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TERRITORIO NA GEOGRAFIA DE MILTON SANTOS ANTONIO CARLOS ROBERT MORAES: Maa? Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagao - CIP Moraes Antonio Carlos Robert. Territério na geografia de Milton Santos. / Antonio Carlos Robert Moraes, Annablume, 2013, (Geografia e Adjacéocias). 10 p.3 16823 i, Sio Paulo: ISBN 978-85-391 1526-7 2. Geografia. 2. Geografia Humana, 3, Geogeatia Politica, 4, Territério, 5. Fapago Pablico. 6. Santos, Milton (1926 2001). 7. Historia do Brasil. 8. Histéria da Geogratia Brasiieira L Titulo, IT Série, I. Geografia de Milton Santas. cpu 9112 cpp 910 Catalogagio claborada por Ruth Sinado Paulino CERRITGRIO NA GEOGRAFLA DEMITON SANTOS. Projet, Predigto Capa Coletivo Uritco Aunablune Linagent da cipa Towografia de Moet Madsuga Ue evigior mao de 2013 © Antonio Carles Rober: Moriss Annabhuiwe Baicora Area Geagrafiae Temas Suciastnben ‘Concalie Cfewtitce Annie Caelae Robert Moraes Pedro Rabecc Jacobi Riu de Casula Avia da Cone Rua Os, Vigglio de Cazvallo Pinto, 354, Palisos (954}5-020 . S30 Paulo SP - Brasil “Tee Fas, (O11) 3839-0226 Televendas 35. ‘wwwaunablamesom.br SURES “O retorno do territério’: um comentario critico e algumas ilagoes contextuais O texto de Milton Santos “O retorno do tertitério” merece uma and- lise especifica em detalhe, pois incide diretamente na matéria aqui trata- da e constitui, em meu entendimento, uma boa expresso da consolidagao desse conceito no centro de sua teoria da geografia. Além disso, trata~se de: uma formulagio de sintese, com um claro intuito de esclarecimento con- | ceitual, Este artigo foi publicado em 1994, como introdugio da coletanea Territori, Globalizagio ¢ Fragmentagao, por cle organizada em parceria com Maria Adélia A. de Sousa ¢ Maria Laura Silveira. O proprio titulo utilizado (no livro e no seminério que The deu origem) sustenta esta interpretagio, e mesmo a data de sua publicagdo que — como visto ~ corresponde a sua sedi- mentagao na constelagao conceitual manejada pelo autor. A ideia de retomo utilizada remete tanto aygont | cessidade de jredefinicdoy que envolveria © conceito_na_época (segundo | Milton Santos).}Continuidade| na medida em que q(tenitéro ¢ uma base vida social, que se manifesta em todo periodo da. da ia humana como depositirjo das condigées de existéncia de qualquer populagio{Redefinigiog pois d-usq dessa base territorial depende das relagdes entabuladas pela sociedade em cada momento, sendo o da atualidade marcado pela globalizaco, proceso que altera significativamente as relagdes das socie~ dades com seus espagos. J podemos ver nesse equacionamento a reiteragio da uidade, quanto a ne- } S 6 z a distingio, observada na andlise realizada, entre o territério ¢ seu uso historico, o qual na conjuntura analisada traza marca da “interdependéncia universal dos lugares” e do “acontecer simultineo”™”. No passado imediato (dos dois tltimo® séculos, podemos conjectura™), F _ 9 Estado-nagio teria entronizado uma “nogio juridico-politica do tertitério”, ancorada na “conquista do mundo” ¢ na “valorizagio dos recursos naturais”, gerando uma concepsio na qual 9 tertitério era definido por meio de uma su- pago ao dominio estatal™'. Teriamos, desse modo, “uma nogio herdada da Modernidade incompleta e do seu legado de con- ge bordinagio exclusiva do espago a ceitos puros, tantas vezes atravessando os séculos praticamente intocado: Contudo, segundo o autor, o territério deveria ser entendido como “um hibri- do”, uma “forma impura”, que portanto “carece de constante revisio histérica’, apesar de sempre constar enquanto um “quadro da vida". Vale apontar que é a alteracdo do seufuso que conferiria ao conceito esse cariter mutante, o que aponta para o cnunciado do}“territério_usado” (que, contudo, nao ¢ epis- temologicamente explicitado no presente texto)\Podemos interpretar que o territério é uma materialidade cumulativa, porém seu uso é historicamente ‘\particularizado, o que sustenta a necessidade de redefinig6es periddicas. \ Essa vinculacao direta ¢ exclusiva do territério ao controle estatal € que te~ ria sido ultrapassada pela contemporaneidade, porém nfo fica clara ~ na pro- posicdo apresentada — a nova delimitaciio espacial que substitui a escala na- cional. O autor sugere a vigéncia atual de um espago globalizado, que articula 2) pontos especificos distribufdos pela superficie terrestre, e de espacos contiguos de fronteiras indefinidas, 0 primeiro projetando-se numaystrutura de redese Re Sa 379. Diz Milton Santos que “a interdependéncia universal dos lugares é a nova sealidade do territério” (ver: “O retorno do territério”em Territério, Globalizagao e Fragmentagio, Sao Paulo: Hucitec/ANPUR, 1994, p. 15). Sobre o “acontecer simultineo” ver: p. 16. 380, Adinal o Estado-nagio é uma construgio politica do século XIX, uma “novidade” his- t6rica nos termos de E. Hobsbawm (Nagées ¢ nacionalisma desde 1789, Rio de Janeiro: Paz ¢ Terra, 1990) ¢ de B. Anderson (Comunidades Imaginadas, México: Fondo de Cultura Econsmica, 1993), Para 0 século passado, ver M. Guibernau, Nacismalismas. 0 Estauda nacisnale 9 nacionalismo no século XX, Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 381, Ver: PB Allits, LTncention du Territoire, Grenoble: Universitaires, 1980; e J. R. Recal- de, La conseruccidn de las naciones, Madris Siglo XX1, 1982, Uma ampla revisio sobre © conceito pode ser obtida em R. Haesbaert, O Mito da Desterviterializarto, Rio de Janeiro: Berteand, 2005. 382. Milton Santos, "“O retorno do tersitério”, obra citada, p. 15. 383. Idem, ibidem, p. 15, 112 os segundos fundamentando 0 que Milton Santos vai denominar (tomando emprestado um conceito de Perroux, também trabalho por Boudeville) de _x \’espage banal” \Este forneceria o conteiido das “horizontalidades”, enguanto “ fiquele objetivaria as “verticalidades”. Nas palavras do autor: “o territério, hoje, pode ser formado de lugares contiguos e de lugares em rede”, os quais respon- dem a légicas e a fungdes distintas que fundamentam as oposigdes entre as redes ¢ 03 espacos banais™, Trata-se, assim, de umia,copyivencia contradi entre a escala local (base de vida das pessoas) e a escala global (suporte dos vetores da globalizaciio)", - Insistimos no fato de que a delimitagdo material dos ambitos territoriais se esvanece nessa argumentacio, com o autor passando a falar de lugares (e mesmo de regio) ao explicitar seu raciocinio. Essa recusa em acatar uma de- finigo de cariiter estatal acompanhava em muito uma tendéncia da literatura contemporinea sobre a matéria, de forte inspiracdo foucaultiana e introduzida na geografia politica fundamentalmente pela obra ~ hoje ja paradigmtica ~ de Claude Raffestin™, Contudo Milton Santos nao cita esta bibliografia, Por outro lado, encontramos neste texto uma rara alusio simpitica ao pé -modemismo, quando ele comenta que devemos trafegar da “nosio antiga do Estado territorial” para a “nogio pés-moderna da transnacionalizagio do territério”*”. Vale salientar que tal aproximacio emerge como “Pilatos no Cre- do” (isto é, de forma deslocada e surpreendente) ¢ nao se mantém sequer na argumentacao que the complementa, Tanto que logo em seguida ele vai afir- mar que 0 “territério habitado” cria “novas sinergias” que escapam 2. transnacionalizagao. . De todo modo, a postura de negar o Estado coma refexéncia delimitadora® do territério ficou incorporada na argumentaciio desenvolvida ao longo deste’ \'" * artigo, contrariando posicionamentos adotados em outros trabalhos jé rese-. *! nhados do mesmo periodo (como visto). Apenas numa breve passagem, a0 ™~ 384, Idem, ibidem, p, 16, Segundo o autor: “O territériv sio formas, mas o tertitirio usado siio objetos ¢ agdes", sendo sindnimo de “espaso habitado” (p. 16). 388, Wem, ibidem,p. 18, G86.) C. Rafestin, Por uma Gengrafia do Poder, Si Paulo: Atica, 1984, Nos apontamos 0 —"" problema das escalas numa perspectiva foucaultiane da reffexio geogrifica num artigo {jf antigo: Antonio Carlos R. Moraes, “Michel Foucault e a Geografia” em Ttalo Tronca {org.), Foucault Ves, Campinas: Pontes, 1987. 387. Miltoa Santos, “O retorao do territéric”, obra citada, p.15. 113 criticar as agéncias dos “governos mundiais” (o Fundo Monetério Internacio- nal,o Banco Mundial, as universidades e fundagdes financiadoras de pesquisa dos paises centrais), ele comenta que tais oxganismos esto sempre “dando 0 perversa e aos ataques que hoje se fazem, na pric Fa ¢ na ideology a0 Estado territorial” JContado, no resto do testo, a ia ewe rai} vdeveria ser estendida para “escalas mais altas? (arabes, 80 pea haney 5 'Fica claro, todavia, que a hata anti-hegemonia diz respeito 4 contiguidade, A yneio do mercado, das redes e das verticalidades Cabe salientar que também o conceito de nacho desaparece na argumen- tagio apresentada nesse artigo, acompanhando 0 abandono da ética estatal (e contrapondo-se, assim, ao argumento desenvolvido em outras obras resenha das). De certo modo, seu papel € entiio ocupado pelo conceito de “sociedade civil”; como exemplo podemos citar a passage em que Milton Santos qua lifica o tetritétio como a “arena de oposicao” entre o mercado ¢ a sociedade civil, Esse juizo fica ainda mais evidente quando ele exprime uma eritica aos “novos fundamentalismos do territério”, destacando como suas manifestagdes os “novos nacionalismos” ¢ 08 localismos (segundo ele, alimentados pela ten- déncia de fragmentagio contemporinea)™, Cabe adicionar que a globalizagio em si nfo é objeto de critica do autor, esta incidindo na sua manifestagio sob © comando absoluto do “mercado universal”, condigdo que a qualifica como uma “globalizago perversa” (que tem como componentes a “democracia de mercado” ¢ o “neoliberalismo”)"!, Apesar de falar da “maldigéo da globalizagao”, 0 objetivo politico ambi- cionado nesse texto nfo é portanto,a derrocada da estrutura global e nem um no a0 localism, mas o estabelecimento de umd “outra globali Laqui pouco explicitada como projeto). No atual processo globalizador, as ho- rizontalidades restariam enfraquecidas pelas verticalidades, num contexto em 388, Idem, ihidem, p. 18, 389, Idem, ibidem, p. 19. 390. Idem, ibidem, p. 20. 391. Idem, ibidem, p. 18 392, Idem, ibidem, p.20. 14 que as modemizagées trazem desordens &s “regiGes” em que se instalam™, Completando esse quadro, tem-se que as grandes contradicées sociais hoje, as prantes contra Bole. _Spassamn pelo uso do territéria”e se expressam nos choques entre a regulacio “Global € as normas nacionais ¢ locais™. Também contrariando outros esctitos da mesma época, Milton Santos vai minimizar neste breve artigo a centrali- Bi dade da esfera técnica, tio destacada em outros trabalhos. Segundo ele, es: dimensio — assim como a importancia das formas — prevaleceria no acontecer simultaneo “homélogo” e “complementar”, mas perderia poténcia no aconte- cer simultinco “hierarquico”, no qual a precedéncia residiria claramente na esfera da politica’. Feita esta ripida apresentagfio do conteido do artigo, cabe problematizé-lo na comparagao com as formulagdes expressas em outras pu- blicagées do autor na mesma época. Vale de imediato relembrar que no pré- prio ano de sua edicdo (1994), Milton Santos publicou dois livros resenha- dos no texto anterior: Por wma Economia Politica da Cidade e Técnica, Espago, Temps: Globalinagio ¢ Mein Técnico-Cientifico-Informacional (um ano antes havia publicado 4 Urbanizarao Brasileira, e dois anos depois vem a piblico A Naturoza do Espazo). Em termos gerais, os posicionamentos ¢ proposigdes contidos no artigo contrariam as argumentagdes desenvolvidas nos livros (¢ estas posstem, em meu ver, coeréncia entre si, que se contrapdem As ideias ex- postas no texto em foco). Basicamente os temas da vigéncia do Estado-nagio, da escala nacional como ainda determinante, ¢ a critica do pés-modernismo, expressam 0 contraponto aludido, fazendo do texto em anilise um escrito desviante (ou estranho) no percurso de construgio da teoria da geografia pro~ posta pelo autor na fase final de sua vida. No livro Tecnica, Esparo, Tempo, Milton Santos faz pesadas criticas &s pers~ pectivas pés-modernas e explicita que considera a escala nacional como bisica para o entendimento ¢ a possibilidade de mudar 0 mundo. Diz ele, nessa obra: “Creio que o Estado-nago continua sendo uma unidade extremamente ders, dbidem, p. 20. Idem, ibidem, p. 19. 395. Idem, ibidem, p. 17. Segundo o antor, informagao cumprisia hoje o papel desempe- nhado pela energia num pasado prdximo, emergindo como 0 “instrumento de unio entre as diversas partes do territério"(p. 17). U5 importante para no 0 estudo?™ |Em A Naturexa do Espaga tais juizos sio repetidos, numa passagem, criticando 0 pés-modernismo, afirma com énfase: dos “acreditar, todavia, que 0 Estado se torngu desneces ‘seiteracio da importancia do Estado nacional, ¢ a refutagio da ética do fim uma outra globalizagito™ trabalhos,6 territdrio\é basicamente identificado como um_espago de atuacio sdrio & um equivoco”™”. organismos estatais e slas fronteiras, também esti presente no volume Por S também interessante salientar que em todos estes RY estatal, de enqgiadramento na escala nacional, entim, € visto como um pais ou \X)Ginda uma formagao sécio-espacial. A sinonimia destes termos & defend em virias passagens do autor, como jé observado no texto anterior (com clare- za, por exemplo, na anillise efetuada de d Natureza do Espero). Posto este estranhamento entre posigées assumidas no artigo “O retomo do territério” ¢ as ideias defendidas em obras do periodo de sua publicagao € pe publicag: posteriores, cabe discutir, antes de tudo, a xazio da relevincia atribuida pos~ teriormente a esse texto no cit culo de pesquisadores filiados & sua teoria da geografia. De imediato, podemos conjecturar que tal texto permitiu reconci- fiar sua proposta com perspectivas que se tornaram hegemOnic: s na geografia brasileira aps seu falecimento (em 2001), notadamente com a postura me~ todolégica pés-modernista (que se difandiu bastante nas tilrimas décadas)”, Obviamente, isso se deu com um acobertamento dos conteddos citados con- tidos nos livros analisados. Com tal exercicio de prestidigitacao, cra possivel operar om a teoria de Milton Santos como se ele trafegasse positivamente pelo idesrio pos-moderno. Contudo, o artigo em tela nao sustenta o papel de sintese do seu entenadimento do conceit em questi, ¢ somente com muita Milton S: 396, 397. atos, Tienica, Expzzo, Tempo, obra citada, p. 181. Como visto, no livto A Ezonowsia Politica ita Cidade (obra citada) ele exprime a preocupayio em face s otientagées neolibercis entio emergentes no Brasil, exatamente por stta infuéncia na diminuigio do poder estatal no pats Milton Santos, Natureza do Espazo obra citads, p, 198, Nessa obra, cle salicnta a vigencia do papel do Estado na elahorayio das normas, chegando « falar de om “poder nacional” ¢p 269), Contudo, nesse trabalho também aparece com énfase a concep¢ao do global e do local como sendo as esealas bisicas da investigaciio geogrifica contemporinea. Milton Suntos, Por sma outra globalizazic, obra citada, pp. 76 ¢ 77. ‘Também em © Brasil: tervitéria e soréedtadte no inicio do sécaulo XXTaparecem criticas 20 pos-medernis~ mo ¢ a defesa da importincia da escala nacional (ver, por exemplo, obra citada, p. 113). Unna evaliagio critica dessa perspectiva no Brasil pode ser vista em: Antonio Casios R ‘Moraes,“Na trtha do purgatirio: politica ¢ modemidade na geogzafia brasileira contempo- ‘inea!’,em Panoransa dle Ceografia Brasilein, Sav Poalo: ANPEGE/Annablume, 2006, 16 reformulagiio te6érica seria possivel colocé-lo como central na sua definigdo de territdrio nesta derradeira fase de sua produgiio (como esperamos haver de- monstrado no presente estudo). Este conceito se vincula, inapelavelmente,em. sua formulago mais sofisticada, As nogdes modernas de nagao e de Estado. Encerrando este breve comentirio, vale acrescentar uma especulagao contextual que permite — se correta — trazer alguma base de interpreta- 40 para o posicionamento em foco. A geracao. de. Milton Santos se for- mou num ideério no qual o internacionalisine eo cosmopolitismo eram cultuados como valores universais, posig¢do que se fundamentava na identifi- cago do nacionalismo com atitudes beligerantes,¢ com interesses imperiais {identidide que a critica da geograhta Téforgava). Dai, talvez, a manifestada simpatia com a vigéncia da globalizacao, ultrapassando fronteiras, tornando a Terra uma “totalidade empirica”e objetivando o devir de um “acontecer so- lidario”. Acrescente-se a isto 0 clogio da cidade e da vida citadina, que eram identificadas nesse evos com a pritica da liberdade e da solidariedade, em oposiga assim, constituindo os alimentos basicos do autoritarismo politico). ‘Mas essa geracdo vivencion também o auge da “Guerra Fria’, um con- io a ruralidade ¢ a vida local (associadas a tradigao ¢ ao atraso social e, texto que demandava claros posicionamentos e nitidas aliangas politicas. Milton Santos, como um humanista e como um intelectual engajado, nio escondia sua afinaeao com o pensamento de esquerda terceito-mundista (deve ter aplaudido a Conferéncia de Bandung). Consoante com sua orientagio “existencialista” (aferida nas citagdes de Sartre e de Fanon), ele concebia o front da luta anti-imperial ¢ da descolonizagio como posic¢ao privilegiada na atuacao politica, o que recolocava (mesmo que em outros termos) a questio do desenvolvimento econémico, da escala nacional, ¢ do papel do Estado. Dai, talvez,a explicagaio da critica radical, e do posterior resgate, do planejamento € da aco estatal ao longo de sua trajetdria tedrica, Sem duvida a experiéncia do exilio entremeia esse trinsito, reforcando a escala do territério nacional — ao lado (mas, acima) da metrépole — como a unidade basica de analise ¢ reflexio da teoria da geografia por ele proposta. Estas ilacdes de cunho sociolégico sé poderiam ser equacionadas de modo consistente a partir de um estudo que esmiugasse a atividade diretamente po- litica de Milton Santos, averiguando sua pritica vis a vis com suas ideias. Sua atuacio como jornalista de 4 Tarde, seu envolvimento com a politica eo ser vigo piblico baiano (criando drgaos de planejamento e na Area pedagdgica), uy sua importante participagio no governo Janio Quadros, a prisio e o exilio com 0 golpe militar de 1964, sua atuagio no exterior (em diferentes paises, em organismos internacionais € nos movimentos de exilados), seu retorno e atuagao politica no Brasil (com destaque para suas « deveriam ser objeto de uma investigagao sistemitica. Tal an iangas ¢ interlocugées), se permitiria uma aproximaco aos seus objetivos individuais, propiciando avaliar 0 quanto seus fins priticos determinavam suas formulagdes ov o quanto suas ideias e teorias comandavam sua atuacio politica. Finalizando, e retornando ao texto em pauta, vale assinalar que os ju- izos ai contidos parecem revelar o impacto da leitura de uma bibliografia entao recente que teria empolgado o autor, sempre animado por uma forte inquietacao tedrica. Tal interpretacio & meramente especulativa uma vez que no corpus bibliogrifico investigado no encontramos sustentagio para este juizo. Contudo, sabemos que o autor frequentava instituigdes e eventos onde a literatura pos-~modernista era conhecida ¢ discutida, ¢ que sendo Milton Santos muito atento as novidades bibliogrificas tais proposigées nao lhe pas- sariam desapercebidas, ¢ elas podem ter sido expressas no artigo em exame que, nesse sentido, poderia ser lido como um exercicio metodolégico. Pode- mos aventar também que a sedimentagio de sua opinido sobre a perspectiva pos-moderna, todavia, estaria de fato presente nos juizas emitidos nos livros sse periodo. E nestes a importincia do territério (estatal e nacional) est bem assinalada, como ja observado. escritos nes F interessante terminar com uma manifestagdo do autor que pode trazer alguma luz a interpretacio aqui ensaiada, Ela foi proferida num momento im- portante de sua vida académica, num rito maior de reconhecimento universi~ tirio: a ceriménia de entrega do titulo de “professor emérito” da Faculdade de Filosofia, Letras ¢ Ciéncias Humanas da Universidade de Sio Paulo, em 28 de agosto de 1997. Ao final do seu discurso de agradecimento, Milton Santos afirma: “Sao hoje possiveis outras visées do mundo, a partir de qualquer lugar, e creio que é essa a grande li¢do da era da globalizac%o, onde néo apenas uma cultura € capaz de ensinar, todas sio igualmente capazes desse magistério, O equivoco da minha geragio foi acreditar exageradamente nas virtudes do saber de um coutinente, agora de dois. Sem buscar uma interpretagio do mundo a partir do nosso lugar, que modificaria, também, a interpretagio do nosso lugar, nao contribuiremos validamente ao conhecimento do mundo, Esse € 6 cami- nho para owtra coisa, diante do drama em que nos estamos envolvendo agora, us na verdade raramente alcangamos universalidade ou universalismo, ficando unicamente internacionais, sem chegar a ser universais, Inclusive copiamos as formas de elegancia dos outros, de tal maneira que recusamos uma forma de expressfio que nfo seja oriunda da elegancia dos outros, em vez de buscar uma elegancia fundada na nossa cultura. (...) No passado, esta Faculdade superou o dilema entre provincianismo ¢ cosmopolitismo, Eram tempos relativamente inocentes, dilemas relativamente inocentes, ¢ por isso rapidamente resolvidos. O dilema atual € envenenado, porque os tempos so envenenados ¢ as nostal- gias pesam muito, mas o servico da nagao ¢ 0 servico do conhecimento exigem um esforgo redobrado para superar essa contradic envenenada. A interna- } cionalidade invasora como fonte de enganos deve ser rapidamente substituida | pela universalidade como matriz da verdade””. Milzon Santos, “O Intelectual e o Dever da Critica’, Série Emiérivos, nimero 1, Sto Pavlo: Hurnanitas/PFLCH-USP, 1998, pp. 22 ¢ 23. U9

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