais seriam, na atualidade, as principais contribuições ao
marxismo dessas referências?

O que os dois têm em comum é a ênfase na luta de classes como eixo central do
pensamento e da ação marxista. Rosa Luxemburgo representa uma das formas mais
radicais da loso a da práxis: é na ação coletiva, na luta, que se desenvolve a
consciência de classe e a auto-organização dos oprimidos. Por isso, a democracia, ou
seja, a participação efetiva da classe explorada nas decisões, é uma condição
fundamental do processo de transformação revolucionária da sociedade. 

Walter Benjamin se propôs a entender a história “à contramão”, do ponto de vista dos


oprimidos. A partir dessa perspectiva, ele rechaça a visão burguesa – compartilhada
por boa parte da esquerda – da história como “progresso”. Para ele, a revolução não é
a conclusão de uma longa evolução “progressista”, mas a interrupção da cadeia
milenar da dominação.

Você militou junto com Daniel Bensaïd [ lósofo francês, teórico do movimento
trotskista na França e  dirigente da Quarta Internacional] durante muitos anos. Qual é,
no seu ponto de vista, o principal legado teórico dele?

São muitas as contribuições de Daniel Bensaïd, mas a mais importante me parece ser
seu apontamento – inspirado por Pascal e pelos trabalhos do marxista

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heterodoxo  Lucien Goldmann – da revolução como “aposta melancólica”.


“Aposta”  porque não há nenhuma certeza no  triunfo do socialismo, na emancipação
dos oprimidos.  O  revolucionário só pode apostar em um futuro possível, jogando sua
vida e sua ação nessa esperança, correndo o risco da derrota. E “melancólica”  porque,
até agora, os grandes revolucionários – Rosa Luxemburgo, León Trotsky, Che Guevara,
Miguel Enríquez – foram derrotados e assassinados.

Você também escreveu bastante sobre Che Guevara. Onde você acredita que se
encontra a vigência de seu pensamento?

Por um lado, no seu apontamento estratégico: “não há outra revolução a fazer –  ou é


revolução socialista ou caricatura de revolução”. Por outro  lado, em sua tentativa,
durante sua estadia em Cuba, de propor um caminho em direção ao socialismo
alternativo ao modelo soviético, com maior democracia e um conteúdo ético comunista.
É um erro reduzir Guevara ao “guerrilheiro heroico”. Ele  foi um dos pensadores
marxistas mais importante da América Latina. O humanismo marxista dele  encontra
sua máxima expressão em seu internacionalismo, na convicção de que um comunista
tem que sentir como uma agressão pessoal um golpe que atinge um lutador em
qualquer país do mundo.

Você sempre foi um internacionalista. Existe um novo internacionalismo? De que


forma se expressa hoje esse novo internacionalismo?

Parece-me que o novo internacionalismo, tal como se apresenta em movimentos como


a Via Campesina, em iniciativas como o altermundialismo ou nos levantes dos
“indignados”, tem um conteúdo anticapitalista e/ou antissistêmico. Já não apresenta,
como nos anos 1960, a “solidariedade” com as lutas do Sul, mas sim uma aliança entre
movimentos do Norte e do Sul contra seus inimigos comuns: o neoliberalismo, o FMI
[Fundo Monetário Internacional], o Banco Mundial, as multinacionais, o imperialismo.
Os herdeiros das melhores tradições do internacionalismo do passado – os anarquistas,
os marxistas da Quarta  Internacional, os guevaristas – participam das mobilizações do
novo internacionalismo.

Você é um dos grandes impulsionadores da alternativa ecossocialista.  O  livro O Que


É  o Ecossocialismo? compila vários artigos seus sobre o tema. A respeito disso, poderia
explicar brevemente o que é o ecossocialismo e quais são seus principais
fundamentos teóricos?  

O ecossocialismo reivindica a herança marxista, da crítica da economia política


capitalista por Marx e o programa socialista. Ao mesmo tempo, se dissocia das vertente
produtivistas do marxismo – que predominaram no curso do século 21 – e rompe com
o modelo soviético (antidemocrático e antiecológico) de pretensa “construção do
socialismo”.

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Muitos ecologistas criticam Marx por considerá-lo um produtivista. Tal crítica nos
parece equivocada: ao fazer a crítica do fetichismo da mercadoria, é justamente Marx
quem coloca a crítica mais radical à lógica produtivista do capitalismo, a ideia que a
produção de mais e mais mercadorias é o objeto fundamental da economia e da
sociedade.

O objetivo do socialismo, explica Marx, não é produzir uma quantidade in nita de


bens, mas sim reduzir a jornada de trabalho, dar ao trabalhador tempo livre para
participar da vida política, estudar, jogar, amar. Portanto, Marx proporciona as armas
para uma crítica radical do produtivismo e, notavelmente, do produtivismo capitalista.
No primeiro volume de O Capital, Marx explica como o capitalismo esgota não só as
forças do trabalhador, mas também as próprias forças da terra, extinguindo as riquezas
naturais. Assim, essa perspectiva, essa sensibilidade, está presente nos escritos de
Marx, e, no entanto, não foi su cientemente desenvolvida.

Uma reorganização do conjunto dos modos de produção e de consumo é necessária,


baseada em critérios exteriores ao mercado capitalista: as necessidades reais da
população e a defesa do equilíbrio ecológico. Isso signi ca uma economia de transição
ao socialismo ecológico, na qual a própria população – e não as “leis de mercado” ou
um comitê político central  autoritário – decidam, em um processo de planejamento
democrático, as prioridades e os investimentos. Essa transição conduziria não só a um
novo modo de produção e a uma sociedade mais igualitária, mais solidária e mais
democrática, mas também a um modo de vida alternativo, uma nova civilização
ecossocialista, para além do reino do dinheiro e da produção ao in nito de mercadorias
inúteis.

Quais seriam, na sua opinião, as principais tarefas das e dos militantes ecossocialistas
nos países da América Latina?

Participar em todas as lutas e mobilizações socioecológicas, dos indígenas e dos


camponeses contra a fúria destruidora do agronegócio e das multinacionais, com a
juventude e a população periférica pelo transporte público e gratuito, etc. No seio
dessas lutas,  contribuir  na tomada de consciência anticapitalista e na apresentação de
propostas concretas e uma perspectiva alternativa radical, o ecossocialismo.

Para nalizar, você poderia falar sobre a importância que, na atualidade, adquire a
unidade das e dos anticapitalistas?

Permita-me citar um bonito artigo de José Carlos Mariátegui para o Primeiro de Maio
de 1924: “Uma variedade de tendências e grupos bem de nidos e distintos não é um
mal; ao contrário, é um sinal de um período avançado no processo revolucionário. O
que importa é que esses grupos e essas tendências saibam como atuar em conciliação,
frente à  realidade concreta do dia a dia. (…) Que não empreguem suas armas (…) para

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ferir um ao outro, mas sim para combater a ordem social, suas instituições e seus
crimes”.

É importante constituir, em um primeiro momento, uma Frente Única das e dos


anticapitalistas, com base nas tarefas concretas da luta social e ecológica; e, em um
segundo momento, tratar de criar, pela convergência de múltiplas correntes, uma
Federação Anticapitalista capaz de atuar com uma perspectiva de transformação
revolucionária da sociedade.

*Marco Álvarez  é diretor da Fundação Miguel Enríquez.

Edição: Fundação Miguel Enríquez | Tradução: Vivian Neves Fernandes

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