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Parnaso Sacro
Parnaso Sacro
1ª Edição
São Paulo, SP
Edição do Autor
2012
Parnaso Sacro
Prefácio em prosa
O elo perdido
1
RUBÉN DARÍO, Cantos de vida y esperanza, I, 1905.
5
Bruno do Espírito Santo, LC.
Embora isso seja assim, o leitor não deve pensar que este
meu livro gire ao redor do mundo greco-latino. Ao considerá-lo
atentamente, dar-se-á conta de que o núcleo, a raiz central, o
polo mais íntimo do qual nasceram e para onde se dirigem os
meus versos é o patrimônio perene da nossa fé religiosa. A fé foi
–e continua sendo– precisamente essa raiz que sustentou a
cultura greco-latina durante a destruição do império romano. A
fé, apesar dos humanos contrastes, povoou desertos, construiu
mosteiros, erigiu as primeiras universidades, levou a dignidade
da pessoa a civilizações longínquas. Por isso, no meu
pensamento sempre me serviram de inspiração os grandes
escritores cristãos como santo Agostinho, são Bernardo, são
João da Cruz, entre outros. Esses campeões do cristianismo
souberam unir admiravelmente à cultura clássica a sua fé em
Deus. Daí o nome do meu livro. Parnaso Sacro é um pequeno
esforço para harmonizar a beleza do antigo com a luz sempre
nova da fé. Essa união de beleza e fé foi o que o Papa Bento
XVI, na sua viagem apostólica a Barcelona, tinha em mente
referindo-se ao arquiteto Antônio Gaudí: «Com a sua obra,
Gaudí mostra-nos que Deus é a verdadeira medida do homem.
Que o segredo da originalidade autêntica está, como ele próprio
7
Bruno do Espírito Santo, LC.
2
Homilia pronunciada na igreja da Sagrada Família em Barcelona, 7
de novembro de 2010.
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Parnaso Sacro
9
Bruno do Espírito Santo, LC.
PRÓLOGO
11
Bruno do Espírito Santo, LC.
1. IDÍLIO DE NATAL
Glauco
Aonde o cordeirinho
Levas, amado Sávio, da espessura?
Acaso este caminho
De bosques em brancura
Levar-te-ão à plácida ventura?
Sávio
Não é pelo dinheiro
Que eu hoje cedo tenho amanhecido,
Mas é porque, no outeiro
De grutas revestido,
Um bom pastor ali nos tem nascido.
Glauco
Espera-me e contigo
Irei, levando o som da minha avena
E escuta o que te digo:
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Parnaso Sacro
Sávio
Da cabra não te esqueças,
Ó Glauco, que dois gêmeos amamenta
De alvíssimas cabeças,
Suaves como a menta
Ou tarde ensolarada após tormenta.
Glauco
Da lã que houver mais grossa
Entre as ovelhas gordas do rebanho,
Tosquiarei a que eu possa
E com um bom tamanho
Farei um manto, e não será langanho.
Sávio
Partamos sem demora,
Que a luz do céu então se precipita
E a noite se avigora,
Enquanto o sol palpita
Em tênues lampejos de desdita.
E a lua já se finca
Nas altas e estreladas
Abóbadas tecidas pelas fadas.
Glauco
Vamos, cabritas minhas!
Não vos detenham, cabras, meus cercados!
Pastor, se te mantinhas
Nos bosques encerrados,
Depressa vai aos antros retirados!
Sávio
Observa aquela estrela
Que está no alto sólio cintilante!
Que belo é poder vê-la
Com força radiante
E saber que ela vai de nós diante!
Glauco
Admira-me a beleza
Do claro céu no gelo cintilando
E toda a natureza
Sorri se iluminando,
Ao receber a luz de vez em quando.
Celeste melodia
Provém das rudes liras desses grilos
Que na folhagem fria
Trovam o Amor tranquilos,
Ainda que o Amor não queira ouvi-los.
A solidão impera
No coração do bosque recoberto
Da neve mais severa,
Fazendo-se um deserto,
Onde a tristeza quer estar-nos perto.
Sávio
Estamos já nas grutas,
Das que um humilde córrego dimana.
Contudo deixa enxutas
As bases da cabana,
Na que o filho da bela Ninfa nana.
Glauco
Pressinto um bom augúrio
Que nos darão os ânimos celestes
Ao ver este tugúrio
De paupérrimas vestes
Tecidas com madeira e palha agrestes.
15
Bruno do Espírito Santo, LC.
Sávio
Somos também pastores
E pelos campos vamos sem destino.
Glauco
Nós vimos os fulgores
De um deus ou ser divino
Que nos anunciou este menino.
Sávio
Trouxemos-lhe presentes
Saídos do calor do nosso aprisco.
Glauco
Viemos sorridentes
Vencendo todo risco:
A altura da montanha, a lama e o visco.
José
Entrai, meus bons amigos,
E não vos exponhais tanto ao rocio!
Podeis nestes abrigos
Ocultar-vos do frio
Que desce da montanha pelo rio.
Sávio
Que bela criatura
Aos nossos olhos hoje se apresenta!
Orvalhado da altura,
Em rude trono senta
E rigoroso inverno experimenta.
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Parnaso Sacro
Glauco
Esta mansa cabrita
Trago-te, bom menino, com esmero.
É jovem e bonita
E por isso lhe quero
Com o meu sentimento mais sincero.
Sávio
Oferto um cordeirinho
Que do úbere ainda não desmama,
Mas que pelo caminho
De complicada trama,
Resvalando sujou-se em fria lama.
José
Entrai, ó soberanos,
E não olheis se é pobre esta morada.
Se vós não sois tiranos
E o justo vos agrada,
Dizei-me o fim da vossa caminhada.
Gaspar
O rei aqui nascido
Queremos venerar com ouro puro,
Que de Társis trazido,
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Glauco
Desculpai-me, senhores,
Mas vós deveis estar equivocados,
Porque nestes alvores
Vistos por todos lados,
Só um pastor nasceu por nossos gados.
Baltasar
Um rei aqui se esconde
Com toda a sua glória e majestade,
Mas vindes vós de onde,
Sem muita dignidade,
Para dizer feroz barbaridade?
Melquior
Jesus, um rico manto
Coberto de belíssimas safiras
Dou-te com gesto santo,
Para que as tuas iras
Consumam as avenas dos caipiras.
Sávio
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Parnaso Sacro
Um bode luzidio,
Cornífero, que os chifres alto ostenta
Com orgulhoso brio,
Darei e uma cinzenta
Cabrita, doce amor, se se apascenta.
José
Oh! Vede o meu menino
Da cabrita tocando a face bela
E movendo o seu sino
Atada da fivela,
Donde uma fita pendem amarela.
Glauco
À bucólica musa
Devemos a vitória, Sávio, amena,
Que na fértil Siracusa
Modula a doce avena,
Coroada de louro e de açucena.
Gaspar
O que tem o pequeno
Que a Deus dessa maneira tanto agrada?
Nascendo veio ao feno,
Salvando o nosso nada
Da morte mais temida e angustiada.
Baltasar
Partamos logo, eia!
Visto que a madrugada triste avança
E ainda muita areia
Pisar-nos-á a esperança,
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Bruno do Espírito Santo, LC.
José
Ficai aqui conosco
E desfrutai da noite deleitosa,
Pois neste abrigo tosco
Noz tenho saborosa,
Queijo abundante e aveia apetitosa.
Eles abandonaram
Minhas leis e estatuto sacrossantos;
As paixões os levaram
A cegos crimes tantos
Que se tornaram sórdidos encantos.
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Da inveja e da avareza
Provêm os roubos graves dos humanos,
Porque na natureza
Corrupta estão enganos
Que se aumentam passados vários anos.
As pestes e doenças
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Se houvesse humanidade
E compaixão aos débeis e aos enfermos,
Seria nescidade
Falar-vos nesses termos,
Sem a bondade em tudo o que fizermos.
Mulher luxuriosa,
De ti provém o verme do hedonismo
E a larva vergonhosa
De todo comodismo
Que habitam este mundo de cinismo.
Às máximas alturas
Da vida o amor criado foi perfeito,
Onde aquelas doçuras
Não sofrem o despeito
Do coração humano insatisfeito.
O amor é prestativo
E procura servir o bem-amado;
Tudo o que for lascivo
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Parnaso Sacro
Ou for desordenado,
No amor não deverá ser encontrado.
Contudo a egolatria
Está presente em muitos perturbando
A paz que outrora havia
No povo ou noutro bando
De pessoas nos quais estão se amando.
Eu dei a agricultura
A quem labuta e a quem também trabalha,
Limpando a terra dura
Da erva que atrapalha
A messe, embora pouco ela nos valha.
Cabreiro memorável,
Por que tu estás aqui no julgamento?
O teu canto admirável
Como o passar do vento
Deveria soar todo momento.
3. HORÁCIO
4. CANTÁBRICAS
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Parnaso Sacro
A cristalina linfa
Desliza por colinas, refrescando
Os pés da minha Ninfa
E, enquanto está cantando,
Por montes vai e vales me buscando.
Os verdejantes prados
Ao verem os teus olhos, Ninfa bela,
Sorriem, encantados
Pela doçura aquela
Que têm, e o dia vendo-os se desvela.
Ó Vida, vê e escuta
As lágrimas que o córrego derrama
Nas pedras desta gruta,
Perdendo-se na lama
Do coração daquele que te ama!
E aí te chamei vida,
Enquanto tu me davas
Os frutos que em teus braços me guardavas.
A brisa matutina
Esparge aos céus o odor dos teus cabelos
E o prado e a campina
Ardem assim de zelos,
Desejando em seus páramos obtê-los.
Caminhando ao entardecer,
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Parnaso Sacro
Acabou de entardecer
E ao final eu não dormi.
«Se não tem o que fazer,
Por favor, não faça aqui.»
Vi o dia amanhecer
E nada, enfim, consegui.
«Se não tem o que fazer,
Por favor, não faça aqui.»
Ó trabalho desumano
Dos que sem trabalho estão,
Que descansa o corpo humano,
Mas a alma dele não!
6. DAVI E JÔNATAS
Jônatas
Olá, Davi, amigo
Caríssimo e bondoso companheiro!
Feliz estou contigo
Cruzando este outeiro
E teus cantos ouvindo o dia inteiro.
Davi
Que coisa assim ingente
Apressa-te com ímpeto e agonia?
Há algo mais urgente
E doce à luz do dia
Que retirar da harpa a melodia?
Jônatas
Não sabes, meu colega,
Que altivo nos combate um gigante?
Saul, o rei, entrega
Colar de diamante
A quem comparecer dele diante.
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Parnaso Sacro
Davi
Longe de mim a glória
Que vem acompanhada de mau cenho!
A morte peremptória
O bem que em mim eu tenho
Murcharia com todo seu empenho.
O leite é abundante
Que dá minha cabrita com esmero.
Colar de diamante
Não tenho nem espero
Receber por matar um homem fero.
Frondosas macieiras
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Jônatas
Ninguém há que suporte
Uma vida erradia e miserável!
Por mais que sejas forte
E amigo inigualável,
O inverno vem com cólera implacável.
Davi
Refreia, amigo, o ardor
Que sentes em virtude de meus anhos!
Deus é também pastor
E tem os seus rebanhos
Que apascenta sem lucros e sem ganhos.
O poeta
Jônatas irritado,
Sem proferir palavra, vai-se embora;
Davi abandonado
Caminha, enquanto chora,
Por entre vicejante e densa flora.
O estrangeiro
Davi, aqui te trago
De Jônatas a fúlgida armadura.
O mísero e aziago
Jazeu em terra dura,
Após haver lutado com bravura!
Golias, carniceiro,
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Davi
Pesares dolorosos
Tuas palavras trazem, peregrino,
Aos campos lacrimosos
De Jônatas divino,
Que para mim será sempre um menino.
À fé mais verdadeira
O ouro tu preferes,
Tu, mais querido amor que o das mulheres!
Deixa-me, peregrino,
A brilhante armadura que trazias.
Deixarei o meu trino
Empós do tal Golias,
Que desde agora tem contados dias.
O poeta
Davi empunha a aljava
E veste a nívea e sólida armadura;
Tal como um deus estava
A áspera figura,
Que ia semelhante à noite escura.
Entrou no acampamento,
Onde com medo estavam os hebreus.
Num simples movimento,
Pensaram que era um deus
Do Céu trazido contra os filisteus.
Davi
Tu, rei, me subestimas
Por minha juvenil e tenra idade,
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Saul
Tens meu consentimento
E, desde agora, faço-te guerreiro.
Sê livre como o vento,
Astuto e traiçoeiro,
Para vencer Golias carniceiro.
O poeta
Davi saiu às pressas
E um batalhão feroz levou consigo.
Chegando em frente a essas
Muralhas do inimigo,
Sentiu a sombra fria do perigo.
Golias furioso
Saiu do alto alcácer revestido
De um elmo glorioso
Qual Marte parecido,
E peles de leões como vestido.
Golias
Hei de partir-te ao meio,
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Parnaso Sacro
Davi
Condutor de insolentes
E néscio sedutor de ignorantes,
Irei quebrar-te os dentes,
Para que rias antes
De morreres por lâminas cortantes.
O poeta
Golias joga a lança,
Querendo de Davi ferir o ventre,
Mas esta não lhe alcança,
Fazendo com que entre
No Hades, casa escura os mortos dentre.
Golias
Tiveste, jovem, sorte
Para escapar da lança de Golias,
Livrando-te da morte
Que certo sofrerias,
Cravada nas entranhas tuas frias.
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Ó deuses sempiternos,
Fazei Davi cair por minha espada
E a porta dos infernos
Seja feliz morada
À alma de Davi ensanguentada!
O poeta
Com ira assim dizendo,
Pega da longa espada, furibundo,
E a ele vai correndo
O néscio e iracundo
Que dormirá no sono mais profundo.
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Parnaso Sacro
7. VIDA NO CAMPO
Sávio
Escuta, Glauco, a chuva
Compondo doces notas no telhado,
E o fresco odor da uva
No vinhedo molhado
Podemos perceber de lado a lado.
Glauco
Teu gosto não te engana,
Ó Sávio, mas estamos bem servidos
Com mel e com banana
Do extremo sul trazidos
Por nossos generosos conhecidos.
Sávio
De quem estás falando,
A fim de ter melhor conhecimento?
Glauco
De Flávio e de Fernando
Que desde algum momento
Estão de volta e nada disso invento.
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Sávio
Entrai e sem demora
Sentai-vos nestes bancos de madeira,
Visto que o dia chora
Com chuva prazenteira,
A sede saciando da videira.
Glauco
Sentai e desta mesa,
À qual, de agrestes frutos sempre cheia,
Não falta a framboesa,
Comei suave aveia
E brandas nozes sejam vossa ceia.
Flávio
Ainda sois pastores
Ou só cuidais da vinha deleitosa?
Vimos diversas flores,
Como a violeta e a rosa,
Na varanda que tendes espaçosa.
Sávio
Levamos o rebanho
Ao seguro calor do nosso aprisco,
Porque como de antanho
Queremos todo risco
Evitar que provém do gado arisco.
Glauco
Plantamos o que é belo
Em torno da pobreza da choupana
E de verde-amarelo
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Parnaso Sacro
Fernando
A chuva já se aplaca
E o céu azul ressurge nas alturas
Com claridade opaca,
Mas todas as doçuras
Do campo ainda vemos nas culturas.
Sávio
As árvores gotejam,
Suando no verdor da sua fronde,
Para que todos vejam
Que bem o sol se esconde
De medo, quando a força não responde.
Glauco
E na copa garrida
Correm por todas partes dois esquilos,
Que ganham sua vida
Nos dias mais tranquilos,
Guardando tenras nozes nos asilos.
Flávio
Aquela ovelha é vossa,
Que tem bem cheio o úbere de leite?
Queiram os céus que eu possa
Prová-lo e me deleite
Também com vosso vinho, mel e azeite.
Sávio
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Tomai o necessário
Para satisfazer o vosso gosto.
Seria temerário
E meu maior desgosto
Perder por avareza o nosso mosto.
Fernando
Agora saciados
Da vossa doce e grata companhia,
Iremos confortados
E cheios de alegria
De volta à nossa casa velha e fria.
Glauco
Ficai, meu bons amigos,
Conosco porque a noite se exaspera.
Não achareis abrigos
Na escuridão severa:
Esperemos o sol de primavera.
Flávio
Nada melhor na vida
Podemos desejar que a caridade
Da pessoa querida,
Na que toda bondade
Encontra-se no amor e na amizade.
Glauco
44
Parnaso Sacro
Sávio
Ó Glauco, o teu discurso
É semelhante ao cântico da abelha,
Que faz o seu percurso,
Sempre à outra parelha,
Provando o mel da rosa mais vermelha.
Glauco
Ah, Sávio, aqui tranquilos
Podemos contemplar os verdes ramos
Das árvores e esquilos,
Que de longe avistamos,
Saltando sobre os cedros que plantamos!
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Bruno do Espírito Santo, LC.
No rigoroso inverno
Temos de ovelha lã suave e grossa;
E que nos é mais terno
Do que a manada nossa
Pastando e só por nós olhar se possa?
Inúmeros carvalhos,
Que dormem sobre o campo florescido,
Derramam de seus galhos
O mel apetecido
E têm no verde-claro o seu vestido.
Sávio
Ó Glauco, não te importe
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Parnaso Sacro
A virgem revelada
De novo voltará com poderio
E a ingratidão passada
Em tanto desvario
Fundir-se-á qual gelo luzidio.
E os pássaros em bando
Que estão em torno a nós sempre voando.
Glauco
Cubramo-nos de flores,
Sem querer procurar cuidados graves,
E em todos os labores
Emulemos as aves,
Com melodia e cânticos suaves.
Em verde colina
Coberta de flores,
Corria a menina
Com seus dois amores.
Um era divino
Ao céu levantado
E o outro era um hino
Dos anjos roubado.
O bosque garrido,
Ao vê-la, brilhava
E o vale perdido
Seus passos buscava.
Cecília, tocando
A avena suave,
Cantava aplacando
A pena mais grave.
48
Parnaso Sacro
Ó mente assassina,
Por que nos fizestes
Perder a menina
De lábios agrestes?
Cecília levada
Pelo general
À negra morada
Foi de um tribunal.
Eu tive em amar
A quem não é amado
Em nenhum lugar?»
O chefe romano
Não lhe deu ouvidos
E a voz do tirano
Calou seus gemidos:
«Levai-a daqui
E dai-lhe a sorte
Que quis para si
No reino da morte.»
Ao bosque a levaram
As mãos inimigas
Que ingratas calaram
Aquelas cantigas.
Bela jovenzinha,
Coberta de flores,
Jazia sozinha
Por seus dois amores.
O vento soprando
Seus louros cabelos,
Trouxeram em bando
Os pássaros belos,
Um pássaro havia
Com um rouco chio
Que, sem alegria,
Sentia um vazio.
Em vendo a donzela
Dos lábios formosos,
Da face tão bela,
Dos olhos chorosos,
Os pássaros iam
Adejando em coro
E as fontes que viam,
Corriam em choro:
«Cecília pequena,
Que, pois, de tua lira
Fizeram amena
Por ódio e por ira?
51
Bruno do Espírito Santo, LC.
O bosque florido
Também lamentava,
Com lento ruído,
Aquela que amava.
O Amado
Enquanto tu não tinhas
Outro amor que comigo disputava,
Das alegrias minhas
Minh’alma desfrutava
E, mais que Deus, feliz eu me encontrava.
A alma
Enquanto assim contigo
Andava em amorosa companhia,
Eras meu doce amigo
Que de noite e de dia
Minh’alma desejava e pretendia.
O Amado
Mas que mortal cuidado
Levou o amor que em nós batia eterno?
E assim abandonado
Fiquei e o grave inverno
Cobriu de densa neve o amor materno.
A alma
Do século a enganosa
Beleza seduziu-me fortemente
E a breve cor da rosa
Levou a minha mente
53
Bruno do Espírito Santo, LC.
Então me vi sozinho,
Sem ter a quem me amava com certeza,
E meu fatal caminho
Encheu-me de tristeza,
Pois é dos homens fraca a natureza.
O Amado
Eu era quem chamava
Notas de amor dizendo ao teu ouvido,
E quanto mais clamava,
Tu já te havias ido
E de meus braços tinhas já fugido.
Achei-te em um deserto
Inóspito aos amores que querias
E sem ninguém, decerto,
Com quem todos os dias
Em mil comodidades tu vivias.
54
Parnaso Sacro
A alma
Porém, se toma assento
De um modo novo n’alma rechaçada
O que levou o vento
Na escura madrugada,
Em que caíram chuvas e geada?
I
Num campo garrido
De flores formosas,
Estava Cupido
Dormindo entre as rosas.
O vento movia
Seus louros cabelos
E neles tecia
Dourados novelos.
O bosque sereno
Conforto lhe dava
E sombra ao pequeno
Que aí descansava.
Corriam as fontes
E os cantos das aves
Traziam aos montes
56
Parnaso Sacro
Repousos suaves.
A mão do Cupido
Nela se encostou,
Co dedo ferido
Se lhe deparou.
Saindo correndo
E movendo a asa
Pelo golpe horrendo,
Foi a sua casa.
Pequena serpente
Com asas picou
Meu dedo doente
E enfermo eu estou.
57
Bruno do Espírito Santo, LC.
Serpente chamada
Por agricultores
Abelha dourada
De duros rigores.
E Vênus formosa
De soltos cabelos,
Por quem toda rosa
Consome-se em zelos,
Falou docemente
E quis consolar
Seu filho que sente
Um fundo pesar:
Se um bicho pequeno
Te fez tanto dano,
Que, pois, teu veneno
Em um ser humano
Causar poderá?
Essa dor terrível
58
Parnaso Sacro
Logo passará,
Mas de ti impassível
Quem escapará?»
II
«Tu vais pelos vales
E pelas montanhas,
Ferindo com males
As terras estranhas.
Unindo na vida
E dando prazer
Ao ser que duvida
De que o possa ter.
Os deuses também
De ti não puderam
Fugir para bem
E em ti se perderam.
Apolo encantado
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Bruno do Espírito Santo, LC.
Júpiter tonante
E chefe celeste
Sofreu como amante
Também esta peste.
Eurídice e Orfeu
Felizes se amaram,
Enquanto o himeneu
E eles duraram.
De Píramo a amada
Era Tisbe bela,
Mas foi fria espada
O fim dele e dela.
Na qual feneceram.
Tu também, Cupido,
Caíste em engano
Por Psique ferido,
Sem seres humano.
Afasta de mim
Teus olhos, Amor!
Não seja o meu fim
Uma nova dor.
Sávio
Que bela e grata vista,
Ó Glauco, com verdíssimas montanhas!
E não penso que exista
Maravilhas tamanhas
Em meio a terras bárbaras e estranhas.
61
Bruno do Espírito Santo, LC.
Glauco
Conduz os teus cordeiros
Com álacre presteza neste instante
E com passos ligeiros
Vejamos adiante
A terra para mim mais importante.
Sávio
Em que lugar estamos,
Amigo Glauco, lúcido aos sentidos
Com vales, plantas, ramos
E campos florescidos,
Que agradam com aromas espargidos?
Glauco
Eis que tu vês Atenas,
Ó Sávio, e o templo sacro de Minerva,
No qual ali apenas
Viceja a nobre erva
Que for da divindade humilde serva.
Sávio
Visto que sou romano
E tu, da raça grega descendente,
Explica sem engano,
No que te for prudente,
A história valorosa dessa gente.
Os nossos cordeirinhos
Repousarão ao lado desta fonte
E, à beira dos caminhos
Que curvam o horizonte,
De flores cingiremos nossa fronte.
Glauco
Visto que me pediste
E do trabalho estamos ociosos,
Farei soar a triste
Flauta de sons chorosos,
Para narrar seus dias gloriosos.
Sávio
Entoa sem demora
À sombra deleitosa o som campeiro
Da música sonora
E o canto prazenteiro
63
Bruno do Espírito Santo, LC.
Glauco
Ó Ninfas camponesas!
Ó musa pastoril e delicado
Cortejo de princesas
De cântico ritmado,
Escutai-me, se for do vosso agrado!
No princípio de tudo,
Os deuses habilmente construíram
O firmamento mudo
E em partes dividiram
As terras que entre todos assumiram.
Vulcano habilidoso
E Minerva ficaram com Atenas
E do solo argiloso
Fizeram açucenas
Brotar nas noites calmas e serenas.
Plantaram macieiras
Entre os cedros do bosque perfumados
E ramos de oliveiras,
Com uvas enlaçados,
Penderam ao redor de verdes prados.
Harmoniosas fontes
Jorravam das altíssimas colinas
E aos pés dos mansos montes
Germinavam boninas
Que perfumavam vales e campinas.
64
Parnaso Sacro
Aqueles habitantes
De Atenas eram míseros pastores,
Sem honras importantes,
Sem que fossem melhores
Do que os filhos quaisquer de agricultores.
Atlântida chamada
Foi pelos filhos de Atlas, moradores
Da terra agraciada
Pelo aroma das flores,
Onde o sol aquecia seus amores.
Pirâmides soberbas
Levantaram ao modo das do Egito;
Humilhações acerbas
Ao povo então aflito
Impuseram, sem ter nenhum delito.
Embarcações funestas
Construíram a fim de o mundo inteiro
Escravizar por estas
Armadas de vezeiro
Poder, que quer de todos ser primeiro.
E Júpiter tonante,
Tendo na mão o raio impiedoso,
Falou com voz vibrante,
De som tempestuoso,
Ao concílio dos deuses glorioso:
Então os insensatos
Lutaram contra o exército de Atenas
E os navios ingratos,
Que o mar negro envenena,
Sofreram da Justiça amarga pena.
Perdeu-se na memória
A lembrança da Atlântida vencida
E aquela antiga glória,
Qual erva fenecida,
Sumiu-se na escassez da breve vida.
67
Bruno do Espírito Santo, LC.
Sávio
Proezas me disseste,
Ó Glauco, que eu jamais saber podia
No trabalhar agreste
De arados à porfia
Que vão e vem girando todo o dia.
Glauco
Ó Sávio, logo em frente
De abelhas o zumbir ouço afanosas!
Tomemos, se é prudente,
O doce mel das rosas
Que das colmeias mana saborosas.
Sávio
Depois a tua avena
Tocarás, as cigarras emulando
Que, na tarde serena,
Sobre o pinheiro brando
68
Parnaso Sacro
Glauco
Mas toca tu primeiro,
Ó Sávio, aquele cântico sonoro,
Humilde e prazenteiro,
Que sabes que eu adoro,
Aquele que me traz suave choro.
Sávio
Ó música de Erato
Dulcíssima soando em meus ouvidos,
Com um trinado grato,
Faze que meus sentidos
Sejam por teu trinado suspendidos!
Antigamente havia
Um grupo de pessoas que cantava
Ao sol do meio-dia
E as musas alegrava
Com o suave canto que tocava.
O grupo de cantores,
Arrebatado pelo encantamento
E insensível às dores,
Morreu sem alimento,
69
Bruno do Espírito Santo, LC.
As musas delicadas
Em cigarras mudaram-lhe a figura,
Que cantam repousadas
Das árvores na altura,
Sem ter necessidade de fartura.
Glauco
Tens puro mel nos lábios,
Amado amigo, tens o odor das flores
E pensamentos sábios,
Que trazes aonde fores
Em ânforas vertidos incolores.
O poeta
Madalena procura
Jesus, o seu amado, entre as folhagens
De um horto em noite escura.
Pasmou-se por imagens
Dos anjos a contar-lhe estas mensagens:
Os anjos
Por que, Maria, choras,
Procurando entre os mortos teu Amado?
Se a perda que deploras
Ocupa teu cuidado,
Dizemos-te que está ressuscitado.
Madalena
Percorrendo os caminhos
Irei anunciando a todas gentes:
Aos campos e moinhos,
Às águas e torrentes,
Às aves que de amor estão doentes.
Ó aves pequeninas,
Voai em direção a meu Amado
Que dorme entre as boninas
71
Bruno do Espírito Santo, LC.
De um campo floreado
E ponde-lhe nos lábios meu recado.
Cabreiro, porventura,
Não viste meu Amado nos outeiros?
Escutaste a doçura
Dos seus lábios ligeiros
Por terras, onde andaste, de estrangeiros?
E tu, ó sertanejo,
Nos teus sertões achaste a quem eu quero?
Por certo não o vejo
E ainda assim o espero,
Enquanto me devora um temor fero.
O pastor
Por que nos interrogas,
Mulher? Porém, dirige-te à cidade
E àqueles que usam togas
E velhos são de idade
Implora-lhes dizer toda verdade.
Madalena
A lira olhai de Homero:
De sangue estão cingidas suas cordas.
Por isso não a quero
E tu, pastor, recordas
Que ali o mal dispôs a suas hordas.
73
Bruno do Espírito Santo, LC.
Percorro só florestas
E luminosos bosques sem cansaço,
Porque aí são festas
As noites em que abraço
O Amado, vendo a lua do terraço.
Em um jardim fechado,
A sombra vi passar do meu Querido;
Seu jeito perfumado
Me tem desvanecido,
Deixando o coração enternecido.
Se tu, ó jardineiro,
74
Parnaso Sacro
O Amado
Aqui me tens, Maria:
Cessa com tuas lágrimas agora.
Sem tua companhia
Estive um tempo fora,
Colhendo doces frutos dessa flora.
De noite a penedia
Cobre-se de rocio
E pelo vento frio
Congela-se ou esfria.
Os álacres pastores
Discutem sobre ovelhas:
– «As brancas!» – «Não, vermelhas!»
De gostos e de cores…
O Astro luzidio
Nenúfares desperta,
Que sempre estão alerta
Ao passo seu tardio.
Também os camponeses,
Em contínua refrega,
Obtêm a sua sega
Além dos duros meses.
É mísera e aziaga
A vida sedentária,
Prefiro a solitária
Que o tempo não apaga.
Pardais em revoada
Contemplo; não a súcia,
Mortal em sua astúcia,
De gente depravada.
Em cristalinas fontes
Banho-me como um ganso
Levado no remanso
Aos pés dos verdes montes.
Abraço a primavera
Chegando revestida
De amor, de flor, de vida,
Após a longa espera.
77
Bruno do Espírito Santo, LC.
E eu, um maltrapilho,
Revisto-me de lírios,
Estrelas são meus círios:
Sou de Natura filho.
Desdenho as façanhas
Dos grandes venturosos;
Meus pés são mais ditosos
No cume das montanhas.
Pã na cidade cheia
Perturba os humanos,
Reduz seus poucos anos
A simples grãos de areia.
Os prados vicejantes
E os ternos passarinhos.
79
Bruno do Espírito Santo, LC.
O camponês
Que doce melodia!
Quem é que a leve harpa assim dedilha?
Seu som me parecia
O amor que em ti fervilha,
Do céu manifestando a maravilha.
Davi
Davi, senhor, me chamo
E por aqui levava meu rebanho.
Tocar a lira amo,
Enquanto pasta o anho
Por estes grandes prados, sem tamanho.
81
Bruno do Espírito Santo, LC.
O camponês
Suplico por Deus santo:
Não cesses de tocar teu instrumento.
Parece-me teu canto
Ao som que faz o vento
Ao insuflar nas campinas seu alento.
Davi
Visto que me pediste,
Tocarei conduzindo meus cordeiros
E teu trabalho triste,
Arando estes outeiros,
Será feliz juntando em teus celeiros.
82
Parnaso Sacro
O camponês
Dedilha sobre as flores
Que dormem sobre vales e campinas;
Dirige teus louvores
Às rosas e boninas
E recomeça o canto, se o terminas.
Davi
Quero cantar o amor
Que me abrasa as entranhas com doçura
E com isso depor
A lúgubre amargura
Daquele que trabalha a terra dura.
A abelha azafamada
Em prantos leva o néctar à colmeia,
Contudo essa pesada
Realidade ou ideia
Depois se tornará doce geleia.
Alegres jovenzinhas
Conversam sobre casas e vestidos,
Ao passo que das vinhas
Os cachos recolhidos
Em cestos são por elas repartidos.
83
Bruno do Espírito Santo, LC.
O sol adormecendo
Reveste de dourado o firmamento
E a noite aparecendo
Traz tão suave vento
Que não cantar com arte não aguento.
Natura te oferece
Delicioso queijo e branco leite;
Ao fim da tua prece,
Encontrarás azeite
E à tarde, doce mel que te deleite.
A terra generosa
Fecunda ao teu redor as belas flores;
A violeta e a rosa,
Aonde quer que fores,
Irão trazer-te à mente teus amores.
O camponês
Ó jovem, é divino
84
Parnaso Sacro
Y no desea gloria
Efímera y caduca de la gente,
Ni quiere hacer memoria
De sabio o de prudente,
Mas busca lo que dura eternamente.
Entonces reposado
Al lado de una fuente rumorosa,
Verá que su ganado
De raza vigorosa
Va sin temor en noche tempestuosa.
No cuida de riqueza,
Mas con lo que le ofrece está contento
La gran Naturaleza,
Ni quiere en pensamiento
La fama que se mueve con el viento.
En el otoño toma
Las uvas que producen dulce vino
De inigualable aroma.
Y si el invierno vino,
No se estremece o teme su destino.
Su gusto se complace
En la armonía límpida del cielo
Y el canto que ahí nace
86
Parnaso Sacro
Es todo su consuelo,
Llevando a Dios al alma aquí del suelo.
La grata sinfonía
Del universo va de estrella a estrella,
Formando una armonía
Organizada y bella,
Que no hay aquí belleza como aquella.
22. MONÓLOGO I
89
Bruno do Espírito Santo, LC.
23. MONÓLOGO II
Eu castigos merecia,
E estou aqui em vossos braços.
Hoje sou vivos pedaços
Do todo em que me perdia.
O rouxinol e a andorinha
Aí constroem seus ninhos
E dão aos seus filhotinhos
O doce fruto da vinha.
25. MONÓLOGO IV
96
Parnaso Sacro
Conselhos prudentes
Amor recebeu
Dos peitos ardentes,
Guardando no seu.
Eu quero abraçar-te
Com força e vigor
E saber a arte
Que chamas amor.»
Cupido corria
E não aguentava
Correr todo o dia
Com flechas e aljava.
Saiu do caminho
E quis se esconder
Num monte de espinho
De um rosal qualquer.
98
Parnaso Sacro
E a rosa bondosa
Perfume lhe deu;
Botões desta rosa
No Amor floresceu.
E Vênus cansada
Da busca sem-fim,
Dormiu na sacada
De um lindo jardim.
Cupido sorrindo
Sua forma antiga
99
Bruno do Espírito Santo, LC.
Descobre, caindo
Em rede inimiga.
«Cupido mesquinho,
Por que me fizeste
Sofrer este espinho
Do rosal agreste?»
Cupido corou-se,
Mudando de cor,
Grande dano armou-se
De mau a pior.
Serei reverente
A não mais poder
E constantemente
Vou te obedecer.»
28. AS PROVAÇÕES DE JÓ
O poeta
Reunido o Olimpo eterno,
O diabo chegou intrometido
E, cansado do inferno,
À terra havia ido,
Voltando do passeio aborrecido.
E Deus onipotente
Pergunta-lhe se a Jó tem encontrado,
Seu servo competente,
Fiel e dedicado,
Não cometendo em vida um só pecado.
El Shaddai
Enquanto passeaste
Pela terra dos homens ocioso,
Por acaso encontraste
Alguém mais precioso
101
Bruno do Espírito Santo, LC.
Satanás
Permite-te, Divino,
Arrebatar seus entes tão queridos;
Bater-lhe como um sino,
Deixando-lhe os sentidos,
Coração, corpo e mente escarnecidos.
O poeta
E Deus se compadece
Do astuto Satanás, pai da mentira,
Que fero à terra desce
Com Jó na sua mira,
No coração e mente grave ira.
De dor é rodeado,
Por lúgubre amargura é visitado!
Apodrece-me a língua
E os meus olhos, chorando, não se estancam,
A força agora míngua,
Cabelos se me arrancam,
Meu corpo cambaleia e as pernas mancam.
Esquece-me um momento,
Pois não te agrada o mal da criatura,
E se este sofrimento
É o da vida futura,
Há de ser, certamente, muito dura.
Caíram as estrelas
Do céu e nos seus anjos viu maldade:
As coisas, podes vê-las,
Mas na realidade
Só tem no interior impiedade.
Os montes se derretem
Ao ímpeto da face do Senhor;
As ondas que acometem
Com todo seu vigor,
Não podem resistir ao seu ardor.
Poderei, porventura,
Estar ante El Shaddai saindo ileso?
Não tenho sua altura,
Não tenho o mesmo peso;
Se altercasse com Deus, seria preso.
O poeta
Jó, apesar das dores,
Não afastou de Deus o pensamento,
Mas entoou louvores
Em agradecimento
Por ter podido aqui sofrer tormento.
Iahweh da tempestade
A Jó, seu servo, viu amargurado.
De dor e piedade
Sentiu-se arrebatado
Por ver seu filho Jó em tal estado.
Iahweh
Não te entristeças tanto,
Pois sou um Deus de amor, não de suplício
E chega ao céu meu canto,
Sem fim e sem início,
Apregoando em ti meu benefício.
As dores padecidas
Ao céu sobem ligeiras como incenso,
Se são oferecidas;
Porque, conforme penso,
Não podes suportar teu pranto imenso.
110
Parnaso Sacro
O mal, eu o permito
Para daí tirar maior proveito.
Não é por teu delito
Que isso eu tenho feito,
Pois só no bem dos homens me deleito.
O poeta
Enfim a paciência
De Jó pelo Senhor é premiada
Com ouro e com ciência
A mais da desejada;
Nas filhas, a beleza havia em cada.
111
Bruno do Espírito Santo, LC.
Ensinavas a canção
Que ardentemente em teu peito
113
Bruno do Espírito Santo, LC.
Sempre ardia,
Fazias a turbação
Chegar a ser, com efeito,
Melodia.
115
Bruno do Espírito Santo, LC.
31. SACERDÓCIO
Em sua companhia
Parece fenecer tudo ao redor,
Ali na Eucaristia
Não posso estar melhor,
Ai dos mortais que escolhem o pior!
116
Parnaso Sacro
Os homens se dissipam,
Buscando em vez do eterno o passageiro,
De igual modo antecipam
Seu choro costumeiro,
Trocando a Deus por fama ou por dinheiro.
Ó servos redimidos
No sangue precioso do Cordeiro!
117
Bruno do Espírito Santo, LC.
Ó servos revestidos
Do Homem verdadeiro,
Imagens de um futuro derradeiro!
Ó mísera grandeza
Do pecador chamado pelo Eterno!
Ó grande gentileza
Do coração paterno
De Deus, que nos sorri com gesto terno!
32. JACULATÓRIA
A amada
Eu, cansada, dormia,
Mas, atenta, minh’alma vigiava,
O amado meu batia,
118
Parnaso Sacro
O Amado
Abre-me, doce amada,
Já se foi o gravoso e duro inverno,
Passou a madrugada,
Nasceu o sol eterno,
O céu reluz azul, feliz e terno.
A amada
Saí empós do Amado,
Saí a procurá-lo e não achei,
Achou-me um soldado
A quem não me calei:
Onde está o meu Amado? – perguntei.
Bateram-me e feriram-me
Os guardas que rondavam a cidade;
Vagar perdida viram-me
E sem felicidade:
Por que não me dizeis toda a verdade?
Ó Filhas da Judeia,
Por meu dileto Amado vos conjuro!
Ó Ninfas da Judeia,
Dizei-lhe que é tão duro
Ter de esperá-lo em poço frio e escuro.
Dize-nos se é rosado
E porque tanto o queres,
Se tanto te abandona e assim te feres.
A amada
É branco e é rosado,
É o mais bondoso esposo entre dez mil.
Seu cabelo é dourado,
Seu lábio azul, anil,
Doçura traz seu porte varonil!
A amada
Meu Amado ao jardim
120
Parnaso Sacro
O Amado
Levanta-me, querida,
Vejamos se germinam novas flores!
Olhemos: brota vida,
Já surgem novas cores,
Toda terra viceja em mil amores.
Mandrágoras exalam
Seu perfume, aromando nossos leitos;
Na rua intrigas calam,
Cessam todos os pleitos
E primavera aquece nossos peitos.
Ó Ninfas da Judeia,
Rogo-vos pelos lírios e nogueira,
Orquídea e azaleia
De cor nobre e fagueira,
Não desperteis o amor até que o queira.
A amada
Porque tanto tardaste,
Amado, e me deixaste tão sozinha?
Enquanto demoraste
Perdi a minha vinha,
Por ti só quis trocá-la mas não tinha.
Rodeai-me de flores,
Com maçãs dai-me forças e contente
Não sentirei mais dores
De febre veemente,
Porque de grave amor estou doente.
O poeta
E juntos permanecem
O rei com sua amada sem perigos
E o mundo em volta esquecem,
Vencendo os inimigos.
Portanto, embriagai-vos, meus amigos.
1º Jesus é condenado
Jesus é condenado
À morte, padecendo sob Pilatos.
Quão grave é o pecado,
Em palavras e em atos,
Que faz Jesus sofrer por mim maus-tratos!
123
Bruno do Espírito Santo, LC.
Oração
Que vossas chagas santas
Conformem com a vossa as nossas vidas
E nossas culpas tantas
Vos sejam esquecidas
126
Parnaso Sacro
127
Bruno do Espírito Santo, LC.
É bem-aventurado
Quem conhece de Cristo o amor profundo,
Quem tem por desprezado
O que é por um segundo
E o que logo fenece com o mundo.
128
Parnaso Sacro
Ao homem piedoso
Toda necessidade é amargura
E só lhe é glorioso,
Nesta vida tão dura,
Estar livre de toda criatura.
Chagando o coração
Da alma, Deus a limpa, fere e cura,
129
Bruno do Espírito Santo, LC.
Deixando-a em solidão,
Desprezo e noite escura,
Para depois, enfim, lhe dar ternura.
Assim arrebatada
De tudo quanto a prende e a embaraça,
Se sente libertada
De tudo quanto faça,
E tudo se dissipa qual fumaça.
Ó mansão esquecida,
A ti dirijo todo o meu desejo,
Pois sei que há outra vida
Além da qual eu vejo,
Mais formosa e perfeita que prevejo!
131
Bruno do Espírito Santo, LC.
39. É NOITE
42. CAOS
Permiti-me estar
Junto aos pés da cruz,
Deixai-me expirar
Sem paz e sem luz.
Se um dia tirais
De junto da cruz,
Fazei-me ver logo
O Céu que seduz.
Lágrimas ardentes
Meus olhos choraram;
Por vossa bondade
Todas se enxugaram.
45. NATAL
139
Bruno do Espírito Santo, LC.
47. CONSIDERAÇÕES
48. FALSIDADES
140
Parnaso Sacro
142
Parnaso Sacro
49. SALTO
O taperá voando
Abrigo encontra em tua nobre taba
E às margens encontrando
Frescor que não se acaba,
Vai descansar no alvor de tua aba.
Ó Cidade de nobres!
Salto, porção amada desta vida,
Do céu azul te cobres
E ficas parecida
À noiva preparada e embelecida!
143
Bruno do Espírito Santo, LC.
51. A VOLTA
146
Parnaso Sacro
151
Bruno do Espírito Santo, LC.
ÍNDICE
153
Bruno do Espírito Santo, LC.
154