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Salvador - 470 anos.

Desafios para Segurança Pública e Mobilidade 


 
Não  importa  o  dia  da  semana,  faça  chuva  ou  faça  sol,  lá  estão  eles:  um 
rebanho  de  desgraçados  dividindo  um pedaço de abrigo no ponto de ônibus ou 
nas  intermináveis  filas  das  estações.  Porque  para  o  proletariado  brasileiro  o 
trabalho  começa  muito  antes  de  se  chegar  na  firma/repartição/empresa,  é 
preciso  enfrentar  todas  as  dores  da  penitência,  o  duro  trajeto  todos  os  dias  nas 
metrópoles brasileiras que capengam em mobilidade. 
Digo  desgraçados  não  para  falar  de  caráter  ou  honestidade  mas  sim  de 
destino.  Não  nasceram  em  berço  de  ouro,  desgraçados  porque  como  dizia  o 
cético poeta e o carismático letrista: “pobres são como podres” e assim com todo 
essa  nossa  podridão  vamos  levantando  os  muros  dessa  nação,  engordando  os 
ricos de colarinho branco que não precisam de transporte público.  
E  lá  vão  eles,  o  rebanho,  espremidos  dentro  dos  coletivos, calor, aperto e 
medo.  Medo  do  “duplo  assalto”.  Já  não  basta  trabalhar  o  mês  inteirinho 
enchendo  o  bucho  das  grandes  companhias  e  corporações  ganhando  uma 
miséria  de  salário  que  a  cada  ano  aumenta  dez  reais  enquanto  a  cesta  básica 
sobe  dezessete.  É  preciso  ter  medo  dos  assaltos  dentro  dos  ônibus,  o  primeiro 
assalto começa na catraca com o cobrador.  
O  segundo  assalto  é  na  sorte.  É  preciso ter a sorte de entrar num coletivo 
e  não  ser  abordado  por  um  assaltante.  É revoltante saber que as companhias de 
transporte  público  apliquem  reajustes  em  cima  das  passagens  e  não  invistam 
em  medidas  preventivas  de  redução  de  danos  aos  seus  passageiros.  É 
transporte  público  e,  tudo  que  é  público  neste  País  costuma  andar  muito  mal 
das  pernas.  E  não  adianta  dar  consolo:  “meia  passagem  aos  domingos!”  Pobre 
não  tem  dinheiro  para  se  divertir  no  domingo,  é  ligar  a  televisão  e  se  deliciar 
com as atrações do Domingão do Faustão. 
Essa  coisa  de  assalto  em  ônibus  está ficando séria. Outro dia voltando de 
Itapuã  num  ônibus  da  linha  Integra  onde  estavam  eu  e  um  amigo,  um  falso 
vendedor  de  balas  abordou  os  passageiros  com  uma  pistola  e  calmamente  foi 
recolhendo  celulares  e  carteiras  e  colocando-os  numa  sacolinha.  Fez  a  festa. 
Homem  branco,  parecendo  ter  uns  trinta  anos.  Depois  essa  elite  branca  e 
rechonchuda  que  escreve  nos  jornais  vai  dizer  que  assalto  a  ônibus  é  “coisa  de 
preto”. 
De  acordo  com  a  SSP/BA  (Secretaria  de  Segurança  Pública do Estado da 
Bahia)  mais  de  cem  ônibus  são  assaltados  por  mês  em  Salvador,  o  que  dá  uma 
média  de  mais  de  três  assaltos  por  dia.  Segundo  os  responsáveis  pela operação 
Gêmeos  da  polícia  militar os assaltantes são, na sua maioria, usuários de drogas 
e  roubam  os  coletivos  para  comprar  entorpecentes.  Agora  o  caldo  engrossa.  É 
um  problema  múltiplo  que  abarca  a  falta  de  segurança  nos  ônibus,  a  falta  de 
policiamento nas vias de tráfego e políticas públicas de combate as drogas. 
Todos  nós  sabemos  que  o  Brasil  enfrenta,  desde  tempos  remotos,  uma 
falida  política  de  combate  as  drogas.  E  será  que  acabando  com  os  traficantes 
acabamos  também  com  os  assaltos  nos  transporte  públicos?  Ou  vão  querer nos 
roubar  ainda  mais  nas  “catracas”  de  todo  dia,  dizendo-nos  que  é  o  meio  de  se 
investir  em  políticas  mais  eficazes  de  segurança?  A  via  não  é  dupla  “pai”.  Está 
cada vez mais “barril”. 
Outra  coisa  que  me  agonia  o  pensamento  é  essa  falta  de  bom  senso  da 
juventude  brasileira.  Em  dois  mil  e  quatorze  milhares  de  jovens  encheram  as 
ruas  para  reagir  contra  o  aumento de dez centavos na passagem e pedir o passe 
livre.  Do  que  adianta  clamar  por  tarifas menores e gratuidade se o serviço anda 
cada  vez  pior.  O  ideal  seria  invadir  as  ruas  e  reivindicar  uma  política  de 
mobilidade  nacional.  Lei.  Que  parece  ser  o  mais  eficaz  meio  das  coisas 
acontecerem  por  aqui.  Senão  teremos  seis por meia dúzia. Do que adianta: você 
não  é  assaltado  na  catraca  mas  depois  que  passa  dela  torna-se  alvo  fácil  dos 
ladrões. 
O  buraco  é  mais  embaixo.  Pensar  em  mobilidade  num  país  de 
metrópoles  com  dimensões  continentais  como  o  nosso,  é  primeiro  ter  que 
solucionar  uma  gama  de  problemas  associados  à  mobilidade.  Mas  isso  é  tema 
para uma outra discussão. 
Zuza (Jonathas G. Cardoso) 

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