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GESTÃO ESTRATÉGICA
TEXTOS COMPLEMENTARES
SUMÁRIO
1. FURR, Nathan; SHIPILOV, Andrew. A transformação digital não precisa
ser disruptiva ................................................................................. 02
Harvard Business Review Brasil, Jul/2019
Quase no fim de um longo almoço com vista para o tranquilo Lago de Genebra, um vice-
presidente sênior de uma empresa líder global nos confessou: “Temos uma dúzia de
comitês sobre transformação digital; temos iniciativas de transformação digital;
fazemos transformação digital a todo vapor… mas ninguém sabe me explicar o que ela
realmente significa”.
Em termos muito básicos, a resposta é simples: a expressão tão usada significa nada
mais que adaptar a estrutura e a estratégia das empresas para capturar oportunidades
habilitadas pela tecnologia digital. Este não é um desafio novo — afinal, computadores
e software existem há décadas e mudaram os produtos e serviços assim como a forma
de fazê-los. Mas o argumento que o VPS apresentava é que se tornou cada vez mais
difícil para as empresas traduzir essa resposta em planos de ação. Os computadores de
hoje cabem no bolso ou no pulso, e os aplicativos de software que os executam
permitem a automação de tarefas antes realizadas por humanos (como a gestão de
despesas), a virtualização de hardware e, cada vez mais, produtos segmentados e
serviços personalizados. Além disso, esses aplicativos alcançam as pessoas em toda
parte: sensores incorporados em dispositivos e interfaces permitem a alimentação de
dados em tempo real, possibilitando decisões mais informadas e recomendações
orientadas por máquinas. Em suma, a tecnologia digital não está mais no domínio
exclusivo da TI; é aplicada em quase todas as partes da cadeia de valor das empresas.
Assim, é perfeitamente compreensível que os gestores se esforcem para entender o que
a transformação digital realmente significa para eles em termos de oportunidades a
perseguir e iniciativas a priorizar.
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Diante dessa realidade, não é de surpreender que muitos gestores esperem que a
transformação digital envolva uma interrupção radical dos negócios, investimento
pesado em tecnologia, uma mudança completa de canais físicos para virtuais e a
aquisição de novas empresas de tecnologia. Certamente, em alguns casos essa
mudança de paradigma está envolvida. Mas nossa pesquisa e trabalho sugerem que,
para a maioria das empresas, a transformação digital significa algo muito diferente da
ruptura direta, na qual o velho é varrido pelo novo. A mudança de fato se opera, e às
vezes trocas radicais de processos de fabricação, canais de distribuição ou modelos de
negócios são necessários; mas não raro a transformação se dá em etapas incrementais
que melhoram a entrega da proposição central de valor.
Alguns gestores acreditam que, para alcançar a transformação digital, devem alterar
drasticamente a proposta de valor da empresa ou correr o risco de sofrer uma onda de
rupturas. Como resultado, no início de muitas transformações digitais as empresas
aspiram a ser como a Apple e tentam encontrar um novo produto ou plataforma de alta
tecnologia que atenda às novas necessidades dos clientes. Embora algumas possam ser
bem-sucedidas, acreditamos que as necessidades dos clientes atendidos pela maioria
das empresas não mudarão muito. O desafio é encontrar a melhor maneira de atender
a essas necessidades usando ferramentas digitais. Como disse o executivo sênior das
Galeries Lafayette, varejista de moda francesa de luxo, “essa é outra modernização.
Estamos no mercado há mais de cem anos, e tivemos de passar por outras mudanças
em nossa história, como a chegada de hipermercados, shopping centers, redes de
especialidades, fast fashion, marcas que se tornaram varejistas e, finalmente, o
comércio eletrônico”.
Outro bom exemplo é a empresa aérea russa Aeroflot, que já foi uma das piores do
mundo em seu setor. Ela se tornou uma das melhores: seu net promoter score subiu
de 44% em 2010 para 72% em 2016, e sua taxa de ocupação, de 64,5% em 2009,
subiu para 81,3% em 2016, segundo dados da empresa. Como isso foi possível? A
empresa aérea usou a tecnologia digital para melhorar significativamente as principais
atividades, como operações, elaboração de relatórios, reserva de passageiros,
agendamento e atendimento ao cliente. Ainda mais relevante, criou painéis que
propiciam à gestão uma visão geral instantânea de mais de 450 indicadores-chave de
desempenho. A empresa também agrega informações de sensores instalados nos
aviões, conferindo visibilidade ao desempenho das aeronaves e permitindo a
manutenção preventiva, o que reduz assim os custos operacionais. O departamento de
relações públicas conseguiu até reduzir o número de funcionários, porque ficou mais
fácil responder às perguntas dos jornalistas sobre os dados da empresa: está tudo
disponível no painel. Além disso, reaproveitou a arquitetura digital criada para
administrar a empresa aérea principal para, ao mesmo tempo, gerir uma empresa aérea
de baixo custo — algo que poucas empresas aéreas conseguiram fazer. Portanto, a
razão de ser da empresa não mudou em nada: continua sendo uma empresa aérea de
passageiros que vende passagens para muitos destinos diferentes. Apenas se tornou
mais eficiente e amigável graças às ferramentas digitais.
Isso não significa ausência de perturbações. Fique atento: as coisas estão mudando
rapidamente, e as empresas que nada fizerem serão prejudicadas ou, no mínimo,
passadas para trás por aquelas que se transformaram com o recurso das ferramentas
digitais. Mesmo nas indústrias clássicas, que sofrem rupturas maiores, a história se
revela mais complexa quando se faz um exame mais profundo. Passar ou não por uma
disrupção vai depender do trabalho que você faz para o cliente. Se um operador
estabelecido conseguir usar as ferramentas digitais para atender às necessidades dos
clientes melhor do que um ator novo e perturbador, ainda assim prosperará.
Considere o serviço de táxi. O impacto da Uber nos táxis é um dos exemplos mais
citados de perturbação digital. Todos se lembram da greve dos motoristas de táxi em
todo o mundo — especialmente em Paris, nossa cidade natal — em face do que parecia
ser uma ameaça existencial à sua sobrevivência. Mas hoje as empresas de táxi em Paris
estão prosperando.
A G7 é uma empresa tradicional de táxis fundada em 1905. Assim como muitas outras
empresas de táxi em Paris, ela já foi famosa pela grosseria de seus motoristas. Muitos
anos depois, assim como a Uber, a G7 desenvolveu um aplicativo para permitir aos
clientes fazer reserva. O aplicativo oferece vários níveis de serviço: compartilhamento,
táxi normal, verde (híbrido ou elétrico), van e VIP. O passageiro usa o aplicativo na rua
para chamar um carro ou entra em um carro na esquina e paga ao motorista com o
aplicativo mediante código de quatro dígitos.
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Mas a G7 difere da Uber de algumas maneiras importantes: seus motoristas são mais
bem treinados, os carros são mais limpos, e é possível agendar corrida para o horário
exato desejado, em vez de em uma janela de 15 minutos, como acontece no
agendamento da Uber. Acima de tudo, embora um G7 possa ser, em média, um pouco
mais caro do que um Uber, é muito mais barato quando você mais precisa, pois a Uber
impõe um elevado preço dinâmico, multiplicando sua tarifa por duas, três ou até oito
vezes, enquanto os preços da G7 permanecem constantes. É claro que a chegada da
Uber forçou as empresas de táxi tradicionais a melhorar seus serviços: agora, os
motoristas da G7 recebem aulas de etiqueta. Não se pode argumentar, porém, que o
advento das tecnologias digitais tenha exigido reinvenção integral da proposta de valor
da G7.
Da mesma forma, o setor hoteleiro está entre os mais ameaçados pela ascensão das
tecnologias digitais, primeiro pelas agências de viagem online (OTA, na sigla em inglês:
online travel agency) como a Expedia, depois por plataformas como a Airbnb e agora
por mecanismos de pesquisa como Google. Quando entrevistamos o CEO da Marriott,
Arne Sorenson, sobre o impacto das tecnologias digitais, ele não minimizou a ameaça.
“As forças digitais são claramente muito revolucionárias e poderosas e, às vezes, podem
ser assustadoras”, disse ele. “Estamos em uma guerra total para decidir quem fica com
o cliente.”
Sorenson destacou que a tecnologia seria um fator importante para vencer a guerra:
“Temos de nos certificar de que estamos usando a tecnologia para operar de forma mais
eficiente, entregar o serviço e criar uma plataforma digital de grande fidelidade — mas
também precisamos garantir que a plataforma seja grande o suficiente e ofereça valor
aos nossos clientes para que eles façam reservas diretamente conosco. Não vamos
superar a Google, mas queremos ter certeza de que temos uma comunidade de pessoas
que podem se relacionar conosco. Isso precisa acontecer por meio de plataforma digital.
A intenção da plataforma é envolver os clientes”. E isso é o que a Marriott sempre fez.
Embora tenha lançado plataformas para competir com a Airbnb e direcionar os clientes
diretamente para seu próprio site, também está focada no que faz de melhor — oferecer
um ótimo hotel e uma excelente experiência para o cliente. Quem já se hospedou em
algum hotel Marriott ou de sua empresa parceira, a Starwood, sabe que dificilmente
conseguirá na Airbnb o mesmo colchão e roupa de cama de luxo pelos quais esses hotéis
são famosos.
Entender que a transformação digital não altera o motivo pelo qual sua empresa existe
ajudará você a identificar as tecnologias que você deve focar. Os gestores que acreditam
que a disrupção digital requer uma formulação massiva do negócio principal acabam se
perdendo. Mas, se o desafio é simplesmente realizar da melhor forma o trabalho para
o cliente, eles provavelmente se concentrarão nas tecnologias que produzem o maior
efeito para o usuário (como a experiência do cliente ou sinergias de relacionamento) ou
para suas capacidades centrais (como sinergias de custos). Mesmo na era digital, sua
empresa, assim como a Maersk, a Aeroflot e a G7, provavelmente pode continuar
atendendo os mesmos clientes principais. E as necessidades desses clientes não
mudarão — embora o digital certamente propicie uma maneira melhor de atendê-los.
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Para garantir que vai construir uma compreensão do cliente, assim como uma conexão
emocional com ele, a empresa está fazendo a mistura perfeita do mundo físico com o
mundo digital em sua nova loja em Champs-Élysées.
Os compradores valorizam a visita à loja física porque podem ver e sentir os produtos
reais, reservá-los online e testá-los na loja sem compromisso. Ou então comprá-los
online e simplesmente retirá-los na loja. De qualquer modo, os vendedores precisam
entender como agir como personal shoppers, e os dados em seu poder do produto e do
cliente lhes permitem isso.
Muitas marcas digitais estão convergindo para o mesmo caminho. A Bonobos, por
exemplo, que nasceu só como digital, agora usa lojas físicas para permitir aos clientes
experimentarem a roupa. Após a compra, os itens são enviados diretamente de um
inventário com gestão central. A Warby Parker, outra nativa digital, também passou a
usar lojas físicas para criar experiências acolhedoras para os clientes. Como a GL, esses
varejistas estão suprindo necessidades que o digital não atende completamente —
criando conexões emocionais e lidando com os desafios de experimentar roupa ou
óculos — enquanto usa a tecnologia para alavancar dados e obter eficiência de custo.
Muitas empresas tentam ter acesso a novas tecnologias ou ideias adquirindo startups e
integrando-as. Esta abordagem pode matar a cultura de startups e afugentar o talento
adquirido durante sua criação. Empresas inteligentes preferem construir
relacionamentos híbridos com startups — fortes o suficiente para aprender e encontrar
sinergias, mas fracas para evitar a destruição da cultura. Assim, mesmo sendo donas
das startups, permitem que operem como empresas semi-independentes.
função. A GL não compra startups do acelerador (para não acabar com a cultura de
inovação delas), então ter alguém para fazer uma ligação permanente com elas ajuda
a manter um relacionamento próximo com os membros dos aceleradores e implementar
as iniciativas resultantes. Os outros membros corporativos seguiram o exemplo, e sua
absorção de colaborações também melhorou.
Na prática, isso pode significar uma mudança de estrutura — por exemplo, em situações
em que uma estrutura mais ágil é merecida, criar esquadrões internos com os recursos
e autoridade necessários para acompanhar os projetos do começo ao fim. Embora um
esquadrão seja uma equipe, ele difere da maioria das equipes das grandes empresas
porque tem poder para resolver problemas-chave rapidamente, como um
empreendedor faria.
Um grande banco global, o ING, ensina uma lição importante de como fazer com que
esses esquadrões trabalhem em estruturas organizacionais mais tradicionais.
Reconheceu que para designar os funcionários certos a iniciativas interempresariais e
impedi-los de ficar por muito tempo em uma iniciativa que deveria ser cortada, ele
precisava dar suporte a esses intraempreendedores na transição entre funções.
Desenvolveu um conjunto de processos internos chamado PIE: “P” de proteger, o que
significa que os funcionários que deixam o emprego para trabalhar em um projeto de
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É claro que falhas nesses esquadrões não devem ser vistas como um grande problema.
Erros, mesmo que relativamente tardios, não vão comprometer uma carreira. Como
explica o CEO da ING, Ralph Hamers: “Temos de ser honestos sobre o fracasso. Temos
de ser honestos também sobre tudo o que aprendemos no processo e que, usando uma
abordagem diferente, aprendemos essas lições em uma fração do tempo que os
concorrentes levam”.
Por fim, é importante reconhecer que a transição para os esquadrões pode ser um
processo doloroso. Em um exemplo radical dessa reorganização, a ING eliminou divisões
e funções e adotou uma estrutura organizacional ágil com equipes encarregadas de
oferecer uma melhor experiência aos clientes. Quando se reorganizou, em um fim de
semana, todos os funcionários foram demitidos e tiveram de se recandidatar para sua
função — segundo o ponto de vista do cliente cuja necessidade eles atenderam. Com a
ajuda destas e de outras iniciativas semelhantes, a ING planeja reduzir seu pessoal nos
Países Baixos e na Bélgica em 30% a 40% em cinco anos. Nem todas as transições
serão tão dramáticas, mas na maioria dos casos algum atrito é inevitável quando os
cargos são redefinidos.
Embora a TUI tivesse decidido não ampliar seu sistema de reservas dada a diversidade
de seus mercados, uma estratégia digital coerente permitiu aos mercados trabalhar
juntos, maximizando o investimento em tecnologia. A empresa desfrutou de uma
década de crescimento constante ao longo de sua digitalização da jornada do cliente.
Para a maioria das empresas, mesmo aquelas realmente ameaçadas pela disrupção, a
transformação digital geralmente não precisa reformular dos pés à cabeça a proposição
de valor ou o modelo de negócio. Pelo contrário, trata-se de transformar o núcleo
usando ferramentas digitais e ao mesmo tempo descobrir e capturar novas
oportunidades habilitadas pela tecnologia digital. Cada empresa que descrevemos
incorporou diferentes elementos digitais em seu modelo de negócios, e nem todas as
mudanças foram disruptivas ou intrusivas. A chave do sucesso tem sido o foco nas
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O que a Alibaba, a Tencent e a Uber nos ensinam sobre as redes de sucesso. As cinco
características que fazem a diferença.
Mas, no início de 2018, assim que a Didi começou a dar lucro, a Meituan, empresa gigante de
serviços online-off-line, como entrega de alimentos, emissão de bilhetes de cinema e reserva de
viagens, lançou seu próprio negócio de ride-hailing (serviço de busca de motoristas) em Xangai.
Nos primeiros três meses, a Meituan não cobrava dos motoristas o uso da plataforma e, depois,
recebia apenas 8% de suas receitas, enquanto a Didi recebia 20%. Motoristas e passageiros
migraram em massa para o novo serviço. Em abril, a Didi contra-atacou: entrou no mercado de
entrega de alimentos em Wuxi, cidade próxima a Xangai. O que se seguiu foi uma dispendiosa
guerra de preços, com muitas refeições vendidas por quase nada, devido aos pesados subsídios
das duas empresas. E lá se foi a rentabilidade da Didi.
Mas a Didi recebia outros golpes. Em março de 2018, a unidade de mapeamento da
Alibaba, a Gaode Map, o maior serviço de navegação da China, abriu uma empresa de
caronas em Chengdu e Wuhan. Ela não cobrava nada dos motoristas, e em julho
começou a oferecer aos passageiros a opção de fazer pedidos de vários serviços de
viagem. Enquanto isso, a Ctrip, o maior serviço de viagens online da China, anunciou
em abril que recebera uma licença para fornecer serviços de car-hailing em todo o
país.
Por que o tamanho enorme da Didi não bloqueou a competição por serviços de
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transporte na China? Por que ela não venceu e dominou o mercado, como muitos
analistas previram? Além disso, por que algumas empresas de plataforma — como
Alibaba, Facebook e Airbnb — prosperam, enquanto a Uber, a Didi e a Meituan, entre
outras, sofrem hemorragias de dinheiro? Como as plataformas digitais conseguem
afastar a concorrência e aumentar os lucros?
Para responder a estas perguntas, é preciso entender as redes nas quais toda
plataforma está inserida. Os fatores que afetam o crescimento e a sustentabilidade
das empresas de plataforma (e, geralmente, todos os modelos de operação digital)
não são os mesmos das empresas tradicionais. A começar pelo fato de que, em muitas
redes digitais, o custo de servir um usuário adicional é insignificante, o que torna
inerentemente mais fácil aumentar a escala do negócio. E, como grande parte da
complexidade operacional das empresas baseadas em rede é terceirizada para
os provedores de serviço da plataforma ou gerenciada por software, os gargalos na
criação de valor e crescimento geralmente não estão vinculados a fatores humanos ou
organizacionais — outra importante diferença em relação aos modelos tradicionais. Na
verdade, em empresas de rede digital, os funcionários não entregam o produto ou
serviço — eles apenas projetam e supervisionam uma operação automatizada e
conduzida por algoritmos. A vantagem competitiva duradoura depende mais da
interação entre a plataforma e a rede que ela controla do que de fatores internos da
empresa. Em outras palavras, na economia conectada digitalmente, o sucesso a longo
prazo de um produto ou serviço depende fortemente da saúde, capacidade de defesa
e dominância do ecossistema em que opera.
E, como a Didi está aprendendo, muitas vezes é mais fácil para uma plataforma digital
alcançar a larga escala do que sustentá-la. Afinal, as vantagens que permitem que a
plataforma se expanda rapidamente funcionam para seus concorrentes e para qualquer
outra pessoa que queira entrar no mercado. A razão pela qual algumas plataformas
prosperam enquanto outras enfrentam dificuldades reside na sua capacidade de
gerenciar cinco propriedades fundamentais das redes: efeitos de rede, clustering, risco
de desintermediação, vulnerabilidade ao multi-homing e formação de pontes para
múltiplas redes.
Menos bem reconhecido é o fato de que a força dos efeitos de rede pode variar
drasticamente e moldar tanto a criação quanto a captura de valor. Quando os efeitos
de rede são fortes, o valor fornecido por uma plataforma continua aumentando
drasticamente com o número de participantes. Por exemplo, à medida que o número
de usuários no Facebook aumenta, aumentam igualmente a quantidade e a variedade
de conteúdo interessante e relevante. Os consoles de videogame, no entanto, exibem
efeito de rede fraco, como descobrimos em uma pesquisa. Isso ocorre porque os
videogames são um negócio impulsionado por hits, e as plataformas precisam de
poucos hits para ser bem-sucedidas.
O número total de títulos de jogos disponíveis não é tão importante nas vendas de
consoles quanto ter alguns bons jogos. Na verdade, mesmo um estreante com apenas
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Ainda mais crítico é o fato de que a força dos efeitos de rede pode mudar com o tempo.
O Windows é um exemplo clássico. Na década de 1990, no auge dos computadores
pessoais, a maioria dos aplicativos de PC era “baseada no cliente”, ou seja, eles ficavam
instalados no computador. Na época, os efeitos de rede do software eram fortes: o
valor do Windows aumentava drasticamente conforme aumentava o número de
desenvolvedores que criavam aplicativos, chegando a seis milhões no auge de sua
popularidade. No fim da década de 1990, o Windows parecia consolidado como a
plataforma líder. No entanto, à medida que os aplicativos baseados na internet, que
funcionavam em diferentes sistemas operacionais, decolaram, os efeitos de rede do
Windows diminuíram, como também as barreiras à entrada, o que permitiu que os
sistemas operacionais Android, Chrome e iOS ganhassem força em PCs e tablets.
Também as remessas de Mac começaram a subir em meados dos anos 2000,
aumentando mais de cinco vezes até o fim da década. Essa mudança de rumo mostra
que quando o efeito de rede de uma empresa estabelecida enfraquece,
o mesmo acontece com sua posição no mercado.
Agrupamento de rede
Em um projeto de pesquisa com Xinxin Li, da Connecticut University, e Ehsan Valavi,
aluno de doutorado da Harvard Business School, descobrimos que a estrutura da rede
influencia a capacidade da empresa de plataforma de sustentar sua escala. Quanto
mais a rede é fragmentada em clusters (agrupamentos, em inglês) locais — e quanto
mais isolados esses clusters são uns dos outros —, mais vulnerável se torna a empresa.
É o caso da Uber. Motoristas em Boston se preocupam principalmente com o número
de corridas em Boston, e os passageiros em Boston se preocupam principalmente com
os motoristas de Boston. Com exceção de viajantes frequentes, ninguém em Boston
se importa com o número de motoristas e passageiros em, digamos, São Francisco.
Isso torna mais fácil para outro serviço de ride-sharing alcançar a massa crítica em
mercados locais e decolar por meio de uma oferta diferenciada, como preço baixo. De
fato, além da competidora Lyft, em nível nacional a Uber enfrenta várias ameaças
locais. Por exemplo, na cidade de Nova York, a Juno e a Via, bem como empresas de
táxi locais, são concorrentes. A Didi também enfrenta vários candidatos fortes em
várias cidades.
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É possível fortalecer uma rede construindo clusters globais em cima de clusters locais.
Embora o site de classificados Craigslist conecte principalmente usuários e fornecedores
de bens e serviços em mercados locais, suas listas de imóveis e de empregos atraem
usuários de outros mercados. Os jogos sociais da Facebook (como o FarmVille)
estabeleceram conexões entre jogadores que não se conheciam, criando uma rede mais
densa, global e integrada, mais fácil de se defender da concorrência. Tanto a Facebook
quanto a WeChat, rede social popular na China, têm aprimorado suas redes
convencendo marcas famosas e celebridades — com apelo nacional e, muitas vezes,
internacional — a criar contas públicas, escrever posts e interagir com os usuários.
Risco de desintermediação
Depois de estimar que poderia perder até 90% de seus negócios por causa da
desintermediação, a ZBJ, marketplace chinês para comerciantes lançado em 2006,
cujo modelo consistia em cobrar 20% de comissão, começou a procurar novas fontes
de receita. Em 2014, descobriu que muitos proprietários de novos negócios usavam
seu site para obter ajuda com o design do logotipo. Em geral, a próxima demanda
desses clientes era o registro de empresas e marcas, que a plataforma passou a
oferecer.
Atualmente, a ZBJ é a maior fornecedora de registro de marcas da China — um serviço
que gera para a empresa mais de US$ 70 milhões em receita anual. Ela reduziu
significativamente suas taxas de transação e, em vez de combater a desintermediação,
17
Vulnerabilidade ao multi-homing
O multi-homing ocorre quando os usuários ou provedores de serviços (os “nós” de rede)
formam vínculos com várias plataformas (ou hubs) ao mesmo tempo. Isso geralmente
ocorre quando o custo de adotar uma plataforma adicional é baixo. No setor de ride-
hailing, muitos motoristas e passageiros usam, por exemplo, a Lyft e a Uber — os
passageiros para comparar o preço e o tempo de espera, e motoristas
para reduzir o tempo ocioso. Da mesma forma, os comerciantes frequentemente
trabalham com vários sites de compra em grupo e restaurantes com várias plataformas
de distribuição de alimentos. E mesmo os desenvolvedores de aplicativos, cujos custos
não são triviais, ainda acham que faz sentido desenvolver produtos para sistemas iOS
e Android.
oferece aos assinantes frete gratuito de dois dias em muitos produtos, ajuda a empresa
a reduzir a tendência dos compradores online de fazer multi-home.
Pontes de rede
Em muitas situações, a melhor estratégia de crescimento da plataforma pode ser
conectar redes diferentes umas às outras. Em todos os negócios de plataforma, o
sucesso depende da aquisição de um grande número de usuários e da acumulação de
dados sobre suas interações. Esses ativos quase sempre são valiosos em vários
cenários e mercados.
Ao alavancá-los, as empresas que tiveram êxito em uma vertical de um setor muitas
vezes se diversificam em diferentes linhas de negócio e melhoram seus dados
econômicos.
Eis uma razão fundamental pela qual a Amazon e a Alibaba entraram em tantos
mercados. Quando os proprietários de plataformas se conectam a várias redes, eles
podem criar sinergias. A Alibaba conectou com sucesso sua plataforma de pagamento,
Alipay, a suas plataformas de e-commerce Taobao e Tmall, fornecendo um serviço
indispensável para compradores e vendedores e promovendo a confiança entre eles.
A Alibaba também aproveitou os dados de transação e dos usuários da Taobao e da
Tmall para lançar novos serviços por meio da Ant Financial, seu braço de serviços
financeiros — incluindo um sistema de classificação de crédito para comerciantes e
consumidores. E as informações desse sistema permitiram que a Ant Financial fizesse
empréstimos de curto prazo para comerciantes e consumidores com taxas de
inadimplência muito baixas. Com esses empréstimos, os consumidores podem
comprar mais produtos nas plataformas de e-commerce da Alibaba e seus
comerciantes financiar a compra de mais estoque. Tais redes reforçam mutuamente
suas posições de mercado, ajudando todas as redes a sustentar sua escala. De fato,
mesmo quando a plataforma Tencent ofereceu um serviço concorrente de carteira
digital, a WeChat Pay, por meio de seu aplicativo WeChat, a Alipay permaneceu
atraente para os consumidores e comerciantes por causa de sua conexão estreita com
a Alibaba e com os outros serviços da Ant Financial.
Quanto à Didi e à Uber, os prognósticos não são dos melhores, segundo nossa análise.
Suas redes consistem em muitos clusters com localização altamente restrita. Ambas
enfrentam o multi-homing desenfreado, o que pode piorar à medida que os
concorrentes entram no mercado. Até agora, as oportunidades de fazer pontes de rede
— sua maior esperança — tiveram sucesso limitado. Essas empresas conseguiram
estabelecer pontes apenas com outros negócios altamente competitivos, como entrega
de alimentos e venda de lanches. (Em 2018, a Uber fez um acordo para colocar as
máquinas de venda de salgadinhos da Cargo em seus veículos, por exemplo.) E a
inevitável ascensão dos táxis autônomos provavelmente tornará difícil para Didi e Uber
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Marco Iansiti é professor da cátedra David Sarnoff da Harvard Business School. Foi consultor de
diversas empresas do setor de tecnologia, como Microsoft, Facebook e Amazo3.
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Todas as empresas afirmam que suas estratégias são voltadas para o cliente.
Mas o termo “cliente” é um dos mais elásticos em teoria de gestão. Uma
definição básica pode ser a de que seus clientes são as pessoas ou entidades
que compram seus produtos e serviços e geram sua receita. Isso inclui
quaisquer participantes da cadeia de valor de uma companhia: consumidores,
atacadistas, varejistas, departamentos de compras, e assim por diante.
Algumas empresas chegam até a rotular unidades internas como clientes: a
produção é cliente da divisão de pesquisa e desenvolvimento, por exemplo,
e ambas são clientes do departamento de recursos humanos.
Outras definições não requerem nem mesmo que um cliente gere receita. Os
clientes mais importantes da gigante farmacêutica Merck não são os
pacientes que usam seus remédios ou os médicos que os receitam. Em vez
disso, a Merck escolheu cientistas de laboratórios e universidades ao redor
do mundo como seu cliente principal. Assim, seu modelo de negócios se
baseia em encorajar seus próprios pesquisadores de primeiro nível a atuar
como cientistas de universidade, realizando pesquisas básicas, publicando
artigos e apresentando resultados em conferências, tudo com a intenção de
descobrir compostos inovadores que poderão então ser comercializados pelo
grupo de marketing e vendas da Merck. O negócio, por sinal, é configurado
como uma universidade de pesquisa — uma estrutura funcional simples, na
qual uma poderosa e centralizada unidade de pesquisa e desenvolvimento
recebe a maior parte dos recursos organizacionais.
Primeiro vamos ver a parte mais fácil. Suponha que você já tenha escolhido
o melhor cliente principal e tenha uma boa ideia básica a respeito do que ele
quer. Ainda há muito espaço para melhorias. Você pode refinar sua
compreensão aproveitando o acesso fácil e barato de hoje em dia a dados
sobre hábitos de compra, preferências e atividades de busca dos clientes. A
análise de dados é uma ferramenta importante para descobrir as
necessidades do cliente, que estão sempre mudando, e responder
rapidamente a elas. No Google, equipes separadas de análise para exibição,
buscas e mapas passam incontáveis horas com clientes em seus laboratórios
estudando o movimento dos olhos e outras variáveis para avaliar suas
reações a modificações sutis de produtos, tais como alterações na cor. A
Nestlé tem uma “sala de guerra” onde analistas monitoram mídias sociais
para detectar conversas que se relacionem com — ou afetem — a aceitação
de seus produtos. Os analistas usam essas informações para ajudar a
embasar decisões de pesquisa e marketing de produto e para avaliar, em
tempo real, em que nível suas propostas de valor estão atendendo às
necessidades do cliente principal.
Como vimos com Merck e Amazon, sua escolha de cliente principal e sua
compreensão sobre o que o cliente valoriza fornecem todas as informações
de que você precisa para tomar a decisão extremamente importante de como
organizar os recursos de sua empresa — em outras palavras, que tipo de
modelo de negócio adotar. Há cinco configurações básicas para você escolher.
Preço baixo. Se seu cliente principal busca o menor preço possível, funções
operacionais centralizadas (como comercialização e distribuição) devem
receber a maior parte dos recursos organizacionais, a fim de criar economias
de escala e escopo. Unidades que lidam diretamente com o cliente, como
lojas ou restaurantes, devem receber relativamente poucos recursos. Esta é
a configuração usada pela Walmart.
MSN, tecnologia móvel e Xbox. Cada unidade tem responsabilidade total por
receita e lucro, assim como seu próprio setor de pesquisa e desenvolvimento.
(Nota: a Microsoft anunciou recentemente que pretende fazer uma mudança
de estrutura que a tornará parecida com a de uma organização de
conhecimento especializado — descrita mais à frente —, para emular o
Google.) Relacionamento de serviço dedicado. Se seu cliente busca um
relacionamento de serviço contínuo e profundamente integrado, você deve
seguir a organização da IBM. Equipes dedicadas ao cliente em unidades
“verticais”, organizadas por setor, dirigem e coordenam o fornecimento de
produtos e serviços de unidades “horizontais”, centralizadas e baseadas no
produto.
Como proposta geral, quando uma empresa considera que tem mais de um
cliente principal, ela deve ser dividida em unidades separadas e cada uma
destas deve adotar a configuração que melhor lhe permita concentrar
recursos nas necessidades de seu cliente principal. Na Nestlé, por exemplo,
embora a maioria dos negócios seja estruturada usando uma configuração de
valor local, a estratégia da companhia é diferente para duas de suas marcas:
Nespresso e Mövenpick. Os clientes querem uma experiência superior,
consistente, dessas marcas, independentemente da localização. Por isso,
esses negócios são conduzidos usando uma configuração de padrão global de
excelência, na qual os recursos são centralizados e geridos globalmente. Ao
analisar um modelo de negócio, a pergunta-chave que os executivos devem
fazer é esta: será que as decisões que tomamos sobre a estrutura da empresa
refletem nossa escolha de cliente principal? Se a resposta for “não”,
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Mesmo que seu modelo de negócio seja muito bom hoje, ele não pode e não
vai sobreviver para sempre. Os gostos dos clientes vão mudar, novas
tecnologias vão substituir as velhas, concorrentes imprevistos vão entrar no
mercado, quadros demográficos e regulamentos vão evoluir com o tempo.
Isso significa que você deve colher constantemente informações sobre
mudanças em seu ambiente competitivo, principalmente aquelas que possam
afetar o comportamento de seu cliente mais importante. Você precisa estar
alerta para ameaças e oportunidades novas que vão definir o que seu cliente
valoriza e o potencial de lucro que ele representa. Se as mudanças forem
expressivas, você pode precisar reorientar fundamentalmente seu modelo de
negócio — e até, em casos mais radicais, escolher um cliente principal
diferente.