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Escrita a quatro partes

A música dos séculos dezoito e dezanove é concebida em termos de harmonia


a quatro partes (vozes). Estas quatro vozes ou sons que compõem o acorde,
entidade sonora que pressupõe uma disposição vertical e sincrónica dos sons,
assumem todavia um curso melódico autónomo e individual que confere a este
tipo de escrita musical uma vocalidade múltipla que se realiza harmonicamente.
A escrita a três partes que se pode observar na música de câmara e para
teclado, sugere no entanto quatro partes. A partitura orquestral onde se
coadunam um largo número de vozes instrumentais é também concebida
segunda as normas da escrita a quatro partes. O termo “voz”, quando aplicado
a uma parte instrumental sugere que esta se assemelhe ao canto humano na
sua idiossincrasia ou qualidade inerente. Para definir as quatro partes
convencionou-se nomeá-las segundo as quatro vozes corais pelo seu
enquadramento num registo sonoro de âmbito vocal; Soprano, Alto, Tenor e
Baixo. Esta denominação é de algum modo arbitrária tendo em conta as
dissemelhanças relativas aos registos de âmbito instrumental não havendo na
prática prejuízo ao exceder estes limites ocasionalmente, tal é o caso das notas
extremas que devem ser usadas discriminadamente.

Duplicação

Uma vez que a tríade conte três tons ou factores torna-se necessário o uso de
um outro tom para completar este complexo harmónico. Com a tríade no seu
estado ou posição fundamental a nota em falta será normalmente a duplicação
da fundamental do acorde a uma ou duas oitavas superiores ou eventualmente
em uníssono. Dobrar a nota fundamental é bastante usual embora este
procedimento se possa realizar igualmente com a terceira ou a quinta do
acorde.

O acorde de sensível (VII Grau)

Apesar de poder ocorrer na primeira e segunda inversão esta tríade raramente


se encontra disposta na posição fundamental pois contem um intervalo
dissonante, a quinta diminuta, que se estabelece entre o primeiro e o quinto
tom ou factor formando um acorde diminuto. Neste caso o primeiro factor é a
própria sensível do acorde com forte tendência de resolução para a tónica.
Qualquer que seja o estado da tríade sensível, a duplicação da sua
fundamental deve ser evitada.

O acorde de sétimo grau na sua acepção de sensível possui uma tendência


melódica que conduz á tónica. Este nome é usado quando a distância entre o
sétimo factor e a tónica é de meio-tom, tal podendo ser observado na escala
maior e menor melódica ascendente. Quando esta distância é de um tom tal é
o caso da escala menor melódica descendente, o sétimo grau é simplesmente
apelidado acorde de subtónica, com sétima menor entre o primeiro e o sétimo
factor. Esta tríade poderá também funcionar como substituta da tríade de
dominante ou do acorde de sétima de dominante.

Disposição/Espaçamento

A distribuição dos factores no acorde e o sentido harmónico numa progressão


deverá realizar-se tendo em conta aspectos de sonoridade musical tais como
clareza e balanço pois cada factor ou som do acorde apesar de se estabelecer
individualmente deverá resultar no todo, subordinando-se á sonoridade geral. O
arranjo comum de um acorde posiciona os intervalos mais amplos no registo
inferior. Na escrita a quatro partes evitam-se disposições intervalares
superiores á oitava com excepção para o tenor e baixo, onde até mesmo uma
separação de duas oitavas poderá soar satisfatória.

Posições abertas e fechadas

Quando as três vozes superiores estão o mais próximo possível, o acorde é


descrito como posição fechada. Nesta disposição as três notas superiores
apresentam-se num âmbito que não excede a oitava. Numa posição aberta há
um distanciamento superior á oitava entre soprano e tenor. Partindo de uma
dada nota no soprano uma tríade fundamental pode ser construída dando ao
contralto a primeira nota (inferior) disponível da tríade. Se pretender um acorde
em posição aberta o contralto tomará a segunda nota disponível da tríade
partindo sempre do soprano. Ao tenor restará o ultimo factor do acorde. O
baixo irá tomar a fundamental numa oitava conveniente.

A escolha entre um destes dois tipos de disposição intervalar (perspectiva


vertical, será inevitavelmente influenciada pelo fluxo ou condução melódica
(perspectiva horizontal) das vozes ou partes. A questão dos âmbitos também é
importante; se o soprano está escrito num registo alto, uma posição fechada
poderá transportar o contralto e o tenor para registos superiores pelo que será
preferível uma disposição aberta do acorde. Idealmente, um acorde bem
estruturado deverá ter as suas vozes nos registos correspondentes, alto, médio
ou baixo, apesar da intersecção das partes poder ocorrer com naturalidade e
em compromisso com o equilíbrio e balanço entre os acordes.

Notação

A melhor forma de escrever a quatro partes é num sistema de dupla pauta. O


soprano e o contralto são inscritos na pauta superior e o tenor e baixo, na
pauta inferior. As hastes do soprano e tenor deverão apontar para cima e as do
contralto e baixo, para baixo.
Progressões Harmónicas no Modo Maior: Princípios de Condução
Vocal

A progressão harmónica é um dos principais recursos da música tonal e


baseia-se em princípios de coerência. O termo implica uma sucessão de
acordes controlada e baseada numa ordem. Na prática comum, algumas
sucessões harmónicas são mais usuais que outras e a maneira pela qual os
acordes se conectam segue certos procedimentos. A relação do acorde com a
escala é também a integração do acorde na tonalidade, partindo a fundamental
de um dado grau da escala, identificando o grau da escala a função do acorde.
A progressão harmónica pode então ser expressa como sucessão de
fundamentais, que se representam por numerais romanos que indicam os
graus da escala sobre os quais os acordes se constroem.

Tabela de progressões usuais por graus

I é imediatamente seguido por IV ou V, por vezes VI, menos usual II ou III.

II é imediatamente seguido por V, por vezes VI ou VI, menos usual I ou III.

III é seguido por VI, por vezes IV, menos usual I, II ou V.

IV é seguido por V, por vezes I ou II, menos usual III ou VI.

V é seguido por I, por vezes IV ou VI, menos usual II ou III.

VI é seguido por II ou V, por vezes III ou IV, menos usual I.

VII é seguido por I ou III, por vezes VI, menos usual II, IV ou V.

Como primeiro passo ao comparar progressões por graus (no estado


fundamental), poderemos dispô-las em três categorias:

a. Movimento de fundamental (salto) por quarta ou quinta;


b. Movimento de fundamental por terceira (ou sexta);
c. Movimento de fundamental por grau conjunto (ou sétima).

Tríades progredindo pelo movimento a. (com salto de quarta ou quinta entre


fundamentais, que corresponderão neste capitulo sempre aos baixos) terão
uma nota em comum, tal é a progressão V – I, geralmente considerada a mais
forte na linguagem tonal.

Exemplo 3 - 1
Outras progressões com salto de quinta descendente ou quarta ascendente
(entre fundamentais/baixo) terão um efeito comparável mas menor.

Exemplo 3 - 2

Progressões harmónicas com salto de quarta descendente (ou quinta


ascendente) entre fundamentais resultarão no reverso dos casos atrás
mencionados. A progressão IV – I é aqui a mais importante, funcionando com
contrabalanço da progressão ou relação V – I.

Exemplo 3 – 3

Tríades progredindo pelo movimento b. (com salto de terceira entre


fundamentais), terão duas notas em comum. Dada a menor diferença entre
estes acordes por partilharem duas notas comuns estas progressões serão
consideradas fracas. No modo maior uma progressão por terceira (ascendente
ou descendente) significará a passagem de uma tríade maior para uma tríade
menor ou vice-versa. Quando a fundamental/baixo se move (de um acorde
para outro) por terceira ascendente, a fundamental do segundo acorde terá
sido percepcionada como a terceira do acorde de partida (progressão fraca);
Quando este movimento é de terceira descendente, a fundamental do acorde
de chegada é percepcionada como novo som/nota.

Exemplo 3 – 4

Quando a fundamental procede pelo movimento c. (grau conjunto), o acorde de


chegada não terá notas em comum com o primeiro, pelo que se percepcionará
uma nova cor harmónica. Estas progressões são consideradas fortes apesar
de algumas não se usarem extensivamente; As IV – V e VI – V são
encontradas com frequência ao passo que a II – I (relativamente fraca em
disposições acordais deste género, digo, estados fundamentais do acorde)
raramente é encontrada.

Exemplo 3 - 5

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