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Bruno do Espírito Santo, LC.

Imagem da capa: O Parnaso


Pintor: Rafael Sanzio
Lugar: Estâncias Vaticanas, 1576
ISBN 978-85-913349-0-2

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Parnaso Sacro

Bruno Átila do Espírito Santo, LC.

Parnaso Sacro
1ª Edição

São Paulo, SP
Edição do Autor
2012
Parnaso Sacro

Prefácio em prosa
O elo perdido

Rubén Darío lamentava, com razão, não ter podido


instaurar o modernismo literário em alguns países latino-
americanos. No Brasil, com efeito, o modernismo significou, a
inícios do século passado, a ruptura do desenvolvimento natural
da arte, transformando-se, não sem violência, em expressões
cada vez mais abstratas e distantes do nosso patrimônio cultural.
Dadaísmo, surrealismo, cubismo, futurismo, entre outras
expressões surgidas no passado século, são precisamente a
antítese do que o grande poeta nicaraguense entendia por
modernismo. O movimento por ele iniciado tinha por objetivo
ser uma explosão de harmonia e de beleza. A sua arte exclamava
eufórica: Ego sum lux, et veritas, et vita1, resumindo todo o ideal
do seu estilo.

O Brasil, por causa de condicionamentos históricos e


sociais, permaneceu alheio a esse projeto, assumindo formas de
arte literária às vezes facciosas, às vezes sorrateiramente
manipuladas por grupos ideológicos, às vezes simplesmente sem
rumo fixo. O nosso rico patrimônio cultural conheceu, portanto,
um período de inovação que perdura, de certo modo, ainda hoje.
O vaivém efêmero dos estilos literários que se alternavam sem
interrupção provocou no leitor brasileiro –de per si pouco
adepto à leitura– um desinteresse generalizado que vem se
agravando ultimamente. Os ramos do nosso tronco cultural
quiseram se estender pelos ares independentemente da seiva
vitalizadora da raiz e, muitas vezes, inclusive contra a raiz e em
detrimento dela. Com que resultado? Deixando à parte os

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RUBÉN DARÍO, Cantos de vida y esperanza, I, 1905.

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Bruno do Espírito Santo, LC.

recentes rebentos de esperança surgidos cá e lá, eu me atrevo a


dizer que o setor que mais sofreu foi o nosso «setor humano», se
é possível chamá-lo assim. A carência mais triste e nefasta para
o ser humano não é somente a de bens ou a de reconhecimento.
A carência que mais nos maltrata é a carência interior: perder
aquele centro íntimo no qual o homem encontra o ponto de
apoio inabalável para construir sua vida, isto é, para construir a
si mesmo como ser humano. Daí a necessidade imperiosa que a
cultura experimenta de voltar a suas raízes autênticas, tanto no
âmbito literário como no âmbito artístico em geral. Esquecer o
passado é não compreender o presente e temer o futuro. Isso não
significa que é preciso voltar ao passado como tal, pois isso é
impossível de fato e nem sequer nos convém. Aqui há dois
extremos que se deve evitar: refugiar-se em um passado
imaginário e romântico ou lançar-se temerariamente a um futuro
feito ex novo. As artes e as ciências devem avançar
necessariamente, mas, para alcançar o seu perfeito e vital
desenvolvimento, elas necessitam de quando em quando sugar a
seiva de suas raízes. Isso é lei de vida e categoricamente
inevitável.

Este meu livro vai nessa direção. Trata-se de uma obra


poética na qual recolhi vários versos escritos nessa última
década (2001-2010) sobre os mais variados temas. O leitor
atento encontrará aqui sonetos, liras bucólicas, coplas, reflexões
e movimentos férvidos da alma desejosa de Absoluto. Quais
foram as fontes originárias nas que me inspirei para escrever
esse livro? Ou dito de outro modo: que raízes são essas das
quais brotaram as flores e os frutos da minha poesia? Em
primeiro lugar, estes versos nasceram do contato assíduo e
prolongado com os clássicos greco-latinos, que plasmaram a
nossa cultura ocidental. Píndaro, Teócrito de Siracusa, Horácio,
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Parnaso Sacro

Virgílio, Ovídio, são alguns nomes que formaram, durante anos,


o meu interesse artístico. Do contato com esses escritores, tanto
na língua original como em traduções, surgiu também em mim a
dedicação a autores do renascimento como o inigualável
Camões, Petrarca e Dante. Além dessas grandes personalidades,
não nego que me inspirei também em alguns movimentos
literários como o arcadismo e o parnasianismo brasileiros.
Todos esses movimentos, salvando as suas diferenças
específicas, têm um fator comum: recebem da raiz clássica a
força vital e as cores exuberantes da sua literatura.

Embora isso seja assim, o leitor não deve pensar que este
meu livro gire ao redor do mundo greco-latino. Ao considerá-lo
atentamente, dar-se-á conta de que o núcleo, a raiz central, o
polo mais íntimo do qual nasceram e para onde se dirigem os
meus versos é o patrimônio perene da nossa fé religiosa. A fé foi
–e continua sendo– precisamente essa raiz que sustentou a
cultura greco-latina durante a destruição do império romano. A
fé, apesar dos humanos contrastes, povoou desertos, construiu
mosteiros, erigiu as primeiras universidades, levou a dignidade
da pessoa a civilizações longínquas. Por isso, no meu
pensamento sempre me serviram de inspiração os grandes
escritores cristãos como santo Agostinho, são Bernardo, são
João da Cruz, entre outros. Esses campeões do cristianismo
souberam unir admiravelmente à cultura clássica a sua fé em
Deus. Daí o nome do meu livro. Parnaso Sacro é um pequeno
esforço para harmonizar a beleza do antigo com a luz sempre
nova da fé. Essa união de beleza e fé foi o que o Papa Bento
XVI, na sua viagem apostólica a Barcelona, tinha em mente
referindo-se ao arquiteto Antônio Gaudí: «Com a sua obra,
Gaudí mostra-nos que Deus é a verdadeira medida do homem.
Que o segredo da originalidade autêntica está, como ele próprio
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dizia, em voltar à Origem, que é Deus. Ele mesmo, abrindo


assim o seu espírito a Deus, foi capaz de criar nesta cidade um
espaço de beleza, de fé e de esperança, que leva o homem ao
encontro com Aquele que é a Verdade e a própria Beleza. Assim
o arquiteto expressava os seus sentimentos: “Um templo [é] a
única coisa digna de representar o sentimento de um povo, já
que a religião é o que existe de mais elevado no homem”»2. A
literatura e as artes, quando procedem da fé, enriquecem a
pessoa humana no seu sentido mais pleno.

Dentre os versos do Parnaso Sacro, aqueles (poucos)


que carecem de rima são do primeiro período (2001-2002) antes
da minha estada em Salamanca, Espanha. Dificilmente poderei
identificar a data certa das outras composições poéticas. Só sei
que a maioria dos versos bucólicos é do período salmanticense
(2003-2004) e do meu primeiro período em Roma (2004-2006).
As composições tituladas Horácio, Por motivo da primavera e À
Virgem Maria são as mais recentes.

Advirto o leitor, sobretudo se afeito à minuciosa crítica


literária, de que nesse livro eu quis liberar o estilo de bizarrias
em moda e de vocábulos altissonantes, tão contrários à
simplicidade do Evangelho. Desejo que qualquer leitor, jovem
ou adulto, homem ou mulher, rico ou pobre, aproxime-se
expeditamente desse livro e encontre um pouco de paz nesses
versos. O Parnaso Sacro é o pequeno esforço para voltar às
raízes de uma maneira nova. É precisamente o esforço para
propor à nossa literatura o elo que permanece perdido para

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Homilia pronunciada na igreja da Sagrada Família em Barcelona, 7
de novembro de 2010.

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Parnaso Sacro

muitos. É o desejo de definir a essência da Beleza: lux, veritas,


et vita.

Não quero terminar esse prefácio sem antes agradecer a


todos aqueles que fizeram possível a publicação desse livro.
Meu agradecimento vai em primeiro lugar aos professores e
formadores que nesses anos me acompanharam e ajudaram com
a eloquência de suas vidas e com o apoio de suas palavras.
Também agradeço sinceramente a Thiago Bonfim, LC. Ele teve
a iniciativa e a caridade de reunir os rascunhos, às vezes quase
indecifráveis, onde eu escrevia os versos, e transcrevê-los para a
publicação. O seu apoio e conselho me foram valiosos e
insubstituíveis. Enfim, se é certo aquele adágio latino que reza:
Finis coronat opus, meu pensamento se dirige a ti, amigo leitor,
que és o destinatário único deste livro. Espero que estes versos
te sirvam de conforto e de esperança. A partir de agora, quero
que saibas que, com a leitura do meu livro, estamos unidos em
espírito e contas sempre com as minhas orações.

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Bruno do Espírito Santo, LC.

PRÓLOGO

Recolhi tudo o que pude,


Leitor, do que havia escrito
Nestes anos
Serenos da juventude
Que passaram – acredito –
Soberanos.
Se teu coração aceita
Com piedade o que escrevo
Nesta hora,
Verás tu quanto aproveita,
Quando velho e longevo,
Lê-lo agora.
Não busques aqui ciência
Nem correção literária
Nem beleza,
Visto que toda eloquência
É, sem Deus, imaginária,
É torpeza.
Procura a paz da alma,
Contemplando a pequenez
Destes versos;
Acharás de novo a calma
Que perdeste na altivez
Dos perversos.
Se teu coração permite,
Toca o céu e a terra neles,
Neles voa
A um espaço sem limite
E o ardor saído deles
Apregoa.
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Parnaso Sacro

Apesar de tantas vezes


Ter querido de umas obras
Desfazer-me,
Impediram-me outras vezes
Os amigos com manobras
A conter-me.
Praza aos Céus que meu pequeno
Labor aqui se converta
Salvador
Ao que está atado ao feno
Do mundo e rápido verta
Seu licor.
Sejam meus versos descanso
Aos que, como eu, sofreram
Tantas dores
E aos que vivem no remanso,
Sem lembrar os que morreram
Pecadores,
Sejam desses males aviso;
Não aconteça que a morte
– com certeza –
Chegue a eles de improviso
E o cordel da vida corte
Com dureza.

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1. IDÍLIO DE NATAL

Glauco
Aonde o cordeirinho
Levas, amado Sávio, da espessura?
Acaso este caminho
De bosques em brancura
Levar-te-ão à plácida ventura?

Mas se melhor negócio


Queres assim obter com tua venda,
Faz-me também teu sócio
E eu te darei em prenda
Um branco cordeirinho desta tenda.

Sávio
Não é pelo dinheiro
Que eu hoje cedo tenho amanhecido,
Mas é porque, no outeiro
De grutas revestido,
Um bom pastor ali nos tem nascido.

Pastor que em busca veio


Da ovelha mais rebelde e extraviada,
A fim de que em seu seio
Repouse amamentada
E seja em fértil campo apascentada.

Glauco
Espera-me e contigo
Irei, levando o som da minha avena
E escuta o que te digo:
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Parnaso Sacro

Qualquer que seja a pena


Do menino será com isso amena.

Sávio
Da cabra não te esqueças,
Ó Glauco, que dois gêmeos amamenta
De alvíssimas cabeças,
Suaves como a menta
Ou tarde ensolarada após tormenta.

Cruzemos este monte


Que está coberto agora pela neve,
Porque lá no horizonte
Estar gelado deve
Nosso pastor, envolto em pano leve.

Glauco
Da lã que houver mais grossa
Entre as ovelhas gordas do rebanho,
Tosquiarei a que eu possa
E com um bom tamanho
Farei um manto, e não será langanho.

Sávio
Partamos sem demora,
Que a luz do céu então se precipita
E a noite se avigora,
Enquanto o sol palpita
Em tênues lampejos de desdita.

Vê o bóreas como brinca


Nas folhas dos pinheiros congeladas
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E a lua já se finca
Nas altas e estreladas
Abóbadas tecidas pelas fadas.

Glauco
Vamos, cabritas minhas!
Não vos detenham, cabras, meus cercados!
Pastor, se te mantinhas
Nos bosques encerrados,
Depressa vai aos antros retirados!

Sávio
Observa aquela estrela
Que está no alto sólio cintilante!
Que belo é poder vê-la
Com força radiante
E saber que ela vai de nós diante!

Glauco
Admira-me a beleza
Do claro céu no gelo cintilando
E toda a natureza
Sorri se iluminando,
Ao receber a luz de vez em quando.

Celeste melodia
Provém das rudes liras desses grilos
Que na folhagem fria
Trovam o Amor tranquilos,
Ainda que o Amor não queira ouvi-los.

Junta-se a suas vozes


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Parnaso Sacro

O delicioso canto da cascata


Que com águas velozes
E sinfonia grata,
Serpenteia entre as pedras indo à mata.

A solidão impera
No coração do bosque recoberto
Da neve mais severa,
Fazendo-se um deserto,
Onde a tristeza quer estar-nos perto.

Sávio
Estamos já nas grutas,
Das que um humilde córrego dimana.
Contudo deixa enxutas
As bases da cabana,
Na que o filho da bela Ninfa nana.

Glauco
Pressinto um bom augúrio
Que nos darão os ânimos celestes
Ao ver este tugúrio
De paupérrimas vestes
Tecidas com madeira e palha agrestes.

José, abrindo discretamente a porta


Quem é que a esta hora
Consagrada ao repouso a todos grato,
Conversando aí fora,
Desperta aqui de fato
Meu menino, pastor por todos nato?

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Sávio
Somos também pastores
E pelos campos vamos sem destino.

Glauco
Nós vimos os fulgores
De um deus ou ser divino
Que nos anunciou este menino.

Sávio
Trouxemos-lhe presentes
Saídos do calor do nosso aprisco.

Glauco
Viemos sorridentes
Vencendo todo risco:
A altura da montanha, a lama e o visco.

José
Entrai, meus bons amigos,
E não vos exponhais tanto ao rocio!
Podeis nestes abrigos
Ocultar-vos do frio
Que desce da montanha pelo rio.

Sávio
Que bela criatura
Aos nossos olhos hoje se apresenta!
Orvalhado da altura,
Em rude trono senta
E rigoroso inverno experimenta.

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Parnaso Sacro

Glauco
Esta mansa cabrita
Trago-te, bom menino, com esmero.
É jovem e bonita
E por isso lhe quero
Com o meu sentimento mais sincero.

Sávio
Oferto um cordeirinho
Que do úbere ainda não desmama,
Mas que pelo caminho
De complicada trama,
Resvalando sujou-se em fria lama.

Melquior, batendo à porta


Abri-nos, vós de dentro!
Sou Melquior e venho do poente,
Gaspar provém do centro
-falando vulgarmente-
E Baltasar governa no nascente.

José
Entrai, ó soberanos,
E não olheis se é pobre esta morada.
Se vós não sois tiranos
E o justo vos agrada,
Dizei-me o fim da vossa caminhada.

Gaspar
O rei aqui nascido
Queremos venerar com ouro puro,
Que de Társis trazido,
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Guardamos bem seguro


Num cofre extremamente forte e duro.

Glauco
Desculpai-me, senhores,
Mas vós deveis estar equivocados,
Porque nestes alvores
Vistos por todos lados,
Só um pastor nasceu por nossos gados.

Baltasar
Um rei aqui se esconde
Com toda a sua glória e majestade,
Mas vindes vós de onde,
Sem muita dignidade,
Para dizer feroz barbaridade?

José, apaziguando a ambos


Por favor, cavalheiros,
Paremos esta estúpida contenda.
Entre ouro e cordeiros
Que cada quem atenda
Ao que Jesus quiser, sem reprimenda.

Melquior
Jesus, um rico manto
Coberto de belíssimas safiras
Dou-te com gesto santo,
Para que as tuas iras
Consumam as avenas dos caipiras.

Sávio
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Parnaso Sacro

Um bode luzidio,
Cornífero, que os chifres alto ostenta
Com orgulhoso brio,
Darei e uma cinzenta
Cabrita, doce amor, se se apascenta.

José
Oh! Vede o meu menino
Da cabrita tocando a face bela
E movendo o seu sino
Atada da fivela,
Donde uma fita pendem amarela.

Glauco
À bucólica musa
Devemos a vitória, Sávio, amena,
Que na fértil Siracusa
Modula a doce avena,
Coroada de louro e de açucena.

Gaspar
O que tem o pequeno
Que a Deus dessa maneira tanto agrada?
Nascendo veio ao feno,
Salvando o nosso nada
Da morte mais temida e angustiada.

Baltasar
Partamos logo, eia!
Visto que a madrugada triste avança
E ainda muita areia
Pisar-nos-á a esperança,
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Bruno do Espírito Santo, LC.

Para chegar à bem-aventurança.

José
Ficai aqui conosco
E desfrutai da noite deleitosa,
Pois neste abrigo tosco
Noz tenho saborosa,
Queijo abundante e aveia apetitosa.

2. APOLOGIA DOS DEUSES

No fim dos tempos foram conduzidos


Os deuses à presença dos humanos,
A fim de que lhes fossem infligidos
A causa principal dos nossos danos.
Sócrates presidia o julgamento
E cada deus estava a sós sentado
Na espessa e negra nuvem com tormento,
Sem ninguém o assistir, estando ao lado.
Primeiro interrogou-se o deus tonante,
Júpiter, pai dos deuses e do mundo,
Que estremeceu o Olimpo com vibrante
Voz, produzindo um ímpeto profundo:

Deuses, ouvi-me agora,


Porque direi verdades insondáveis
Sobre as ações de outrora
Que não são condenáveis
Aos homens, dos que vós na paz cuidáveis.

E Sócrates de pé com grandes vozes


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Parnaso Sacro

Esquadrinha os espíritos velozes:

Tu, Júpiter tonante,


És causador do mal da humanidade
Que, vendo a cada instante
A tua impiedade
E luxúria, seguiram-te a maldade.

Júpiter, pai dos deuses, lhe responde


E, em falando, a verdade não esconde:

Tudo criei com suma


Bondade, nisso incluso o homem novo.
Se agora bebe e fuma
Seguindo a voz do povo,
Quer a galinha ser antes do ovo.

Nas coisas há uma ordem


Que pelo homem mesmo foi quebrada.
Quer creiam, quer discordem,
A única cilada
Contra o homem por ele foi montada.

Eles abandonaram
Minhas leis e estatuto sacrossantos;
As paixões os levaram
A cegos crimes tantos
Que se tornaram sórdidos encantos.

De novo o sábio Sócrates pergunta


Ao belicoso Marte nessa junta:

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Foste, iracundo Marte,


O responsável certo das contendas,
Porque ninguém domar-te
Pode, nem pôr nas sendas
Em que passas cordéis que não desprendas.

O furibundo Marte em forte grito


Exprime o que no peito tinha aflito:

Quando na idade avança,


O homem sente sede de violência
E busca na matança
Obter proeminência,
Sujando iniquamente a consciência.

Caim matou por medo


De perder a aparência que mantinha.
Eu não movi um dedo
E não é culpa minha,
Se mata por dinheiro, campo ou vinha.

Mercúrio, então, dos deuses mensageiro


Acossado por Sócrates primeiro:

Mercúrio, deus ladino,


Como é possível vir a ladroagem
De um ânimo divino?
Oculto na folhagem
Roubaste do Cupido flecha e imagem.

Mercúrio mensageiro delibera,


Mostrando a sua face mais severa:
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Parnaso Sacro

Da inveja e da avareza
Provêm os roubos graves dos humanos,
Porque na natureza
Corrupta estão enganos
Que se aumentam passados vários anos.

Dos bens o vil desejo


Arrasta o néscio homem à desgraça
Do que vive sem pejo,
Mas no que quer que faça
Só fica a corrosão da negra traça.

Depois, com voz soando a cada polo,


Sócrates interroga o sábio Apolo:

Trazes funestas pestes


A todos os mortais que tu castigas.
Com arco te revestes
E as hostes inimigas
Feres e até amigos tu fustigas.

O filho de Latona, bom arqueiro,


Expôs este discurso verdadeiro:

Por mim a poesia


Nasceu aos rudes homens deste mundo
E com minha harmonia,
Tirada do profundo
Do ser, acalmo Marte furibundo.

As pestes e doenças
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Bruno do Espírito Santo, LC.

Vêm do ingrato descuido do que ao lado,


Perdido em néscias crenças,
Ficou abandonado
Num mundo indiferente a seu estado.

Se houvesse humanidade
E compaixão aos débeis e aos enfermos,
Seria nescidade
Falar-vos nesses termos,
Sem a bondade em tudo o que fizermos.

Interrogou a Vênus, a mais bela


Das deusas que assistiam junto d’ela:

Mulher luxuriosa,
De ti provém o verme do hedonismo
E a larva vergonhosa
De todo comodismo
Que habitam este mundo de cinismo.

E Vênus, do Parnaso glória eterna,


Respondeu sem volver a face terna:

Às máximas alturas
Da vida o amor criado foi perfeito,
Onde aquelas doçuras
Não sofrem o despeito
Do coração humano insatisfeito.

O amor é prestativo
E procura servir o bem-amado;
Tudo o que for lascivo
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Parnaso Sacro

Ou for desordenado,
No amor não deverá ser encontrado.

Contudo a egolatria
Está presente em muitos perturbando
A paz que outrora havia
No povo ou noutro bando
De pessoas nos quais estão se amando.

Depois o deus do vinho, o alegre Baco,


Que aceso tinha o fogo do tabaco:

Teu vício te condena,


Jocoso Baco, rei de toda festa,
À rigorosa pena,
Na qual se manifesta
O fero mal que a tua vida infesta.

Baco falou enquanto, soluçando,


Tentava se explicar argumentando:

Eu dei a agricultura
A quem labuta e a quem também trabalha,
Limpando a terra dura
Da erva que atrapalha
A messe, embora pouco ela nos valha.

As festas são queridas


Pela paixão dos homens que na orgia
Dissipam suas vidas,
Sem outra companhia
Além do imenso tédio ao fim do dia.
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Bruno do Espírito Santo, LC.

Tocando a doce avena, de repente,


Aparece o divino Pã, cabreiro
Excepcional e músico excelente,
Com uma cabra em braços e um cordeiro
Cornífero que ia dele em frente
E conduzia o gado dianteiro,
E Sócrates com rosto enfurecido
Interrogou o deus aparecido:

Cabreiro memorável,
Por que tu estás aqui no julgamento?
O teu canto admirável
Como o passar do vento
Deveria soar todo momento.

Conduz o teu rebanho


Ao som da doce avena que ressoa
Por prado sem tamanho
Com melodia boa
E por espaços agilmente voa.

Conduz com grato aceno


A cabra que dos bosques recebeste
E sob o céu sereno
Ensina o que aprendeste
Das musas aos mortais com flauta agreste.

Finda dos deuses sôfrega querela,


Onde os humanos foram condenados
A suportar a pena que, daquela
Antiga culpa, veio pelos fados,
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Parnaso Sacro

Abandonaram deus e deusa a bela


Cima do Olimpo e foram enviados
Ao mundo para o campo deleitoso
Cultivar com espírito animoso.

3. HORÁCIO

Beatus ille em outro tempo entoa


O doce vate Horácio,
Louvando em sua lira agreste e boa
O resplendor do Lácio.

Aqui verte nas taças de Mecenas


O vinho de Falerno;
Ali, sobre amapolas e açucenas,
O estilo verte terno.

Agrada-lhe gastar a tarde inteira


Deitado sobre a relva,
E contemplar dos vales a ladeira,
Que se perde na selva.

Escuta o manso rio que murmura


Doces canções de antanho;
E vê dos cordeirinhos a brancura,
Logo ao sair do banho.

E soa a avena sáfica entre flores,


Com ode mui tranquila.
Não sente das Erínias os temores,
Nem teme os cães de Escila.
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Bruno do Espírito Santo, LC.

Deleita o paladar com mel hibleia


E come brandos figos.
Não faltam ternas nozes nem geleia,
Se chegam os amigos.

À noite, com os Sátiros festeja


As Ninfas graciosas.
De dia, com Virgílio e Alceu verseja
O puro odor das rosas.

Aquele antigo olor e doce aroma,


Que possuía Atenas,
Horácio traz consigo agora a Roma
Por arte das Camenas.

Se Euterpe, ou se Melpômene, ou se Erato,


Ou qualquer outra Musa,
Me refrescar com água o meu palato
Das fontes de Aretusa,

Aos deuses me unirei, e certamente,


Alcançarei as metas,
Que tu cantas, Horácio, eternamente
No coro dos poetas.

4. CANTÁBRICAS

Versos e lágrimas de devoção derramados diante de um


quadro de Nossa Senhora

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Parnaso Sacro

A cristalina linfa
Desliza por colinas, refrescando
Os pés da minha Ninfa
E, enquanto está cantando,
Por montes vai e vales me buscando.

Teus olhos verde-claros


Refulgem e iluminam os escuros,
Vazios e preclaros,
Os templos inseguros
E arruinados dos olhos meus impuros.

Teus olhos verde-claros,


Ó Ninfa dos meus olhos lacrimosos,
A mim são os mais caros,
Mais belos e formosos,
Pois morro com seus raios luminosos.

Os verdejantes prados
Ao verem os teus olhos, Ninfa bela,
Sorriem, encantados
Pela doçura aquela
Que têm, e o dia vendo-os se desvela.

Ó Vida, vê e escuta
As lágrimas que o córrego derrama
Nas pedras desta gruta,
Perdendo-se na lama
Do coração daquele que te ama!

De branco e azul vestida,


No bosque dos meus sonhos, linda estavas
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Bruno do Espírito Santo, LC.

E aí te chamei vida,
Enquanto tu me davas
Os frutos que em teus braços me guardavas.

Ferem-me, Pomba amada,


Teus olhos como estrelas cintilando.
Ó íntima cilada,
Das luzes que, brilhando,
De mortes imortais me vão matando!

A brisa matutina
Esparge aos céus o odor dos teus cabelos
E o prado e a campina
Ardem assim de zelos,
Desejando em seus páramos obtê-los.

Vem, divina Pastora!


Quero escutar o som de tua avena
E se eu contigo fora
Colher uma açucena,
Feliz seria em toda a minha pena.

A pena desta vida


É não poder estar com teu rebanho
Na terra prometida,
Onde o leão e o anho
Juntos estão sem morte, perda ou ganho.

5. NON VACCANT TEMPORA

Caminhando ao entardecer,
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Parnaso Sacro

Num letreiro claro eu li:


«Se não tem o que fazer,
Por favor, não faça aqui.»

Ia, voltava e subia,


Sem chegar a nenhum lado.
Fiz de tudo num só dia
Como alguém que está parado.

Acabou de entardecer
E ao final eu não dormi.
«Se não tem o que fazer,
Por favor, não faça aqui.»

Visitei, pois, muita gente


Com o fim de mais ganhar;
Só lucrei o sol nascente
E uma vista para o mar.

Vi o dia amanhecer
E nada, enfim, consegui.
«Se não tem o que fazer,
Por favor, não faça aqui.»

Ó trabalho desumano
Dos que sem trabalho estão,
Que descansa o corpo humano,
Mas a alma dele não!

Não deixe o tempo correr,


Que não voltará por si.
«Se não tem o que fazer,
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Bruno do Espírito Santo, LC.

Por favor, não faça aqui.»

6. DAVI E JÔNATAS

Jônatas
Olá, Davi, amigo
Caríssimo e bondoso companheiro!
Feliz estou contigo
Cruzando este outeiro
E teus cantos ouvindo o dia inteiro.

Mas leva teu rebanho


Além desta colina e desta fonte;
Depois de dar-lhes banho,
Transpassa aquele monte
E grande novidade eu te conte.

Davi
Que coisa assim ingente
Apressa-te com ímpeto e agonia?
Há algo mais urgente
E doce à luz do dia
Que retirar da harpa a melodia?

Jônatas
Não sabes, meu colega,
Que altivo nos combate um gigante?
Saul, o rei, entrega
Colar de diamante
A quem comparecer dele diante.

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Parnaso Sacro

E ainda mais te digo:


O bravo que levar penosa morte
Ao pérfido inimigo
Terá o reino norte,
Contanto que a cerviz do monstro corte.

Davi
Longe de mim a glória
Que vem acompanhada de mau cenho!
A morte peremptória
O bem que em mim eu tenho
Murcharia com todo seu empenho.

Não quero outra coroa


Além da destas flores perfumadas.
Eu quero que a lagoa,
O mar e as belas fadas
Recebam-me nos braços de alvoradas.

Eu quero o meu carneiro


Levar por verdes prados e montanhas.
Não quero o vil dinheiro
Ganhar com artimanhas,
Nem quero as mãos sujar com más façanhas.

O leite é abundante
Que dá minha cabrita com esmero.
Colar de diamante
Não tenho nem espero
Receber por matar um homem fero.

Frondosas macieiras
33
Bruno do Espírito Santo, LC.

Estendem sobre nós seus férteis ramos


E junto das videiras
Estão os belos gamos
Que sob a sua sombra observamos.

Mas tu, amigo caro,


Não sigas esta gente e seus enganos.
O coração avaro
Ao homem gera danos
Que a dor aumentarão em breves anos.

Jônatas
Ninguém há que suporte
Uma vida erradia e miserável!
Por mais que sejas forte
E amigo inigualável,
O inverno vem com cólera implacável.

Não podes com cordeiros


Manter com segurança teu futuro,
Nem podem teus carneiros
Salvar-te de um apuro
Ou dar-te em tempestades lar seguro.

Davi
Refreia, amigo, o ardor
Que sentes em virtude de meus anhos!
Deus é também pastor
E tem os seus rebanhos
Que apascenta sem lucros e sem ganhos.

Teu jovem coração


34
Parnaso Sacro

Quer conduzir-te a vias tortuosas,


Mas rápidas serão
As glórias enganosas
Que os homens têm por lícitas e honrosas.

Contudo não condeno


A tua juventude desbragada,
Mas tudo o que é terreno
É morte antecipada,
É ver a vida jovem desgastada.

O poeta
Jônatas irritado,
Sem proferir palavra, vai-se embora;
Davi abandonado
Caminha, enquanto chora,
Por entre vicejante e densa flora.

Passados vários dias


Conduzindo Davi o seu rebanho,
Chegou mercadorias
Trazidas por estranho
Varão cansado e de discurso fanho.

O estrangeiro
Davi, aqui te trago
De Jônatas a fúlgida armadura.
O mísero e aziago
Jazeu em terra dura,
Após haver lutado com bravura!

Golias, carniceiro,
35
Bruno do Espírito Santo, LC.

Com carros arrastou seu corpo atado,


Deixando-o por inteiro
Inerte e ensanguentado,
A fim de ser por aves devorado.

Seu corpo e o armamento


Conseguimos salvar com mão valente.
Dei-lhe sepultamento
E a alma novamente
Voou, para viver eternamente.

Davi
Pesares dolorosos
Tuas palavras trazem, peregrino,
Aos campos lacrimosos
De Jônatas divino,
Que para mim será sempre um menino.

Tu, preciosa jade,


Brilhavas em meu ser quando sorrias;
Tu eras a metade
Das puras melodias
Que em minha vida estavam todos dias.

Agora te não tenho


Junto a meu coração lacrimejante.
Tu eras meu engenho
Mais sábio e mais brilhante,
Tu eras mais que ouro e diamante.

Por que dessa maneira,


Ó caro, me contristas e me feres?
36
Parnaso Sacro

À fé mais verdadeira
O ouro tu preferes,
Tu, mais querido amor que o das mulheres!

Deixa-me, peregrino,
A brilhante armadura que trazias.
Deixarei o meu trino
Empós do tal Golias,
Que desde agora tem contados dias.

O poeta
Davi empunha a aljava
E veste a nívea e sólida armadura;
Tal como um deus estava
A áspera figura,
Que ia semelhante à noite escura.

Entrou no acampamento,
Onde com medo estavam os hebreus.
Num simples movimento,
Pensaram que era um deus
Do Céu trazido contra os filisteus.

Em seu divã sentado


Estava o rei Saul e sua corte
De pé estava ao lado.
Pergunta com voz forte
A Davi se não teme a negra morte.

Davi
Tu, rei, me subestimas
Por minha juvenil e tenra idade,
37
Bruno do Espírito Santo, LC.

Porém de altas cimas


Venci a imensidade
E de lobos domei a crueldade.

Ante o urso em estando,


Defendi meu rebanho com cajado
E o tigre, aproximando
Com passo repousado,
Por mim foi combatido e afugentado.

Saul
Tens meu consentimento
E, desde agora, faço-te guerreiro.
Sê livre como o vento,
Astuto e traiçoeiro,
Para vencer Golias carniceiro.

O poeta
Davi saiu às pressas
E um batalhão feroz levou consigo.
Chegando em frente a essas
Muralhas do inimigo,
Sentiu a sombra fria do perigo.

Golias furioso
Saiu do alto alcácer revestido
De um elmo glorioso
Qual Marte parecido,
E peles de leões como vestido.

Golias
Hei de partir-te ao meio,
38
Parnaso Sacro

Jovem pastor imberbe de cabritos.


Tu sabes que eu anseio
Por escutar teus gritos,
Quando eu deixar os ossos teus aflitos.

Davi
Condutor de insolentes
E néscio sedutor de ignorantes,
Irei quebrar-te os dentes,
Para que rias antes
De morreres por lâminas cortantes.

Da morte o escuro abraço


Há de envolver-te em lúgubre amargura
E a força do meu braço
– potente rocha dura –
Despir-te-á da vida e da armadura.

O poeta
Golias joga a lança,
Querendo de Davi ferir o ventre,
Mas esta não lhe alcança,
Fazendo com que entre
No Hades, casa escura os mortos dentre.

Golias
Tiveste, jovem, sorte
Para escapar da lança de Golias,
Livrando-te da morte
Que certo sofrerias,
Cravada nas entranhas tuas frias.

39
Bruno do Espírito Santo, LC.

Ó deuses sempiternos,
Fazei Davi cair por minha espada
E a porta dos infernos
Seja feliz morada
À alma de Davi ensanguentada!

O poeta
Com ira assim dizendo,
Pega da longa espada, furibundo,
E a ele vai correndo
O néscio e iracundo
Que dormirá no sono mais profundo.

Davi empunha o arco


E da aljava retira aguda seta;
Parado no seu marco,
Atinge a sua meta
Na fronte e do gigante a vida veta.

Cai e a ele acodem onze


Hebreus, querendo a lúcida armadura.
No chão ressoa o bronze
Da pálida figura
Do gigante, abraçando a terra dura.

Correndo até o gigante


Davi, com sua espada sem piedade
De lâmina brilhante,
Corta pela metade
A cabeça do chefe da maldade.

40
Parnaso Sacro

7. VIDA NO CAMPO

Sávio
Escuta, Glauco, a chuva
Compondo doces notas no telhado,
E o fresco odor da uva
No vinhedo molhado
Podemos perceber de lado a lado.

Glauco
Teu gosto não te engana,
Ó Sávio, mas estamos bem servidos
Com mel e com banana
Do extremo sul trazidos
Por nossos generosos conhecidos.

Sávio
De quem estás falando,
A fim de ter melhor conhecimento?

Glauco
De Flávio e de Fernando
Que desde algum momento
Estão de volta e nada disso invento.

Flávio e Fernando, entrando


Que a paz dos sempiternos
Deuses esteja sempre convosco
E os ânimos eternos,
Nos que nada há de fosco,
Queiram estar também aqui conosco!

41
Bruno do Espírito Santo, LC.

Sávio
Entrai e sem demora
Sentai-vos nestes bancos de madeira,
Visto que o dia chora
Com chuva prazenteira,
A sede saciando da videira.

Glauco
Sentai e desta mesa,
À qual, de agrestes frutos sempre cheia,
Não falta a framboesa,
Comei suave aveia
E brandas nozes sejam vossa ceia.

Flávio
Ainda sois pastores
Ou só cuidais da vinha deleitosa?
Vimos diversas flores,
Como a violeta e a rosa,
Na varanda que tendes espaçosa.

Sávio
Levamos o rebanho
Ao seguro calor do nosso aprisco,
Porque como de antanho
Queremos todo risco
Evitar que provém do gado arisco.

Glauco
Plantamos o que é belo
Em torno da pobreza da choupana
E de verde-amarelo
42
Parnaso Sacro

Temos com boa gana


De abelha favos doces africana.

Fernando
A chuva já se aplaca
E o céu azul ressurge nas alturas
Com claridade opaca,
Mas todas as doçuras
Do campo ainda vemos nas culturas.

Sávio
As árvores gotejam,
Suando no verdor da sua fronde,
Para que todos vejam
Que bem o sol se esconde
De medo, quando a força não responde.

Glauco
E na copa garrida
Correm por todas partes dois esquilos,
Que ganham sua vida
Nos dias mais tranquilos,
Guardando tenras nozes nos asilos.

Flávio
Aquela ovelha é vossa,
Que tem bem cheio o úbere de leite?
Queiram os céus que eu possa
Prová-lo e me deleite
Também com vosso vinho, mel e azeite.

Sávio
43
Bruno do Espírito Santo, LC.

Tomai o necessário
Para satisfazer o vosso gosto.
Seria temerário
E meu maior desgosto
Perder por avareza o nosso mosto.

Fernando
Agora saciados
Da vossa doce e grata companhia,
Iremos confortados
E cheios de alegria
De volta à nossa casa velha e fria.

Glauco
Ficai, meu bons amigos,
Conosco porque a noite se exaspera.
Não achareis abrigos
Na escuridão severa:
Esperemos o sol de primavera.

Flávio
Nada melhor na vida
Podemos desejar que a caridade
Da pessoa querida,
Na que toda bondade
Encontra-se no amor e na amizade.

8. NOVUS ORDO SAECLORUM


Virgílio

Glauco
44
Parnaso Sacro

Podes notar agora,


Ó Sávio, deste campo a formosura
Que junto a nós vigora,
Com suave ternura,
Nesta manhã douradamente pura.

Sávio
Ó Glauco, o teu discurso
É semelhante ao cântico da abelha,
Que faz o seu percurso,
Sempre à outra parelha,
Provando o mel da rosa mais vermelha.

Queres aqui debaixo


Desta faia, que, para desfrutá-la,
Um pouco me rebaixo,
Sentar, pois não se iguala
Este descanso a nada que se abala?

Glauco
Ah, Sávio, aqui tranquilos
Podemos contemplar os verdes ramos
Das árvores e esquilos,
Que de longe avistamos,
Saltando sobre os cedros que plantamos!

Eu, Sávio, não entendo


Que as gentes deste mundo perturbadas
A vida vão perdendo
Em coisas depravadas,
Como em luxúria e guerra inacabadas.

45
Bruno do Espírito Santo, LC.

Que grande desvario


Dos homens que colocam no dinheiro
Todo o seu poderio,
Que não é verdadeiro
Este tamanho hábito vezeiro!

Por que aspirar a tanto,


Se com pouco se pode ser ditoso?
Mas dói-me por enquanto
O futuro enganoso
De quem quer ser com muito poderoso.

As cabras dão-nos leite


E queijo de sabor inigualável,
Que fazem o deleite
Da nossa paz estável,
Sem que outra coisa houvesse mais louvável.

No rigoroso inverno
Temos de ovelha lã suave e grossa;
E que nos é mais terno
Do que a manada nossa
Pastando e só por nós olhar se possa?

Inúmeros carvalhos,
Que dormem sobre o campo florescido,
Derramam de seus galhos
O mel apetecido
E têm no verde-claro o seu vestido.

Sávio
Ó Glauco, não te importe
46
Parnaso Sacro

Dos míseros mortais, tão desditados,


A dolorosa sorte
E os seus letais cuidados
Aos que sempre estiveram dedicados.

Porque não conheceram


Do nosso augusto César as proezas
Que com poder venceram
As bárbaras grandezas
E que aos bons concederam gentilezas.

Por ele o pai Saturno


Há de reinar na terra novamente
E esse torpor noturno
Que o ser humano sente
Há de ser extirpado eternamente.

Usa também cajado


E como nós conduz o seu rebanho
Por luminoso prado,
Como o fazia antanho
Qualquer pastor, embora fosse estranho.

A virgem revelada
De novo voltará com poderio
E a ingratidão passada
Em tanto desvario
Fundir-se-á qual gelo luzidio.

Não cesses teu trinado,


Ó Glauco, que ressoa despertando
O campo perfumado
47
Bruno do Espírito Santo, LC.

E os pássaros em bando
Que estão em torno a nós sempre voando.

Glauco
Cubramo-nos de flores,
Sem querer procurar cuidados graves,
E em todos os labores
Emulemos as aves,
Com melodia e cânticos suaves.

9. PRANTO POR CECÍLIA

Em verde colina
Coberta de flores,
Corria a menina
Com seus dois amores.

Um era divino
Ao céu levantado
E o outro era um hino
Dos anjos roubado.

O bosque garrido,
Ao vê-la, brilhava
E o vale perdido
Seus passos buscava.

Cecília, tocando
A avena suave,
Cantava aplacando
A pena mais grave.
48
Parnaso Sacro

Ó mente assassina,
Por que nos fizestes
Perder a menina
De lábios agrestes?

Cecília levada
Pelo general
À negra morada
Foi de um tribunal.

«Por que dois amores


Tu tens, minha filha?
Não vês os rigores
Que o mundo partilha?

Já não mais cantar


Irás ao Senhor
Que pôde roubar
Teu canto de amor.»

«Eu peço, excelência,


Me deixes viver
Com essa vivência
Ou quero morrer.»

«Se assim tu quiseres,


Assim se fará.
Se a morte preferes,
A morte virá.»

«Que culpa, malvado,


49
Bruno do Espírito Santo, LC.

Eu tive em amar
A quem não é amado
Em nenhum lugar?»

O chefe romano
Não lhe deu ouvidos
E a voz do tirano
Calou seus gemidos:

«Levai-a daqui
E dai-lhe a sorte
Que quis para si
No reino da morte.»

Ao bosque a levaram
As mãos inimigas
Que ingratas calaram
Aquelas cantigas.

Bela jovenzinha,
Coberta de flores,
Jazia sozinha
Por seus dois amores.

O vento soprando
Seus louros cabelos,
Trouxeram em bando
Os pássaros belos,

Que triste cantavam


Os cantos de amor
Que agora soavam
50
Parnaso Sacro

Aos pés do Senhor.

Um pássaro havia
Com um rouco chio
Que, sem alegria,
Sentia um vazio.

Em vendo a donzela
Dos lábios formosos,
Da face tão bela,
Dos olhos chorosos,

Desceu a seus lábios


E deles bebeu
Seus cânticos sábios
E o Amor conheceu.

Os pássaros iam
Adejando em coro
E as fontes que viam,
Corriam em choro:

«Cecília pequena,
Que, pois, de tua lira
Fizeram amena
Por ódio e por ira?

Oh! Quem nossos leitos


Irá consolar,
Quando os nossos pleitos
Correrem ao mar?»

51
Bruno do Espírito Santo, LC.

O bosque florido
Também lamentava,
Com lento ruído,
Aquela que amava.

Ai, que linda estavas,


Cecília, na relva,
Em que descansavas,
Da plácida selva!

Que ramo, que galho


Não quis te reter?
E um forte carvalho
Te foi receber.

Eu, jovem, passei


Também por aí;
Ah! E como chorei
Assim que te vi!

Meus olhos tocaram


Os teus olhos belos
E se misturaram
Com os teus cabelos.

Desde então, donzela


De faces suaves,
Meu cântico anela
Emular as aves.

Agora dos vales


Sou ávido amante
52
Parnaso Sacro

E todos meus males


Adoça este instante.

10. DIÁLOGO DA ALMA COM O AMADO

O Amado
Enquanto tu não tinhas
Outro amor que comigo disputava,
Das alegrias minhas
Minh’alma desfrutava
E, mais que Deus, feliz eu me encontrava.

A alma
Enquanto assim contigo
Andava em amorosa companhia,
Eras meu doce amigo
Que de noite e de dia
Minh’alma desejava e pretendia.

O Amado
Mas que mortal cuidado
Levou o amor que em nós batia eterno?
E assim abandonado
Fiquei e o grave inverno
Cobriu de densa neve o amor materno.

A alma
Do século a enganosa
Beleza seduziu-me fortemente
E a breve cor da rosa
Levou a minha mente
53
Bruno do Espírito Santo, LC.

A amores que murcharam lentamente.

Então me vi sozinho,
Sem ter a quem me amava com certeza,
E meu fatal caminho
Encheu-me de tristeza,
Pois é dos homens fraca a natureza.

Por que não me buscaste


Fazendo-me sentir meu peso grave?
Por que não me chamaste
Com tua voz suave
Que quer que o desamor se desagrave?

O Amado
Eu era quem chamava
Notas de amor dizendo ao teu ouvido,
E quanto mais clamava,
Tu já te havias ido
E de meus braços tinhas já fugido.

Subi altas montanhas


E o céu azul subi e não me viste,
E por terras estranhas,
Onde ninguém existe,
Busquei teu coração sozinho e triste.

Achei-te em um deserto
Inóspito aos amores que querias
E sem ninguém, decerto,
Com quem todos os dias
Em mil comodidades tu vivias.
54
Parnaso Sacro

A alma
Porém, se toma assento
De um modo novo n’alma rechaçada
O que levou o vento
Na escura madrugada,
Em que caíram chuvas e geada?

E se outra vez Cupido


Espreita ocultamente com aljava
E no núcleo florido
Da chaga que sangrava
Num novo golpe fere quanto estava?

E se outra vez os vales


Cobrirem-se de néctares divinos,
Não poderão meus males
E graves desatinos
Voltar aos nossos plácidos destinos?

11. CANÇÃO DO VELHO POETA


A Glauco

Cai vagarosa neve das estrelas,


Cobrindo a face frígida dos prados
E brancos flocos descem ordenados,
Juntando-se nos vidros das janelas.

Agora nos estábulos os gados


Descansam dos arados e daquelas
Inúmeras e duras bagatelas
55
Bruno do Espírito Santo, LC.

Causadas pelos jugos apertados.

Ai, Glauco, quão fugaz a primavera


Passar por nosso corpo velho deve,
Sem que nunca voltar a nós quisera!

Da vida deixo aquele abraço breve


E da morte aproximo-me severa,
Com meu cabelo branco pela neve.

12. CUPIDO DOLOROSO

I
Num campo garrido
De flores formosas,
Estava Cupido
Dormindo entre as rosas.

O vento movia
Seus louros cabelos
E neles tecia
Dourados novelos.

O bosque sereno
Conforto lhe dava
E sombra ao pequeno
Que aí descansava.

Corriam as fontes
E os cantos das aves
Traziam aos montes
56
Parnaso Sacro

Repousos suaves.

Mas sem perceber,


No meio das flores,
Estava a beber
Suaves licores

Uma linda abelha,


Que estava deitada
Na rosa vermelha
De voz perfumada.

A mão do Cupido
Nela se encostou,
Co dedo ferido
Se lhe deparou.

Saindo correndo
E movendo a asa
Pelo golpe horrendo,
Foi a sua casa.

«Morro, mãe querida!


Ai, morro de dor,
Que vem da ferida
Contrária ao amor!

Pequena serpente
Com asas picou
Meu dedo doente
E enfermo eu estou.

57
Bruno do Espírito Santo, LC.

Serpente chamada
Por agricultores
Abelha dourada
De duros rigores.

Com longo lamento


Eu padeço agora
E por meu tormento
A minh’alma chora.»

E Vênus formosa
De soltos cabelos,
Por quem toda rosa
Consome-se em zelos,

Falou docemente
E quis consolar
Seu filho que sente
Um fundo pesar:

«Por que, meu Cupido,


Tu choras assim,
Fazendo um ruído
De pranto sem fim?

Se um bicho pequeno
Te fez tanto dano,
Que, pois, teu veneno
Em um ser humano

Causar poderá?
Essa dor terrível
58
Parnaso Sacro

Logo passará,
Mas de ti impassível

Quem escapará?»

II
«Tu vais pelos vales
E pelas montanhas,
Ferindo com males
As terras estranhas.

Com flecha certeira


E aljava te cobres.
Dás dor costumeira
A ricos e pobres.

Estás nos castelos


E pobres choupanas,
Sentimentos belos
Às penas humanas

Unindo na vida
E dando prazer
Ao ser que duvida
De que o possa ter.

Os deuses também
De ti não puderam
Fugir para bem
E em ti se perderam.

Apolo encantado
59
Bruno do Espírito Santo, LC.

Foi por um laurel,


Que foi seu agrado
Mais doce que o mel.

Júpiter tonante
E chefe celeste
Sofreu como amante
Também esta peste.

Quem pode escapar


Da tua cilada
À luz do luar
Em noite estrelada?

Eurídice e Orfeu
Felizes se amaram,
Enquanto o himeneu
E eles duraram.

Porque dura morte


Assim separou
O que feliz sorte,
Chorando, juntou.

De Píramo a amada
Era Tisbe bela,
Mas foi fria espada
O fim dele e dela.

Pela bela Helena


Os gregos sofreram
Morte pouco amena,
60
Parnaso Sacro

Na qual feneceram.

Sansão por Dalila


Perdeu seu vigor,
Querendo atraí-la
Aos laços do amor.

Tu também, Cupido,
Caíste em engano
Por Psique ferido,
Sem seres humano.

Afasta de mim
Teus olhos, Amor!
Não seja o meu fim
Uma nova dor.

Nunca a tua flecha


No meu coração
Provoque uma brecha,
Não! Oh, nunca! Não!»

13. CONTOS ATENIENSES

Sávio
Que bela e grata vista,
Ó Glauco, com verdíssimas montanhas!
E não penso que exista
Maravilhas tamanhas
Em meio a terras bárbaras e estranhas.

61
Bruno do Espírito Santo, LC.

Glauco
Conduz os teus cordeiros
Com álacre presteza neste instante
E com passos ligeiros
Vejamos adiante
A terra para mim mais importante.

Olha, Sávio, a colina


Que sobre todas outras se levanta
E, na cima divina,
Uma morada santa
Os deuses maravilha e nos encanta.

Sávio
Em que lugar estamos,
Amigo Glauco, lúcido aos sentidos
Com vales, plantas, ramos
E campos florescidos,
Que agradam com aromas espargidos?

Glauco
Eis que tu vês Atenas,
Ó Sávio, e o templo sacro de Minerva,
No qual ali apenas
Viceja a nobre erva
Que for da divindade humilde serva.

Ali brota a ambrosia


Imortal e a oliveira gloriosa
E chegam cada dia,
Em pétalas de rosa,
As orações de gente piedosa.
62
Parnaso Sacro

Sávio
Visto que sou romano
E tu, da raça grega descendente,
Explica sem engano,
No que te for prudente,
A história valorosa dessa gente.

Enquanto aqui sentados


À sombra desta faia deleitável,
Os nossos pés cansados
Repousam em estável
Grama da via clara e transitável.

Os nossos cordeirinhos
Repousarão ao lado desta fonte
E, à beira dos caminhos
Que curvam o horizonte,
De flores cingiremos nossa fronte.

Glauco
Visto que me pediste
E do trabalho estamos ociosos,
Farei soar a triste
Flauta de sons chorosos,
Para narrar seus dias gloriosos.

Sávio
Entoa sem demora
À sombra deleitosa o som campeiro
Da música sonora
E o canto prazenteiro
63
Bruno do Espírito Santo, LC.

Que repercutirá no mundo inteiro.

Glauco
Ó Ninfas camponesas!
Ó musa pastoril e delicado
Cortejo de princesas
De cântico ritmado,
Escutai-me, se for do vosso agrado!

No princípio de tudo,
Os deuses habilmente construíram
O firmamento mudo
E em partes dividiram
As terras que entre todos assumiram.

Vulcano habilidoso
E Minerva ficaram com Atenas
E do solo argiloso
Fizeram açucenas
Brotar nas noites calmas e serenas.

Plantaram macieiras
Entre os cedros do bosque perfumados
E ramos de oliveiras,
Com uvas enlaçados,
Penderam ao redor de verdes prados.

Harmoniosas fontes
Jorravam das altíssimas colinas
E aos pés dos mansos montes
Germinavam boninas
Que perfumavam vales e campinas.
64
Parnaso Sacro

Aqueles habitantes
De Atenas eram míseros pastores,
Sem honras importantes,
Sem que fossem melhores
Do que os filhos quaisquer de agricultores.

Houve outro continente


Que, pelo deus Netuno governado
Mais além do poente,
De mares rodeado,
Soberbo se elevou por todo Estado.

Naquela terra imensa


E bela verdejou venusta flora,
Com espessura densa,
E das árvores fora
Pendiam doces frutos toda hora.

O povo ali nascido


Cultivava sutil sabedoria
E já tinha sabido
Qualquer filosofia,
Enquanto em Grécia e Egito não surgia.

Atlântida chamada
Foi pelos filhos de Atlas, moradores
Da terra agraciada
Pelo aroma das flores,
Onde o sol aquecia seus amores.

Os reis que ali reinavam


65
Bruno do Espírito Santo, LC.

Obravam na justiça e na equidade


E os povos se encontravam
Em plena liberdade
De exercer seu dever com a cidade.

Mas em alguns momentos,


A antiga deusa Éris, detestável,
Mudou seus sentimentos
Em sorte deplorável,
Fazendo entre eles guerra interminável.

O rei mais saliente


Escravizou os outros governantes
Com fúlgida corrente,
E espadas flamejantes
Os povos subjugaram circundantes.

Pirâmides soberbas
Levantaram ao modo das do Egito;
Humilhações acerbas
Ao povo então aflito
Impuseram, sem ter nenhum delito.

Embarcações funestas
Construíram a fim de o mundo inteiro
Escravizar por estas
Armadas de vezeiro
Poder, que quer de todos ser primeiro.

Os deuses não puderam


Suportar desses homens a ousadia
E depressa os perderam,
66
Parnaso Sacro

Fazendo com que um dia


Travassem contra Atenas agonia.

E Júpiter tonante,
Tendo na mão o raio impiedoso,
Falou com voz vibrante,
De som tempestuoso,
Ao concílio dos deuses glorioso:

«Loucos, ó deuses, loucos


Os servos de Netuno se fizeram
E apenas restam poucos
A salvo que puderam
Conservar a justiça que tiveram!

Farei com eles guerra


Até que jazam lúgubres, vencidos;
A sua imensa terra
E templos construídos
Serão por longos anos esquecidos.»

Então os insensatos
Lutaram contra o exército de Atenas
E os navios ingratos,
Que o mar negro envenena,
Sofreram da Justiça amarga pena.

Perdeu-se na memória
A lembrança da Atlântida vencida
E aquela antiga glória,
Qual erva fenecida,
Sumiu-se na escassez da breve vida.
67
Bruno do Espírito Santo, LC.

Sávio
Proezas me disseste,
Ó Glauco, que eu jamais saber podia
No trabalhar agreste
De arados à porfia
Que vão e vem girando todo o dia.

Que grande seja Atenas


E, como a lua, dure eternamente,
Dormindo em açucenas,
Até que de repente
Espalhe o seu perfume levemente.

Aceita esta cabrita,


Ó Glauco, que nas lúcidas colinas
Puramente saltita,
Pois das musas divinas
Tornou-se dom maior que joias finas.

Glauco
Ó Sávio, logo em frente
De abelhas o zumbir ouço afanosas!
Tomemos, se é prudente,
O doce mel das rosas
Que das colmeias mana saborosas.

Sávio
Depois a tua avena
Tocarás, as cigarras emulando
Que, na tarde serena,
Sobre o pinheiro brando
68
Parnaso Sacro

Ficam, alegre canto modulando.

Glauco
Mas toca tu primeiro,
Ó Sávio, aquele cântico sonoro,
Humilde e prazenteiro,
Que sabes que eu adoro,
Aquele que me traz suave choro.

Sávio
Ó música de Erato
Dulcíssima soando em meus ouvidos,
Com um trinado grato,
Faze que meus sentidos
Sejam por teu trinado suspendidos!

Antigamente havia
Um grupo de pessoas que cantava
Ao sol do meio-dia
E as musas alegrava
Com o suave canto que tocava.

Tamanho foi o agrado


De cantar o verdor da jovem flora
Que do canto sagrado
Não sentiu a demora,
Nem a passagem lenta viu da hora.

O grupo de cantores,
Arrebatado pelo encantamento
E insensível às dores,
Morreu sem alimento,
69
Bruno do Espírito Santo, LC.

Sem que viesse a fome ao pensamento.

As musas delicadas
Em cigarras mudaram-lhe a figura,
Que cantam repousadas
Das árvores na altura,
Sem ter necessidade de fartura.

É, pois, por causa disto


Que a cigarra não bebe nem consome
Manjares nunca visto,
Mas se esquece da fome
Cantando, dês que nasce até que some.

Glauco
Tens puro mel nos lábios,
Amado amigo, tens o odor das flores
E pensamentos sábios,
Que trazes aonde fores
Em ânforas vertidos incolores.

Aceita este cordeiro


Que dorme na campina perfumada
Pelo vento campeiro,
Até que a madrugada
Dê lugar à castíssima alvorada.

Então nós entraremos


Na Pólis diviníssima de Atenas
E logo colheremos
Coroas de açucenas
De cores e fragrâncias mui amenas.
70
Parnaso Sacro

14. DOMINGO DE RESSURREIÇÃO

O poeta
Madalena procura
Jesus, o seu amado, entre as folhagens
De um horto em noite escura.
Pasmou-se por imagens
Dos anjos a contar-lhe estas mensagens:

Os anjos
Por que, Maria, choras,
Procurando entre os mortos teu Amado?
Se a perda que deploras
Ocupa teu cuidado,
Dizemos-te que está ressuscitado.

Aos homens da Judeia


Dize que não está por estes vales;
Ali na Galileia
Espera ouvir seus males.
Dessa forma anuncia e não te cales.

Madalena
Percorrendo os caminhos
Irei anunciando a todas gentes:
Aos campos e moinhos,
Às águas e torrentes,
Às aves que de amor estão doentes.

Ó aves pequeninas,
Voai em direção a meu Amado
Que dorme entre as boninas
71
Bruno do Espírito Santo, LC.

De um campo floreado
E ponde-lhe nos lábios meu recado.

Por um bosque silvestre


Procurarei o Amor da minha vida
E pelo prado agreste,
De lírios revestida,
Estarei em seu peito adormecida.

Por que razão se esconde


O Amado que perdi por este mundo
Buscar não sei por onde,
Se pelo mar profundo
Ou se por esta selva que circundo.

Cabreiro, porventura,
Não viste meu Amado nos outeiros?
Escutaste a doçura
Dos seus lábios ligeiros
Por terras, onde andaste, de estrangeiros?

Perdi o meu Amigo


Enquanto, entre lírios, descansava;
Agora por castigo
Não tenho a quem amava,
A quem comigo antes sempre estava.

Pastor, acaso viste


O meu Esposo em meio a teu rebanho?
Porque tornou-se triste
A vida que, de antanho,
Um céu eterno era sem tamanho.
72
Parnaso Sacro

E tu, ó sertanejo,
Nos teus sertões achaste a quem eu quero?
Por certo não o vejo
E ainda assim o espero,
Enquanto me devora um temor fero.

Dizei-mo sem rodeio,


Porque meu coração -pobre coitado!-
De dor se parte ao meio,
Sofrendo atribulado
Por não achar aqui seu doce Amado.

Dizei-mo, lindas flores,


Que estais a rodear o meu cabelo,
Exalando os odores
De quem não posso vê-lo,
Nem em meus alvos braços posso tê-lo.

O pastor
Por que nos interrogas,
Mulher? Porém, dirige-te à cidade
E àqueles que usam togas
E velhos são de idade
Implora-lhes dizer toda verdade.

Madalena
A lira olhai de Homero:
De sangue estão cingidas suas cordas.
Por isso não a quero
E tu, pastor, recordas
Que ali o mal dispôs a suas hordas.
73
Bruno do Espírito Santo, LC.

Percorro só florestas
E luminosos bosques sem cansaço,
Porque aí são festas
As noites em que abraço
O Amado, vendo a lua do terraço.

Aí irá meu canto


Chegar ao coração do meu Esposo
E a noite, com seu manto
De estrelas luminoso,
Há-me de ser palácio suntuoso.

Irei a toda pressa


Colhendo belas rosas e narcisos
E nada me interessa
Dos homens indecisos
Que só me dão conselhos imprecisos.

Em um jardim fechado,
A sombra vi passar do meu Querido;
Seu jeito perfumado
Me tem desvanecido,
Deixando o coração enternecido.

Peço que não te escondas


Do meu amor febril e quase louco;
Teus lábios, como ondas,
Submergem pouco a pouco
Meu coração, deixando-o todo rouco.

Se tu, ó jardineiro,
74
Parnaso Sacro

Reténs o meu Amado aqui cativo,


Diz-me com que dinheiro,
Com que bem atrativo,
O recupero, porque assim não vivo.

O Amado
Aqui me tens, Maria:
Cessa com tuas lágrimas agora.
Sem tua companhia
Estive um tempo fora,
Colhendo doces frutos dessa flora.

Agora estou contigo


E não te deixarei abandonada;
Meu peito é teu abrigo,
Meu coração morada
Onde descansarás enamorada.

15. VIDA SOLITÁRIA

De noite a penedia
Cobre-se de rocio
E pelo vento frio
Congela-se ou esfria.

A azáfama dos mares


Empurra minha barca,
Deixando nova marca
Nos índicos altares.

Acróbata dos ventos,


75
Bruno do Espírito Santo, LC.

A águia neles voa,


Nem liga se magoa
Dos céus os sentimentos.

E o boi à terra opima


Ara, trazendo um sino,
E do boi um menino
Sentado vai em cima.

Os álacres pastores
Discutem sobre ovelhas:
– «As brancas!» – «Não, vermelhas!»
De gostos e de cores…

O Astro luzidio
Nenúfares desperta,
Que sempre estão alerta
Ao passo seu tardio.

Também os camponeses,
Em contínua refrega,
Obtêm a sua sega
Além dos duros meses.

É mísera e aziaga
A vida sedentária,
Prefiro a solitária
Que o tempo não apaga.

Prefiro a vida pobre


E cheia só de flores
Àquela afeita à dores,
76
Parnaso Sacro

Além de rica e nobre.

Pardais em revoada
Contemplo; não a súcia,
Mortal em sua astúcia,
De gente depravada.

Em noites durmo amenas


Sob cedros e carvalhos,
Mas cobre-me os orvalhos
E um manto de açucenas.

Se ao longe Baco amigo


Ofertar-me um bom vinho,
Beberei um pouquinho
E dar-lhe-ei abrigo.

Cantando à terna lua,


Eu durmo de alegria;
Acordo quando o dia
Surge da terra nua.

Em cristalinas fontes
Banho-me como um ganso
Levado no remanso
Aos pés dos verdes montes.

Abraço a primavera
Chegando revestida
De amor, de flor, de vida,
Após a longa espera.

77
Bruno do Espírito Santo, LC.

Seus braços perfumados


Colorem campos, vales;
Aplacam dores, males
Dos bosques maltratados.

E eu, um maltrapilho,
Revisto-me de lírios,
Estrelas são meus círios:
Sou de Natura filho.

Desdenho as façanhas
Dos grandes venturosos;
Meus pés são mais ditosos
No cume das montanhas.

Não busco os louvores


Da boca lisonjeira;
Daí provêm canseira
N’alma e no corpo dores.

Pã na cidade cheia
Perturba os humanos,
Reduz seus poucos anos
A simples grãos de areia.

Longe do mundo horrendo


Caminho mais seguro,
Sem medo do futuro
Que vai acontecendo.

Comigo estão sozinhos


Os campos verdejantes,
78
Parnaso Sacro

Os prados vicejantes
E os ternos passarinhos.

Será que necessito


Do que me traz pesares,
Se ao ver marés e mares
Possuo o infinito?

16. AS FLORES DE UM SEPULCRO

Morrerei, com razão, para este mundo


Para buscar aquela Margem bela,
Onde nem vento forte nem procela
Podem danar meu corpo moribundo.

Passarei como passa a brisa leve


E num campo de flores revestido
Descansarei e o Céu, a mim descido,
Consolo ser-me-á da vida breve.

Cobre-me, verde relva, com teu manto!


Floresçam em teu meio mil narcisos
E brotem violetas com acanto!

Minutos me não atam imprecisos,


Nem tempo algum falaz ou inerte ou santo:
Pequenos ser-me-ão mil paraísos.

79
Bruno do Espírito Santo, LC.

17. RENASCIMENTO DA IDADE DE OURO

Ao fim daquela tarde austera e nobre,


Quando no céu surgira a antiga Estrela,
Estremeci eufórico ao revê-la
E me caiu da mão a pena pobre.

Ó Céus, a seu lugar voltou Saturno


Para reger o século vindouro!
Sucede aos tempos férreos o de ouro
Para augurar o dia diuturno!

Homens de cobre estão azinhavrados


Pela umidade pútrida dos anos
Pela pena do néscio dominados.

Submete, Pai dos deuses, os humanos


Que se encontram em trevas prosternados
E haja paz e tempo soberanos.

18. RUÍNAS DA GRANDE GRÉCIA

A beleza imortal da Grande Grécia


Habita n’alma sóbria do poeta
Que de maneira diz clara e direta
O que só tergiversa a língua néscia.

Onde estarão, ó Grécia, os teus vinhedos,


Tuas belas colinas onde surgem
Amáveis jovenzinhas que aí urgem,
Correndo pelos bosques e arvoredos?
80
Parnaso Sacro

Ao chão estão teus templos derrubados,


As ágoras calaram seus ruídos
E tristes prantos vertem os teus fados.

Os teus teatros jazem demolidos,


Mas vive na minh’alma teus passados
Feitos e letras… tempos preteridos!!!

19. DAVI E O CAMPONÊS

O camponês
Que doce melodia!
Quem é que a leve harpa assim dedilha?
Seu som me parecia
O amor que em ti fervilha,
Do céu manifestando a maravilha.

Teus dedos, jovenzinho,


São doce mel da harpa destilando;
A ave no seu ninho
Se cala contemplando
Teu cântico entre ovelhas sussurrando.

Davi
Davi, senhor, me chamo
E por aqui levava meu rebanho.
Tocar a lira amo,
Enquanto pasta o anho
Por estes grandes prados, sem tamanho.

81
Bruno do Espírito Santo, LC.

Eu levo em minha aljava


Aquelas ternas flechas do Cupido.
Enquanto assim tocava,
Por ele fui ferido
E o coração aqui me tem trazido.

O camponês
Suplico por Deus santo:
Não cesses de tocar teu instrumento.
Parece-me teu canto
Ao som que faz o vento
Ao insuflar nas campinas seu alento.

Davi
Visto que me pediste,
Tocarei conduzindo meus cordeiros
E teu trabalho triste,
Arando estes outeiros,
Será feliz juntando em teus celeiros.

Canta-me, musa minha!


Desperta, vida minha, e canta agora;
Tudo o que o ser mantinha
Desata sem demora;
Suscitarei, com cânticos, a aurora.

Desperta, amada lira,


E emula o coro angélico e celeste.
Deveras muito admira
Que o campo que te veste
Ainda não ouviu teu canto agreste.

82
Parnaso Sacro

O camponês
Dedilha sobre as flores
Que dormem sobre vales e campinas;
Dirige teus louvores
Às rosas e boninas
E recomeça o canto, se o terminas.

Davi
Quero cantar o amor
Que me abrasa as entranhas com doçura
E com isso depor
A lúgubre amargura
Daquele que trabalha a terra dura.

Ao teu redor reluzem


As folhas do vinhedo umedecidas,
Quando as estrelas luzem
De glória revestidas,
Levando o casto orvalho a suas vidas.

A abelha azafamada
Em prantos leva o néctar à colmeia,
Contudo essa pesada
Realidade ou ideia
Depois se tornará doce geleia.

Alegres jovenzinhas
Conversam sobre casas e vestidos,
Ao passo que das vinhas
Os cachos recolhidos
Em cestos são por elas repartidos.

83
Bruno do Espírito Santo, LC.

Também repousa o gado,


À tarde, sob o arbusto e o arvoredo
Depois de haver lavrado
O campo e seu vinhedo,
Ao qual a toda pressa nunca é cedo.

O sol adormecendo
Reveste de dourado o firmamento
E a noite aparecendo
Traz tão suave vento
Que não cantar com arte não aguento.

A chuva, quando cai,


Esparze a teu redor odor suave
E o eco de teu ai
Do teu trabalho grave
É de uma fabulosa messe a chave.

Natura te oferece
Delicioso queijo e branco leite;
Ao fim da tua prece,
Encontrarás azeite
E à tarde, doce mel que te deleite.

A terra generosa
Fecunda ao teu redor as belas flores;
A violeta e a rosa,
Aonde quer que fores,
Irão trazer-te à mente teus amores.

O camponês
Ó jovem, é divino
84
Parnaso Sacro

Teu canto ressoando em meu ouvido!


Meu ser em desatino
Depressa é convertido,
Arrebatando todo o meu sentido.

Ressoe a toda hora


Teu canto pastoril e teu rebanho
Retorne sem demora
Aqui, como em antanho,
Porque com teus cantares muito ganho.

20. UNA VIDA FELIZ


Dichoso usted, hermano,
Si al fin del día duro y trabajoso,
Lejos del trato humano,
Puede encontrar reposo,
Tendido sobre el césped deleitoso.

Y no desea gloria
Efímera y caduca de la gente,
Ni quiere hacer memoria
De sabio o de prudente,
Mas busca lo que dura eternamente.

Entonces reposado
Al lado de una fuente rumorosa,
Verá que su ganado
De raza vigorosa
Va sin temor en noche tempestuosa.

Y quien va así viviendo,


85
Bruno do Espírito Santo, LC.

A los Hombres Dorados se asemeja,


Y ya va recogiendo
La miel de dulce abeja,
Ya esquila lana cándida y bermeja.

Ya escucha el blando canto


Del pájaro que envidia a Filomena
Sobre un olivo santo,
O sobre blanca arena;
Ya escucha el agua pura que resuena.

No cuida de riqueza,
Mas con lo que le ofrece está contento
La gran Naturaleza,
Ni quiere en pensamiento
La fama que se mueve con el viento.

En el otoño toma
Las uvas que producen dulce vino
De inigualable aroma.
Y si el invierno vino,
No se estremece o teme su destino.

Y no saca del pecho


Ni pena ni esperanza ni promesa,
Y vive satisfecho,
Comiendo en pobre mesa,
Ni de lugar o tiempo se interesa.

Su gusto se complace
En la armonía límpida del cielo
Y el canto que ahí nace
86
Parnaso Sacro

Es todo su consuelo,
Llevando a Dios al alma aquí del suelo.

La grata sinfonía
Del universo va de estrella a estrella,
Formando una armonía
Organizada y bella,
Que no hay aquí belleza como aquella.

Ora a Pan sacrifica


Una cabrita blanca inmaculada,
Ora una tortolica,
Y luego de pasada,
Edifica en los bosques su morada.

Esparce las semillas


Y luego las cosecha y las separa,
Y en sus pobres vajillas,
Alegre las prepara,
Ni piensa en refección soberbia y cara.

Esta tranquila vida


El hombre interior lleva consigo,
Y por ello se olvida
Del mal del enemigo:
Será feliz se atiende a lo que digo.

21. SELEÇÃO NATURAL DO BRASIL

No final de semana é lindo e belo


Ver o Brasil saindo de seus lares,
87
Bruno do Espírito Santo, LC.

Vestindo o coração verde-amarelo


E iluminando o céu com seus cantares.

Unem-se Vasco, Atlético, Cruzeiro,


São Paulo, Grêmio, Santos, Fluminense,
Flamengo, Botafogo e Brasiliense:
Batuca o coração do brasileiro.

No estádio soa o grito de euforia


A cada drible, gol ou goleada.
Os passes são acorde e melodia

Provindos de uma harmônica jogada.


Todos os peitos vibram de alegria,
Ao te verem brilhar, taça dourada.

22. MONÓLOGO I

Essas profundas tristezas


Quero converter em canto
E derramar-vos meu pranto
Por minhas muitas torpezas.

Como vos fui ofender,


Meu Deus, meu Pai, minha Vida?
Toda promessa querida
Foi um contínuo morrer.

Por mim vós tendes pagado


O que eu devia por mim,
Mas vós olhais com que fim
88
Parnaso Sacro

O meu enorme pecado?

Ai! Por que, Senhor, caí


Naqueles tristes enganos
Que em vez de bens deram danos
À vida má que vivi?

Não pude apagar o mal


Que meus olhos causaram,
Quando de vós desviram
A luz, com dano mortal.

E meu fatal pensamento


Buscou amar criaturas
Que eram simples figuras
Do meu futuro tormento.

Ai, que feroz desatino,


Que podridão, que veneno
Bebi, com rosto sereno,
Longe do amor mais divino!

E pelas ruas estranhas


Quis procurar meu consolo,
Fazendo-me mais que tolo.
Deus, que loucuras tamanhas!

Tempo perdido, Senhor!


Deplorável solidão
Dos que sem vós, Deus, estão
Presos ao mundo de dor.

89
Bruno do Espírito Santo, LC.

Vós minhas lágrimas vistes


E as quisestes enxugar,
Trazendo-me puro ao lar,
Com vossas lágrimas tristes.

Por que me afastei de vós,


Meu Deus e eterna Verdade,
Seguindo minha maldade
E deixando-vos a sós?

Ó Pai do eterno universo,


Dai-me lágrimas ardentes,
As mais ternas e as mais quentes,
Para curar este verso.

A vós com loucura quero


E sois meu único amor;
Fazei-me chorar, Senhor,
Com o sentido mais vero.

Ó Jesus, meu doce amado,


Meu coração por vós arde.
Visto que amei-vos tão tarde,
Descansai-me em vosso lado.

Aos vossos braços unido


Estarei na vida e morte,
E meu desejo mais forte
Sereis vós, Jesus ferido.

Vós não quereis sacrifício:


Dou-vos minh’alma contrita,
90
Parnaso Sacro

E minha vontade aflita


Será açoite e cilício.

23. MONÓLOGO II

Terno Jesus humilhado,


Ferido de amor por mim,
Vós me amastes até o fim,
Para apagar meu pecado!

Dizei-me logo, Senhor,


Por que me amais com loucura,
Se a vós nesta noite escura
Deixei, meu Deus, meu amor?

Ó grato e seguro asilo!


Ó coração piedoso!
Em vosso lado glorioso
Hoje descanso tranquilo.

Antes não, não descansava


Em mil mortais afazeres
Daqueles torpes prazeres,
Em que minha vida estava.

Mas vós buscastes ali


Este sórdido mendigo
E me chamastes amigo
E vossa graça senti.

Causei-vos, Deus, tantas dores


91
Bruno do Espírito Santo, LC.

Ao vosso peito paterno


E não me destes o inferno,
Destes-me os vossos amores.

Eu castigos merecia,
E estou aqui em vossos braços.
Hoje sou vivos pedaços
Do todo em que me perdia.

Todas as coisas sem vós


São, meu Senhor, quase nada.
É tudo a vida ganhada,
Estando de tudo a sós.

É triste agora a alegria


Daquela vida passada,
Quando na minha risada
Mortal desastre escondia.

Alegres são as tristezas


As quais eu chorava outrora,
Mas que, felizes agora,
Cantam as vossas grandezas.

Encheis-me de tanto bem


Com vossa santa presença...
Será possível que eu vença
A Quem em si tudo tem?

Assim, cheia do meu Deus


Minha alegria transborda,
Quando minh’alma recorda
92
Parnaso Sacro

Os muitos favores seus.

Não haverá mais lamento


Ao que de vós se enamora,
Porém, se alguma vez chora,
É só de contentamento.

Onde estavas, minha vida,


Quando em caminho inseguro,
O coração tinhas duro
E a razão entorpecida?

Levai-me aonde quereis:


Irei de vós, Deus, empós;
Não me deixeis ir a sós
Como os que vivem sem leis.

Chamai-me, Jesus, e irei


A vós sem pranto e sem medo,
Não penseis que ainda é cedo:
Acolhei-me em vossa grei.

24. MONÓLOGO III

Vinde, Jesus, eu vos chamo


Do meu abismo profundo
Em que me pôs este mundo,
Sem ter a vós a quem amo.

Eu tremo pelo que digo,


Misturando pena e amor,
93
Bruno do Espírito Santo, LC.

Porque sem amar, Senhor,


Nada eu mantive comigo.

Não foi a vós que feri,


Quando de vós me afastei,
Visto que a mim me matei,
Sem viver em quem vivi.

O lado tendes aberto


Donde seiva pura escorre
E vivifica a quem morre,
Ficando dele bem perto.

Sobe pelos pés da cruz


Espessa e agradável hera,
Anunciando a primavera
Nas almas faltas de luz.

E dos extensos madeiros


Brota um fruto penitente
Do fruto de antigamente,
Redimindo os pais primeiros.

O rouxinol e a andorinha
Aí constroem seus ninhos
E dão aos seus filhotinhos
O doce fruto da vinha.

Dos cravos saem açucenas


De delirante perfume,
N’água da cruz um cardume
Quer apagar vossas penas.
94
Parnaso Sacro

Movidas pela doçura,


Chegam a vós as abelhas
Empós das gotas vermelhas,
Filhas da vossa amargura.

Um choupo à vossa direita


Dá sombra ao vosso caminho,
À esquerda um tronco de espinho
Vos fere em grave desfeita.

Nívea pomba lacrimosa


Voa e para ao vosso lado.
De amor vos deixa um recado,
Depositando uma rosa.

O mais amado rebento


Que surgiu na vossa flora,
Quando vos vê também chora,
Encurvado pelo vento.

Uma bela borboleta,


Que lagarta fora antes,
Cores exibe brilhantes,
Sem que ninguém se intrometa.

Lenho da cruz, os teus ramos


Dobram-se e dão de comer
Ao passarinho qualquer,
Abelhas, peixes e gamos.

Sopra o vento em tuas folhas,


95
Bruno do Espírito Santo, LC.

Querendo a vós refrescar.


No fundo os peixes do mar
De alegria fazem bolhas.

Jesus, as vossas criaturas


Querem louvar-vos cantando
E consolar-vos, chorando
As vossas penas tão duras.

Hoje aos vossos pés sagrados


Não trago o néctar da abelha,
Dou-vos, Senhor, minha ovelha
E seus caminhos errados.

25. MONÓLOGO IV

Sejam as dores curadas da vida por lânguida chama,


Sejam os versos de amor força nascida da dor.
Sois vós a vida que a vida dos homens mortais não reclama,
Vida nascente da fé, onde maldade não é.
Quem quer a vida que fora de vós, meu bom Pai, não exista?
Quem quer a morte buscar, dando o perdão sem amar?
Amo-vos, Deus soberano, com força de quem vos conquista
Pela razão de viver, onde não posso morrer.
Amo, Senhor, o que querem aqueles que querem a vós só,
Como amaria, se enfim, não me quisésseis assim?
Sou da maneira que vós me quereis, ao voltar ao fugaz pó,
Dando meus ossos ao chão como outro filho de Adão.
Possa, Jesus, descansar, confiante, na vossa morada,
Longe do mundo do mal, reino feroz e fatal.
Minha cruel crueldade será totalmente apagada
Dentro do peito de Deus, olhos contidos nos meus.

96
Parnaso Sacro

26. NO MONTE DAS OLIVEIRAS

Daquele monte amargo e doloroso


Duas lágrimas trago aqui comigo
E passo agora as noites pesaroso
E pela dor dormir não mais consigo.

Meu gesto foi tão vil, tão enganoso,


Que um beijo desleal foi o castigo
Que dei ao Coração mais amoroso,
Quando meu mal escuto, quero ou sigo.

Ouvi, Jesus, meu bem, o que eu vos digo


E em vosso peito aberto, glorioso,
Dai-me seguro, doce e eterno abrigo.

E quando eu estiver em vós gozoso,


Já não serei de vós vosso inimigo;
Serei amigo íntimo e bondoso.

27. CUPIDO FUGITIVO

Das flores mais belas


Que Amor cultivava,
Feriu dentre elas
A que mais amava.

A flor mais formosa


Ferida de amor
Não era uma rosa,
97
Bruno do Espírito Santo, LC.

Nem era uma flor.

Mas era tão terna


A flor de seus lábios
Que exalava eterna
Palavra de sábios.

Conselhos prudentes
Amor recebeu
Dos peitos ardentes,
Guardando no seu.

«Não fujas, querido,


Não fujas, meu bem,
Do campo florido
E de mim também.

Eu quero abraçar-te
Com força e vigor
E saber a arte
Que chamas amor.»

Cupido corria
E não aguentava
Correr todo o dia
Com flechas e aljava.

Saiu do caminho
E quis se esconder
Num monte de espinho
De um rosal qualquer.

98
Parnaso Sacro

«Ai, rosa que feres


Meus pobres pezinhos,
Terei, se me deres,
Teus mesmos espinhos!

Serão forte asilo


Teus talos frondosos,
Pois fujo daquilo
De lábios formosos».

E a rosa bondosa
Perfume lhe deu;
Botões desta rosa
No Amor floresceu.

E Vênus cansada
Da busca sem-fim,
Dormiu na sacada
De um lindo jardim.

E a rosa em seu peito


Curvou-se a dormir,
Só teve o defeito
De a Vênus ferir.

«Ai, Céus! Ai, ingrata


Das rosas a dor,
Que fere e que mata
Meu único Amor!»

Cupido sorrindo
Sua forma antiga
99
Bruno do Espírito Santo, LC.

Descobre, caindo
Em rede inimiga.

«Cupido mesquinho,
Por que me fizeste
Sofrer este espinho
Do rosal agreste?»

Cupido corou-se,
Mudando de cor,
Grande dano armou-se
De mau a pior.

«Irei, por castigo,


Amarrar-te a asa,
Para que comigo
Estejas em casa.»

«Mamãe, por favor,


– pedia Cupido –
Se puder dispor
De mais um pedido,

Serei reverente
A não mais poder
E constantemente
Vou te obedecer.»

«Diz, pois, -eu te digo-


O que tens proposto,
Visto que comigo
Brincaste a teu gosto.»
100
Parnaso Sacro

«Concede aos que atados


Forem pelo Amor
Voar libertados
Do mundo ao redor.»

Desde então Cupido


Arroja uma seta,
Ferindo o sofrido
Amor do poeta.

28. AS PROVAÇÕES DE JÓ

O poeta
Reunido o Olimpo eterno,
O diabo chegou intrometido
E, cansado do inferno,
À terra havia ido,
Voltando do passeio aborrecido.

E Deus onipotente
Pergunta-lhe se a Jó tem encontrado,
Seu servo competente,
Fiel e dedicado,
Não cometendo em vida um só pecado.

El Shaddai
Enquanto passeaste
Pela terra dos homens ocioso,
Por acaso encontraste
Alguém mais precioso
101
Bruno do Espírito Santo, LC.

Que meu amigo Jó, mais generoso?

Satanás
Permite-te, Divino,
Arrebatar seus entes tão queridos;
Bater-lhe como um sino,
Deixando-lhe os sentidos,
Coração, corpo e mente escarnecidos.

Verás como blasfema


Teu nome entre os mortais como um possesso.
Portanto, é um problema
Que cuidas seu sucesso,
Protegendo-o qual via sem acesso.

O poeta
E Deus se compadece
Do astuto Satanás, pai da mentira,
Que fero à terra desce
Com Jó na sua mira,
No coração e mente grave ira.

E logo lhe arrancando


Os bens que com suor ele ajuntara,
O corpo lhe chagando
Em ossos se depara,
Deixa-lhe unicamente a vida cara.

Jó tomou a palavra e disse:


Ó dias meus, que tive!
Ó nascimento nunca desejado!
Enquanto o homem vive,
102
Parnaso Sacro

De dor é rodeado,
Por lúgubre amargura é visitado!

Por que fugiste, morte,


Privando-me de tudo o que antes tinha?
Agora em outra sorte
Que outrora Deus mantinha,
Gozaria feliz da morte minha.

O pobre ali se assenta


Com quem viveu no luxo e na fartura
E em igual mesa se senta,
Sem notar se estatura
Os separa, nem força nem altura.

Ali também o escravo


É para sempre livre de seu dono;
Não sofre mais agravo,
Perigo e abandono,
E o lavrador encontra ali seu sono.

Supura a minha pele


E os meus ossos estão desconjuntados.
Meu hálito repele
Meus mesmos convidados
E até meus próprios rins estão chagados.

Deito-me em terra nua,


O pó e a cinza orvalham-me a cabeça,
Esmaga-me a mão sua...
Mas antes que anoiteça,
Ferindo-me de morte e me adormeça,
103
Bruno do Espírito Santo, LC.

Males piores sinto:


Por si, meus sonhos são um pesadelo,
Amaríssimo absinto;
Meu rosto, só com vê-lo,
Não me lembro de nunca conhecê-lo.

Apodrece-me a língua
E os meus olhos, chorando, não se estancam,
A força agora míngua,
Cabelos se me arrancam,
Meu corpo cambaleia e as pernas mancam.

Por que esta vida é dada


A quem está coberto de pesares?
E por que lhe é tirada
A quem não tinha azares?
Acaso bicho sou para caçares?

Esquece-me um momento,
Pois não te agrada o mal da criatura,
E se este sofrimento
É o da vida futura,
Há de ser, certamente, muito dura.

Por que, meu Deus, me afliges


Se nunca em minha boca houve pecado?
E, então, por que mo infliges
Se te tenho ultrajado,
Como se em algo fosses afetado?

Elifaz de Temã tomou a palavra e disse:


104
Parnaso Sacro

Põe tua boca em terra.


Acaso fere Deus sem ter motivo?
Acaso Shaddai erra,
Se permanece vivo
Quem foi aqui misérrimo cativo?

Shaddai defende o pobre


E auxilia a viúva abandonada,
Mas se agora te cobre
Da injúria mais pesada,
Como dizes não ter errado em nada?

Caíram as estrelas
Do céu e nos seus anjos viu maldade:
As coisas, podes vê-las,
Mas na realidade
Só tem no interior impiedade.

Onde estão tuas obras


Que fazias em pró dos indigentes?
Teu valor não recobras
E as dores são ingentes,
Mas antes socorrias todas gentes.

Jó tomou a palavra e disse:


Todo meu corpo arde
E quem pode medir meu sofrimento?
Gemendo toda a tarde,
Todo meu pensamento
Se dirige ao país do esquecimento.

A vida é como um sopro,


105
Bruno do Espírito Santo, LC.

E em um fechar de olhos vou morrendo;


Por isso tanto sofro:
O malvado vivendo,
Enquanto o justo vai apodrecendo.

Aqui foram forçados


Os mortais a suar o dia inteiro;
Se todos humilhados
Por pranto traiçoeiro,
Reconheço ser deles o primeiro.

Assim o ser humano


Vai consumindo o dia qual fumaça;
A vida é breve engano
No que quer que ele faça
Antes de ser comido pela traça.

Meu ventre vive aflito


E extingue-se de vida a minha mecha.
A todos sou maldito,
Em mim Deus abre brecha
E crava-me na alma sua flecha.

Baldad de Suás tomou a palavra e disse:


Suplica a Deus agora,
Pois não é para sempre o seu castigo.
Pede-lhe sem demora
E falará contigo,
Fazendo-te de novo seu amigo.

É dele o mar profundo


E as ondas Ele amansa no seu peito;
106
Parnaso Sacro

Por Ele vive o mundo


Que foi por Ele feito
Em perfeita bondade e sem defeito.

Os dias Ele aquece


E as noites são por Ele vigiadas;
Por Ele o campo cresce
Com flores perfumadas,
Por Ele caem as chuvas e geadas.

Shaddai sempre perdoa,


Não se lembrando mais da desavença;
Se o homem apregoa
A própria indiferença,
Com o pecado apaga-lhe a sentença.

Jó tomou a palavra e disse:


Acaso a criatura
Estar diante dele poderia?
Com só sua figura
Não desfaleceria?
Não viria por terra e morreria?

Os montes se derretem
Ao ímpeto da face do Senhor;
As ondas que acometem
Com todo seu vigor,
Não podem resistir ao seu ardor.

Deus fala e a terra treme,


Shaddai conjura os Céus e eles fogem;
Se brada, quem não teme?
107
Bruno do Espírito Santo, LC.

Até guerreiros correm


De Deus e agonizando se consomem.

Poderei, porventura,
Estar ante El Shaddai saindo ileso?
Não tenho sua altura,
Não tenho o mesmo peso;
Se altercasse com Deus, seria preso.

Tira do mar o alento


E os animais marinhos adormecem;
Só Deus amansa o vento
E nele até carecem
De forças as ventanias que aborrecem.

Como um leão à espreita,


Assim foste comigo, ó Deus guerreiro.
Golpeias coa direita
Meu rosto e corpo inteiro,
Fazendo-me sangrar como cordeiro.

Por tua piedade,


Afasta-te de mim para que eu viva;
Concede a liberdade
A quem a tem cativa,
Que engula o sofredor sua saliva.

Sofar de Naamat tomou a palavra e disse:


Falador insolente,
Tu bem mereces prantos e outras dores!
Acaso o Onipotente
Se deixa por louvores
108
Parnaso Sacro

Enganar dos cruéis e pecadores?

Se alguém faz seu agrado,


Só este é verdadeiro piedoso,
Mas estás condenado
Por ato vicioso
Que prova que és, enfim, um criminoso.

Jó tomou a palavra e disse:


Meus olhos se guardaram
De desejar a virgem prometida.
Estes pés nunca entraram
Em terra proibida
E nunca de ninguém tirei a vida.

Em Deus eu tenho abrigo,


Ali me escondo quando os ventos batem;
Está sempre comigo
Quando os amigos partem
E se aproximam cães que a todos latem.

Amo a vida de antanho


Quando o Senhor, zeloso, me guardava
E por terreno estranho
No colo me levava,
Outrora qual criança me cuidava.

Vive meu Deus benigno


E surgirá do pó mais reluzente
Que tudo o que há de digno
E a mim, estando ausente,
Chamar-me-á das trevas novamente.
109
Bruno do Espírito Santo, LC.

O poeta
Jó, apesar das dores,
Não afastou de Deus o pensamento,
Mas entoou louvores
Em agradecimento
Por ter podido aqui sofrer tormento.

Iahweh da tempestade
A Jó, seu servo, viu amargurado.
De dor e piedade
Sentiu-se arrebatado
Por ver seu filho Jó em tal estado.

Iahweh
Não te entristeças tanto,
Pois sou um Deus de amor, não de suplício
E chega ao céu meu canto,
Sem fim e sem início,
Apregoando em ti meu benefício.

Iahweh não se compraz


Na solidão e dor do desvalido.
Só quero que esta paz,
Que tenho prometido,
Seja entregue ao que tenha combatido.

As dores padecidas
Ao céu sobem ligeiras como incenso,
Se são oferecidas;
Porque, conforme penso,
Não podes suportar teu pranto imenso.
110
Parnaso Sacro

O mal, eu o permito
Para daí tirar maior proveito.
Não é por teu delito
Que isso eu tenho feito,
Pois só no bem dos homens me deleito.

Aprende destas aves


A gemer em silêncio a tua vida:
À noite em sonhos graves,
Com alma contorcida,
Esperam ver a aurora ressurgida.

O poeta
Enfim a paciência
De Jó pelo Senhor é premiada
Com ouro e com ciência
A mais da desejada;
Nas filhas, a beleza havia em cada.

29. CONHECE-TE A TI MESMO

Vivi meus anos todos de puerícia


Em um contínuo sonho de encantado
Sabor, sem mera sombra de mentira
Que em algo me tivesse mal gastado,
E tudo o que vivi fagueiramente
Ainda está gravado em minha mente,
Sem muito influenciar em meu estado:
Só quero recordá-lo agradecido.

111
Bruno do Espírito Santo, LC.

Envelheci-me a leda juventude


E nem sequer havia bem vivido.
Tentei fazer do bem uma virtude:
Com força trabalhei, mas nada pude
(Se o mundo é mau, também é divertido).

Não fui um Alexandre, um rei, um huno,


Mas Átila levei dentro comigo.
Do início ao fim fui sempre o mesmo Bruno:
Simples, alegre, doce e bom amigo.
Contudo não te enganes pelo aspecto,
Pois tenho sangue e mente jacobinos
E, debaixo do porte circunspecto,
Possuo o coração dos assassinos.
Aborreci qualquer e todo erro,
Escolhi para mim o que era justo;
A verdade indaguei a qualquer custo,
Sem temer maldições, tufões, desterro.

Meus versos são serenos e agressivos,


Dependendo de quem assim escuta.
Com os perversos sou contínua luta,
Mas sou consolação aos compassivos.
As glórias e as riquezas, nunca as tive,
E nem sequer mas deu o sujo mundo.
Meus amigos, com pouco bem se vive!
Para que degustar o lodo imundo?

Amei o que há de belo no que vemos,


Considerando o belo só no eterno,
Pois dessa forma é válido o que temos.
Meu coração é cálido e paterno
112
Parnaso Sacro

Com os que sempre buscam a verdade,


Mas como as chamas lúgubres do inferno
Sou aos que se gloriam na maldade.
Sou clássico ou romântico, senhores?
Não sei, não me perguntem o que ignoro.
Cantei serenamente o odor das flores
E tudo o que chorei ainda choro.

De mim mesmo serei, ó Céus, culpável?


Talvez me absolverá o rumor da história,
Porque há de ser, eu sei, mui deplorável
Morrer no esquecimento da memória.
Entendam bem, não quero glória ou fama;
Quero cumprir o fim do meu destino:
Quero infundir amor no que não ama
E em todos inspirar um bem divino.

30. COPLA MAGISTRAL


Ao meu eterno professor que me iniciou no
conhecimento das letras, ferido por um disparo num dia
de Natal

Eras lembrança de Deus


Derramada como um rio
Sempiterno.
Na vida jovem dos teus,
Eras humilde rocio
Em inverno.

Ensinavas a canção
Que ardentemente em teu peito
113
Bruno do Espírito Santo, LC.

Sempre ardia,
Fazias a turbação
Chegar a ser, com efeito,
Melodia.

Dizias tuas palavras


E pintavam-se os agravos
De lilases.
Em toda sala que entravas
Destilavam como favos
Tuas frases.

Mas tudo passou depressa,


Passou sem deixar resquício
Dessa vida.
Como o ar que sopra e cessa,
Assim a vida em início
Foi pedida.

Assim é o tempo da glória,


Do amor, da espera, da fama
E do mundo;
Tudo foge da memória,
Quando a morte nos reclama
Ao profundo.

Como flor de primavera


Que murcha chegado o estio
Rigoroso,
Assim a morte severa
Torna o corpo doentio
Glorioso.
114
Parnaso Sacro

Em sua vida terrena,


Cheia de dores, de espinho
E de cruz,
Nosso Senhor fez que a pena
Do nosso escuro caminho
Fosse luz.

Luz mais doce que a da aurora


E mais forte que a que brilha
Sendo dia,
Sobre nós brilhou agora,
Difundindo a maravilha
Da harmonia.

Se são amargas em tudo


Dessas letras as raízes,
Que provamos,
É doce o fruto, contudo,
E jucundos e felizes
São seus ramos.

Hoje deixa-me ser parte


Do fruto de tua vida,
Professor,
E acolhe o que vou mandar-te:
Minha música tecida
Com amor.

115
Bruno do Espírito Santo, LC.

31. SACERDÓCIO

Quanta alegria sinto


Ao ser de Cristo amado e preferido!
E ao explicar-me minto,
Se dou por entendido
O que dos anjos nunca foi sabido.

Porque quem tem a Cristo


Em suas mãos indignas e cansadas…
Porque quem o tem visto
Nas formas consagradas,
Acaso buscará coisas criadas?

Se penso em meu estado


De sacerdote e amigo de meu Rei,
Eu fico emocionado
Por tudo o que passei
E, Cristiano, digo-te o que sei:

Nem mesmo o mar profundo,


Nem mesmo o sol de raios penetrantes,
Nem mesmo todo o mundo,
Com ouro e diamantes,
De Cristo comprarão estes instantes.

Em sua companhia
Parece fenecer tudo ao redor,
Ali na Eucaristia
Não posso estar melhor,
Ai dos mortais que escolhem o pior!

116
Parnaso Sacro

Os homens se dissipam,
Buscando em vez do eterno o passageiro,
De igual modo antecipam
Seu choro costumeiro,
Trocando a Deus por fama ou por dinheiro.

Feliz, por outra sorte,


Quem em Deus encontrou o seu tesouro,
Clamando com voz forte
Que nem o mesmo ouro
Terá valor no século vindouro.

Ao santo altar prostrados


Estarão meus joelhos todo o dia
E, ao perdoar pecados,
A mão de outrora fria
Não achará no mundo outra alegria.

Meus olhos penitentes


Implorarão a Cristo com ternura
E lágrimas ardentes
Cairão na terra dura,
Fazendo-me esquecer toda amargura.

Meu coração confuso,


Alegre cantará com esperança
E se com dor acuso
A minha intemperança,
Em mim de novo brota a confiança.

Ó servos redimidos
No sangue precioso do Cordeiro!
117
Bruno do Espírito Santo, LC.

Ó servos revestidos
Do Homem verdadeiro,
Imagens de um futuro derradeiro!

Ó mísera grandeza
Do pecador chamado pelo Eterno!
Ó grande gentileza
Do coração paterno
De Deus, que nos sorri com gesto terno!

Não quero a vaidade


Deste mundo perverso e tenebroso,
Eu quero a eternidade
De um cântico amoroso,
Frescor primaveril de um dom formoso.

32. JACULATÓRIA

Sede-me, Virgem pura,


Fiel asilo em todos os perigos,
Consolo na amargura
Da ausência dos amigos,
Constante proteção contra inimigos.

33. O MAIS BELO CÂNTICO DE SALOMÃO

A amada
Eu, cansada, dormia,
Mas, atenta, minh’alma vigiava,
O amado meu batia,
118
Parnaso Sacro

Pois também o escutava,


Corri a fim de abrir-lhe e não estava.

O Amado
Abre-me, doce amada,
Já se foi o gravoso e duro inverno,
Passou a madrugada,
Nasceu o sol eterno,
O céu reluz azul, feliz e terno.

A amada
Saí empós do Amado,
Saí a procurá-lo e não achei,
Achou-me um soldado
A quem não me calei:
Onde está o meu Amado? – perguntei.

Bateram-me e feriram-me
Os guardas que rondavam a cidade;
Vagar perdida viram-me
E sem felicidade:
Por que não me dizeis toda a verdade?

Ó Filhas da Judeia,
Por meu dileto Amado vos conjuro!
Ó Ninfas da Judeia,
Dizei-lhe que é tão duro
Ter de esperá-lo em poço frio e escuro.

Pergunta das criaturas


É como o teu Amado,
Ó mais bela mulher entre as mulheres?
119
Bruno do Espírito Santo, LC.

Dize-nos se é rosado
E porque tanto o queres,
Se tanto te abandona e assim te feres.

A amada
É branco e é rosado,
É o mais bondoso esposo entre dez mil.
Seu cabelo é dourado,
Seu lábio azul, anil,
Doçura traz seu porte varonil!

Seu braço é ouro puro


E torre que não quebra a dura maça.
Aí é meu seguro
No que mister eu faça,
Quando pausadamente ele me abraça.

Banha-se em branco leite


E descansa entre lírios perfumados,
Ele é todo um deleite
Por todos desejado,
Ele é meu e sou eu do meu Amado.

Pergunta das criaturas


Onde anda o teu Esposo?
Onde anda o teu Amado tão querido
Que o buscas sem repouso?
Porque se o tens perdido,
Permite-nos buscar junto contigo.

A amada
Meu Amado ao jardim
120
Parnaso Sacro

Desceu para colher branca açucena


Perdida entre o jasmim,
De cor e tez amena,
Que adormece em seus braços mui serena.

Desceu a sua vinha


Para poder guardá-la com esmero,
Mas a videira minha
Perdi com temor fero
Por não achar aí a quem mais quero.

O Amado
Levanta-me, querida,
Vejamos se germinam novas flores!
Olhemos: brota vida,
Já surgem novas cores,
Toda terra viceja em mil amores.

Mandrágoras exalam
Seu perfume, aromando nossos leitos;
Na rua intrigas calam,
Cessam todos os pleitos
E primavera aquece nossos peitos.

És bela, minha amada,


Como Jerusalém, toda formosa!
A mim tua vida atada
Prefiro à mesma rosa,
Prefiro-te à façanha gloriosa.

Ela é minha e sou dela


E já nada mais quero nem desejo.
121
Bruno do Espírito Santo, LC.

Em sendo toda bela,


Como agora eu a vejo,
Aqueço-lhe seus lábios com meu beijo.

Ó Ninfas da Judeia,
Rogo-vos pelos lírios e nogueira,
Orquídea e azaleia
De cor nobre e fagueira,
Não desperteis o amor até que o queira.

A amada
Porque tanto tardaste,
Amado, e me deixaste tão sozinha?
Enquanto demoraste
Perdi a minha vinha,
Por ti só quis trocá-la mas não tinha.

Qual fértil macieira


É, entre bosques silvestres, meu Amado,
À sombra sem canseira
Eu tenho-me assentado
E em seu peito adormeço enamorado.

Rodeai-me de flores,
Com maçãs dai-me forças e contente
Não sentirei mais dores
De febre veemente,
Porque de grave amor estou doente.

Como um selo em teu braço


Grava-me, meu Amado, com mão forte,
A fogo, ferro e aço
122
Parnaso Sacro

E teu amor conforte


Neste cruel desterro a minha morte.

Jamais será apagado


O amor pelas tormentas grandiosas,
Nunca será entregado
A chamas vigorosas,
Nem comprado em quantias numerosas.

Não pode consumi-lo


O vigoroso sol nem com seu raio
Dizimá-lo, extingui-lo;
Não sofrerá desmaio,
Porque em seus átrios reina um mês de maio.

O poeta
E juntos permanecem
O rei com sua amada sem perigos
E o mundo em volta esquecem,
Vencendo os inimigos.
Portanto, embriagai-vos, meus amigos.

34. PASSOS DA VIA-SACRA

1º Jesus é condenado
Jesus é condenado
À morte, padecendo sob Pilatos.
Quão grave é o pecado,
Em palavras e em atos,
Que faz Jesus sofrer por mim maus-tratos!

123
Bruno do Espírito Santo, LC.

2º Jesus carrega a cruz


A cruz é bem pesada
E cruel nos parece em um momento,
Mas foi por vós levada,
Com grande sofrimento,
E do inferno sofreis o meu tormento.

3º Jesus cai pela primeira vez


Cansado vós estáveis
Ao cairdes prostrado em dura terra.
Ó Céus inabaláveis,
O homem sempre erra
Quando, em lugar da paz, prefere a guerra!

4º Jesus encontra sua mãe


E agora acompanhado
Por vossa mãe, subistes ao Calvário;
Estando consolado
E armado co rosário,
Não temerei o mundo sanguinário.

5º Jesus é ajudado pelo cireneu


O olhar do cireneu
Vos comoveu entranhas e, contudo,
Ainda é frio o meu
Coração, quase mudo;
Chamastes-me e correndo a vós acudo!

6º Verônica enxuga o rosto de Jesus


Da fronte vos jorrava
O sangue e os olhos lágrimas vertiam,
Mas alguém vos amava
124
Parnaso Sacro

E, enquanto os outros viam,


De Verônica os panos vos cobriam.

7º Jesus cai pela segunda vez


Foram amargas dores
As que vos arrojaram no caminho,
Pasmando os seguidores
Como um amargo vinho:
Não mais vos deixarei sofrer sozinho!

8º Jesus consola as santas mulheres


Que pobres e que aflitas
Estavam as mulheres piedosas!
Eram, porém, benditas,
Fiéis e generosas,
Como imensas colinas espantosas.

9º Jesus cai pela terceira vez


Da turba a gritaria,
Os empurrões e brados vos fizeram
Cair e, quem diria!
As minhas quedas eram
Pouca coisa e por nada se tiveram.

10º Jesus é despojado de suas vestes


Das vestes despojado
E por soldados vis escarnecido,
Por todos ultrajado,
Qual verme parecido,
Dizei-me se é por mim o padecido.

11º Jesus é crucificado


125
Bruno do Espírito Santo, LC.

Os pregos que cravaram


Vossas amáveis mãos nesse madeiro
Foram os que curaram
Minh’alma e corpo inteiro:
Amo Jesus porque me amou primeiro.

12º Jesus morre na cruz


Por cravos sustentando
Vosso corpo puríssimo e adorado,
A vosso Pai clamando
Com grito angustiado,
Ao Pai a alma entregais abandonado.

13º Jesus é descido da cruz


Descido novamente
Do madeiro da cruz áspero e frio,
Maria está presente
Em pleno mar bravio,
Contemplando serena o desvario.

14ºJesus é colocado no sepulcro


Jazeis na sepultura
Para chamar o homem que, jazido
Em sombra e noite escura,
Está adormecido
Pelo pecado em todos existido.

Oração
Que vossas chagas santas
Conformem com a vossa as nossas vidas
E nossas culpas tantas
Vos sejam esquecidas
126
Parnaso Sacro

E todas nossas penas dissolvidas.

35. A VÓS, VIRGEM PURA

Quando de vós me lembro, Virgem pura,


No coração transborda encantamento
E, ardente, clamo a vós com voz segura:
Intercede, Dei Genetrix, pro nobis.

E a mim correndo vindes num momento,


Acalmando-me o ser amargurado
E aliviando todo sofrimento:
Intercede, Dei Genetrix, pro nobis.

Se me afastei de vós, estive errado;


Se por caminhos fui desconhecidos,
Sabeis quanto me tenho equivocado:
Intercede, Dei Genetrix, pro nobis.

Já são meus sonhos todos preteridos,


Somente a dor me vive na lembrança,
Membros e coração entorpecidos:
Intercede, Dei Genetrix, pro nobis.

Enviai a meu porto outra esperança


De salvar minha vida temerosa
Da morte e avigorai-me a confiança:
Intercede, Dei Genetrix, pro nobis.

127
Bruno do Espírito Santo, LC.

36. MEU DEUS E TUDO MEU

É bem-aventurado
Quem conhece de Cristo o amor profundo,
Quem tem por desprezado
O que é por um segundo
E o que logo fenece com o mundo.

Por que queremos ver


O que não nos é lícito adquirir?
Por que tanto temer
Pelo que vai cair,
Pelo que um dia em breve vai ruir?

Quem se apega ao criado


Encontrará só dores sobre dores
E logo, desmaiado
Por coisas exteriores,
Buscará com tristeza outros amores.

Quem tem em Deus atado


O coração com ânsia de amor viva,
Estando libertado
De cadeia cativa,
Merece ser de Deus no Céu conviva.

Notai que Amigo nobre


Abraçais, almas santas e ditosas,
E em vosso peito pobre
Depositando rosas,
Eleva-vos a alturas gloriosas.

128
Parnaso Sacro

Já tenho por perdido


O que é do mundo amado e lisonjeiro,
Não vivo dividido
Empós do passageiro,
Não busco grande fama nem dinheiro.

Com seu olhar divino


Jesus envolve a alma de ventura,
Tornando pequenino
O medo e amargura,
Fazendo d’alma um Céu por tal ternura.

Notai que o bom amigo


Prepara ao seu Amigo um aposento
Que seja forte abrigo
Contra grave tormento,
Que não seja arrasado pelo vento.

Ao homem piedoso
Toda necessidade é amargura
E só lhe é glorioso,
Nesta vida tão dura,
Estar livre de toda criatura.

Estando Deus presente


Tudo é bom, deleitoso e sempre amável,
Mas se se faz ausente,
É dor insuportável,
Amargura profunda, inevitável.

Chagando o coração
Da alma, Deus a limpa, fere e cura,
129
Bruno do Espírito Santo, LC.

Deixando-a em solidão,
Desprezo e noite escura,
Para depois, enfim, lhe dar ternura.

Assim arrebatada
De tudo quanto a prende e a embaraça,
Se sente libertada
De tudo quanto faça,
E tudo se dissipa qual fumaça.

Pobre do ser humano


Que acha nas criaturas fortaleza,
Não vendo nisso o engano
Da fraca natureza
Que ao sujo mundo o arrasta de torpeza!

Ó mansão esquecida,
A ti dirijo todo o meu desejo,
Pois sei que há outra vida
Além da qual eu vejo,
Mais formosa e perfeita que prevejo!

37. DEUS, ÚNICO TESOURO

Na juvenil idade vos busquei


Como quem busca joias e tesouro,
Mas vosso amor, que vale mais que ouro,
Velozmente o esqueci e o descurei.

Passei por sendas claras, vislumbrei


Montanhas grandiosas; senti o couro
130
Parnaso Sacro

Arder pelo sol cálido qual ouro


Fundido ao meio dia e me alegrei

Pelas horas felizes que passei,


Mas, logo, escureceu-se o próprio ouro,
Feneceram os campos que avistei;

Só restos me sobraram do que amei...


E que só vós, ó Deus, sois meu tesouro
Alegre e arrependido agora sei.

38. JESUS É DESCIDO DA CRUZ

Eu vos tenho em meus braços descansado


E em meu peito dormis enegrecido
Pela dor, pelo amor de vós saído,
Quando abriram coa lança o vosso lado.

Aos olhos dos mortais vós tendes ido


E fostes habitar coo Pai amado,
Porém não fui por vós abandonado,
Porque em meu peito estais adormecido.

Os ventos já não temo nem tormenta,


Não tremo frente à forte ventania,
Nem o golpe da morte me atormenta.

Minha dor transformou-se em alegria,


Porque sofrestes morte violenta,
Mas descansais nos braços de Maria.

131
Bruno do Espírito Santo, LC.

39. É NOITE

Quando contemplo o céu quieto e sereno,


De brilhantes estrelas alindado,
Penso comigo: como tão pequeno
Humano pode ser por Deus amado?

O coração se funde comovido,


Todo a prantos e angústias entregado,
Por estar, oh! por dentro dividido
Entre uma vida santa e de pecado.

E na lua chorosa vejo aquela


Que me espera um dia ao lar voltar.
A clara lua vejo da janela,
Iluminando campos, prado e mar.

Quão suave é da brisa a formosura!


Quanta paz dá ao cansado corpo a luz
Que das estrelas vem! Nívea doçura
Pintada no cruzeiro, Santa Cruz!

Quando vejo do céu a formosura


E me encontro tranquilo e mui sereno,
Penso: como será que essa feitura
É bela num formoso céu moreno?

Porque estás, ó minh’alma, conturbada,


Dobrada em muitas dores e amargura,
Se a noite está serena e descansada,
Embora tão sombria e tão escura?
132
Parnaso Sacro

Alegremente aquela estrela pisca,


Pra mim somente brilha, que beleza!
Caí nas suas redes e da isca
Do doce amor sou hoje débil presa.

O cometa veloz passou brilhando,


Entre os astros passou adormecidos,
Passou com seu luzeiro despertando
Campos de densa sombra enegrecidos.

Já descansam do cães as vozes roucas


E as dos homens se calam repousadas;
Das muitas companhias restam poucas
Que me acompanham nesta madrugada.

Uma velha viola é meu consolo


E o grandioso céu é meu agrado.
Amor, que um dia tive de depô-lo,
Encontro nas estrelas estampado.

40. SONETO À VIRGEM

Virgem pura, subistes linda ao Céu


E alegraram-se os anjos. Vosso exemplo
De vida bela e cândida no Templo
Resplandece adornando o vosso véu.

De nós, maus, apiedai-vos, mãe querida.


Confortai-nos no vale em que choramos
E no Céu a vós, céleres, corramos
133
Bruno do Espírito Santo, LC.

E nos seja curada a má ferida.

Estaremos unidos toda a vida


E entoaremos canções a vosso amor
Que nos tem consolado da partida.

Então, resplandecentes de alegria,


Louvaremos a vós e ao bom Senhor
Que vos engrandeceu, Virgem Maria.

41. AMOR UNIVERSAL

Doce pesar que a vida leva em ombros,


Feliz azul do céu a clarear
N’alma a alegria pálida do amor!
Ó sôfrega vivência, doce amar!
Vem, ensina-me a dor que fere e cura
Dos meus sonhos a imensa mancha pútrida.

Num céu branco, estrelado, clamarão


A claridade sã, o vir do sol,
Galáxias e sistemas coloridos
A pintar, a dizer que o Amor existe.

42. CAOS

Plácido azul do céu, negro na noite,


Dissipa as luzes torpes d’alma pálida,
Serena os mais pesados golpes d’alma
E alivia os pedidos da má sorte.
134
Parnaso Sacro

Ando por vilas lúcidas de trevas,


Por montanhas desertas de frescor.
Pergunto ao mar e nada me responde,
Aos ventos, e me afasto mais do lar.

A vida me flagela o coração,


A sorte em amargura se transforma
E visita meu ser mortal desgosto.

Mas sei que hei de vencer estes grilhões,


Que se dissiparão à luz do Sol,
Sendo o amar a doçura d’alma pura.

43. PEREGRINO DE DEUS

A força do admirar a natureza,


O vento bramador do céu e mar
É teu sopro de amor que queres dar
Ao ínfimo mortal que tu embelezas.

Ai! Que duro é estar longe de ti!


Quão penoso é gemer sob mil grilhões,
Que me afastam do amor teu inda aqui
E me faz esperar os teus clarões!

Por que me não retiras as cadeias?


Por que ainda bradais, dores amigas?
Sou vosso dependente em vossas teias.

Mas um dia estarei só em Deus prendido,


135
Bruno do Espírito Santo, LC.

Longe dessas masmorras inimigas,


E então me alegrarei pelo sofrido.

44. DOCE CRUZ, DOCE CÉU

Não sei quantos dias


Ainda me dais,
Deixai-me beber
Da taça do Pai.

Permiti-me estar
Junto aos pés da cruz,
Deixai-me expirar
Sem paz e sem luz.

Vossa cruz foi sempre


Fonte e salvação;
Nas horas amargas,
A consolação.

Se um dia tirais
De junto da cruz,
Fazei-me ver logo
O Céu que seduz.

Lágrimas ardentes
Meus olhos choraram;
Por vossa bondade
Todas se enxugaram.

Não tenho outro fim,


136
Parnaso Sacro

Nem outro querer,


Senão vos amar
Ou então já vos ver.

45. NATAL

É noite de Natal e Jesus chega


Na pureza da noite calma e clara
E com minh’alma fria se depara,
Que como brasas úmidas, fumega.

Nada tenho a vos dar, só meu amor,


Que é como uma pequena flor que brota
E amanhã murchará. É como nota
Que agora é prazenteira e logo é dor.

Vossa virginal vinda me enche e dota


De incólume pureza e terno amor,
O coração, porém, triste denota

Que faltou-vos ao lado meu calor,


Enquanto o de Maria aquece e brota
Como belo jardim eterno em flor.

46. SOBRE AS VAIDADES DO MUNDO

Enquanto o mundo arde em negra ira


E corre empós de prêmios desonrosos,
Me deito, sob os álamos frondosos,
Tranquilo dedilhando a minha lira.
137
Bruno do Espírito Santo, LC.

Às vezes a andorinha me acompanha,


Com um ramo trazido no seu bico,
Ou um ribeiro manso em peixes rico,
Que cruza o fresco bosque da montanha.

Dançam comigo os Faunos da floresta


E as Ninfas me oferecem fresca amora
Guardada em sua bem lavrada cesta.
A minha lira os pleitos vis detesta
Da gente interesseira e a demora
Dos que cobiçam mais a toda hora.

Quero cantar de Aquiles as vitórias


Debaixo do pinheiro recostado,
Sem ser às mesmas gestas obrigado
Ou de Péricles ter as mesmas glórias.
O meu prazer é ver a verde grama
Do meu jardim cuidado com esmero,
Ou contemplar o céu azul eu quero
Que por meu horizonte se esparrama.

Procure o fero Marte outra querela


Em que aplacar a fúria do seu peito,
Pois morrerá um dia junto dela.
Fique Mercúrio d’ouro insatisfeito,
Enquanto o meu descanso põe-se em vela
Com música entoada do meu jeito.

Por campos vou tocando o pobre gado,


Que bebe em puras fontes e ribeiros.
Os destinos não levo traiçoeiros
138
Parnaso Sacro

De quem está ao novo escravizado.


Os que do mundo querem ser primeiros,
Ou ser chamados chefes de um Estado,
O que serão se não é governado
A sua fúria e ímpeto vezeiros?

Mas onde estão agora os poderosos


Que os tempos dominaram precedentes
Com feitos e façanhas portentosos?
O que se fez agora dessas gentes
Que por sábios passavam generosos,
Se partiram da vida impenitentes?

Buscai, cabritas minhas, a pastagem


Onde viceja a relva em toda parte!
A bosques frescos, cheios de folhagem,
Ide com passo airoso, ide com arte!
Não queiras ir aonde vai a gente
Que vaga pelo mundo sem destino,
Nem sigas dos mortais o desatino
Em busca da riqueza do Oriente.

Pasta, pequena grei, por mim amada,


Junto ao sonoro córrego que banha
A selva pela mão de Deus plantada.
Não queiras alcançar maior façanha
Nesta penosa vida, nossa estrada,
Além da paz do lago ou da montanha.

139
Bruno do Espírito Santo, LC.

47. CONSIDERAÇÕES

Há dores e consolos neste mundo


Que o próprio tempo apaga e presenteia
Com o passar dos anos pela areia
No amor mais desejado e mais profundo.

É doce o puro mel com branca aveia


Numa manhã tranquila, quando fundo
Meu lar no campo alegre e rubicundo
E quando o coração por nada anseia.

É grato contemplar a lua branca,


Reinando no frescor do céu sereno.
É belo conhecer uma alma franca,

Ou ver o amanhecer de um dia ameno,


O entardecer vermelho em Salamanca,
Ou ter, enfim, do amor doce veneno.

48. FALSIDADES

Cara elegante e bonita,


Todo vestido com garbo,
Mas se alguém há que reflita
Consegue ver nele o diabo.
Porque o justo ele imita,
Mas não esconde o seu rabo.
Descobre-se o mau parceiro
Pelo bom cheiro.

140
Parnaso Sacro

Vela toda madrugada,


Sendo de todos conviva
E a prata de quem lhe agrada
Acaba dele cativa,
Porque da boca a cilada
Sai com nojenta saliva.
Descobre-se o mau parceiro
Pelo bom cheiro.

E maravilha a quem veja


Homem gentil tão honrado
Participando na igreja,
Sem ser fiel convidado.
Ele não bebe cerveja,
Mas por Deus fica embriagado.
Asqueroso companheiro
Por seu bom cheiro.

Do mundo tem o destino


E com poder o governa,
Levando-o com rumo e tino
Até à mansão sempiterna,
Onde se come suíno
Couro e batata da perna.
Cuidado com o parceiro,
Se tem bom cheiro.

Na praça acolhe com gosto


Quem por aí se revela,
Mas escondendo no rosto
Astúcia e grande cautela.
Porque quer nosso desgosto
141
Bruno do Espírito Santo, LC.

Fazer qual pó da canela.


Descobre-se o mau parceiro
Pelo bom cheiro.

Quando foi visto na praça


Diziam a seu respeito:
«Nobre de estipe e de raça,
Homem leal e direito.»
Mas não veem que é trapaça
O que por ele foi feito.
É impostor teu companheiro,
Se tens dinheiro.

Cuidado, amigo, cuidado!


Discerne quem te interroga,
Querendo te ter ao lado.
Porque é mais forte que droga
Seu vício bem disfarçado
No paletó ou na toga.
Com dinheiro ou sem dinheiro,
Mau companheiro.

Quando vier te dizendo:


«Compadre, vem mais um grau!»
Foge depressa correndo,
Antes que vires mingau
Na boca do lobo horrendo,
Fera feroz, bicho mau.
Descobre-se o mau parceiro
Pelo bom cheiro.

142
Parnaso Sacro

49. SALTO

Coisa suave a brisa


Que passa por lugares elevados,
Mas se a Urbe precisa,
Com seus montes sagrados,
Cantas, precisos são versos dourados.

Água em ti corre pura


Por teu leito diáfano de prata
E caindo da altura,
Com melodia grata,
De ti faz a mais célebre cascata.

O taperá voando
Abrigo encontra em tua nobre taba
E às margens encontrando
Frescor que não se acaba,
Vai descansar no alvor de tua aba.

Eia, rio que banhas


Os campos da Cidade valorosa,
Em que muitas façanhas
De gente vigorosa
Se deram, procurando o ouro-rosa!

Ó Cidade de nobres!
Salto, porção amada desta vida,
Do céu azul te cobres
E ficas parecida
À noiva preparada e embelecida!

143
Bruno do Espírito Santo, LC.

Atenta e tem cuidado,


A fim de que em ti o lobo protestante
Jamais coloque o arado
E seja dominante
Senhor em ti, com bárbaro semblante.

De todas as façanhas portentosas


A paz por todos sempre é desejada,
Pois essa paz de forças assombrosas
Em Salto fez morada.

De Clístenes findou a regra justa,


De Aníbal foram breves as batalhas,
De Roma acabou a Paz Augusta,
De Troia as muralhas.

Mas em teu seio, Salto, o céu sereno


Não passará jamais de tuas vinhas,
Porque são as antigas glórias feno,
Mas as tuas são minhas.

Descansarei ao som das tuas liras


E dormirei tranquilo em teu regaço
No dia em que de amor enfim me firas,
Deitando-me em teu braço.

Continuarão cantando os passarinhos


E ainda brotará em ti o jasmim,
Mas chorarão teus páramos sozinhos
Lembrando-se de mim.

Talvez um nobre abeto em suas cores,


144
Parnaso Sacro

Tão belas como o sol estável, há de


Cobrir a minha chaga, em que de amores
Deixei minha metade.

Quem regará teus campos perfumados,


Colhendo belas flores, e provando
Dos frutos e pomares carregados
De pássaros em bando?

As lagoas que dormem rutilantes


À luz imaculada das estrelas
Serão amadas como as amei, antes
De quem pudesse vê-las?

50. AINDA SOU POETA

Nem tudo está perdido, ainda a lua


Ilustra o coração apaixonado.
Nem tudo está perdido, ainda é tua
Essa canção de estilo variado.

Ainda que a batalha seja crua


E o caminho espinhoso e acidentado,
A minha pena ainda lima e sua,
Buscando o estilo certo e apropriado.

Ainda as Ninfas cantam na floresta


E enlouquecem as mentes dos pastores.
Ainda Baco rege a alegre festa

E, totalmente, cinge-se de flores.


145
Bruno do Espírito Santo, LC.

Serei inda poeta aonde for,


Ainda sou poeta e canto o Amor!

51. A VOLTA

Quando voltei à minha terra amada


Os campos secos outra vez brotaram,
Cedeu a noite à cândida alvorada
E as nascentes dos montes deslizaram.

Secou-se a minha lágrima estancada


Tanto tempo em meus olhos, e soaram
Pelos alegres céus por que passaram
Os sinos da minh’alma desterrada.

Estou velho e cansado: tantos anos


Estive fora sem achar abrigo
Em nenhum desses corações tiranos!

Hoje, acolhe-me, terra, como amigo


E em tuas sombras cobre os meus enganos:
É doce e deleitoso estar contigo.

52. DÁFNIS E MELIBEU

Certa vez sob um alto carvalho


Dáfnis belo, o pastor, se sentou.
Respiravam as flores o orvalho
Que a manhã lá do céu desatou.

146
Parnaso Sacro

E soprava também uma brisa


Que fazia a campina sorrir,
Quando ali, nesta hora precisa,
Melibeu fez seu canto se ouvir:

«Salve, Dáfnis, pastor adorado


Pelas Ninfas da Arcádia, que faz
Com seu belo e celeste trinado
Repousar o cão Cérbero em paz.»

«Se o labor te permite e assim queres,


Repousar vem aqui Melibeu.
Muita sombra acharás, se quiseres,
E unirás o teu cântico ao meu.»

«Doce é o mel que na Arcádia as abelhas


Todo dia produzem sem-par.
É mais belo que as rosas vermelhas
As canções do pastor escutar.

»Por ti, Dáfnis, a bela pastora


De formoso semblante se abrasa,
Ao dizer-nos: “Aonde ele fora?
Ai! Levai-mo, sem pausas, a casa”».

«O perfume das flores de Atenas,


E o esplendor dos leões, Melibeu,
Comparáveis ao amor são apenas
Que, primeiro, em meu peito nasceu.

»Minha ovelha descansa tranquila,


Das abelhas ouvindo o zoar,
147
Bruno do Espírito Santo, LC.

E depois, na manhã, de assisti-la,


Eu a levo ao Parnaso a pastar.»

«Vede aqui quantas flores e plantas


Vão deixando o seu doce verdor!
Há também as roseiras que cantas
Suspirando e falando de amor.»

«Os juníperos crescem na selva;


Febo Apolo cultiva um laurel;
Eu vi Thirsis deitado na relva,
Degustando bom favo de mel.»

53. CANÇÃO DE OUTONO

O outono sopra as folhas de uma faia,


Os caminhos dourando lentamente,
E no azulado céu brilhar se sente
O sol de luz que docemente raia.

O mar acaricia a branca praia


E volta a seus abismos de repente;
Louco de amores, sôfrego e demente,
Teme que a noite sobre a terra caia.

Escuto o trino ameno dos pastores


E vejo o pôr-do-sol todo amarelo
E aspiro o aroma plácido das flores

E digo sussurrando: Tudo é belo!


Se eu um dia morrer, quem dessas cores
148
Parnaso Sacro

Tingirá meu amor que tanto zelo?

54. CANÇÃO DE PRIMAVERA

Vênus reluz no céu e à terra torna


O zéfiro de brisa refrescante;
Também a luz exibe o diamante
Do seu cabelo e o peplo que o adorna.

A fonte de Hipocrene escorre morna


Entre o bosque, ao silêncio semelhante,
E quer desembocar no seu Amante
Que de pedrinhas cândidas a orna.

Ó coração da selva! Ó doce selva,


Que brando odor exala dos seus ramos!
Ó fonte doce, manas encantada!

Ó Faunos, recostados sobre a relva


E, junto a esse laurel, juntos digamos
Nossa canção de amor na madrugada!

55. POR MOTIVO DA PRIMAVERA

Colhei-me as rosas da profunda selva


E dos vales o mirto e o nobre acanto
E as margaridas no seu tênue manto
E as belas dálias e a suave relva.

Giram os astros na sua oblíqua esfera,


149
Bruno do Espírito Santo, LC.

Molhando a terra com humilde orvalho,


Reponta o broto no pendente galho,
Riem os prados com a primavera.

As aves deixam solitário o ninho;


Retira o camponês da sua bodega
Cheio de pó o tonel de doce vinho
Trazido há tempo de uma ilha grega.
E o céu sereno o seu rigor modera
E ri e se alegra com a primavera.

56. À VIRGEM MARIA

À vossa direita se senta a Rainha,


Formosa, vestida com ouro de Ofir.
O céu ilumina-se enquanto caminha
E dela recebe gentil reluzir.

Mais bela que os sonhos de noite escarlate


Que dorme a criança num doce ninar;
Mais pura que a tarde em seu pálido esmalte
Que sóbrias recebem as ondas do mar.

Assim é Maria: a mais bela princesa


Que Deus com seus lábios, soprando, formou,
E ardendo de amores qual lâmpada acesa
O Verbo divino em seu seio habitou.

Por Ela, Senhor, esta súplica minha


Bondoso e benigno dignai-vos ouvir,
Que à vossa direita se encontra a Rainha,
150
Parnaso Sacro

Tão bela e radiante com ouro de Ofir.

As joias dos Átalos perdem nobreza


E as glórias definham por tal resplendor.
A lua parece, por tanta beleza,
Um simples bosquejo num céu incolor.

O sol, quando surge em cavalos de fogo,


Pintando as montanhas de cor carmesim,
E os ventos que soam em álacre jogo,
Cortejam Maria num coro sem-fim.

Pureza em Maria è precioso brocado;


Doçura e humildade a revestem qual véu.
Seu peito e suas mãos não conhecem pecado,
Sua alma reflete a pureza do Céu.

Ó Deus, a minh’alma sem tino definha


E assim, sem acordo, só sabe exprimir
Que à vossa direita se senta a Rainha,
Tão pura, tão bela, com ouro de Ofir.

151
Bruno do Espírito Santo, LC.

ÍNDICE

00. Prefácio em prosa ................................................................. 5


00. PRÓLOGO .......................................................................... 10
01. IDÍLIO DE NATAL ............................................................. 12
02. APOLOGIA DOS DEUSES ................................................ 20
03. HORÁCIO ........................................................................... 27
04. CANTÁBRICAS ................................................................... 28
05. NON VACCANT TEMPORA .............................................. 30
06. DAVI E JÔNATAS .............................................................. 32
07. VIDA NO CAMPO .............................................................. 41
08. NOVUS ORDO SAECLORUM ........................................... 44
09. PRANTO POR CECÍLIA .................................................... 48
10. DIÁLOGO DA ALMA COM O AMADO ............................ 53
11. CANÇÃO DO VELHO POETA........................................... 55
12. CUPIDO DOLOROSO ....................................................... 56
13. CONTOS ATENIENSES ..................................................... 61
14. DOMINGO DE RESSURREIÇÃO ...................................... 71
15. VIDA SOLITÁRIA ............................................................... 75
16. AS FLORES DE UM SEPULCRO ...................................... 79
17. RENASCIMENTO DA IDADE DE OURO ......................... 80
18. RUÍNAS DA GRANDE GRÉCIA ........................................ 80
19. DAVI E O CAMPONÊS ...................................................... 81
20. UNA VIDA FELIZ ............................................................... 85
21. SELEÇÃO NATURAL DO BRASIL .................................... 87
22. MONÓLOGO I ................................................................... 88
23. MONÓLOGO II .................................................................. 91
24. MONÓLOGO III ................................................................. 93
25. MONÓLOGO IV ................................................................. 96
26. NO MONTE DAS OLIVEIRAS ........................................... 97
27. CUPIDO FUGITIVO .......................................................... 97
28. AS PROVAÇÕES DE JÓ .................................................. 101
152
Parnaso Sacro

29. CONHECE-TE A TI MESMO ........................................... 111


30. COPLA MAGISTRAL ....................................................... 113
31. SACERDÓCIO .................................................................. 116
32. JACULATÓRIA ................................................................. 118
33. O MAIS BELO CÂNTICO DE SALOMÃO ....................... 118
34. PASSOS DA VIA-SACRA .................................................. 123
35. A VÓS, VIRGEM PURA.................................................... 127
36. MEU DEUS E TUDO MEU .............................................. 128
37. DEUS, ÚNICO TESOURO ............................................... 130
38. JESUS É DESCIDO DA CRUZ ........................................ 131
39. É NOITE ........................................................................... 132
40. SONETO À VIRGEM ........................................................ 133
41. AMOR UNIVERSAL ......................................................... 134
42. CAOS ................................................................................ 134
43. PEREGRINO DE DEUS ................................................... 135
44. DOCE CRUZ, DOCE CÉU .............................................. 136
45. NATAL .............................................................................. 137
46. SOBRE AS VAIDADES DO MUNDO .............................. 137
47. CONSIDERAÇÕES ........................................................... 140
48. FALSIDADES ................................................................... 140
49. SALTO ............................................................................... 143
50. AINDA SOU POETA ........................................................ 145
51. A VOLTA ........................................................................... 146
52. DÁFNIS E MELIBEU ....................................................... 146
53. CANÇÃO DE OUTONO ................................................... 148
54. CANÇÃO DE PRIMAVERA.............................................. 149
55. POR MOTIVO DA PRIMAVERA ..................................... 149
56. À VIRGEM MARIA ........................................................... 150

153
Bruno do Espírito Santo, LC.

154

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