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T E N D Ê N C I A S

A F LU I D E Z DA
I N C LU S Ã O/ E XC LU S Ã O S O C I A L
Aldaíza Sposati

O
caráter fluido da inclusão/ efeito marginal e provocou com isso a lariais rebaixados para o “padrão nacio-
e xclusão social não diz re s- intervenção pública através das políti- nal”. Esta forma indireta de Estado Mí-
peito, de imediato, a uma aná- cas do New De a l e do Welfare St a t e. nimo não leva em conta, porém, que os
lise da solvabilidade da ex- Após uma fase de bonança, re s u l t a n t e filhos desses trabalhadores seriam futu-
clusão ou da descoberta dos do ascendente modelo nacional desen- ros cidadãos com os mesmos dire i t o s
seus diluentes químicos, tornando fac- volvimentista, a exclusão mostra nova dos “filhos da terra”. Nascidos no “solo
tível empurrá-la ralo abaixo. O que face que não resulta mais da combina- mãe” e, embora assentados nas perife-
aqui se quer destacar é sua permeabili- ção entre depressão econômica e de- rias, começam o ano de 2006 gritando
dade interpre t a t i va desde o uso banal, semprego, mas da continuidade da forte pelos seus direitos de cidadania, atean-
como expressão da residualidade de um acumulação e desempre g o. A primeira do fogo em veículos e atordoando as re-
fenômeno, até sua capacidade crítica da forma dos tempos da depressão provo- gras do governo francês.
igualdade social. cou a solidariedade e o modelo social do Territórios, etnias, migração, cidadania
Serge Paugam (1) discute o conceito de welfare; a segunda, do último quartil do são novos ingredientes das manifesta-
exclusão e aponta que sua primeira século XX, contraditoriamente media- ções de exclusão social, descentrada do
aplicação na França foi em 1974. Po- da pelo avanço científico-tecnológico, econômico e recentrada no acesso às po-
rém, foi só na década de 1980 que pas- descentrou não só o social como a ética líticas públicas, principalmente as so-
sa a ser tema de pesquisas sociológicas e propôs um modelo de Estado de res- ciais, e transformadas em locus de exe rc í-
e, após, categoria estruturante no exa- ponsabilidades mínimas. cio do poder social e político. As políti-
me crítico da sociedade contemporâ- Cidadania e etnia constituíram o cida- cas sociais vão ganhar crescente papel na
nea. Lúcio Kowarick (2), analista do dão do welfare que a globalização da for- luta social entre sociedade e Estado. A
processo de marginalização expresso na ça de trabalho desfez. A fábrica global e globalização do trabalho expõe as dife-
categoria espoliação urbana, afirma desterritorializada gerou o trabalho desa- renças sociais dos países do hemisfério
que a relação marginalidade/integra- companhado de direitos de cidadania. sul, constituindo o que denomino “a ex-
ção foi entendida como uma “m o d a l i- A excludência do processo pro d u t i vo clusão ao sul do Equador”, demarc a d a
dade de inclusão intermitente, acessó- ganhou o componente político-racial pela ausência de um pacto de universali-
ria, ocasional, marginal, porém inte- resultante da transnacionalização da zação da cidadania, própria dos países
grante do processo pro d u t i vo”. força de trabalho. A exclusão étnica se de regulação social tardia (3).
Analistas marxianos do capitalismo há expande através de metástases de estig- A lógica excludente, inerente à pro d u-
muito já explicitavam sua lógica exclu- ma, apartação, discriminação, re f o r ç a- ção capitalista, ganha novos contornos
dente referida ao trabalho, ao modo de da pelo re c rudescimento da migração e se torna uma questão social, cultural e
produção e às suas seqüelas nas formas de trabalhadores do hemisfério sul, da ética instalando uma nova rigidez no
de exército de reserva de trabalhadores e Ásia ou da África. A Eu ropa os re c e b e p rocesso de ultrapassagem da exclusão
o lumpesinato. A ocorrência massiva do como adequados para exercer trabalhos para a inclusão social. Essa rigidez, co-
desemprego, na Grande Depressão dos de baixa qualificação sem a cobertura nhecida pela sociedade mundial pelos
anos 1930, o re t i rou da condição de de benefícios sociais e com padrões sa- agravados conflitos étnicos concretiza-
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dos em guetos de judeus, ou no a p a r- há na sociedade a busca do que é bom e de de contornos vai assinalar zonas de
theid sul-africano, na nova versão mun- d e s e j á vel para todos, o que leva a se inda- relevância da topografia social resultan-
dializada tem os muros individuais su- gar da presença da luta pela igualdade te das relações sociais.
tilmente construídos no cotidiano das ou, pelo menos, para um patamar básico O entendimento dessa topografia social
relações que se dão na escola, no restau- de igualdade. “ergue barricadas” à leitura residual do
rante, no trabalho, no clube, etc. Vera Telles (6), ao examinar as difere n- real, e identifica campos de força, de in-
A banalização do conceito exclusão/in- ças e assimetrias na igualdade social, quietações, de desejos em nova leitura
clusão social vem, em primeiro plano, de considera que nela também reside “a po- cognitiva do real. A topografia social se
seu uso substituto aos conceitos de tência contida na linguagem dos dire i- vale, inclusive, de novas técnicas e meto-
opressão, dominação, exploração, su- tos”. Acentua que, “a reivindicação dos dologias geoespaciais que permitem co-
bordinação entre outros tantos que deri- direitos sempre a re f e rencia a uma igual- locar em perspectiva a realidade sócio/
vam do exame crítico da luta de classes da dade prometida a todos, de tal modo econômico/espacial e seu movimento
sociedade salarial, como mera moderni- que as diferenças e assimetrias de cada territorial. Modo de objetivação, com lei-
zação da definição de pobre, carente, ne- um podem ser formuladas em um re g i s- tura possível na cena pública, a nova cog-
cessitado, oprimido. A relação entre ex- tro público, como questões pert i n e n t e s nição permite adentrar o debate político
clusão/inclusão identifica a iniqüidade aos destinos de uma coletividade”. das políticas públicas.
da desigualdade. Confrontar a exclusão Nesse sentido, a fluidez da relação exclu-
na sua relação com a inclusão é colocar a CEDEST As experiências do Centro de são/inclusão social pode ganhar uma si-
análise no patamar ético-político, como Estudos das Desigualdades So c i o t e r r i- militude com o conceito físico-químico
questão de justiça social, possibilitando a toriais (Cedest), da PUC-SP, em grande de “fluído superc r í t i c o” isto é, aquele
descoberta de novas identidades e dinâ- parte desenvolvidas em parceria com a que existe sob condições para além do
micas sociais. Ninguém é plenamente Fapesp, têm associado o estudo de for- ponto crítico.
excluído ou permanentemente incluído. mas e graus de presença territorial da
Aldaíza Sposati é professora titular da PUC-SP e
Não se trata de uma condição de perma- e xclusão/inclusão social em contextos coordenadora do Centro de Estudos das Desigual-
nência mas da identificação da potência urbanos (sob diferentes malhas de agre- dades Socioterritoriais (Cedest).
do movimento de indignação e incon- gação territorial). De n t re suas aquisi-
formismo. A exclusão social é a apart a- ções cognitivas destaca-se a capacidade REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ção de uma inclusão pela presença da dis- de construção de indicadores intra-ur- 1. Paugam, S. “Que sentido é poss í vel dar à
exclusão?”, in Veras, M.P.B. (ed.e org.) He-
criminação e do estigma. Em conse- banos da distribuição/redistribuição da xapolis - des i g u a l d a d ese rupturas sociais
qüência, seu exame envo l veo significado qualidade de vida urbana. Na condição em metrópoles contemporâneas, Educ. SP,
que tem para o sujeito, ou para os sujei- de mapa cognitivo de fácil comunica- 2004, p. 15-25.
tos, que a vivenciam. ção essa construção tem servido a movi- 2. Kowarick, L. “Marginalização e vulnerabili-
dade social eco n ô m i ca dos anos 70 aos
Carmelita Yasbek (4) – citando José de mentos e forças sociais assim como a go-
80”, in Veras, M.P.B. (op.cit) p. 219-232.
Souza Ma rtins – aponta que, viver como vernantes e produtores de políticas pú- 3. Sposati, A. “Exclusão social abaixo da linha
excluído, é a forma de inclusão possível blicas. Outra aquisição é o re c o n h e c i- do Equador”, in Veras, M.P.B. (ed.e org.) Por
em um mundo desigual. A “exclusão in- mento do modo de espalhamento/con- uma sociologia da exclusão social - O deba te
com Serge Paugam.Educ.SP, 1999, p. 126-138.
tegrativa” opera a manutenção do status centração dos graus de exclusão/inclu-
4. Yasbek, M.C. C l a sses subalternas e ass i s-
quo, todavia, o movimento da vida e da são das condições de qualidade de vida tência social. Cortez Ed.SP,1993.
história não ocorre pelo conformismo. nos territórios de uma cidade. As mu- 5. Sawaya, B. Dialética da exclusão/inclusão,
Bader Sawaya (5), na psicologia social, danças desse padrão no tempo, consta- refl ex õ es meto d o l ó g i ca s.Re l a tos da pes-
mostra a presença do sofrimento da ex- tadas por técnicas geoespaciais, identi- q u i sa na pers p e c t i va da psicologia social
crítica. SP, Capital Editora/ Livraria Univer-
clusão. O novo elemento que tem pro j e- ficam as linhas de continuidade/des- sitária,2001.
tado fortemente essa discussão para o continuidade com que processos e di- 6. Te l l es, V. “D esigualdade:mas qual a me-
campo da ética social é o suposto de que nâmicas sociais ocorrem. A mutabilida- dida?”.

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