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Daniel Andrade | Jimmy Marcone

Porrada
no
Juízo

Cajazeiras-PB
2017
Copyright © 2017 by Daniel Andrade e Jimmy Marcone

REVISÃO GRAMATICAL
Marta Milene

SUPERVISÃO GRÁFICA
Editora Real
editorareal@gmail.com

DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA


José Gilvan Rodrigues da Silva
artfinalcz@gmail.com

ARTE DA CAPA
José Gilvan Rodrigues da Silva

PREFÁCIO
Igor Arraes

COLABORAÇÃO
Ialy Cintra

LAYOUT DA CAPA
Jimmy Marcone

TIPOGRAFIA
Kingthings Trypewriter 2

Catalogação na fonte:
Daniel Andrade CRB 15/1593
Andrade, Daniel

Porrada no Juízo / Daniel Andrade, Jimmy Marcone.-


Cajazeiras: Real, 2017.
76 p.

ISBN:

1.Literatura Brasileira 2. Poesia I. Título.

82(81)-1 A553p CDU (2. ed.)


Agradecimentos especiais

Akira Takiy
Alexciane Priscila
Dioneide Barros
George Glauber Félix Severo
Gustavo Henn
Igor Arraes
Ialy Cintra
Marcelo Mac Cord
Maria das Graças Augusto dos Santos
Mizia Vidal Lima Paes Barretto Tavares Uchôa
Paloma dos Santos Altran
Teobaldo Gabriel de Souza Junior
Tiago Pereira Cardoso
Prefácio

O fazer poético é algo mágico, através


dele o poeta transporta sentimentos em palavras
que afloram e insistem em vir a tona, um ato de
generosidade em que se compartilham sentimentos
entre o poeta e o leitor.
O livro “Porrada no juízo” dos poetas
Daniel Andrade e Jimmy Marcone nos oferece, gene-
rosamente, o alimento necessário à conservação da
nossa humanidade. A partir de um olhar aguçado os
poetas catam palavras que boiam em versos que
revelam fatos, retratam um cotidiano refletido e
digerido que se derrama em poemas diversos.
Os poemas deste livro, às vezes, são enga-
jados em denunciar uma realidade que mesmo notó-
ria, como no caso de Mariana, sofre com a negli-
gência e frieza humanas. Também podem ter o
lirismo de “Poema ocidental”, ou o prosaísmo sen-
sorial como em “Degustar cores”, ou até a meta-
linguagem de “Cadernos de poesia a mão e a
letra”.
Poesia moderna, contemporânea, poesia.
Sim, poesia! O que se percebe, ao ler este livro,
é que seus poemas não seguem rótulos ou estig-
mas. Seus versos são livres, com o ritmo, a
cadência e as pausas na construção do significado
e na orientação da leitura. Assim, com esta obra,
os poetas nos prestigia, ofertando o fruto de sua
contemplação de mundo, acendendo uma luz, abrindo
portas, janelas e cabeças.

Prof. Igor Arraes

5
MARIANA

Distrito de Mariana!
Quem dá mais?
E todos deram!
Quem tem seus objetos de metal
Utilizou-se do minério.

Anos distraídos,
extraídos em vão
para entreter a lucro
a um preço cru,
o mais baixo
para um preço caro.

Anos de perfuração
e Mariana sangra,
seu rio são lágrimas
vivas da morte.

Agora um sangue espesso


coagulando e morrendo.
Mariana não foge,
Mariana sangra pelas pernas.
Mariana aborta o estupro,
dos consumidores de minério.
Toda a nação pagava
a Mariana cada dia,
todos têm partes de Mariana
em suas casas,
nos prédios
em seus prazeres individuais.
Mariana está em toda cidade.
Todo o povo a comprou,

7
compramos pedaços a Mariana.
Ela não resistiu,
Procuravam-na demais.

Mariana continua sem ação.


As gerações bastardas de Mariana
não gerarão.

Minas Gerais... Minas Gerais,


Mariana Gerais.
Todos correram, teu povo
apenas se indignou para mostrar que pensam em ti.
Ficaste apenas na memória e de nada serves mais.

8
MAIS UM DIA DE TRABALHO

Conheci uma menina, quase quarentona


Ela dizia:
­ Odeio o Nordeste!

E ela adorava sexo e cervejas.


E ela dizia:

­ Odeio nordestino!

Ela morava em Recife.


E adorava sexo e cervejas.

Ela disse:
­ Eu sou carioca!

Aí eu pensei comigo:
­ Eis aí mais um brasileiro que aceitou
fácil
A derrota.

Permaneci calado!

9
Domingo para escrever poemas,
Enquanto a mangueira atira suas mangas
Indiscriminadamente na maior inocência.
Resido numa casa de muro branco sem número
Bem no meio dos meus sonhos.

10
CAETANA

Caetana não tem olhos


Afirmo sem empirismo.
“Na certa parece nos observar.”
Já que não dorme, não descansa.
Eis a razão de não ter olhos.
Não enxerga beleza
Não enxerga horrores.

O que é feio em si
É a liberdade com que corrompe
Os corpos sobressalentes
Com que corrói o enfermo.

Caetana talvez tenha lindos olhos


Mas não tem seio
Não gera filhos, nem os adota.

Se os tivesse os comeria vivos


Antes que seus filhos a devorassem.
Caetana é intragável.

Caetana é bastante atenciosa


Com os mais necessitados,
Caetana deveria amar mais
Políticos e bancários
E todos aqueles que compram vidas.

11
SABE AQUELA MULHER QUE TRABALHOU
A VIDA TODA E NO FINAL DEU EM NADA

Envelheceu Maria
Cabelos brancos
Olhos fundos
Cansada.

Aprendeu cedo
Capinando no
Cabo da
Inchada.

Viu os
Filhos crescerem
E pegarem
A estrada.

Se morrer
Será pouco
Ou nunca
Lembrada.

Por que
Da vida
Ninguém levará
Nada!

12
O belo não é belo, minha bela
Depende da força
Com que o martelo interpela.

O ludibriar mortal da modernidade


Do gigantesco e desagradável século.

A realidade das ilusões


Sucateia as vidas
Torna-nos sobressalentes.

13
POEMA OCIDENTAL

Ao oriente e entre meu olhar rente


Mora você que é sem nome.
Canção que não sei cantar.
Simples como o gesto de olhar,
És leve como a nuvem e
Frágil como a neve que insiste
Em se modificar.

14
SENDO PÉTREO

Pessoas que se fecham pulam!

15
Parei de recriminar suicidas.
A vida, meus caros?
É um beco sem saída.

16
PAZ SUBJETIVA

(A ajuda consome, se alimenta egos)

Não façam amor, não façam guerra,


Não façam nada, ao menos uma vez.

(...) Não interfiram.

OU

Ferir
Inter ferir
Ferir internamente

Interna
Mente.

Mente interna.

Ferir.

17
SEXO

A dança dos corpos


O suor que se enlaça
O sexo que escorre
Momentos de tensão
Vida criada, vida jogada fora
Tudo é fato e fator
A valsa da dor
O cheiro da cor
Amor

18
O paraíso é pesado demais
Por isso expulsamos Deus
E ficamos com tudo
E ficamos como restos
Sobras do resto de tudo.

Sem entender a perversão


E a melancolia de liderar.

Sem o uso da perfeição


Reproduzimos anomalias
Não conseguimos reproduzir
À imagem e semelhança.

Autônomos autoritários
Ser autossuficiente.

Fiquemos com o falso


Expulsemos a neurose
E sejamos pervertidos
Agrada a ausência de culpa.

Homem come a si mesmo


E aos outros primeiro.

19
ENSAIO SOBRE O DESPEJO DIVINO

Por isso vazamos do paraíso:


Nós somos mais carne
E menos juízo.

20
TEMPO DE LIBERDADE

(liberdade de tempo)
O movimento gera o tempo.

Mover-se explicita assim


A liberdade transparente.

A liberdade se expõe.

Exibe-se
Temporariamente.

O tempo toma a liberdade para si.

Sem o tempo nem liberdade existe.

­ Quem veio primeiro:


O tempo ou o movimento?

21
DEGUSTAR CORES

Comer o verde
e
o azul.
Provar o vermelho,
Aspirar o branco.
Natureza é realidade!
Melhor que a vitamina
Que eu faço com o abacate,
Melhor que a orquídea de plástico,
Melhor que a fumaça do cigarro é
Abrir o abacate,
Cheirar a flor,
Morder o morango,
Encher a mão de areia.
Você já comeu manga?

22
(DES)CONTO NO POEMA
(dentro das terras do interior o homem idoso
sem instrução civilizada é nobre)

(!)
O homem na sua terra
Seiva de sua seiva e serra
O velho homem pobre
É verdade independente.

De rugas bem nordestinas


Com seu pequeno sítio
Dentro das brotações da sina
Ele é a carne viva subsídio.

A terra é seu corpo são


Reconhece dias que medra
As passadas, marcas no chão,
O afago de água da pedra.

O homem existe lá
Como se não existisse
Em nenhum outro lugar.
Ser terroso que se medisse

Todos os elementos
Alcançam seus sentidos
O homem na sua terra
São sonhos compreendidos.

Nessa região ele não morre


Virá a ser adubo notado
Ou servirá como semente
Virá a ser em terra plantado.

23
Não houver quem por ele chore
O seio da terra o consolaria
Dando-lhe seu último abraço
A natureza sua memória seria.

(...)

O homem na cidade
Não sente nem dorme
Não se reconhece.
Homem que em vão decorre.

É apenas mais um número


Ser sintético sentidos figurados
Sem luta sem porvir. Num muro.
Correntes, grades, cadeados.

Sem descanso. Estereotipado.


De subemprego e conflitos
Vira mendigo analfabeto
Prisioneiro de vícios e delitos.

As águas são de esgotos


O asfalto não brota a céu aberto
Só carne morta em desertos
Acidentes marcados.

Aqui ele morre é deixado


Foi indigente em vida
Em morte é apenas largado
Esquecido em seu estado

24
Cemitério metropolitano
Comprado aberto à visita
A terra doente regurgita
O corpo nunca visitado.

A insistência de não ser.


O esquecimento o alivia
Deixando livre pra morrer
Até a lembrança que teria.

25
VIDA MARIA

Maria sorri, sorri não sei de quê?


Porque a vida é dura.
Lava roupa e sorri;
Cozinha a sorrir;
Sonha e sorri.
Como encarar a vida assim tão otimista
Se elefantes brancos empalidecem nossos cabelos.

Como encarar a vida assim à Maria?


Acompanhada de um riso largo
E de noites menos frias?
Se tudo tem sido apenas
Dolorosamente hemorragia.

Não sei em que altos constam


Uma vida assim tão vivida,
Como vive agora Maria
Tão descontraída.
Enquanto saltamos de prédios

26
FORA OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO
“O meu porquinho-da-índia foi
minha primeira namorada.”
(Manuel Bandeira)

Toda casa que se preze deve ter uma lagartixa,


mesmo uma mínima quase saída do ovo.
E ela deverá caminhar por todas as paredes o dia
todo e a casa toda, e à noite enquanto a madame
assistir à novela, ela deverá engolir todos os
mosquitos que puder, porque Lagartixa que se
preza anda junto à lâmpada.

Ah! Ainda lembro da lagartixa que ficava ao lado


do meu velho pôster de Babalú, isso faz tanto
tempo... Eu tinha medo dela, mas não dormia se
não reparasse aquela figura amareleça e estática
na parede a me sondar com seus olhos negros.

Lembrando um velho madrigal: acho que minha


primeira “namorada” não foi Mariana, foi a
Taruíra.

27
PARADISE DOG

Hércules no Éden não vai querer saber de papel


Vai dormir uma eternidade...
Enxugar a cabeça no pelo branco do cachorro Zeus.
Perder a castidade com a Lassie.
Tomara que a Lassie não seja um macho
<<tipo a macaco Chita>>
Hércules burlará os doze trabalhos
Correndo atrás de um pacote de biscoitos champanhe.
Enfim, descansará aos pés do Monte Olimpo
Esperando que uma das filas musa
Atire algum manjar.

28
ENTRE AS COISAS

Onde eu passo
Não fico
Nada deixo
Atravesso
Sem olhar
Não noto.

Prédios pontes carros


Transeuntes transladados.

Escasso, esconso.
Um abutre, uma obra sem fim,
Um carro abandonado em uma rua.

Policiais, mendigos e um corpo no chão.


Uma mesa na calçada,
Espetinhos, fumaça, cervejas.

Pombos, pombos...
Pombos doentes catando lixo,
Cães catando lixo,
Gatos catando lixo,
Gente catando lixo.

O esquecimento, a amnésia, o Alzheimer.

29
O QUE TENHO VISTO NO OLHAR DO POETA
(ao Poeta Jimmy)

Há uma tristeza na expressão do seu rosto


que eu não sei explicar,
Uma angústia de corais,
Impossível navegá-la.
Um segredo mineral
que só o tempo,
também mineral,
É capaz de desmistificar.

30
DÚVIDA NÚMERO UM

Se Alguém parasse
Em algum lugar
Sozinho
E perguntasse:
­Quem é Você?

O que Eu responderia?

Se Eu não soubesse quem Sou


O que Ele me diria?

31
SOLIDÃO

Machado do tempo que corta os meus nervos


E nevo solitário enquanto os casais fazem sol.

32
SÉCULO XXI
EU!...EU!...EU!...

Reprodução aleatória.
Doença...
Cérebro/cibernética/convulsão!

Remééééééédios!
Para dor, para suportar
Para ir adiante...
Beber mais, comer mais...

Cu! cu! merda!


Cu-buceta-rola, Cu-buceta-rola
Kkkkkkkkk
Wi-Fi! Wi-Fi! Wi-Fi! Wi-Fi!
Aqui tem Wi-Fi?

Eu discordo... discordo!
Eu não gosto. Não gosto!
Eu amo. Adoro.
Foda-se, foda-se...
É tabu, é preconceito.

Vai estudar história!


Eu quero também!
Igual, igual!

Vai tomar no cu...


Hehehehehehe
Rsrsrsrsrsrsrsr

Cu-buceta-rola, Cu-buceta-rola
Wisque e redbull

33
ATENDE A PORRA DO CELULAR!

Essa merda ta sem açúcar!


Essa merda ta sem sal!
Teu cu!

Bota um advogado em cima.


Eu vi no Face

Tira um selfie.
Bom dia! Grupo!
Vida loka!
Academia!
Filho da puta!

34
MARCO ZERO TEMPORAL
(ao poeta Fred Caju)

Nativo do quando
Meu tempo é hoje.
Minha idade é memória,
Sou presa e sou caça.
Só vivo o agora.

35
CONTRA “INDICAÇÃO”

Um dia irei encontrar sem dúvida


a contradição.

Devolver-lhe a liberdade frigida


com a razão humana.

! Fugiu! (...) a razão humana fugiu! (...)

Precisamos libertar a contradição!


Mas onde a prenderam?

Contra - razão – contradição.

Contraindicação!

36
AVE MODERNA

Passarinho pousa no poste


E canta para luz do dia
Passarinho já pousou em árvores melhores
sem energia.

37
A cidade come.
Sua comida
Sua saúde
Sua memória.

A cidade come
Sua dignidade
Seus amigos
Seu tempo.

A cidade come
Seu nome
Sua arte
Sua...

A cidade não paga


A cidade é politicamente incorreta,
É como seu povo que come
Seu próprio povo que admoesta.

A instituição dos contribuintes


Moderna operação de controle.

38
OS SILVAS

Nunca comemoramos nada


Apenas velamos nossos mortos
E guardamos luto
Até que a memória amarele seus r(o)estos.

Nunca pedimos favores


Apenas executamos nossos trabalhos
E calados.

Sempre fazemos sorrir,


Mas nossas vidas não são feitas de sorrisos
largos.Quem nos fará sorrir também?

Nunca pudemos amar,


Pois sempre empunhamos atentamente nossa solidão.
Nunca escondemos as marcas do tempo em nossas
ilusões.

Pálida Família Silva


Onde os patriarcas tombam antes dos 70
E os jovens se suicidam antes dos 30.

39
Idade
Capacidade
Sociedade
Velocidade
A Cidade - não conversa!

Não há diálogo!
(não conserva)

É preciso ter pressa


Acompanhar o seu ritmo
Mesmo em ruas lotadas
Hão de estar desertas.

Destreza burocrática.
Conservadorismo bancário!
Conservadorismo capitalista
Conservadorismo político!
Conservadorismo juvenil!

Conservadorismo anarquista!
Conservadorismo ideológico!
Conservadorismo globalizacional!
Conservadorismo conservadorista!

Te deixa louco e vazio!

40
LARGADA

É madrugada.

(Pausa – Passa o celular bora!)

Silêncio oscilante.
O dia passa.
Sem café da manhã, animais no trânsito.

(Pausa – Tio, me dá uma moeda!)

Andando na calçada:
Fila de banco.
Fila de UPA.
Fila de hospital.
Fila da puta.
Fila de. Fila de. Fila de. Fila de:
necrotério.

(Pausa – Fome da porra!)

Para os ônibus não existem filas eles fecham as


portas!

(Pausa – por cento de desconto...


noventa e nove...
gratuito...
pague menos!)
metade do preço!)
Lanche na rua,

41
almoço barato,

jantar frio.

(Pausa – fome zero,


bolsa família,
sisu,
ENEM, vestibular, (vestir e burlar)
farmácia dos pobres,
SUS ...)

Porra o motorista queimou a parada!

42
CADERNOS DE POESIA A MÃO E A LETRA
(a Daniel)

Um poeta de vossa anatomia


De vossa psicologia!
Um poeta de vossa genealogia
De vossa ideologia!

Poemas (Poeta) sem índice


Das veredas estreitas.
Águas do mar do Recife
Alcançaram feitas.

De rochas interioranas
Cisma poética que existe
Ipojuca das cidades pequenas
Poemas que ainda não pariste.

Poeta que quando cala


Os objetos espiam
Tendo sua escala
Que as ideias vigiam.

A marcha das horas


Concentrado em seu vão
Mineral em suas formas
Dureza em si da razão.

Um poeta de vossa genealogia


De vossa psicologia!
Um poeta de vossa anatomia
De vossa ideologia!

43
Retorce o metal
Curva a mente.
Resíduo paradoxal
Que só poeta entende.

E na natureza farta
Que é escrever
Constrói qualquer carta
Para a razão entreter.

Inspira comportamento
Louco ou fátuo
Não debruça o momento
Na hora do salto.

Montanhas, paredes,
Cadernos figuram suas letras
Cenários com redes
Letras com linhas pretas.

Um poeta de vossa anatomia


De vossa psicologia!
Um poeta de vossa genealogia
De vossa ideologia!

Praças, lápis e papel


Histórias de sua ordem,
Figura quase menestrel
Amores, causas, desordem.

44
Poeta de corpo e mente
Sua intrépida paixão
De encalço ardente
Em sua concisão.

Veio de sua própria fuga


Um lapso insano
O tempo a folha enruga
O poema sem sono

Alcança seu destino


Na vigília leitura
Eis o sangue latino
De vida madura.

45
PROVÉRBIO PARAGUAIO

Ele amava as muralhas


E não aguentou ir à guerra,
Porque as veria tombarem.
Mas, bem dizia o sábio:
Leal é aquele que não se ocupa em lastimar.

46
PREFERÊNCIAS

Eu prefiro o mundo quadrado


Mas, talvez melhor redondo
Sem quinas sem referências
Um mundo perdido como já o é.

Eu prefiro ideias agudas


Mas, talvez melhor graves
Roubando a paz e limites
Ideias sem criatividades.

Eu prefiro o mundo articulado


Mas, talvez melhor desarticulado
Como sonhos sem conexão
Ou melhor: os pesadelos.

Eu prefiro algo verdadeiro, real


Mas, talvez melhor sem realismo
Retirar o valor da vida
E ganhar qualquer causa.

Eu prefiro Antropo Concêntrico


Mas, talvez consignado
Antropocêntrico velado
Sem saída, sem fuga.

47
Não sou pagão sou pagador,
Não ergo templos, perco tempo.
Minha fé reside num sonho
De um mundo melhor, de um
Deus melhor do que esse inventado
Por homens criativos e desonestos.

Meu sonho reside nas estrelas,


Na mais vermelha, na mais antiga.
Meu sonho ultrapassa as barreiras
As fronteiras, o egoísmo consumista
De cada dia.

48
REI ANTIREI

Dizia o rei entre tantos outros reis:

­ Não me diga quem eu sou


Que Eu te processo!
Aqui Eu sou o que Eu quero.

Não admite rótulos


Mas deseja ser um rotulado.

­ O segredo é segregar,
Não sou obrigado a nada.

O rei queria ser diferente


Ele queria ser igual,

O rei não sabia quem era


Não sabia o que queria.

O rei era Comunista,


Comia meninos e meninas.

O rei era capitalista


Comia porquinhos e porquinhas.

Os ídolos do rei eram


Darth Vader e Anita,
Nietzsche e Che Guevara.

Adora Coca-cola
Whisky e Redbull
Janelas no último andar.

49
O rei não saiu do Brasil
Queria ir embora para os EUA.
Não conseguiu.

Adorava ver qualquer gringo


Para falar mal do Brasil

Não sabe de outros lugares.


Só Paris:
Talvez seja para onde
a estátua de liberdade aponta!

Mas Paris está nos filmes e seriados.

O rei acha que é Nerd


Por que tem casa e pais com carro
E paga universidade particular.

Foi a Disneylândia,
Tem nome que não se pronuncia em português
Come sushi de peixe morto há meses.

O rei sabe que qualquer pessoa


Ri de piadas sexuais
Por isso está em primeiro lugar.

O rei nunca viu um Nerd


Por isso deixa sua aparência julgar.

O rei nunca viu um Nerd


Por isso nunca desenvolve
Teorias sociológicas complicadas

50
Não publica livros complexos
de física e matemática
Psicologia avançada
Não domina cinco idiomas
Não compreende buracos negros
Não recita a Ilíada de cor e não declama
Paz e Guerra e a Divina Comédia... ufa!

O rei diz:
­ Nerds estão sempre ocupados
Comprando e consumindo.
Sentado no chão da Livraria Cultura
Com um lençol na cabeça.
Discutindo filmes de sucesso de bilheteria
Ou seriados como The Big Bang Theory, Friends.

O Rei teve um insight


Pela primeira vez pensou
E se autointitulou

EU sou um Nerd.
Já sou produto do meu subproduto

51
UFPE

Diferenças, indiferenças
Libido e identidades.

Ateus, religiosos e as mesmas crenças


Seus proselitismos e a servidão voluntária.

O academicismo que
abre e fecha ideias
Que distorce ou corrompe
Segundo a massa maior
Pela ideia implantada.

Esquerdistas direitistas
Esquerda, direita...
Esquerda-direita...
Esquerda-direita...
Esquerda-direita...
Marche!
Companhia alto!

Atores atos e direções


Cenários, cenários!

Jovens adultos
Adultos jovens.

52
DISSUASÃO AO PÉ DO OUVIDO

Um tapa no pé do ouvido!
Era mais um bêbado
Falando merda, pedindo trocado,
Trocando as palavras
Desejando bom dia ao cidadão.

53
CONTRARREVOLUÇÃO DOS MICOS

Ando meio suicida,


Ando comendo os restos
Do prato onde o cachorro passou a língua.

Estou meio à míngua,


É verdade! Mas onde há felicidade
Em esperar dias contados a ampulheta
Numa rotina dorme acorda
Cheia de uma nova colheita?
Somos o gado de meia dúzia de fazendeiros

54
HOMENS CONTROVERSOS

Homens cadáveres.

O futuro é um pensamento tardio


Sem nome sem estatura só os vícios,
Está escrito desde o início.

Já estás morto em tua literatura.


Fadado, a cerca de tua filosofia.
Subversivo a apenas o que lhe convém.

Se não tens um preconceito ainda


É por que amanhã o terás,

Séculos além nem saberão


que existiram e repetirão.

A verdade é produto da mentira


A maldade é produto da ignorância
A ignorância mantém o homem obscuro.

A cegueira anula a verdade


A verdade é produto da mentira.

A liberdade é apenas uma crença


Mesmo tentando te dissuadir.

A ciência mata Deus


O homem não erra mais!
O homem não morre
E comete suicídio

55
MARIANA

Para os brasileiros?
Mais Vale chorar à francesa.

56
SÊ PLACEBO

Controverso
Contra todos os versos
Contrafeito
Contra todos os efeitos

Ser artificial como


O pensamento rarefeito.

Complexo de poeticidade
Contundente literário.

Compressas hipocrisia.

E ainda assim curar!

Isso é uma porrada no juízo.

57
OREMOS

ode aos que escrevem


ódio aos que criticam
palmas para os que se molham
pena para os que neblinam

58
DESAPARECIDO

Deus aparece
Cria o Homem
Divide o Homem.

Nietzsche aparece
Divide os homens
Mata Deus.

Nietzsche morre!
Deus ainda permanece.

Assim talvez falasse Zaratustra.

59
Antes de mais nada
E depois de tudo
Perguntar a Deus
Como é não existir!

60
ELA E O (A)MAR

O marinheiro se mete no mar


E a ribeirinha não pode amar
Ele sempre de tudo a pescar
Ela apenas de rezar e chorar

61
Aos que pensam tanto
Em serem luz sobre algo
Ofuscam tanto
Com sua lâmina
Que acabam decepando
Tudo em que há brilho.

62
O TEMPO E O VENTO

Paixão é apenas uma flor que vem o tempo e esgota.


Amor é natureza que sempre se renova.

63
PESADELO

Entre no sonho
e amanhça dormindo.

Como despertar?

64
CIRCUS

No picadeiro
Você tem três tempos:
Palhaço,
Equilibrista
e
Plateia.

65
SÉC. XXI

A era das possibilidades


Inconsequências admiráveis
O romper de quaisquer limites
Nada é certo nada é errado
A imparcialidade do desprezo.

Tudo é válido!
Desvalido.
Vário.
Tudo é arte!
Descontrole

O plexo-liberdade
A possibilidade de não pensar
De não ter razão sólida
Apenas reservas de direitos.

O reagir e não reagir


Direito ao absurdo
A negligenciar
De causas fúteis: mas modernas.

Tudo que pensa é impuro


Ó futuro das atitudes
Adeus aos que tentam o equilíbrio
Louvado seja a velocidade
Que dissolve com rapidez
A história, o arcaico.
Adeus avós.
Virgindade inútil.

66
Sejamos sempre o mesmo do mesmo
Sem premissa, sem lembranças
Louve o excesso da mixórdia.

O normal sem normalização.

A fuga sem porque para o consumo


A lei do imediatismo.
Mais poder para o desperdício
Para os vícios.

Vamos para longe, longe.


Tão distante e não saber mais quem é.

O que eu dizia?

67
ÚLTIMO DESEJO DE POETA

Quando eu for embora, lembra do que foi sorriso:


Até a piada mais sem graça que eu contei.
Enterra comigo onde eu não prestei: e continua
Dando de beber às flores que eu não aguei.

Escuta as músicas que eu gostava,


E conta a minha mãe que eu nunca morri:
Ele vive na montanha, agora é pedra,
ar e carneiro.

Quando as minhas filhas adotar,


Não conta que me suicidei,
que morri de esperança:
Toca aquele velho opus que eu tanto gostava
E faz delas as bailarinas da caixa de sonhos dos
meus poemas órfãos.

Quando eu morrer e espalhar minhas cinzas


Em Boas Viagens, me encontra na paisagem e te
Banha nas minhas ondas de inquietação.

Eu quero ser a estrela mais pequenina,


Mas, porém a que ilumina quando tudo
Não razão. Quero ser o tal lençol que vos
Aquece a alma quando perder a calma.

Quando eu for embora, lembra do que foi sorriso:


Até a piada mais sem graça que eu contei.
Enterra comigo onde eu não prestei: e continua
Dando de beber às flores que eu não aguei.

68
Escuta as músicas que eu gostava,
E conta a minha mãe que eu nunca morri:
Ele vive na montanha, agora é pedra,
ar e carneiro.

E recita para ela toda minha vida debulhada


Como se numa só estrada eu me perdesse
E também me achasse a morrer-viver.

E diz aos sobrinhos que eu não chamei de filhos


Que aquele velho tio indo não fui eu... Mora
No cachorro e no telhado escondido de Deus.

Mas que um dia não mais que de repente tudo


Se encontra na semente e o que brota do céu:
É chuva de tropel do poetinha em seu corcel
Gritando: voltei!

Quando eu for embora,lembra do que foi sorriso:


Até a piada mais sem graça que eu contei.
Enterra comigo onde eu não prestei: e continua
Dando de beber as flores que eu não aguei.

Escuta as músicas que eu gostava,


E conta a minha mãe que eu nunca morri:
Ele vive na montanha, agora é pedra,
ar e carneiro.

69
Destroça toda Flauta Vértebra
e não esqueça aquela regra
Depois de você venho eu:
porque o meu temor foi tanto
Que para não perder seu encanto
quem teve de ir cedeu.

Quando eu for embora, lembra do que foi sorriso:


Até a piada mais sem graça que eu contei.
Enterra comigo onde eu não prestei: e continua
Dando de beber às flores que eu não aguei.

Escuta as músicas que eu gostava,


E conta a minha mãe que eu nunca morri:
Ele vive na montanha, agora é pedra,
ar e carneiro.

70
MANIFESTAÇÕES

Ah! As manifestações
Sempre as mesmas ordens
Já está escrita em lei

Será do mesmo jeito


As mesmas desordens
Opiniões contrárias.

Assaz ojeriza
Festa e descomunhão
Intenções pusilânimes.

Almejar o controle
Variações coletivas
Interpretar opressões.

71
DE SÚBITO A CIDADE

De súbito a cidade
De repente é noite
De súbito o assalto
De repente foi dia.

Recife
Forçava
Fornicava

Recife
Enfatizava
Enforcava
Enfartava

Recife
Foi dia
Fedia
Fodia.

72
CAXANGÁ

Acordou e bebeu um copo d'água,


Depois tomou um banho de bacia.
Saiu um pouco atrasado, tomou um busão.
Tomou uma batida em plena Caxangá.
Tomou no cu
ÍNDICE*

Domingo, 10
Sabe aquela mulher que trabalhou a vida toda e no
final deu em nada, 12
Poemas ocidental, 14
Parei, 16
Sexo, 18
Ensaio sobre o despejo divino, 20
Degustar cores, 22
Vida Maria, 26
Fora os animais de estimação, 27
Paradise dog, 28
O que tenho visto no olhar do poeta, 30
Solidão, 32
Marco Zero temporal, 35
Ave moderna, 37
Os Silvas, 39
Provérbio paraguaio, 46
Não sou pagão, 48
Contrarrevolução dos micos, 54
Mariana, 56
Oremos, 58
Ela e o (a)mar, 61
O tempo e o vento, 63
Circus, 65
Último desejo de poeta, 68
Caxangá, 73

______________________________________________________________
*Poemas de Daniel Andrade

75
ÍNDICE**

Mariana, 7
Mais um dia de trabalho, 9
Caetana, 11
O belo, 13
Sendo pétreo, 15
Paz subjetiva, 17
O paraíso, 19
Tempo de liberdade, 21
(Des)conto no poema, 23
Entre as coisas, 29
Dúvida número um, 31
Século XXI, 33
Contra “indicação”, 36
A cidade come, 38
Idade, 40
Largada, 41
Cadernos de poesia a mão e a letra, 43
Preferências, 47
Rei antirei, 49
UFPE, 52
Dissuasão ao pé do ouvido, 53
Homens controversos, 55
Sê placebo, 57
Desaparecido, 59
Antes de mais nada, 60
Aos que pensam, 62
Pesadelo, 64
Sec. XXI, 66
Manifestações, 71
De súbito a cidade, 72
__________________________________________________________________
**Poemas Jimmy Marcone

76

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