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GESTÃO ESTRATÉGICA

TEXTOS COMPLEMENTARES

SUMÁRIO
1. FURR, Nathan; SHIPILOV, Andrew. A transformação digital não precisa
ser disruptiva ................................................................................. 02
Harvard Business Review Brasil, Jul/2019

2. ZHU, Feng; IANSITI, Marco. Por que algumas plataformas prosperam e


outras não ………………………………................................................... 12
Harvard Business Review Brasil, Abr/2019

3. SIMONS, Robert. Escolhendo o cliente certo: o primeiro passo para


uma estratégia vencedora ............................................................. 20
Harvard Business Review Brasil, Mar/2014
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A transformação digital não precisa ser disruptiva

Nathan Furr e Andrew Shipilov

Harvad Business Review – Brasil - 5 de julho de 2019

A adaptação — e não a reinvenção — pode gerar os melhores resultados.

Quase no fim de um longo almoço com vista para o tranquilo Lago de Genebra, um vice-
presidente sênior de uma empresa líder global nos confessou: “Temos uma dúzia de
comitês sobre transformação digital; temos iniciativas de transformação digital;
fazemos transformação digital a todo vapor… mas ninguém sabe me explicar o que ela
realmente significa”.

Em termos muito básicos, a resposta é simples: a expressão tão usada significa nada
mais que adaptar a estrutura e a estratégia das empresas para capturar oportunidades
habilitadas pela tecnologia digital. Este não é um desafio novo — afinal, computadores
e software existem há décadas e mudaram os produtos e serviços assim como a forma
de fazê-los. Mas o argumento que o VPS apresentava é que se tornou cada vez mais
difícil para as empresas traduzir essa resposta em planos de ação. Os computadores de
hoje cabem no bolso ou no pulso, e os aplicativos de software que os executam
permitem a automação de tarefas antes realizadas por humanos (como a gestão de
despesas), a virtualização de hardware e, cada vez mais, produtos segmentados e
serviços personalizados. Além disso, esses aplicativos alcançam as pessoas em toda
parte: sensores incorporados em dispositivos e interfaces permitem a alimentação de
dados em tempo real, possibilitando decisões mais informadas e recomendações
orientadas por máquinas. Em suma, a tecnologia digital não está mais no domínio
exclusivo da TI; é aplicada em quase todas as partes da cadeia de valor das empresas.
Assim, é perfeitamente compreensível que os gestores se esforcem para entender o que
a transformação digital realmente significa para eles em termos de oportunidades a
perseguir e iniciativas a priorizar.
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Diante dessa realidade, não é de surpreender que muitos gestores esperem que a
transformação digital envolva uma interrupção radical dos negócios, investimento
pesado em tecnologia, uma mudança completa de canais físicos para virtuais e a
aquisição de novas empresas de tecnologia. Certamente, em alguns casos essa
mudança de paradigma está envolvida. Mas nossa pesquisa e trabalho sugerem que,
para a maioria das empresas, a transformação digital significa algo muito diferente da
ruptura direta, na qual o velho é varrido pelo novo. A mudança de fato se opera, e às
vezes trocas radicais de processos de fabricação, canais de distribuição ou modelos de
negócios são necessários; mas não raro a transformação se dá em etapas incrementais
que melhoram a entrega da proposição central de valor.

Nas páginas seguintes, baseamo-nos em insights coletados por nós — em entrevistas


com mais de 60 empresas e na interação com centenas de líderes seniores em nossos
cursos — para desfazer alguns mitos cruciais sobre a transformação digital e oferecer
aos executivos um melhor entendimento de como as empresas precisam responder às
tendências atuais.

Alguns gestores acreditam que, para alcançar a transformação digital, devem alterar
drasticamente a proposta de valor da empresa ou correr o risco de sofrer uma onda de
rupturas. Como resultado, no início de muitas transformações digitais as empresas
aspiram a ser como a Apple e tentam encontrar um novo produto ou plataforma de alta
tecnologia que atenda às novas necessidades dos clientes. Embora algumas possam ser
bem-sucedidas, acreditamos que as necessidades dos clientes atendidos pela maioria
das empresas não mudarão muito. O desafio é encontrar a melhor maneira de atender
a essas necessidades usando ferramentas digitais. Como disse o executivo sênior das
Galeries Lafayette, varejista de moda francesa de luxo, “essa é outra modernização.
Estamos no mercado há mais de cem anos, e tivemos de passar por outras mudanças
em nossa história, como a chegada de hipermercados, shopping centers, redes de
especialidades, fast fashion, marcas que se tornaram varejistas e, finalmente, o
comércio eletrônico”.

A empresa de contêineres Maersk fornece um bom exemplo do que o executivo quis


dizer. Os custos do transporte são afetados por barreiras comerciais globais e
ineficiência nas cadeias de fornecimento internacionais. E o setor sofre com a falta de
transparência. Esses são desafios conhecidos. O que o digital fez para a Maersk foi
fornecer uma nova maneira de superá-los. A empresa fez parceria com a IBM e com
autoridades governamentais para acionar a tecnologia blockchain e ter acesso rápido e
seguro a informações da cadeia de suprimentos end-to-end de uma única fonte. A
tecnologia, associada à capacidade de receber dados em tempo real de sensores,
permite workflows confiáveis entre empresas, despesas administrativas menores e
melhores avaliações de risco em remessas globais. Essa mudança permite que a Maersk
atenda melhor seus principais clientes. Mas a Maersk não se transformou na Google.
Continua sendo uma empresa cuja proposta de valor é fornecer um serviço de remessa
rápido, confiável e econômico — com o potencial de ser mais simplificado e
transparente, graças à alavancagem inteligente da tecnologia digital.
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Outro bom exemplo é a empresa aérea russa Aeroflot, que já foi uma das piores do
mundo em seu setor. Ela se tornou uma das melhores: seu net promoter score subiu
de 44% em 2010 para 72% em 2016, e sua taxa de ocupação, de 64,5% em 2009,
subiu para 81,3% em 2016, segundo dados da empresa. Como isso foi possível? A
empresa aérea usou a tecnologia digital para melhorar significativamente as principais
atividades, como operações, elaboração de relatórios, reserva de passageiros,
agendamento e atendimento ao cliente. Ainda mais relevante, criou painéis que
propiciam à gestão uma visão geral instantânea de mais de 450 indicadores-chave de
desempenho. A empresa também agrega informações de sensores instalados nos
aviões, conferindo visibilidade ao desempenho das aeronaves e permitindo a
manutenção preventiva, o que reduz assim os custos operacionais. O departamento de
relações públicas conseguiu até reduzir o número de funcionários, porque ficou mais
fácil responder às perguntas dos jornalistas sobre os dados da empresa: está tudo
disponível no painel. Além disso, reaproveitou a arquitetura digital criada para
administrar a empresa aérea principal para, ao mesmo tempo, gerir uma empresa aérea
de baixo custo — algo que poucas empresas aéreas conseguiram fazer. Portanto, a
razão de ser da empresa não mudou em nada: continua sendo uma empresa aérea de
passageiros que vende passagens para muitos destinos diferentes. Apenas se tornou
mais eficiente e amigável graças às ferramentas digitais.

Isso não significa ausência de perturbações. Fique atento: as coisas estão mudando
rapidamente, e as empresas que nada fizerem serão prejudicadas ou, no mínimo,
passadas para trás por aquelas que se transformaram com o recurso das ferramentas
digitais. Mesmo nas indústrias clássicas, que sofrem rupturas maiores, a história se
revela mais complexa quando se faz um exame mais profundo. Passar ou não por uma
disrupção vai depender do trabalho que você faz para o cliente. Se um operador
estabelecido conseguir usar as ferramentas digitais para atender às necessidades dos
clientes melhor do que um ator novo e perturbador, ainda assim prosperará.

Considere o serviço de táxi. O impacto da Uber nos táxis é um dos exemplos mais
citados de perturbação digital. Todos se lembram da greve dos motoristas de táxi em
todo o mundo — especialmente em Paris, nossa cidade natal — em face do que parecia
ser uma ameaça existencial à sua sobrevivência. Mas hoje as empresas de táxi em Paris
estão prosperando.

A G7 é uma empresa tradicional de táxis fundada em 1905. Assim como muitas outras
empresas de táxi em Paris, ela já foi famosa pela grosseria de seus motoristas. Muitos
anos depois, assim como a Uber, a G7 desenvolveu um aplicativo para permitir aos
clientes fazer reserva. O aplicativo oferece vários níveis de serviço: compartilhamento,
táxi normal, verde (híbrido ou elétrico), van e VIP. O passageiro usa o aplicativo na rua
para chamar um carro ou entra em um carro na esquina e paga ao motorista com o
aplicativo mediante código de quatro dígitos.
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Mas a G7 difere da Uber de algumas maneiras importantes: seus motoristas são mais
bem treinados, os carros são mais limpos, e é possível agendar corrida para o horário
exato desejado, em vez de em uma janela de 15 minutos, como acontece no
agendamento da Uber. Acima de tudo, embora um G7 possa ser, em média, um pouco
mais caro do que um Uber, é muito mais barato quando você mais precisa, pois a Uber
impõe um elevado preço dinâmico, multiplicando sua tarifa por duas, três ou até oito
vezes, enquanto os preços da G7 permanecem constantes. É claro que a chegada da
Uber forçou as empresas de táxi tradicionais a melhorar seus serviços: agora, os
motoristas da G7 recebem aulas de etiqueta. Não se pode argumentar, porém, que o
advento das tecnologias digitais tenha exigido reinvenção integral da proposta de valor
da G7.

Da mesma forma, o setor hoteleiro está entre os mais ameaçados pela ascensão das
tecnologias digitais, primeiro pelas agências de viagem online (OTA, na sigla em inglês:
online travel agency) como a Expedia, depois por plataformas como a Airbnb e agora
por mecanismos de pesquisa como Google. Quando entrevistamos o CEO da Marriott,
Arne Sorenson, sobre o impacto das tecnologias digitais, ele não minimizou a ameaça.
“As forças digitais são claramente muito revolucionárias e poderosas e, às vezes, podem
ser assustadoras”, disse ele. “Estamos em uma guerra total para decidir quem fica com
o cliente.”

Sorenson destacou que a tecnologia seria um fator importante para vencer a guerra:
“Temos de nos certificar de que estamos usando a tecnologia para operar de forma mais
eficiente, entregar o serviço e criar uma plataforma digital de grande fidelidade — mas
também precisamos garantir que a plataforma seja grande o suficiente e ofereça valor
aos nossos clientes para que eles façam reservas diretamente conosco. Não vamos
superar a Google, mas queremos ter certeza de que temos uma comunidade de pessoas
que podem se relacionar conosco. Isso precisa acontecer por meio de plataforma digital.
A intenção da plataforma é envolver os clientes”. E isso é o que a Marriott sempre fez.

Embora tenha lançado plataformas para competir com a Airbnb e direcionar os clientes
diretamente para seu próprio site, também está focada no que faz de melhor — oferecer
um ótimo hotel e uma excelente experiência para o cliente. Quem já se hospedou em
algum hotel Marriott ou de sua empresa parceira, a Starwood, sabe que dificilmente
conseguirá na Airbnb o mesmo colchão e roupa de cama de luxo pelos quais esses hotéis
são famosos.

Entender que a transformação digital não altera o motivo pelo qual sua empresa existe
ajudará você a identificar as tecnologias que você deve focar. Os gestores que acreditam
que a disrupção digital requer uma formulação massiva do negócio principal acabam se
perdendo. Mas, se o desafio é simplesmente realizar da melhor forma o trabalho para
o cliente, eles provavelmente se concentrarão nas tecnologias que produzem o maior
efeito para o usuário (como a experiência do cliente ou sinergias de relacionamento) ou
para suas capacidades centrais (como sinergias de custos). Mesmo na era digital, sua
empresa, assim como a Maersk, a Aeroflot e a G7, provavelmente pode continuar
atendendo os mesmos clientes principais. E as necessidades desses clientes não
mudarão — embora o digital certamente propicie uma maneira melhor de atendê-los.
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Não há dúvida de que o digital muitas vezes permite a eliminação de intermediários


ineficientes e infraestrutura física dispendiosa. Mas isso não significa que o físico vá
desaparecer completamente. Na verdade, como está bem documentado, muitos
varejistas estão encontrando maneiras de criar um híbrido físico e digital que aproveite
as vantagens de cada um. E isso não se restringe aos varejistas — a mesma tendência
pode ser vista em muitas outras empresas voltadas para o consumidor.

No varejo, as Galeries Lafayette (GL) é um exemplo clássico. Apesar da intensa


concorrência das lojas online, a GL reconhece a importância da proximidade física com
o cliente, que apenas uma loja física pode oferecer. Ambos os modelos têm vantagens:
o físico ajuda a construir um relacionamento emocional com o cliente, enquanto o digital
(especialmente a IA) ajuda a entender melhor as suas necessidades. Enquanto no
passado as empresas se concentravam demais no produto e não o suficiente no cliente,
os modelos híbridos podem colocar o cliente no centro do negócio.

Para garantir que vai construir uma compreensão do cliente, assim como uma conexão
emocional com ele, a empresa está fazendo a mistura perfeita do mundo físico com o
mundo digital em sua nova loja em Champs-Élysées.

A loja oferecerá uma curadoria de itens de luxo e será composta de vendedores


contratados por sua capacidade de interagir com os visitantes da loja, sua expertise em
moda e estilo e sua facilidade com mídias sociais. Esses funcionários, conhecidos como
personal shoppers ou personal stylists, vão estabelecer uma relação emocional com
seus clientes, tornando a loja física uma atração inicial e um local de contato. Os
compradores podem, então, embarcar em transações habilitadas digitalmente. A nova
tecnologia também ajudará os vendedores a “lembrar” dos clientes e de suas
preferências e identificar mimos específicos que os atraiam.

A GL já percorreu parte desse caminho em sua loja-conceito no Boulevard Haussmann,


onde os funcionários usam tablets. Os clientes chegam à loja tendo obtido — por meio
de pesquisas online — muito mais informações do que os vendedores sobre alguns
produtos. Os tablets permitem aos funcionários navegar rapidamente pelo catálogo
online e se tornar igualmente bem informados.

Os compradores valorizam a visita à loja física porque podem ver e sentir os produtos
reais, reservá-los online e testá-los na loja sem compromisso. Ou então comprá-los
online e simplesmente retirá-los na loja. De qualquer modo, os vendedores precisam
entender como agir como personal shoppers, e os dados em seu poder do produto e do
cliente lhes permitem isso.

Muitas marcas digitais estão convergindo para o mesmo caminho. A Bonobos, por
exemplo, que nasceu só como digital, agora usa lojas físicas para permitir aos clientes
experimentarem a roupa. Após a compra, os itens são enviados diretamente de um
inventário com gestão central. A Warby Parker, outra nativa digital, também passou a
usar lojas físicas para criar experiências acolhedoras para os clientes. Como a GL, esses
varejistas estão suprindo necessidades que o digital não atende completamente —
criando conexões emocionais e lidando com os desafios de experimentar roupa ou
óculos — enquanto usa a tecnologia para alavancar dados e obter eficiência de custo.

Algo semelhante se verifica no setor de energia. Várias empresas de energia elétrica na


Europa combinaram de forma efetiva as vantagens do físico e do digital em seus
sistemas domésticos conectados, que contêm termostatos inteligentes e sensores e
detectores dos mais variados tipos. A Google e a Amazon entraram no mercado de
dispositivos domésticos inteligentes, mas as concessionárias têm a vantagem de ter
engenheiros (ou empreiteiros selecionados) que dão suporte à proposta de valor dos
termostatos inteligentes — e os clientes confiam nessas pessoas para fazer a instalação,
manutenção e reparo. Algumas dessas empresas permitem a manutenção preventiva:
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se um sensor indicar que um sistema de aquecimento está prestes a quebrar, o cliente


é alertado pelo termostato e pode agendar com antecedência a visita de um engenheiro.
O mesmo alerta ajuda o engenheiro a entender o problema antes da visita e a chegar
com o equipamento certo para o conserto. Essa integração perfeita de recursos físicos
e digitais pode reduzir significativamente o número de visitas e de peças ao mesmo
tempo que confere paz de espírito ao cliente.

A agência de viagens TUI UK também desenvolveu um híbrido físico e digital.


Inicialmente, ocupou um lugar muito precário — o setor é visto como altamente
disruptivo. Mas quando embarcou em transformação digital, a empresa descobriu que,
embora muitos clientes quisessem fazer planos de viagem digitalmente, também
queriam interagir com pessoas em locais de varejo, fazendo perguntas e se
familiarizando com itinerários complexos.

Muitas empresas tentam ter acesso a novas tecnologias ou ideias adquirindo startups e
integrando-as. Esta abordagem pode matar a cultura de startups e afugentar o talento
adquirido durante sua criação. Empresas inteligentes preferem construir
relacionamentos híbridos com startups — fortes o suficiente para aprender e encontrar
sinergias, mas fracas para evitar a destruição da cultura. Assim, mesmo sendo donas
das startups, permitem que operem como empresas semi-independentes.

Um bom exemplo é a Avnet, fornecedora global de soluções tecnológicas avaliada em


US$ 19 bilhões. A empresa fez duas aquisições digitais importantes: a Hackster.io,
plataforma que permite que fabricantes de todo o mundo publiquem suas ideias de
novos produtos (como sensores para monitorar os níveis de ruído e poluição da cidade,
headsets de realidade aumentada e monitores de oxigênio para bebês) e a Dragon
Innovation, startup que ajuda empresas a fazer a ponte entre protótipos eletrônicos e
produtos de escala industrial. Essas empresas operam como entidades semi-
independentes e interagem com a Avnet por meio da Dayna Badhorn, sua vice-
presidente de negócios emergentes. Sua função é proteger as empresas adquiridas das
ineficiências da empresa controladora — como planejamento excessivo e ciclos lentos
de desenvolvimento de produtos —, ajudando a Avnet a adquirir agilidade e a aprender
quão importante é fazer experiências rápidas. A Hackster e a Dragon Innovation
chamam-na de anjo da guarda.

A importância do anjo da guarda é realçada pela experiência da Galeries Lafayette com


o seu acelerador de startups, Lafayette Plug and Play, em parceria com vários grandes
varejistas tradicionais, como Richemont, Carrefour, Lagardère Travel e Kiabi. Embora
os executivos da GL passem muito tempo interagindo com as startups do acelerador,
no início a empresa teve dificuldade para traduzir essas interações em projetos tangíveis
dentro da GL, porque nenhum líder de projeto fora designado para acompanhar o
processo. A situação melhorou quando a GL nomeou um gestor para desempenhar essa
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função. A GL não compra startups do acelerador (para não acabar com a cultura de
inovação delas), então ter alguém para fazer uma ligação permanente com elas ajuda
a manter um relacionamento próximo com os membros dos aceleradores e implementar
as iniciativas resultantes. Os outros membros corporativos seguiram o exemplo, e sua
absorção de colaborações também melhorou.

Em cada caso, um anjo da guarda se esforça para aproveitar o melhor de ambas as


empresas, não apenas ajudando a startup a se manter firme em sua missão (o que
retém talentos), mas também ligando-a à missão da empresa maior, protegendo a
equipe da startup de toda a burocracia e dos relatórios que, em geral, consomem tempo
da empresa. Enquanto isso, a grande empresa pode aproveitar ao máximo as ideias, os
processos, a cultura e a tecnologia da startup.

Os gestores muitas vezes pensam que a transformação digital tem a ver,


principalmente, com a mudança tecnológica. É claro que a mudança tecnológica está
envolvida — mas as empresas inteligentes percebem que a transformação significa, em
última análise, atender melhor às necessidades dos clientes, seja por meio de operações
mais eficazes, seja pela personalização em massa ou novos produtos e serviços. Como
o digital possibilita — e até exige — a conexão de atividades antes isoladas para esse
fim, a empresa normalmente precisa reorganizar as pessoas e a tecnologia.

Na prática, isso pode significar uma mudança de estrutura — por exemplo, em situações
em que uma estrutura mais ágil é merecida, criar esquadrões internos com os recursos
e autoridade necessários para acompanhar os projetos do começo ao fim. Embora um
esquadrão seja uma equipe, ele difere da maioria das equipes das grandes empresas
porque tem poder para resolver problemas-chave rapidamente, como um
empreendedor faria.

A gigante de cartões de crédito Mastercard tem um processo sistemático para a


construção de tais esquadrões, supervisionado pela Mastercard Labs. Funcionários de
várias áreas podem enviar ideias para concorrer a três prêmios: Orange Box, Red Box
e Green Box. O Orange Box oferece aos funcionários a oportunidade de explorar suas
ideias e divulgá-las. Vencedores desse prêmio recebem um cartão pré-pago de US$ 1
mil e treinamento para desenvolver uma apresentação sobre como resolver um
problema específico do cliente. No Red Box, as pessoas transformam uma ideia em um
conceito: a equipe recebe US$ 25 mil para testes, desenvolvimento de protótipos e
pesquisa e um guia descritivo de 90 dias das etapas necessárias para refinar o conceito.
O Green Box se destina à equipe que criar um produto comercializado a partir de um
projeto oficial de incubação dentro dos laboratórios. Neste programa, os membros da
equipe deixam o emprego por seis meses para trabalhar no projeto.

Um grande banco global, o ING, ensina uma lição importante de como fazer com que
esses esquadrões trabalhem em estruturas organizacionais mais tradicionais.
Reconheceu que para designar os funcionários certos a iniciativas interempresariais e
impedi-los de ficar por muito tempo em uma iniciativa que deveria ser cortada, ele
precisava dar suporte a esses intraempreendedores na transição entre funções.
Desenvolveu um conjunto de processos internos chamado PIE: “P” de proteger, o que
significa que os funcionários que deixam o emprego para trabalhar em um projeto de
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esquadrão podem retornar se a iniciativa falhar; “I” de independência, isto é, os


membros do esquadrão têm seus próprios recursos e podem tomar suas próprias
decisões; e “E” de encorajamento, a saber, se a equipe for bem-sucedida, seu trabalho
será amplamente celebrado na empresa.

É claro que falhas nesses esquadrões não devem ser vistas como um grande problema.
Erros, mesmo que relativamente tardios, não vão comprometer uma carreira. Como
explica o CEO da ING, Ralph Hamers: “Temos de ser honestos sobre o fracasso. Temos
de ser honestos também sobre tudo o que aprendemos no processo e que, usando uma
abordagem diferente, aprendemos essas lições em uma fração do tempo que os
concorrentes levam”.

Há também um aspecto de enquadramento. Conforme a gigante de telecomunicações


norueguesa Telenor (para a qual Nathan fez consultoria) fez sua transformação digital,
fez experiências com a definição dos cargos. Em vez de designar indivíduos como
proprietários de produtos — pessoas que supervisionam funções e P&L —, agora os
chama de gestores de projeto, responsáveis por projetar a experiência do cliente. Essa
mudança os incentiva a operar como mini-CEOs, focados externamente no problema do
cliente e capazes de trabalhar rápido através das fronteiras internas para fornecer uma
solução.

Por fim, é importante reconhecer que a transição para os esquadrões pode ser um
processo doloroso. Em um exemplo radical dessa reorganização, a ING eliminou divisões
e funções e adotou uma estrutura organizacional ágil com equipes encarregadas de
oferecer uma melhor experiência aos clientes. Quando se reorganizou, em um fim de
semana, todos os funcionários foram demitidos e tiveram de se recandidatar para sua
função — segundo o ponto de vista do cliente cuja necessidade eles atenderam. Com a
ajuda destas e de outras iniciativas semelhantes, a ING planeja reduzir seu pessoal nos
Países Baixos e na Bélgica em 30% a 40% em cinco anos. Nem todas as transições
serão tão dramáticas, mas na maioria dos casos algum atrito é inevitável quando os
cargos são redefinidos.

No final, a transformação digital poderá requerer a alteração radical dos sistemas


legados de back-end, mas começar com uma ampla revisão da TI é arriscado. Empresas
inteligentes encontram uma maneira de desenvolver rapidamente aplicativos front-end
enquanto substituem seus sistemas legados de forma modular e ágil. Isto pode ser feito
construindo uma interface de middleware para conectar o front e o back end ou permitir
que as unidades de negócios adotem as soluções necessárias hoje, enquanto a TI
transforma o back-end de maneira ambidestra. Com o tempo, as peças do sistema
legado podem ser desativadas, mas o progresso no atendimento às necessidades do
cliente não precisa esperar até lá.

Por exemplo, quando a TUI embarcou em sua transformação digital, enfrentou um


grande desafio: suas operações de varejo, telefone e online eram geográfica e
operacionalmente separadas, e os sistemas de reservas de back-end no Reino Unido
tinham 35 anos. A tecnologia fora fundamental para a empresa na época: a ascensão
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da Expedia e outros canais de OTA ameaçavam causar total disrupção no setor de


agências de viagens. Neste contexto, era muito tentador para a TUI iniciar sua jornada
digital com uma ampla revisão de TI. Mas a experiência indica que as tentativas de
substituir vários sistemas complexos essenciais para a missão quase sempre terminam
em desastre. Em vez disso, nas palavras de Jacky Simmonds, que fazia parte da equipe
de liderança, “o melhor a fazer era visualizar a experiência ideal do cliente e depois ver
como isso poderia fazer sentido nos negócios por meio de uma lente digital”.

Em vez de embarcar em uma reforma completa, a TUI desenvolveu um plano de três


anos para substituir sua tecnologia, trabalhando primeiro com soluções sob medida para
se concentrar em uma melhor experiência para os clientes. A empresa usou esse tempo
para aprender com eles o que esperavam do mundo digital. Em seguida, conectou o
aplicativo front-end ao back-end herdado com uma interface de middleware. Em
seguida, dividiu o back-end em subsistemas modulares e os substituiu lentamente,
adicionando funcionalidades front-end a cada etapa. Toda vez que a empresa atualizava
um componente de back-end ou de front-end, primeiro o testava em um mercado e
depois iterava o protótipo para melhorá-lo antes de trabalhar com outras unidades de
negócios.

Embora a TUI tivesse decidido não ampliar seu sistema de reservas dada a diversidade
de seus mercados, uma estratégia digital coerente permitiu aos mercados trabalhar
juntos, maximizando o investimento em tecnologia. A empresa desfrutou de uma
década de crescimento constante ao longo de sua digitalização da jornada do cliente.

O papel de ligação das interfaces de middleware é particularmente aparente no setor


de serviços financeiros. Em 2015, o Parlamento Europeu adotou uma nova Diretiva de
Serviços de Pagamento (PSD2). Um dos objetivos da legislação era permitir que
desenvolvedores de terceiros criassem aplicativos e serviços em torno de uma
instituição financeira. Se um indivíduo não está satisfeito com as taxas de transferência
do banco, o PSD2 facilita a utilização de serviços alternativos fornecidos por terceiros.
Em vez de esperar para mudar a infraestrutura legada para enfrentar os desafios do
PSD2, instituições como o Deutsche Bank e o OTP, com sede na Hungria, se
concentraram na criação de APIs (interfaces de programação de aplicativos) que
permitem conectar fornecedores externos, como o TransferWise e o Wealthify, um
consultor de riqueza habilitado por IA, a sua infraestrutura legada.

Não estamos sugerindo que grandes empresas ignorem a necessidade de atualizar os


sistemas legados para sempre. No entanto, adiar a transformação digital até que você
possa atualizá-los completamente ou de uma só vez é perigoso. Se você dividir o
problema em módulos e criar uma interface de camada intermediária, poderá manter a
estabilidade operacional para o núcleo da empresa enquanto faz experiências para
satisfazer as necessidades do cliente.

Para a maioria das empresas, mesmo aquelas realmente ameaçadas pela disrupção, a
transformação digital geralmente não precisa reformular dos pés à cabeça a proposição
de valor ou o modelo de negócio. Pelo contrário, trata-se de transformar o núcleo
usando ferramentas digitais e ao mesmo tempo descobrir e capturar novas
oportunidades habilitadas pela tecnologia digital. Cada empresa que descrevemos
incorporou diferentes elementos digitais em seu modelo de negócios, e nem todas as
mudanças foram disruptivas ou intrusivas. A chave do sucesso tem sido o foco nas
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necessidades do cliente, flexibilidade organizacional, respeito à mudança incremental e


consciência de que novas habilidades e tecnologias devem ser não apenas adquiridas,
mas também protegidas — algo que as melhores empresas tradicionais sempre fizeram
bem.

Nathan Furr é professor assistente de estratégia no Insead.

Andrew Shipilov é professor de gestão internacional da cátedra John H. Loudon do Insead.


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2. Por que algumas plataformas


prosperam e outras não
Feng Zhu e Marco Iansiti

Harvad Business Review – Brasil - 5 de abril de 2019

O que a Alibaba, a Tencent e a Uber nos ensinam sobre as redes de sucesso. As cinco
características que fazem a diferença.

Em 2016, a Didi se tornou a maior empresa de ride-sharing (compartilhamento de


transporte) do mundo, chegando a 25 milhões de viagens por dia na China e superando
o total de viagens diárias combinadas de todas as outras empresas de ride-sharing do
mundo. Ela chegou a esse marco pela fusão com seu rival doméstico Kuaidi, em 2015,
e pela expulsão da Uber do mercado chinês, após uma batalha feroz e dispendiosa. Aos
poucos, com a concorrência eviscerada, a Didi começou a melhorar suas margens,
reduzindo os subsídios para motoristas e passageiros.

Mas, no início de 2018, assim que a Didi começou a dar lucro, a Meituan, empresa gigante de
serviços online-off-line, como entrega de alimentos, emissão de bilhetes de cinema e reserva de
viagens, lançou seu próprio negócio de ride-hailing (serviço de busca de motoristas) em Xangai.
Nos primeiros três meses, a Meituan não cobrava dos motoristas o uso da plataforma e, depois,
recebia apenas 8% de suas receitas, enquanto a Didi recebia 20%. Motoristas e passageiros
migraram em massa para o novo serviço. Em abril, a Didi contra-atacou: entrou no mercado de
entrega de alimentos em Wuxi, cidade próxima a Xangai. O que se seguiu foi uma dispendiosa
guerra de preços, com muitas refeições vendidas por quase nada, devido aos pesados subsídios
das duas empresas. E lá se foi a rentabilidade da Didi.
Mas a Didi recebia outros golpes. Em março de 2018, a unidade de mapeamento da
Alibaba, a Gaode Map, o maior serviço de navegação da China, abriu uma empresa de
caronas em Chengdu e Wuhan. Ela não cobrava nada dos motoristas, e em julho
começou a oferecer aos passageiros a opção de fazer pedidos de vários serviços de
viagem. Enquanto isso, a Ctrip, o maior serviço de viagens online da China, anunciou
em abril que recebera uma licença para fornecer serviços de car-hailing em todo o
país.

Por que o tamanho enorme da Didi não bloqueou a competição por serviços de
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transporte na China? Por que ela não venceu e dominou o mercado, como muitos
analistas previram? Além disso, por que algumas empresas de plataforma — como
Alibaba, Facebook e Airbnb — prosperam, enquanto a Uber, a Didi e a Meituan, entre
outras, sofrem hemorragias de dinheiro? Como as plataformas digitais conseguem
afastar a concorrência e aumentar os lucros?

Para responder a estas perguntas, é preciso entender as redes nas quais toda
plataforma está inserida. Os fatores que afetam o crescimento e a sustentabilidade
das empresas de plataforma (e, geralmente, todos os modelos de operação digital)
não são os mesmos das empresas tradicionais. A começar pelo fato de que, em muitas
redes digitais, o custo de servir um usuário adicional é insignificante, o que torna
inerentemente mais fácil aumentar a escala do negócio. E, como grande parte da
complexidade operacional das empresas baseadas em rede é terceirizada para
os provedores de serviço da plataforma ou gerenciada por software, os gargalos na
criação de valor e crescimento geralmente não estão vinculados a fatores humanos ou
organizacionais — outra importante diferença em relação aos modelos tradicionais. Na
verdade, em empresas de rede digital, os funcionários não entregam o produto ou
serviço — eles apenas projetam e supervisionam uma operação automatizada e
conduzida por algoritmos. A vantagem competitiva duradoura depende mais da
interação entre a plataforma e a rede que ela controla do que de fatores internos da
empresa. Em outras palavras, na economia conectada digitalmente, o sucesso a longo
prazo de um produto ou serviço depende fortemente da saúde, capacidade de defesa
e dominância do ecossistema em que opera.

E, como a Didi está aprendendo, muitas vezes é mais fácil para uma plataforma digital
alcançar a larga escala do que sustentá-la. Afinal, as vantagens que permitem que a
plataforma se expanda rapidamente funcionam para seus concorrentes e para qualquer
outra pessoa que queira entrar no mercado. A razão pela qual algumas plataformas
prosperam enquanto outras enfrentam dificuldades reside na sua capacidade de
gerenciar cinco propriedades fundamentais das redes: efeitos de rede, clustering, risco
de desintermediação, vulnerabilidade ao multi-homing e formação de pontes para
múltiplas redes.

A força dos efeitos de rede


A importância dos efeitos de rede é bem conhecida. Há muito tempo, os economistas
entenderam que as plataformas digitais, como o Facebook, desfrutam de efeitos de
rede de mesma direção (ou “diretos”): quanto mais amigos do Facebook você tiver em
sua rede, maior a probabilidade de atrair amigos adicionais através das conexões de
seus amigos. A empresa aproveita também os efeitos de rede cruzados (“indiretos”),
nos quais dois grupos distintos de participantes — usuários e desenvolvedores de
aplicativos — se atraem. Do mesmo modo, a Uber também pode explorar efeitos
cruzados, porque mais pilotos atraem mais passageiros, e vice-versa.

Menos bem reconhecido é o fato de que a força dos efeitos de rede pode variar
drasticamente e moldar tanto a criação quanto a captura de valor. Quando os efeitos
de rede são fortes, o valor fornecido por uma plataforma continua aumentando
drasticamente com o número de participantes. Por exemplo, à medida que o número
de usuários no Facebook aumenta, aumentam igualmente a quantidade e a variedade
de conteúdo interessante e relevante. Os consoles de videogame, no entanto, exibem
efeito de rede fraco, como descobrimos em uma pesquisa. Isso ocorre porque os
videogames são um negócio impulsionado por hits, e as plataformas precisam de
poucos hits para ser bem-sucedidas.

O número total de títulos de jogos disponíveis não é tão importante nas vendas de
consoles quanto ter alguns bons jogos. Na verdade, mesmo um estreante com apenas
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uma pequena vantagem estratégica (e uma boa equipe de desenvolvimento de


negócio) pode roubar uma participação de mercado considerável de empresas
estabelecidas. Isso explica por que, em 2001, o novo Xbox da Microsoft representava
uma ameaça tão grande à então dominante PlayStation 2, da Sony, e por que cada
console subiu e desceu na participação de mercado, alternando a liderança ao longo
dos anos.

Ainda mais crítico é o fato de que a força dos efeitos de rede pode mudar com o tempo.
O Windows é um exemplo clássico. Na década de 1990, no auge dos computadores
pessoais, a maioria dos aplicativos de PC era “baseada no cliente”, ou seja, eles ficavam
instalados no computador. Na época, os efeitos de rede do software eram fortes: o
valor do Windows aumentava drasticamente conforme aumentava o número de
desenvolvedores que criavam aplicativos, chegando a seis milhões no auge de sua
popularidade. No fim da década de 1990, o Windows parecia consolidado como a
plataforma líder. No entanto, à medida que os aplicativos baseados na internet, que
funcionavam em diferentes sistemas operacionais, decolaram, os efeitos de rede do
Windows diminuíram, como também as barreiras à entrada, o que permitiu que os
sistemas operacionais Android, Chrome e iOS ganhassem força em PCs e tablets.
Também as remessas de Mac começaram a subir em meados dos anos 2000,
aumentando mais de cinco vezes até o fim da década. Essa mudança de rumo mostra
que quando o efeito de rede de uma empresa estabelecida enfraquece,
o mesmo acontece com sua posição no mercado.

No entanto, as empresas podem projetar recursos que fortaleçam os efeitos de rede.


A Amazon, por exemplo, incorporou vários tipos de efeitos de rede em seu modelo de
negócio ao longo dos anos. No início, o sistema de resenhas da Amazon gerava efeitos
de mesma direção: à medida que o número de resenhas de produtos no site
aumentava, os usuários se tornavam mais propensos a visitar a Amazon para ler e
escrever resenhas. Mais tarde, o Amazon Marketplace, que permite a venda de
produtos por terceiros, gerou efeitos de rede cruzados, nos quais compradores e
vendedores externos se atraíram. Enquanto isso, o sistema de recomendação da
Amazon, que sugere produtos com base no comportamento passado de compras,
ampliou o impacto de escala da empresa, aprendendo continuamente a identificar as
preferências dos consumidores. Quanto mais consumidores usassem o site, mais
exatas seriam as recomendações que a Amazon poderia fornecer. Embora, em geral,
não seja reconhecido como um efeito de rede per se, os efeitos de aprendizagem
funcionam de forma muito parecida com os efeitos de mesma direção e podem
aumentar as barreiras à entrada.

Agrupamento de rede
Em um projeto de pesquisa com Xinxin Li, da Connecticut University, e Ehsan Valavi,
aluno de doutorado da Harvard Business School, descobrimos que a estrutura da rede
influencia a capacidade da empresa de plataforma de sustentar sua escala. Quanto
mais a rede é fragmentada em clusters (agrupamentos, em inglês) locais — e quanto
mais isolados esses clusters são uns dos outros —, mais vulnerável se torna a empresa.
É o caso da Uber. Motoristas em Boston se preocupam principalmente com o número
de corridas em Boston, e os passageiros em Boston se preocupam principalmente com
os motoristas de Boston. Com exceção de viajantes frequentes, ninguém em Boston
se importa com o número de motoristas e passageiros em, digamos, São Francisco.

Isso torna mais fácil para outro serviço de ride-sharing alcançar a massa crítica em
mercados locais e decolar por meio de uma oferta diferenciada, como preço baixo. De
fato, além da competidora Lyft, em nível nacional a Uber enfrenta várias ameaças
locais. Por exemplo, na cidade de Nova York, a Juno e a Via, bem como empresas de
táxi locais, são concorrentes. A Didi também enfrenta vários candidatos fortes em
várias cidades.
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Agora vamos comparar o mercado da Uber com o da Airbnb. Os viajantes não se


preocupam muito com o número de locadores da Airbnb em sua cidade de origem; em
vez disso, eles se importam com o número deles na cidade que planejam visitar.
Portanto, a rede é como se fosse um grande cluster. Para realmente concorrer com a
Airbnb, a empresa teria de entrar no mercado em escala global — desenvolvendo a
consciência de marca em todo o mundo para atrair uma massa crítica de viajantes e
locadores. Assim, invadir o mercado da Airbnb torna-se muito mais caro.

É possível fortalecer uma rede construindo clusters globais em cima de clusters locais.
Embora o site de classificados Craigslist conecte principalmente usuários e fornecedores
de bens e serviços em mercados locais, suas listas de imóveis e de empregos atraem
usuários de outros mercados. Os jogos sociais da Facebook (como o FarmVille)
estabeleceram conexões entre jogadores que não se conheciam, criando uma rede mais
densa, global e integrada, mais fácil de se defender da concorrência. Tanto a Facebook
quanto a WeChat, rede social popular na China, têm aprimorado suas redes
convencendo marcas famosas e celebridades — com apelo nacional e, muitas vezes,
internacional — a criar contas públicas, escrever posts e interagir com os usuários.

Risco de desintermediação

A desintermediação, na qual os membros da rede ignoram o hub e se conectam


diretamente, pode ser um grande problema para qualquer plataforma cujo valor
consiste em colocar as partes em contato ou facilitar transações. Imagine que você
contrata uma faxineira de uma plataforma como a Homejoy e está satisfeito com o
serviço. Se encontrou a pessoa certa, o incentivo que você tem para retornar à
plataforma é mínimo. Além disso, depois de obter clientes suficientes de uma
plataforma para preencher sua agenda, a faxineira não precisará mais dela. Foi
exatamente esse o problema que condenou a Homejoy, que fechou em 2015, cinco
anos depois de fundada.

As plataformas usam vários mecanismos para impedir a desintermediação, como criar


termos de serviço que proíbem os usuários de realizar transações fora da plataforma
e impedir que os usuários troquem informações de contato. A Airbnb, por exemplo,
retém os locais exatos e os números de telefone dos locadores até que os pagamentos
sejam feitos. No entanto, tais estratégias nem sempre são eficazes. Qualquer coisa
que torne a plataforma mais difícil de usar pode torná-la vulnerável a um concorrente
que ofereça uma experiência mais simples.

Algumas plataformas tentam evitar a desintermediação aumentando as vantagens para


o usuário. Elas podem facilitar as transações fornecendo seguro, depósito de
pagamento ou ferramentas de comunicação; resolvendo conflitos; ou monitorando
atividades. Mas esses serviços se tornam menos valiosos quando a confiança se
desenvolve entre os usuários da plataforma — e a estratégia pode sair pela culatra à
medida que a necessidade da plataforma diminui. Um de nós, Feng, e Grace Gu, aluna
de doutorado na Harvard Business School, observamos esse efeito em um estudo
sobre um marketplace online para trabalho freelance. Conforme a plataforma
melhorava seu sistema de classificação de reputação, a confiança entre clientes e
freelancers se fortaleceu, e a desintermediação se tornou mais frequente, anulando os
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ganhos de receita gerados pela melhor combinação entre as partes.

Algumas plataformas lidam com os riscos de desintermediação introduzindo variadas


estratégias para capturar valor — com resultados variados. A Thumbtack, mercado
que conecta consumidores com provedores de serviços locais, como eletricistas e
professores de violão, cobra pela geração de leads: os clientes postam solicitações no
site e os provedores enviam orçamentos e pagam taxas à Thumbtack se os clientes
responderem. Esse modelo, que captura valor antes que os dois lados concordem em
trabalhar juntos, ajudou a salvar a empresa de definhar como a Homejoy. A Thumbtack
hoje administra mais de US$ 1 bilhão de transações anuais. A desvantagem de seu
modelo de receita é que ele não impede que, após o contato, os dois lados criem um
relacionamento de longo prazo fora da plataforma.

A Alibaba adotou uma abordagem diferente em sua plataforma de e-commerce


Taobao. Quando a Taobao entrou no mercado, em 2003, a EachNet da eBay detinha
mais de 85% do mercado consumidor chinês. No entanto, a Taobao não cobrava tarifas
de anúncio ou de transação e até oferecia um serviço de mensagem instantânea, o
Wangwang, que permitia que os compradores fizessem perguntas diretamente aos
vendedores e negociassem com eles em tempo real. Já a EachNet cobrava taxas de
transação dos vendedores e, como estava preocupada com a desintermediação, não
permitia interações diretas entre compradores e vendedores até que a venda fosse
confirmada. Não surpreende que a Taobao logo tenha assumido a liderança do mercado
e, no fim de 2006, a eBay tenha fechado seu site chinês. A Taobao hoje continua
oferecendo serviços gratuitos de marketplace C2C e capturando valor por meio de
receitas de publicidade e vendas de software de storefront (loja virtual, em inglês), o
qual ajuda os comerciantes a gerenciar seus negócios online.

Depois de estimar que poderia perder até 90% de seus negócios por causa da
desintermediação, a ZBJ, marketplace chinês para comerciantes lançado em 2006,
cujo modelo consistia em cobrar 20% de comissão, começou a procurar novas fontes
de receita. Em 2014, descobriu que muitos proprietários de novos negócios usavam
seu site para obter ajuda com o design do logotipo. Em geral, a próxima demanda
desses clientes era o registro de empresas e marcas, que a plataforma passou a
oferecer.
Atualmente, a ZBJ é a maior fornecedora de registro de marcas da China — um serviço
que gera para a empresa mais de US$ 70 milhões em receita anual. Ela reduziu
significativamente suas taxas de transação e, em vez de combater a desintermediação,
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focou seus recursos no crescimento da base de usuários. Como mostra a experiência


da ZBJ, que agora é avaliada em mais de US$ 1,5 bilhão, quando a desintermediação
é uma ameaça, oferecer serviços complementares pode funcionar muito melhor do que
cobrar taxas de transação.

Vulnerabilidade ao multi-homing
O multi-homing ocorre quando os usuários ou provedores de serviços (os “nós” de rede)
formam vínculos com várias plataformas (ou hubs) ao mesmo tempo. Isso geralmente
ocorre quando o custo de adotar uma plataforma adicional é baixo. No setor de ride-
hailing, muitos motoristas e passageiros usam, por exemplo, a Lyft e a Uber — os
passageiros para comparar o preço e o tempo de espera, e motoristas
para reduzir o tempo ocioso. Da mesma forma, os comerciantes frequentemente
trabalham com vários sites de compra em grupo e restaurantes com várias plataformas
de distribuição de alimentos. E mesmo os desenvolvedores de aplicativos, cujos custos
não são triviais, ainda acham que faz sentido desenvolver produtos para sistemas iOS
e Android.

Quando o multi-homing é difundido em ambos os lados da plataforma, como no ride-


hailing, passa a ser muito difícil gerar lucro com o negócio principal. A Uber e a Lyft
fazem uma constante guerra de preços enquanto competem por motoristas e
passageiros.

Plataformas estabelecidas podem reduzir o multi-homing prendendo um lado do


mercado (ou mesmo ambos os lados). E em muitos mercados, para incentivarem a
exclusividade, tanto a Uber quanto a Lyft deram bônus para pessoas que completaram
certo número de viagens seguidas sem rejeitar ou cancelar nenhuma ou sem ficar off-
line nos horários de pico. E enquanto as corridas estão em andamento, ambas as
plataformas encaminham aos motoristas novas chamadas bem próximas ao local de
destino do último passageiro, reduzindo o tempo ocioso dos motoristas e, portanto, a
tentação de usar outras plataformas. No entanto, devido ao custo inerentemente baixo
de adotar várias plataformas, o multi-homing ainda corre solto no ride-sharing.

A tentativa de evitar o multi-homing pode ter efeitos colaterais indesejados. Em um


projeto de pesquisa, Feng e Hui Li, da Carnegie Mellon University, investigaram o que
aconteceu em 2011, quando a Groupon reformulou seu contador de ofertas — que
rastreia a quantidade de pessoas que se inscreveram para uma oferta específica em
seu site — para mostrar faixas ambíguas em vez de números precisos. Assim, ficou
mais difícil para a LivingSocial identificar e roubar os comerciantes populares do
Groupon. Como resultado, a LivingSocial começou a obter ofertas mais exclusivas. A
pesquisa constatou que, embora a Groupon tenha conseguido reduzir o multi-homing
do lado do comerciante, os consumidores se tornaram mais propensos a visitar os dois
sites, porque havia menos sobreposição de ofertas e o multi-home não custava nada.
Essa descoberta indica um enorme desafio enfrentado pelas empresas: reduzir o multi-
homing em um lado do mercado pode aumentar o multi-homing no lado oposto.

Outras abordagens parecem funcionar melhor. Voltemos à indústria de videogames:


os fabricantes de consoles geralmente assinam contratos exclusivos com editoras de
jogos. Para o usuário das plataformas, o preço alto dos consoles e dos serviços de
assinatura, como o Xbox Live e o PlayStation Plus, reduz os incentivos dos jogadores
para fazer multihome. A redução do multi-homing nos dois lados do mercado diminuiu
a intensidade competitiva e permitiu que os fabricantes de consoles se tornassem
lucrativos.

A Amazon, que fornece serviços de processamento de pedidos a fornecedores


terceirizados, cobra taxas mais altas quando seus pedidos não são do Amazon
Marketplace, incentivando-os a vender exclusivamente nele. O Amazon Prime, que
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oferece aos assinantes frete gratuito de dois dias em muitos produtos, ajuda a empresa
a reduzir a tendência dos compradores online de fazer multi-home.

Pontes de rede
Em muitas situações, a melhor estratégia de crescimento da plataforma pode ser
conectar redes diferentes umas às outras. Em todos os negócios de plataforma, o
sucesso depende da aquisição de um grande número de usuários e da acumulação de
dados sobre suas interações. Esses ativos quase sempre são valiosos em vários
cenários e mercados.
Ao alavancá-los, as empresas que tiveram êxito em uma vertical de um setor muitas
vezes se diversificam em diferentes linhas de negócio e melhoram seus dados
econômicos.

Eis uma razão fundamental pela qual a Amazon e a Alibaba entraram em tantos
mercados. Quando os proprietários de plataformas se conectam a várias redes, eles
podem criar sinergias. A Alibaba conectou com sucesso sua plataforma de pagamento,
Alipay, a suas plataformas de e-commerce Taobao e Tmall, fornecendo um serviço
indispensável para compradores e vendedores e promovendo a confiança entre eles.
A Alibaba também aproveitou os dados de transação e dos usuários da Taobao e da
Tmall para lançar novos serviços por meio da Ant Financial, seu braço de serviços
financeiros — incluindo um sistema de classificação de crédito para comerciantes e
consumidores. E as informações desse sistema permitiram que a Ant Financial fizesse
empréstimos de curto prazo para comerciantes e consumidores com taxas de
inadimplência muito baixas. Com esses empréstimos, os consumidores podem
comprar mais produtos nas plataformas de e-commerce da Alibaba e seus
comerciantes financiar a compra de mais estoque. Tais redes reforçam mutuamente
suas posições de mercado, ajudando todas as redes a sustentar sua escala. De fato,
mesmo quando a plataforma Tencent ofereceu um serviço concorrente de carteira
digital, a WeChat Pay, por meio de seu aplicativo WeChat, a Alipay permaneceu
atraente para os consumidores e comerciantes por causa de sua conexão estreita com
a Alibaba e com os outros serviços da Ant Financial.

À medida que as plataformas mais bem-sucedidas se conectam a novos mercados, elas


se tornam mais eficientes em unir setores. Assim como a Alibaba Group passou do
comércio para serviços financeiros, a Amazon passou do varejo para o entretenimento
e produtos eletrônicos. Assim, as plataformas estão se tornando centros cruciais na
economia global.

Ao avaliar uma oportunidade envolvendo uma plataforma, os empreendedores (e


investidores) devem analisar as propriedades básicas das redes que usarão e pensar
em formas de fortalecer os efeitos de rede. Devem avaliar também a viabilidade de
minimizar o multi-homing, construir estruturas globais de rede e usar as pontes de
rede para aumentar a escala e, ao mesmo tempo, reduzir o risco de desintermediação.
Esse exercício esclarecerá os principais desafios de crescimento e sustentação da
plataforma e ajudará os empresários a desenvolver avaliações mais realistas do
potencial da plataforma para capturar valor.

Quanto à Didi e à Uber, os prognósticos não são dos melhores, segundo nossa análise.
Suas redes consistem em muitos clusters com localização altamente restrita. Ambas
enfrentam o multi-homing desenfreado, o que pode piorar à medida que os
concorrentes entram no mercado. Até agora, as oportunidades de fazer pontes de rede
— sua maior esperança — tiveram sucesso limitado. Essas empresas conseguiram
estabelecer pontes apenas com outros negócios altamente competitivos, como entrega
de alimentos e venda de lanches. (Em 2018, a Uber fez um acordo para colocar as
máquinas de venda de salgadinhos da Cargo em seus veículos, por exemplo.) E a
inevitável ascensão dos táxis autônomos provavelmente tornará difícil para Didi e Uber
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sustentarem sua capitalização de mercado. As propriedades de rede estão superando


a escala da plataforma.

Feng Zhu é professor da cátedra Piramal da Harvard Business School.

Marco Iansiti é professor da cátedra David Sarnoff da Harvard Business School. Foi consultor de
diversas empresas do setor de tecnologia, como Microsoft, Facebook e Amazo3.
20

3. Escolhendo o cliente certo: o primeiro


passo de uma estratégia vencedora
Robert Simons
Harvard Business Review - Mar/2014

Todas as empresas afirmam que suas estratégias são voltadas para o cliente.
Mas o termo “cliente” é um dos mais elásticos em teoria de gestão. Uma
definição básica pode ser a de que seus clientes são as pessoas ou entidades
que compram seus produtos e serviços e geram sua receita. Isso inclui
quaisquer participantes da cadeia de valor de uma companhia: consumidores,
atacadistas, varejistas, departamentos de compras, e assim por diante.
Algumas empresas chegam até a rotular unidades internas como clientes: a
produção é cliente da divisão de pesquisa e desenvolvimento, por exemplo,
e ambas são clientes do departamento de recursos humanos.

Outras definições não requerem nem mesmo que um cliente gere receita. Os
clientes mais importantes da gigante farmacêutica Merck não são os
pacientes que usam seus remédios ou os médicos que os receitam. Em vez
disso, a Merck escolheu cientistas de laboratórios e universidades ao redor
do mundo como seu cliente principal. Assim, seu modelo de negócios se
baseia em encorajar seus próprios pesquisadores de primeiro nível a atuar
como cientistas de universidade, realizando pesquisas básicas, publicando
artigos e apresentando resultados em conferências, tudo com a intenção de
descobrir compostos inovadores que poderão então ser comercializados pelo
grupo de marketing e vendas da Merck. O negócio, por sinal, é configurado
como uma universidade de pesquisa — uma estrutura funcional simples, na
qual uma poderosa e centralizada unidade de pesquisa e desenvolvimento
recebe a maior parte dos recursos organizacionais.

Talvez não seja surpreendente o fato de que muitos executivos relutam em


definir seus clientes tão estritamente como a Merck. Ao não destacar nenhum
grupo como seu principal cliente, os executivos podem evitar escolhas difíceis
que poderiam ter maus resultados. Essa é uma tentação particularmente
forte em mercados novos, que evoluem rapidamente. Além disso, muitos
líderes empresariais acreditam que tratar todos os parceiros da cadeia de
21

valor como clientes melhora a coordenação interna e a capacidade de


resposta.

No entanto, ao não identificar um cliente principal, empresas que se


consideram “focadas no consumidor” podem em breve se tornar qualquer
coisa, menos isso. Veja os destinos contrastantes do Yahoo e do Google. O
Yahoo começou como um portal de internet de base ampla, apoiado por
conteúdo editorial próprio. Para atrair usuários, contratou jornalistas para
escrever artigos de entretenimento e criou seções como Yahoo finanças,
Yahoo filmes e Yahoo esportes. Com o tempo, seus executivos começaram a
espalhar recursos entre muitas iniciativas adicionais, incluindo redes sociais,
produtos, mídia e publicidade. Como resultado, eles não investiram
suficientemente no serviço de busca, e o portal se tornou desorganizado e
confuso.

Aí o Google entrou em campo. Desde o início, o Google se concentrou nos


usuários que apreciavam tecnologia e em sua capacidade de criar novas
oportunidades e ferramentas. Assim como a Merck, o Google destinou a maior
parte de seus recursos (e prestígio) a seus tecnólogos e engenheiros, que
tiveram liberdade para inovar. A empresa estabeleceu o objetivo de construir
a melhor tecnologia do mundo — em buscas, Android ou mapas. Com um
modelo de negócios e uma proposta de valor nitidamente focados, o Google
ultrapassou rapidamente o Yahoo nesse mercado competitivo.

A conclusão é esta: a escolha estratégica de qual é o cliente principal — com


ênfase em “principal” — define o negócio. Isso certamente é verdade na
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Amazon, que serve a quatro tipos muito diferentes de cliente: consumidores,


vendedores, empresas e fornecedores de conteúdo. Você pode pensar que a
empresa considera todos esses quatro grupos de clientes igualmente
importantes. Mas a escolha da Amazon se reflete claramente em sua
conhecida meta de “ser a empresa mais centrada no consumidor em todo o
mundo”. A Amazon dedica o máximo de recursos para deixar os
consumidores satisfeitos, mesmo que isso signifique que vendedores e
fornecedores de conteúdo se sintam, às vezes, passados para trás (muitos
vendedores cujas vitrines estão hospedadas na plataforma da Amazon já
processaram a empresa em busca de mais recursos). Esse foco inabalável
nos consumidores levou à criação de inovações como o envio grátis para
quem é cliente prime, as avaliações detalhadas de produtos (incluindo as
negativas), a busca de palavras ou frases dentro de livros e a listagem de
produtos com preço menor oferecidos por concorrentes fora do site. Essas
práticas têm sido criticadas como inerentemente não lucrativas ou
prejudiciais para outros da Amazon. Mas os principais resultados da escolha
da empresa são os que contam mais: a fidelidade incomparável do cliente e
a valorização estratosférica das ações.

Nas próximas páginas vou apresentar uma estratégia verdadeiramente


centrada no cliente, que pode ajudar executivos a construir modelos de
negócio de sucesso para suas empresas. A estratégia estabelece quatro
etapas: identificação do melhor cliente principal para o seu negócio, criação
de processos para aprender o que o cliente valoriza, alocação de recursos
com base nisso, e construção de um processo de controle interativo para
monitorar alterações nos pressupostos que fundamentam sua escolha.

Passo 1 Identifique seu cliente principal

Como mostram os casos da Merck, do Google e da Amazon, seus clientes


mais importantes não são aqueles que geram a maior parte da receita, mas
aqueles que podem criar mais valor para seu negócio. Para algumas
empresas, o cliente principal será o usuário final ou o consumidor do produto
ou serviço. Para outras, um intermediário (como um revendedor ou um
corretor) será o cliente crucial ao qual devem ser dedicados recursos
organizacionais. Mas como os executivos podem ter certeza de que estão
fazendo a escolha certa? Identificar o melhor cliente principal para sua
empresa envolve avaliar cada grupo de clientes em três dimensões:
perspectiva, capacidades e potencial de lucro. Vamos examinar brevemente
cada uma.

Perspectiva se refere à cultura, missão e tradição de uma empresa, muitas


vezes revelados em histórias sobre acontecimentos ou pessoas importantes
na história da companhia. É a lente através da qual os executivos contemplam
oportunidades e direção estratégica. Sam Walton, fundador da Walmart, era
celebremente frugal em sua própria vida. E o fundador da Amazon, Jeff Bezos,
é obcecado em oferecer uma experiência superior aos compradores. “Quando
[os executivos de outras empresas] estão tomando banho de manhã, estão
pensando em como superar um de seus principais concorrentes”, disse ele à
Fortune em 2012. “Aqui no chuveiro, estamos pensando em como vamos
inventar algo no interesse de um cliente.” Claramente, a escolha do cliente
principal precisa refletir a perspectiva da empresa. Caso contrário, ela não
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será capaz de aproveitar a energia e criatividade de seus funcionários para


atender ao cliente.

Capacidades se refere aos recursos integrados à empresa. Algumas empresas


se destacam em tecnologia (Apple, Google, Airbus) ou em logística (Walmart,
Amazon, Dell). Outras fornecem um marketing de marca superior (Ralph
Lauren, Nestlé, P&G) ou têm capacidades específicas de seu setor (produção
de conteúdo original na HBO e Netflix, mineração na BPH Billiton). Tais
capacidades — construídas ao longo do tempo e geralmente difíceis de copiar
— posicionam uma companhia para atender às necessidades de certos
clientes melhor do que outras. A Dell, em seus primeiros anos, construiu uma
formidável operação de logística de baixo custo para apoiar seu modelo de
vendas diretamente ao consumidor. Hoje ela está tentando mudar seu cliente
principal, passando a concentrar-se nos executivos de tecnologia da
informação de grandes empresas. Essa guinada tem sido difícil para a Dell,
já que esses executivos buscam um conjunto de capacidades — soluções
integradas de serviços, programas e equipamentos — muito diferentes
daquelas de que os consumidores finais precisam.

Potencial de lucro se refere à capacidade de um cliente para gerar lucros.


Técnicas como a análise das cinco forças de Michael Porter podem fornecer
percepções sobre a rentabilidade relativa de vários tipos de cliente — e ajudar
a descartar aquele que seria uma má escolha para cliente principal. Veja o
caso da HBO. Operadoras de TV a cabo que compram conteúdo da HBO
poderiam parecer a escolha óbvia. Mas essas operadoras têm baixos custos
de mudança — elas podem facilmente comprar conteúdo de vários
produtores. Assim, a HBO teria pouco poder de mercado e seria incapaz de
extrair altas margens das operadoras. Já ao visar cineastas como seu
principal cliente e dedicar recursos significativos para suas necessidades, a
HBO pode criar os produtos exclusivos que os telespectadores querem, o que
lhe permite cobrar os preços premium que as operadoras de TV a cabo não
podem negociar. É claro que o potencial de lucro não depende sempre de
clientes que podem pagar um valor extra; tornar-se o destino preferido de
clientes preocupados com o custo pode resultar em lucros substanciais graças
ao volume de vendas, como o Walmart tem demonstrado. O LinkedIn é uma
empresa de sucesso cujo cliente principal se encaixa claramente em todas as
três dimensões. Para mais informações sobre como ele se decidiu por
indivíduos (em vez de recrutadores ou anunciantes), veja o quadro “Como o
LinkedIn escolheu seu cliente principal”.

Passo 2 Entenda o que seu cliente principal valoriza


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Depois de determinar quem é seu cliente mais importante, o próximo passo


é identificar quais aspectos do produto e do serviço ele valoriza. Dentro do
mesmo mercado e setor, diferentes clientes principais podem valorizar coisas
distintas: alguns exigem o menor preço possível, outros querem um serviço
dedicado de relacionamento, e há também aqueles que buscam a melhor
tecnologia ou marca ou outro atributo específico. Para complicar as coisas, os
clientes geralmente não sabem exatamente o que eles valorizam. Descobrir
toda a verdade sobre suas necessidades requer uma pesquisa sistemática em
vários níveis.

Primeiro vamos ver a parte mais fácil. Suponha que você já tenha escolhido
o melhor cliente principal e tenha uma boa ideia básica a respeito do que ele
quer. Ainda há muito espaço para melhorias. Você pode refinar sua
compreensão aproveitando o acesso fácil e barato de hoje em dia a dados
sobre hábitos de compra, preferências e atividades de busca dos clientes. A
análise de dados é uma ferramenta importante para descobrir as
necessidades do cliente, que estão sempre mudando, e responder
rapidamente a elas. No Google, equipes separadas de análise para exibição,
buscas e mapas passam incontáveis horas com clientes em seus laboratórios
estudando o movimento dos olhos e outras variáveis para avaliar suas
reações a modificações sutis de produtos, tais como alterações na cor. A
Nestlé tem uma “sala de guerra” onde analistas monitoram mídias sociais
para detectar conversas que se relacionem com — ou afetem — a aceitação
de seus produtos. Os analistas usam essas informações para ajudar a
embasar decisões de pesquisa e marketing de produto e para avaliar, em
tempo real, em que nível suas propostas de valor estão atendendo às
necessidades do cliente principal.

Tais dados podem ajudá-lo a ajustar um produto ou a funcionalidade de um


website para atender melhor às necessidades conhecidas de seu cliente. Mas
é improvável que eles o ajudem a identificar o que seus clientes querem e
não estão obtendo. Para isso, você precisa perguntar a eles. As empresas
inteligentes estabelecem diálogos sistemáticos com seus clientes principais.
Gestores na FedEx, por exemplo, fazem reuniões de cúpula semestrais, às
quais trazem uma amostragem de clientes empresariais (o cliente principal
da empresa) para perguntar-lhes onde a FedEx está fazendo um bom
trabalho para satisfazer suas necessidades e onde os concorrentes estão
trabalhando melhor. Na alemã Henkel, líder mundial em adesivos, o CEO
Kasper Rorsted criou o programa “de topo a topo”, que obriga todos os
executivos a se reunir regularmente com seus homólogos dos grandes
clientes empresariais para garantir que suas necessidades sejam entendidas
e recebam a resposta apropriada.

Finalmente, você deve estabelecer processos para a identificação de produtos


ou serviços que os clientes podem não saber que precisam. Isso pode ser
difícil — e caro. As empresas inteligentes geralmente utilizam métodos
etnográficos. Na P&G, por exemplo, onde os consumidores são o cliente
principal, os executivos pedem que seus gestores e pesquisadores de
mercado passem dias seguidos acompanhando consumidores na ida às
compras e sentem-se à mesa de jantar com eles para entender melhor até
que ponto vários produtos satisfazem às necessidades familiares. O CEO A.G.
Lafley relata em seu livro O Jogo da Liderança como as experiências de
25

executivos da P&G vivendo com famílias de classe média baixa na Cidade do


México produziram o Downy Single Rinse, um amaciante de roupas de uso
mais simples para mercados onde há escassez de água.

A maioria das empresas supõe que seus produtos e serviços atendem às


necessidades de seus clientes. Mas, surpreendentemente, são poucas as que
testam essa suposição. Então, pergunte a si mesmo: quais são os processos
que usamos para ter certeza de entender realmente o que nossos clientes
valorizam e poder entregar um valor melhor do que o oferecido por nossos
concorrentes?

Passo 3 Aloque recursos para vencer

Como vimos com Merck e Amazon, sua escolha de cliente principal e sua
compreensão sobre o que o cliente valoriza fornecem todas as informações
de que você precisa para tomar a decisão extremamente importante de como
organizar os recursos de sua empresa — em outras palavras, que tipo de
modelo de negócio adotar. Há cinco configurações básicas para você escolher.

Preço baixo. Se seu cliente principal busca o menor preço possível, funções
operacionais centralizadas (como comercialização e distribuição) devem
receber a maior parte dos recursos organizacionais, a fim de criar economias
de escala e escopo. Unidades que lidam diretamente com o cliente, como
lojas ou restaurantes, devem receber relativamente poucos recursos. Esta é
a configuração usada pela Walmart.

Criação de valor local. Se seu cliente valoriza produtos e serviços


personalizados para os gostos, preferências e regulamentações locais, você
deve se organizar como a Nestlé. Ela manda recursos para regiões, para que
gestores locais possam personalizar a oferta de produtos, enquanto as
funções do núcleo operacional são limitadas a atividades de apoio de nível
corporativo.
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Padrão global de excelência. Se seus clientes buscam a melhor marca ou


tecnologia possível onde quer que estejam, você deve organizar recursos em
torno de unidades de negócios globais definidas por linhas de produtos. Essa
configuração permite concentração e impulso em pesquisa e
desenvolvimento, marketing de marca e distribuição. A Microsoft, por
exemplo, tem unidades de negócios separadas para Windows, servidores,
27

MSN, tecnologia móvel e Xbox. Cada unidade tem responsabilidade total por
receita e lucro, assim como seu próprio setor de pesquisa e desenvolvimento.
(Nota: a Microsoft anunciou recentemente que pretende fazer uma mudança
de estrutura que a tornará parecida com a de uma organização de
conhecimento especializado — descrita mais à frente —, para emular o
Google.) Relacionamento de serviço dedicado. Se seu cliente busca um
relacionamento de serviço contínuo e profundamente integrado, você deve
seguir a organização da IBM. Equipes dedicadas ao cliente em unidades
“verticais”, organizadas por setor, dirigem e coordenam o fornecimento de
produtos e serviços de unidades “horizontais”, centralizadas e baseadas no
produto.

Conhecimento especializado. Finalmente, se seu cliente principal busca


conhecimento técnico especializado, você deve seguir o exemplo do Google
e da Merck, onde a divisão de pesquisa e desenvolvimento recebe a maior
parte da atenção e dos recursos da empresa, enquanto outras funções
desempenham um papel de apoio. Essas unidades de produto lideradas pela
pesquisa e desenvolvimento, que podem ser distribuídas em centros ao redor
do mundo, não têm responsabilidade pela receita: elas se concentram
exclusivamente no desenvolvimento de produto e na criação de tecnologia
inovadora. Toda a receita de comercialização é encaminhada através de uma
divisão centralizada e autônoma de vendas, configurada como uma função
distinta.

É claro que várias permutações e combinações dessas cinco configurações


básicas são possíveis. Muitas empresas vão querer aproveitar as vantagens
de vários modelos de uma vez. Algumas experimentam estruturas matriciais
que podem enfatizar simultaneamente, por exemplo, geografia e função ou
unidade de negócio e região. Essa abordagem de “divisão da diferença” pode
ser atraente se, por exemplo, você é uma empresa de engenharia como a
ABB e seu cliente principal são compradores governamentais que exigem
tanto as melhores características técnicas (padrão global de excelência) como
um conteúdo personalizado (criação de valor local). Mas deve-se notar que
as organizações matriciais são notoriamente difíceis de gerir; muitas vezes
uma estrutura de matriz reflete uma confusão inerente sobre quem é o cliente
principal, em vez de ser uma resposta eficaz às necessidades e preferências
do cliente.

Como proposta geral, quando uma empresa considera que tem mais de um
cliente principal, ela deve ser dividida em unidades separadas e cada uma
destas deve adotar a configuração que melhor lhe permita concentrar
recursos nas necessidades de seu cliente principal. Na Nestlé, por exemplo,
embora a maioria dos negócios seja estruturada usando uma configuração de
valor local, a estratégia da companhia é diferente para duas de suas marcas:
Nespresso e Mövenpick. Os clientes querem uma experiência superior,
consistente, dessas marcas, independentemente da localização. Por isso,
esses negócios são conduzidos usando uma configuração de padrão global de
excelência, na qual os recursos são centralizados e geridos globalmente. Ao
analisar um modelo de negócio, a pergunta-chave que os executivos devem
fazer é esta: será que as decisões que tomamos sobre a estrutura da empresa
refletem nossa escolha de cliente principal? Se a resposta for “não”,
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concorrentes cujos modelos de negócio são consistentes com sua escolha de


cliente principal vão provavelmente deixá-lo para trás.

Passo 4 Torne o processo de controle interativo

Mesmo que seu modelo de negócio seja muito bom hoje, ele não pode e não
vai sobreviver para sempre. Os gostos dos clientes vão mudar, novas
tecnologias vão substituir as velhas, concorrentes imprevistos vão entrar no
mercado, quadros demográficos e regulamentos vão evoluir com o tempo.
Isso significa que você deve colher constantemente informações sobre
mudanças em seu ambiente competitivo, principalmente aquelas que possam
afetar o comportamento de seu cliente mais importante. Você precisa estar
alerta para ameaças e oportunidades novas que vão definir o que seu cliente
valoriza e o potencial de lucro que ele representa. Se as mudanças forem
expressivas, você pode precisar reorientar fundamentalmente seu modelo de
negócio — e até, em casos mais radicais, escolher um cliente principal
diferente.

A melhor forma de obter as informações de que você precisa é certificar-se


de que os sistemas de controle de sua empresa sejam interativos. Todos na
organização devem estar usando as mesmas medidas de desempenho como
base para a aprendizagem e o debate. Monitorar mudanças no
comportamento do cliente e no ambiente competitivo, em particular, não é
uma função a ser delegada a um departamento especial.

Dependendo de sua indústria e estratégia de negócios, você pode optar por


usar qualquer um de seus atuais sistemas de gestão de forma interativa —
como planejamento de lucro, receita de marca, registro de pedidos ou novos
contratos. Na HBO, por exemplo, os executivos acompanham
constantemente a taxa de sucesso da empresa na disputa por novas obras
de cineastas e usam essa medida para promover uma discussão entre
gestores de todas as áreas a respeito de mudanças no mercado competitivo
que poderiam afetar sua estratégia. Gerentes de categoria da Amazon usam
suas reuniões nas manhãs de segunda-feira como um fórum para estudar
dados sobre escolhas de variedades de produtos, crescimento da receita,
pedidos dos clientes e rotação de estoque. Refletindo os princípios de
liderança da empresa (ser obcecado com o cliente, ter propensão para a ação,
conquistar a confiança dos outros, mergulhar fundo, ter determinação,
discordar e comprometer-se), esses encontros são altamente interativos,
com os responsáveis por um diversificado leque de funções trabalhando
juntos para interpretar dados e preparar planos de ação. Algumas dessas
ações podem, com o tempo, plantar a semente de uma nova estratégia.

Sistemas que funcionam bem interativamente — como os da HBO e da


Amazon — compartilham três características essenciais: eles fornecem
informação sobre incertezas que poderiam minar os pressupostos de uma
corrente estratégica e requerem a atenção dos mais altos níveis de gestão;
são amplamente usados na organização, recebendo atenção frequente e
regular de gerentes operacionais em todos os níveis; e envolvem encontros
cara a cara para discutir novos dados, hipóteses e planos de ação. Não há
substituto para a energia e criatividade que fluem do debate aberto quando
os participantes deixam seus títulos do lado de fora da sala. Ao usar processos
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de controle interativo, os executivos devem fazer continuamente três


perguntas: o que mudou? Por quê? E, principalmente, o que vamos fazer a
respeito? Se você identificar mudanças no potencial de lucro de seus clientes,
por exemplo, você pode querer repensar sua escolha de cliente principal.
Mudanças em gostos, regulamentações, tecnologia ou competição podem
alterar aquilo que seu cliente mais importante valoriza — resultando na
necessidade de redistribuir recursos ou reformular sua estrutura de negócios.

Se você tem a significativa vantagem de ser o primeiro graças a uma nova


tecnologia — ou se os concorrentes ainda estão evoluindo e lutando para
encontrar seu caminho —, você pode ser capaz de evitar a escolha do cliente
principal, optando em vez disso por permanecer fluido e se concentrar na
experimentação. Mas a paisagem empresarial está repleta de carcaças de
empresas que tentaram ser tudo para todos. Como o Yahoo, elas foram se
virando desordenadamente até ser surpreendidas pela crise. E muitas vezes
trouxeram um novo líder num desesperado esforço de última hora para impor
disciplina e foco a um negócio à beira do fracasso. Acredito que, em última
análise, é menos arriscado ser proativo e fazer a aposta estratégica crucial
de escolher um cliente principal. As empresas que não fazem isso geralmente
se descobrem olhando as luzes traseiras de seus concorrentes mais decididos
e engajados.

Robert Simons é professor da cadeira Charles M. Williams de Administração de


Empresas na Harvard Business School. É autor de Seven Strategy Questions: A
Simple Approach for Better Execution (Harvard Business Review Press, 2010).

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