Você está na página 1de 36

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

EVERTON VIEIRA DOS SANTOS

A SOMBRA DA VIRILIDADE: UMA REVISÃO DE LITERATURA SOBRE


MASCULINIDADE E AS DIFICULDADES SEXUAIS MASCULINAS

CURITIBA
2018

0
EVERTON VIEIRA DOS SANTOS

A SOMBRA DA VIRILIDADE: UMA REVISÃO DE LITERATURA SOBRE


MASCULINIDADE E AS DIFICULDADES SEXUAIS MASCULINAS

Trabalho apresentado como requisito


parcial para a conclusão do curso de
Bacharelado em Psicologia, Setor de
Ciências Humanas, Universidade Federal
do Paraná.

Orientadora Profª Dra. Ana Paula Viezzer


Salvador

CURITIBA
2018

i
AGRADECIMENTOS

Em meio às duas trilhas mais desafiadoras, exaustivas e recompensadoras que já

enfrentei, descritas aqui como os anos da graduação e este trabalho de monografia, seria

injusto não honrar e citar pessoas que foram essenciais para que essa vista – a do futuro,

como psicólogo – pudesse ser vista e, enfim, experienciada.

Agradeço ao meu pai, Renato, e a minha mãe, Maria, por todo o apoio,

sacrifícios, amor e estrutura dada a mim para que esse objetivo pudesse ser alcançado.

Essa não é, de maneira nenhuma, uma conquista apenas minha. Foi o valor e o incentivo

dado por vocês para a minha educação – desde o ensino fundamental - que me permitiu

chegar até aqui. E, muito para além do aspecto educacional, foi com vocês que eu tive

as maiores provas e vivências de afeto, carinho e amor. De exemplo de honestidade,

caráter e perseverança. Obrigado por acreditarem e apostarem em mim. Obrigado por

estarem juntos comigo, mesmo quando eu optava por não dividir o que se passava

comigo. Obrigado por me ensinarem a olhar às pessoas de modo mais humano. Eu amo

vocês.

Agradeço à minhas irmãs, Karine e Fernanda, por todas as conversas,

discussões, trocas de ideias e ajudas mútuas que, ao longo desses anos, tivemos e nos

trouxeram até aqui. Vocês são exemplo para mim. Eu me sinto honrado em

compartilhar dessa vida, desses afetos e dos laços sanguíneos com vocês.

Agradeço às professoras e professores que, através de aulas, trabalhos,

projetos, extensões e de seus exemplos pessoais, me influenciaram a buscar meu próprio

caminho como psicólogo e a olhar mais para mim mesmo – fosse mudando e

aprendendo com o que estava ao meu alcance ou aceitando o que eu não poderia mudar.

Agradeço, especialmente, a(o)s querida(o)s:

ii
- Luciana Albanese, não apenas por lecionar uma das disciplinas mais

inspiradoras e marcantes da minha graduação, como também pelo vínculo, afeto e

amizade construída aqui, que transcendeu a relação professora-aluno e hoje aspira por

trilhas, projetos e montanhas. Obrigado por acreditar e incentivar os sonhos que gritam

aqui dentro.

- Bruno Angelo Strapasson, tanto por fazer nascer em mim o fascínio pela

Análise do Comportamento que me acompanhou durante a maior parte da graduação,

quanto pelo exemplo de profissional íntegro, dedicado e absolutamente competente que

é e me inspira a ser.

- Tiago Calve, pelos riquíssimos debates despertados em sala de aula e pelo

olhar humano - extremamente sensível e atento aos seus alunos - que oferece luta e

resistência a lógica, tantas vezes, produtivista e adoecedora da universidade pública.

- Gabriel de Luca, por revelar tantas vezes, para além da face profissional, o ser

humano incrível, divertido e leve que é. Suas interações com os alunos foram, para

mim, um dos maiores exemplos que o contato e os vínculos são as maiores e melhores

formas de aproximar e conectar pessoas, priorizando relações e subvertendo lógicas já

concebidas.

- Graziela Lucchesi, pelos sorrisos e acolhimento que confortam e abraçam.

Pela maneira simples e animada como, entre cumprimentos em corredores e conversas

francas em sala de aula, sabia ouvir, acolher e verdadeiramente se interessar pelas

demandas dos alunos. Sua forma leve e simpática foi simplesmente uma das coisas mais

tocantes desses anos de graduação.

- Norma Ferrarini, por, também, acolher e dar ouvidos – de maneira atenta e

sincera – aos alunos, em meio às suas questões e dificuldades. Por ter me ensinado a

importância de dar ouvidos aos mais jovens, aos seus projetos, sonhos e percepções.

iii
Por, de forma brilhante, saber incentivar e promover espaços nunca antes explorados na

graduação em Psicologia na UFPR, de modo que me ensinou a nunca rejeitar uma ideia

sem permitir que a fantasia nos permita explorar e tocar as possibilidades. A solução

dos mais diversos problemas podem estar lá.

Aos amigos e amigas com que tive o prazer de dividir, nestes anos de

graduação, diversos momentos, festas, lágrimas, apoios e risadas. Em especial, àqueles

com quem convivi durante 3 anos no NAC – e também ao grupo próximo e carinhoso

que se formou a partir disso (Ah, Marilenes!). Agradeço também aos amigos e amigas

do GRR 2014 que, para além da acolhida e carinho, fizeram com que meus dois últimos

anos de graduação fossem muito mais afetuosos e divertidos.

Agradeço, ainda, à Débora, psicóloga coordenadora da Clínica de Psicologia

Aplicada da UFPR, pela importantíssima ajuda e disponibilidade em “traduzir” os

termos psicanalíticos presentes em um dos artigos analisados, contribuindo de forma

muito significativa para essa monografia.

À banca avaliadora desse trabalho, Jocelaine e Antoniela, pela disponibilidade

em ler, avaliar e discutir, junto comigo, um tema que em meio às minhas abstrações e

reflexões sobre masculinidade, tornou-se tão significativo para mim. Cada uma de vocês

fez parte de momentos distintos e importantes da minha graduação e da minha vida, e

me sinto profundamente grato por tê-las por perto nesta etapa.

À equipe do CAPS II de Araucária, onde ao longo de dez meses, 30h por

semana, eu tive a maior experiência em psicologia que pude ter até esse momento.

Fosse pelos aprendizados referentes a psicofarmacologia, ao Sistema Único de Saúde ou

às reflexões conceituais e técnicas do trabalho com pacientes com transtornos mentais

graves, com vocês eu tive as condições concretas de aprender sobre o que de mais

bonito há no trabalho terapêutico: a importância do vínculo. Me sinto honrado pela

iv
confiança depositada em mim em tantos momentos - fosse na facilitação de grupos ou

nos processos de acolhimento de pacientes - e por ter feito parte dessa equipe, que é

referência naquilo que faz. Agradeço a compreensão e o apoio para que, em alguns

momentos, eu pudesse me afastar da lida e direcionar tempo e atenção para este

trabalho.

E agradeço, por fim, à minha parceira de trabalho – orientadora, professora e

amiga - Ana Paula Viezzer Salvador - sem a qual essa monografia não teria chegado

até aqui (e talvez apenas ela saiba o quanto isso é realmente verdadeiro). Obrigado Ana,

tanto por ter aceitado me orientar neste trabalho, quanto por refletir comigo os caminhos

pelos quais poderíamos seguir. Por ter acreditado na relevância que ele possui e,

principalmente, por ter acreditado em mim – mesmo em meio aos diversos momentos

em que eu mesmo não acreditei. Obrigado, principalmente, por ter se preocupado e

buscado preservar nossa relação. Por ter agido, em alguns momentos, como a

psicoterapeuta incrível que você é. Você foi indispensável para que isso tudo se tornasse

realidade, e sempre me faltarão palavras para lhe agradecer por isso.

v
Temos de aceitar a possibilidade de que a
verdadeira energia radiante do homem não
se esconde, não reside e não espera por nós
nem na esfera feminina e nem na esfera do
“macho Jhon Wayne”, e sim no campo
magnético do masculino profundo.

Robert Bly, 1990

vi
SUMÁRIO

RESUMO ...................................................................................................................................... 1
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 2
2. MÉTODO.................................................................................................................................. 8
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................ 11
4. CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 25
5. REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 27

vii
RESUMO
Dentro de nossa sociedade, marcada por uma estrutura machista e patriarcal, a
masculinidade surge como um ideal que valoriza atributos como vigor, força,
dominação, invulnerabilidade e potência sexual. Esta última - a potência sexual - passa
a ser então parte estruturante da concepção de masculinidade. Porém, nos casos em que
disfunções sexuais se fazem presentes, impedindo ou dificultando os homens – de forma
permanente ou temporária – de manter relações sexuais, de que forma isso se relaciona
com a compreensão de masculinidade que essas pessoas possuem? Buscando explorar
essa lacuna, o presente trabalho objetivou realizar uma revisão de literatura sobre
masculinidade e dificuldades sexuais masculinas. Para esta pesquisa, foram acessadas
três bases de dados (Scielo, Pepsic e Banco de Teses da Capes), com o termo
‘masculinidade’ sendo definido como a única palavra-chave. Na leitura dos resumos
(Scielo e Pepsic) e dos títulos (Banco de Teses da Capes), buscou-se encontrar a relação
entre masculinidade e 1) disfunções sexuais masculinas; ou 2) satisfação sexual
masculina; ou 3) algum tipo de dificuldade sexual masculina. Foram selecionados 9
estudos que atendiam a esses critérios de seleção e que dispunham de acesso ao texto
completo. Após a análise, verificou-se que a disfunção erétil foi a dificuldade mais
citada pelos artigos, tendo sido uma queixa frequente em estudos envolvendo homens
idosos e em casos clínicos. Sensações de stress, frustração e ansiedade tendem a ser
comuns em casos com este tipo de dificuldade, havendo indícios de homens que
cometeram suicídio após a perda da função erétil. Os dados discutidos permitem
ressaltar a importância da área da Psicologia para refletir e intervir sobre tais demandas.

1
1. INTRODUÇÃO
Falar sobre sexualidade humana é, reconhecidamente, um tabu. Diversas

mulheres e homens enfrentam questões ao redor do mundo sobre dificuldades relativas

ao sexo e ao modo como compreendem sua sexualidade. Há, hoje, inúmeras concepções

a respeito de como a sexualidade deve ser vivida e expressada. Tais concepções podem

ser influenciadas, por exemplo, pela cultura, pelas religiões, pelo discurso médico e

científico e/ou pela própria família ou comunidade em que se vive. No entanto, muitas

dessas concepções podem gerar sofrimento nas pessoas, quando estas não conseguem

viver ou expressar sua sexualidade de acordo com o que se é esperado.

Nos últimos tempos, a partir de discursos feministas e debates de gênero no

Brasil, passou-se a falar, estudar e discutir mais abertamente sobre sexualidade feminina

– uma temática que, até então, carecia de maior visibilidade. Segundo Louro (2008), a

partir dos anos de 1960, diversas categorias minoritárias – tanto no espectro sexual

quanto étnico, como mulheres, negros, jovens e estudantes – passaram a promover

questionamentos, expressar seu inconformismo e a derrubar fórmulas já existentes, a

partir da construção de novas linguagens e práticas culturais. Desenvolveu-se “uma luta

que, mesmo com distintas caras e expressões, poderia ser sintetizada como a luta pelo

direito de falar por si e de falar de si” (Louro, 2008, p. 20). A partir do processo de

desenvolvimento dessas ideias, conceitos e práticas, começou-se a observar a criação de

espaços onde mulheres pudessem falar sobre suas questões, suas dificuldades, suas

expectativas e suas experiências. O mesmo, porém, não se percebe acontecendo com

relação aos homens. Em diversas situações, é percebido que os homens, em geral,

expressam menos sobre seus sentimentos e dificuldades, sendo que desde a infância “o

pequeno homem deve aprender a aceitar o sofrimento – sem dizer uma palavra e sem

‘amaldiçoar’ – para integrar o círculo restrito dos homens” (Lang, 2011, p. 463). E,

2
quando se trata sobre sua sexualidade e as dificuldades que podem acompanhar esse

aspecto da vida, os homens tendem a se fechar ainda mais.

A sexualidade é um aspecto amplo da experiência humana, que agrega diversos

fatores e se expressa de diferentes formas, sendo construída pela interação de diferentes

variáveis. Ela pode ser definida como

uma dimensão humana intimamente ligada às necessidades de prazer,


intimidade, reprodução, afetividade, amor, autorrealização,
autoestima, autoimagem, entre outras. Se expressa e pode ser vivida
em pensamentos, relacionamentos, atitudes e crenças, consolidando-se
através da interação de diversos fatores, sobretudo os biológicos,
psicológicos, sociais, econômicos, culturais, religiosos e históricos.
(Souza, Marcon, Bueno, Carreira & Baldissera, 2015, p. 937).

Devido a sua amplitude de aspectos, a sexualidade possui traços muito

particulares na vida de cada ser humano, ligadas ao modo como definições, ideias e

representações sociais se associam a história de vida pessoal de cada um. Essas

representações sociais, para além de definirem papéis – o que é ser homem e ser mulher

– impactam sobre como cada indivíduo consegue se perceber, se adequar ou se repensar

enquanto pertencente – ou não – a essas categorias.

A compreensão que cada indivíduo tem sobre ser homem está ligada a noção de

masculinidade, que se refere “aos papéis culturais e politicamente dominantes em

determinado momento histórico, sendo norma e ideal de homem a ser seguido. ”

(Minayo, Meneghel & Cavalcante, 2012, p. 2666). Deste modo, a masculinidade é

utilizada “como estrutura para a formação da identidade, ditando conceitos a serem

seguidos para que [os homens] sejam reconhecidos como ‘machos’ e não serem

questionados por aqueles que possuem a mesma crença” (Souza, Silva & Pinheiro,

2011, p. 152). Ser homem passa a ser, então, um constante exercício de negação – muito

mais que de afirmação - pois busca-se se afastar de atributos e características

consideradas femininas, em prol de uma imagem de homem ideal que foi construída ao

3
longo da vida (Souza et al., 2011). Dentro desse contexto, identificar-se com a figura de

homem ativo sexualmente, viril, potente e dominante torna-se uma questão central para

a sexualidade masculina. Essas ideias vão ao encontro ao estudo de Minayo, Meneghel

& Cavalcante (2012), segundo o qual os homens, na expressão de sua sexualidade,

buscam preservar as características de força e dominação através da penetração e da

vergonha de ser penetrado. A capacidade eretiva e viril é tão importante para a

identidade masculina que se situa, inclusive, na base da compreensão sobre

masculinidade. Segundo o dicionário virtual Michaelis (2018), o termo virilidade pode

ser definido como “1. Qualidade ou característica de viril. 2. A idade em que o homem

apresenta maior energia, entre a adolescência e a maturidade. 3. Capacidade do homem

de procriar. 4. Conjunto de traços típicos do homem; masculinidade”.

Desta forma, é possível perceber uma relação estabelecida, à priori, entre ser

homem e estar disponível – de formas específicas – para a atividade sexual: pela ereção

e pela penetração. A ‘potência sexual’ acaba sendo uma das características estruturais

daquilo que se define como masculinidade, algo que ajuda a compreender a dimensão

do sofrimento psicológico existente em homens quando há dificuldade para iniciar ou

manter relações sexuais.

Sendo a sexualidade e o comportamento sexual algo complexo e que relaciona

diversos aspectos da vida de uma pessoa ao longo da vida, ela torna-se, também, um

campo possível de geração de sofrimento. Segundo a 5ª edição do Manual Diagnóstico e

Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-V, elaborado pela American Psychiatric

Association (APA, 2013), as disfunções sexuais se constituem como “um grupo

heterogêneo de transtornos que, em geral, se caracterizam por uma perturbação

clinicamente significativa na capacidade de uma pessoa responder sexualmente ou de

experimentar prazer sexual. ” (p.423). Das nove categorias elencadas pelo DSM-V

4
como específicas para disfunções sexuais, 3 são exclusivamente femininas e 4

exclusivamente masculinas, sendo essas últimas: Ejaculação Retardada (F52.32),

Transtorno do Desejo Sexual Masculino Hipoativo (F52.0), Transtorno Erétil (F52.21) e

Ejaculação Prematura (F52.4).

De acordo com o Manual (APA, 2013), a prevalência da Ejaculação Retardada

nos homens não é clara. Cerca de 75% dos homens relatam sempre ejacular durante a

atividade sexual, e menos de 1% se queixa de problemas persistentes para conseguir

ejacular. O Transtorno do Desejo Sexual Masculino Hipoativo, segundo a descrição do

DSM-V (APA, 2013), tem prevalência variável conforme os países e métodos de

avaliação. Aproximadamente 6% dos homens entre 18 e 24 anos e 41% dos homens

entre 66 e 74 anos relatam problemas com o desejo sexual. Essa taxa de prevalência

diminui quando o tempo de duração do transtorno é considerado: apenas 1,8% dos

homens entre 16 e 44 anos relatam a experiência de falta de interesse pelo sexo pelo

período igual ou superior a 6 meses. Em relação ao Transtorno Erétil, o Manual (APA,

2013) aponta que, tanto a prevalência quando a incidência dos casos, aumentam após os

50 anos de idade. Nos homens na faixa de 40 a 80 anos, de 13% a 21% se queixam de

problemas relacionados a dificuldade de iniciar ou manter a ereção de forma ocasional.

De acordo com os dados da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), descritos no

trabalho de Carrara, Russo e Faro (2009, p. 664), “cerca de 50% dos homens adultos,

acima dos 40 anos, teria ‘algum tipo de queixa relacionada à função erétil’”. Para

homens abaixo dos 40 anos, segundo o DSM-V (APA, 2013) são em torno de 2% os

que se queixam de problemas recorrentes com a ereção, enquanto para homens acima

dos 60 anos essa porcentagem sobe para a faixa de 40% a 50%. Sobre a primeira

experiência sexual, 20% dos homens receiam ter problemas relativos a ereção, sendo

que 8% relatou ter vivenciado problemas eréteis que impediram a penetração. Conforme

5
o Manual (APA, 2013), a prevalência da Ejaculação Prematura (ou, Precoce), depende

da definição adotada. Em termos internacionais, 20% a 30% dos homens de 18 a 70

anos relatam preocupação com a rapidez da ejaculação. Com a definição vigente

(quando a ejaculação ocorre aproximadamente 1 minuto após a penetração vaginal), a

quinta edição do DSM (APA, 2013) aponta que apenas de 1 a 3% dos homens seriam

diagnosticados com o transtorno. A diferença apontada pelo DSM (APA, 2013) entre as

porcentagens de homens que efetivamente possuem diagnóstico para o transtorno e dos

que relatam preocupação com a ocorrência da ejaculação prematura, parece indicar,

também, o quanto a velocidade da ejaculação surge como uma fonte de sofrimento para

uma parcela significativa dos homens.

Todas essas 4 categorias, segundo o DSM-V (APA, 2013), apontam, porém, que

fatores relacionados a aspectos psicológicos podem influenciar na ocorrência episódica

ou constante dessas disfunções. Com relação à Ejaculação Retardada, há indicativos que

situações vívidas no(s) relacionamento(s) podem interferir na demora para ejacular –

tais como homens que conseguem ejacular com parceiros de um sexo, mas não de outro;

ou homens que conseguem ejacular com um parceiro, mas não com outro do mesmo

sexo. Sobre o Transtorno do Desejo Sexual Masculino Hipoativo, sintomas relacionados

a humor e ansiedade indicam ser precedentes ao baixo desejo sexual em homens. Outros

fatores que podem estar relacionados são os sentimentos do homem em relação a si

mesmo, a percepção do desejo sexual de sua parceira em relação a si e a sensação de

estar conectado emocionalmente. O Transtorno Erétil aponta manter relação com

expectativas excessivas e com eventos estressantes. Em homens abaixo dos 40 anos, a

sugestão inicial é de que a etiologia do transtorno seja de cunho psicológico. A

Ejaculação Precoce pode ser mais frequente em homens com transtorno de ansiedade,

especialmente ligado ao transtorno de fobia social. Também aponta estar associado a

6
autoestima diminuída, sensação de falta de controle e consequências adversas para o

relacionamento – podendo causar sofrimento pessoal e satisfação sexual diminuída na

parceira.

Segundo o DSM-V (APA, 2013), o diagnóstico de disfunção sexual apenas deve

ser aplicado quando a etiologia da doença não for melhor explicada por outras razões,

tais como: transtorno mental não sexual; consequência de uma perturbação grave de

relacionamento ou de outros estressores importantes; efeito de alguma

substância/medicamento ou a outra condição médica. Este critério para realizar o

diagnóstico de disfunção sexual indica que o número de homens que sofrem com

dificuldades sexuais pode ser ainda maior, pois a prevalência descrita no Manual não

contabiliza as dificuldades sexuais enfrentadas por homens diagnosticados com outros

transtornos.

Conforme demonstram as estatísticas presentes no DSM-V, há um número

significativo de homens que relatam sofrer com questões relacionadas à atividade sexual

– e também é possível supor que, devido à dificuldade que os homens, em geral,

apresentam em falar sobre isso, esses números aumentem ainda mais.

Com isso, mostra-se a importância social em se falar sobre esse tema. Em

paralelo, encontra-se pouquíssimo referencial teórico no Brasil, sobretudo na área da

Psicologia, que relacione masculinidade com dificuldades no campo da sexualidade

masculina, o que demonstra a importância dessa revisão de literatura como forma de

levantamento sobre quais as publicações realizadas nos últimos anos que envolvam

esses assuntos. Desse modo, o presente trabalho visou compreender a relação entre

masculinidade e dificuldades sexuais masculinas, por meio de uma revisão bibliográfica

realizada em bases de dados nacionais.

7
2. MÉTODO
O presente trabalho constitui uma revisão de literatura. Desta forma, as

sequências dos procedimentos adotados para realizar esta revisão estão descritas abaixo.

Como palavra-chave para as buscas, foi decidido usar o termo masculinidade.

Essa decisão se deu em razão do foco da pesquisa ser avaliar de que forma trabalhos que

contemplam as disfunções sexuais e/ou problemas relacionados a sexualidade e

satisfação sexual masculina relacionam tais temáticas com as ideias e acúmulos

conceituais existente a respeito da masculinidade.

A busca foi realizada nas seguintes bases de dados: Scielo, Pepsic e Banco de

Teses da Capes (BTC). Para a definição dessas bases, foi consultado o site BVS-Psi, no

qual foi realizada uma busca em artigos nacionais utilizando a palavra-chave definida.

Este site indica o número de artigos encontrados em cada base de dados, o que permitiu

a escolha das três bases utilizadas neste trabalho.

Para cada base de dados, adotou-se uma estratégica de busca, conforme os

critérios de seleção e inclusão descritos na Tabela 1.

Tabela 1. Critérios de seleção e inclusão utilizados para cada base de dados

Base de Dados Critérios de Inclusão


utilizada
- Análise dos resumos dos artigos, verificando se havia: 1) relação
Scielo entre masculinidade e disfunções sexuais masculinas; ou 2) relação
Pepsic entre masculinidade e satisfação sexual masculina; ou 3) relação
entre masculinidade e algum tipo de dificuldade sexual masculina.
- Acesso ao texto completo.

- Análise do título dos artigos, verificando se havia: 1) relação entre


masculinidade e disfunções sexuais masculinas; ou 2) relação entre
BTC masculinidade e satisfação sexual masculina; ou 3) relação entre
masculinidade e algum tipo de dificuldade sexual masculina.
- Acesso ao texto completo.

8
Sobre os critérios referentes ao BTC, foi necessário fazer a primeira seleção

através do título do trabalho por esse banco de dados não oferecer consulta aos resumos

das obras.

Foram incluídos nesse estudo trabalhos acadêmicos disponíveis gratuitamente

online ou que foram obtidos junto ao (s) autor(es), através de contato via e-mail, quando

possível. Não foi estabelecido intervalo de tempo específico de publicação, a fim de

contemplar o maior número possível de trabalhos referentes ao tema publicados no

Brasil.

As buscas no BTC foram realizadas entre os dias 23 e 24 de outubro de 2018,

enquanto as buscas na Scielo e na Pepsic foram realizadas entre os dias 24 e 26 de

outubro de 2018, através das estratégias definidas previamente. Ao todo, foram

encontrados 348 trabalhos, dos quais, após a seleção pelos critérios de inclusão,

resultaram 12 trabalhos – oito artigos e 4 dissertações. Em razão da dificuldade em

encontrar os textos completos das dissertações, fosse em indexadores nacionais ou pela

dificuldade em manter contato com os autores, apenas de uma dissertação foi obtido o

trabalho completo. Dessa forma, somaram-se 9 estudos que foram avaliados nessa

revisão de literatura.

Definidos quais artigos seriam incluídos, os trabalhos foram analisados

separadamente, conforme o tipo de estudo, tendo sido realizadas análises das seguintes

informações: ano de publicação, área dos autores, metodologias aplicadas nos estudos e

principais resultados e conclusões. A extração dos dados relativos aos resultados e

conclusões dos trabalhos analisados, levou em consideração as informações e as

reflexões trazidas por esses trabalhos, naquilo que tange a relação entre dificuldades

sexuais masculinas e masculinidade.

9
SCIELO PEPSIC BTC TOTAL
235 5 108 348

Leitura Leitura
dos dos
resumos títulos

8 0 4

Acesso Acesso
ao texto ao texto
completo completo

8 0 1

Figura 1. Fluxograma da coleta e seleção dos dados

Definição da Definição das bases Leitura dos resumos


palavra-chave: de dados: Scielo, (Scielo e Pepsic) e
Masculinidade Pepsic e Banco de dos títulos dos
Teses da Capes artigos (BTC),
(BTC) utilizando os
critérios de inclusão

Leitura integral Extração e análise Discussão dos


dos textos dos dados relevantes resultados com a
selecionados dos artigos literatura
encontrados

Figura 2. Etapas do desenvolvimento do trabalho

10
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As nove pesquisas selecionadas e que foram avaliadas no presente trabalho estão

listadas abaixo, orientadas por ano de publicação. Nesta tabela, estão descritos os dados

gerais referentes às pesquisas analisadas.

Tabela 2. Informações gerais sobre os artigos selecionados


Código Ano Título Autor(es) Área(s) do(s) Revista
Autor(es)
Identidade Masculina e Oswaldo
A1 1996/2008 Sexual: Um trajeto de Martins Psicologia Editora 24x7
1
superação de disfunção Rodrigues Social
eretiva Junior
Maria Virginia
O “sujeito-sintoma” Filomena Psicologia,
A2 2001 impotente na disfunção Cremasco Psiquiatria e Ágora
sexual Grassi; Mário Psicanálise
Eduardo Costa
Pereira
A reinvenção da Luiz Carlos Revista do
A3 2007 sexualidade masculina Avelino da Psicologia Departamento
na paraplegia Silva; Paulo de Psicologia –
adquirida Albertini UFF
A política de atenção à
saúde do homem no Sérgio Carrara; Antropologia e Physis -
A4 2009 Brasil: os paradoxos Jane A. Russo; Medicina Revista de
da medicalização do Livi Faro Social Saúde Coletiva
corpo masculino
O corpo envelhecido Maria das Reben –
na percepção de Graças Melo Enfermagem; Revista
A5 2010 homens idosos Fernandes; Sociologia Brasileira de
Loreley Gomes Enfermagem
Garcia
Questões de Thiago Félix Interface –
sexualidade masculina Pinheiro; Medicina e Comunicação,
A6 2011 na atenção primária à Márcia Thereza Psicologia Saúde,
saúde: gênero e Couto; Geórgia Educação
medicalização Sibele Nogueira
da Silva
(continua)

1 Trata-se de um trabalho de dissertação de mestrado elaborado em 1996 e publicado como livro em


2008.

11
(continuação Tabela 2)
Viviane Xavier
Satisfação sexual entre de Lima e Silva; Psicologia, Saúde Soc. São
A7 2012 homens idosos Ana Paula de Medicina e Paulo
usuários da atenção Oliveira Economia
primária Marques; Jorge
Lyra; Benedito
Medrado;
Márcia Carréra
Campos Leal;
Maria Cristina
Falcão Raposo.
Maria Cecília
de Souza
Minayo; Stela
A8 2012 Suicídio de homens Saúde Ciência &
Nazareth
idosos no Brasil Coletiva e Saúde Coletiva
Meneghel; Psicologia
Fátima Social
Gonçalves
Cavalcanti.

Homem com “H”: Livi Faro;


A9 2013 Ideais de Fabíola Rohden; Medicina Cadernos Pagu
masculinidade Jane Russo Social
(re)construídos no
marketing
farmacêutico

Dos trabalhos selecionados, o item A1 foi o único em que o texto completo foi

obtido via e-mail diretamente com o autor do livro, pois não estava disponível no Banco

de Teses da Capes.

A maioria dos trabalhos encontrados são estudos envolvendo pesquisadores de

diversas áreas, indicando equipes interdisciplinares, o que contribui para mostrar o

quanto as temáticas da masculinidade e da sexualidade masculina – bem como os

problemas e dificuldades que possam existir referente a sua expressão – são do interesse

de áreas distintas e podem ser exploradas por diferentes áreas de pesquisa e atuação.

Das 9 publicações analisadas, a Psicologia e a Psicanálise aparecem envolvidas em 6

desses estudos. Ainda que o campo da Psicologia esteja envolvido em mais da metade

das publicações encontradas, o número total de estudos selecionados também se destaca

pela baixa publicação brasileira da área relacionando essas temáticas.

12
Chama a atenção, também, o intervalo de tempo existente entre elas. Nos

últimos 5 anos, por exemplo, através da busca realizada nas referidas bases de dados

com a palavra-chave definida, não foram encontradas outras publicações que

relacionassem masculinidade com dificuldades ou disfunções sexuais masculinas.

Do total de trabalhos avaliados, cinco (três estudos de caso, uma pesquisa

envolvendo entrevistas e uma análise sobre medicamentos para disfunção erétil) traziam

a discussão sobre esses eventos em homens mais jovens - sendo que um dos estudos de

caso fazia referência a uma condição específica, o da paraplegia adquirida. Dos nove

trabalhos avaliados, três faziam referência ou tinham o foco nas dificuldades sexuais

masculinas após os 60 anos. Desta forma, 44, 4% das pesquisas incluídas na revisão se

centravam em homens idosos ou em condições físicas que predispunham problemas

relativos a função sexual. Isso pode indicar que a comunidade científica tem se

concentrado em debater e investigar o assunto quando se trata de situações nas quais se

pressupõe maior vulnerabilidade do homem, ou seja, no seu processo de

envelhecimento e na condição de paraplegia. Como Carrara et al. (2009, p.661)

destacam, ainda há grande dificuldade para se implantar estudos sobre o homem “como

sujeito generificado e não como um representante universal da espécie humana”,

indicando a necessidade de mais estudos sobre esta temática com homens jovens.

Com relação ao tipo de pesquisa desenvolvida, os trabalhos selecionados

tiveram a seguinte distribuição:

13
Gráfico 1. Número de estudos classificados em cada tipo de pesquisa

As Tabelas 3, 4 e 5 trazem a síntese dos métodos empregados nos estudos

selecionados e os principais resultados e conclusões descritos em cada trabalho.

Tabela 3. Trabalhos Teóricos


Código Metodologia Resultados e Conclusões
Objetivo: Discutir sobre a - O Brasil foi o segundo país da América a implantar
formulação e implantação do um programa, por meio de políticas públicas, com
"Programa de Saúde do foco na saúde do homem, e isso foi feito 25 anos após
Homem", considerando tanto
a implantação de um programa de atenção à saúde da
as ações e interesses da
Sociedade Brasileira de mulher.
Urologia, como também as - A Sociedade Brasileira de Urologia exerceu pressão
diretrizes do documento junto a setores do governo para o lançamento de uma
"Política Nacional de política voltada à saúde do homem, aproximação esta
Atenção Integral à Saúde do que foi analisada como bem-sucedida.
A4 Homem". - Discute-se que o processo de construção de novas
políticas públicas de atenção à saúde do homem
perpassa a ideia de masculinidade e potência. E assim,
analisa-se que campanhas realizadas pela Sociedade
Brasileira de Urologia, paradoxalmente centram-se
em valores que supostamente pretendiam combater,
como, por exemplo, atrair os homens aos cuidados de
saúde utilizando valores de potência masculina e
invulnerabilidade, quando o debate das novas
políticas é justamente de se afastar destes valores,
para que o homem possa se perceber como vulnerável
a doenças e assim possa procurar tratamentos.

14
Ao destacar os valores sob os quais a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU)
buscou pautar suas campanhas, o artigo A4 aponta a incoerência de se alicerçar os
cuidados com a saúde em pressupostos como a potência masculina e a
invulnerabilidade. Porém, conforme afirma Souza, Silva e Pinheiro (2011), o exercício
da negação dos atributos e características consideradas femininas é uma das principais
formas de se reafirmar a masculinidade. Desse modo, aproximar o homem da
vulnerabilidade – como é o desejo das políticas públicas mencionadas em A4 - pode ser
considerado, também, aproximar-se de características que se busca rejeitar. Ao tentar
atrair mais homens para as campanhas de saúde pública e ajuda-los a enxergar sentido
no cuidado consigo próprio, a SBU – conforme a discussão do artigo A4 – investe na
própria lógica que está no cerne do problema.

Tabela 4. Estudos de Caso


Código Metodologia Resultados e Conclusões

Amostra: 1 homem com - Em suas conclusões, o trabalho traz diversos


quadro de disfunção erétil, exemplos ligados à vida do paciente em questão que
identificado como JC. demonstram o quanto o “ser masculino” apresenta
Método: Gravação das uma demanda de afirmar-se constantemente –
sessões de psicoterapia com inclusive no âmbito sexual.
autorização do cliente; - No que tange o trabalho psicoterapêutico feito com
análise do material obtido JC, em relação a sua dificuldade de ereção, o autor
através da óptica ciâmpica apresenta que, por meio do processo terapêutico, o
da identidade metamorfose; paciente passou a conseguir olhar para o “papel
Objetivo: Relacionar as masculino” de outra forma, sentindo-se mais
A1
ideias de identidade autocentrado e deixando de sentir a necessidade de
masculina e identidade uma confirmação externa de sua identidade em suas
sexual por meio do relato da relações interpessoais. Nas palavras do autor, JC
trajetória de um cliente com passa a ser “autor dos papéis que representa”
disfunção erétil no (Rodrigues, O., 2008, p.99).
tratamento de sua - A questão da sexualidade aparece intimamente
dificuldade ao longo de 51 ligada com a questão da identidade. O processo
sessões de psicoterapia. terapêutico de JC não se encerra na questão da
sexualidade, mas amplia-se para uma possibilidade de
pensar um novo projeto de vida, que congregue com o
papel com o qual ele se sinta mais confortável e
interessado em desempenhar.
(continua)

15
(continuação Tabela 4)
Amostra: 1 homem com - O estudo discute que a maior parte dos casos de
quadro de disfunção erétil, disfunção erétil, principalmente quando ocorridas com
identificado como Benedito. homens jovens, possui como principal causa primária
Método: Pesquisa clínica. conflitos intrapsíquicos.
Objetivo: Estudo da questão - Há casos em que, mesmo quando há a recuperação
psicopatológica subjacente mecânica da potência erétil, a dificuldade para obter
ao sintoma da disfunção ou manter a ereção permanece. Segundo o estudo, isso
A2 erétil. mantém relação com uma questão intrapsíquica mais
profunda, uma ferida identitária – o ‘ser homem’.
- A crença na fantasia de que não poderá ter ou
manter a ereção dá força a outra fantasia do paciente
estudado: a que não poderá “fazer uma mulher feliz” e
ter uma família com filhos.
- A disfunção erétil parece ligada a um quadro maior:
a insegurança perante o feminino.

Amostra: 1 homem com - Ruptura com a experiência da própria masculinidade


paraplegia adquirida, após a lesão medular;
identificado como Juca. - Foram percebidas mudanças no modo de pensar e
Método: 3 entrevistas perceber a masculinidade, por parte do entrevistado,
semiestruturadas com após a paraplegia adquirida: conflito com a nova
participante do sexo situação e posterior aceitação e ressignificação das
A3 masculino, portador de ideias de masculinidade e virilidade;
paraplegia adquirida. - A primeira ejaculação após a lesão foi percebida,
Objetivo: Investigar a pelo entrevistado, como uma restauração de sua
sexualidade masculina na masculinidade. A virilidade é assegurada pela
paraplegia adquirida de lesão presença da ereção e pela possibilidade de penetração
medular. e da ejaculação;
- Experiência da ejaculação como uma constatação,
não como sensação: tato e visão certificam a
ocorrência;

Enquanto Souza et al. (2011) trazem uma compreensão de que, no campo da

masculinidade, os homens passam a maior parte do tempo negando aquilo que seria

feminino, o artigo A1 verifica que, no estudo de caso realizado, o paciente estudado

possuía uma necessidade permanente de afirmar-se como homem, o que incluía também

suas experiências e intercursos sexuais. Estas aparentes discordâncias podem ser

compreendidas como duas dimensões de um mesmo fenômeno: enquanto nega-se o

feminino, busca-se ser aceito e provar-se, a todo momento, masculino.

16
Os três estudos de caso (A1, A2 e A3) apontam para uma quebra com a ideia e

vivência da masculinidade padrão, quando os pacientes analisados começam a perceber

dificuldades diante da tentativa de terem ou manterem a ereção e passam a se enxergar

distoantes daquilo que conhecem e entendem como sendo típico e esperado dos homens.

Tanto em A1 quanto em A3, destaca-se a forma como os participantes das pesquisas,

cada um à sua maneira, precisaram repensar a noção de homem e masculinidade que

possuíam para que, posteriormente, conseguissem sentir-se mais confortáveis consigo

mesmos e novamente pertencentes a categoria de “homens”. As ideias de Cavalcanti e

Lopes (2005) de que todo adoecimento físico traz consigo algum acometimento

psíquico, também corroboram com o apontado pelo artigo A2, no qual - mesmo após a

recuperação mecânica da função erétil do pênis - o paciente ainda lidava com

dificuldades para iniciar e manter a ereção, denotando fatores psicológicos importantes

para esse quadro.

A dificuldade para iniciar ou manter a ereção apareceu, nos três casos estudados,

como a principal dificuldade e causa de sofrimentos para os homens participantes desses

estudos. Segundo Ribeiro e Santos (2005) as disfunções sexuais - e, especialmente, a

disfunção erétil - podem afetar de maneira significativa a autoimagem masculina,

ocasionando a perda da confiança e servindo como fonte para quadros de stress e

depressão, prejudicando a qualidade de vida.

17
Tabela 5. Trabalho Empíricos
Código Método Resultados e Conclusões
Amostra: 12 homens idosos - Sensação de “ameaça à sexualidade” por não
(acima dos 60 anos); conseguir responder sexualmente frente ao desejo da
Método: Entrevistas parceira, o que impulsiona a procura por auxílio
semiestruturadas, gravadas e médico;
analisadas conforme a - A falta de compreensão, por parte de alguns idosos,
análise do discurso proposta acerca das mudanças fisiológicas que ocorrem durante
por Fiorin; a velhice, contribuindo para o receio de não conseguir
A5 Objetivo: Compreender a iniciar ou manter uma ereção, o que ocasiona que as
percepção acerca do corpo relações sejam evitadas, a fim de não serem
envelhecido por parte de confrontados com a frustração;
homens idosos – temática - Fatores que predispõe a arteriosclerose (como a
que engloba a experiência da hipertensão arterial, diabetes, o câncer de próstata e a
disfunção erétil. obesidade), também podem comprometer a função
erétil e impossibilitar o ato sexual;
- Outros fatores que podem levar a uma disfunção
erétil, constituem a qualidade do relacionamento com
a companheira; a excessiva preocupação em satisfaze-
la; o grau de privacidade existente para as
experiências sexuais; a perda da atração; a ansiedade;
estímulos eróticos negativos; o status social, dentre
outros. Condições estas comumente presentes na
vivencia da sexualidade de pessoas idosas.
Amostra: 57 participantes, - As questões que surgiram com os participantes da
entre 16 e 60 anos, de duas pesquisa foram divididas nas categorias “problemas
unidades de saúde de Natal- com IST’s”, “prevenção ao câncer de próstata” e
RN (29 usuários da unidade “problemas relativos a ereção”;
A e 28 da unidade B); - Com relação a dificuldade de ereção, essas questões
Método: análise de diários surgiram sob a denominação de ‘disfunção sexual’ e
de campo produzidos em ‘impotência sexual’, assim como por meio de
A6 pesquisas etnográficas e referências explícitas ou implícitas, por meio de
depoimentos colhidos em descrições ou metáforas, referentes a dificuldade ou
entrevistas com homens impossibilidade de se ter ereção;
usuários das unidades de - Essa dificuldade foi largamente citada pelos
saúde. Foram investigados participantes da pesquisa;
aspectos relativos a - Sendo a ‘potência sexual’ e a penetração símbolos
sexualidade masculina da virilidade, a ‘impotência’ representa um
enquanto questões levadas às contraponto a isso. Como essa dificuldade surgiu,
UBS’s. O procedimento de predominante, nos participantes acima dos 45 anos,
análise de dados foi essa condição também assume o sentido de
qualitativo. deterioração do organismo;
Objetivo: Compreender - Com diversos sentidos e significados coexistindo, os
como a sexualidade problemas relativos à ereção encontram uma
masculina é abordada nos resistência maior que a habitual de serem levados aos
centros de atenção primária a serviços de saúde pública. Quando não permanecem
saúde na cidade de Natal – em silêncio, alguns homens procuram encontrar
RN. formas de lidar que desviem dos serviços de saúde e,
de modo especial, de profissionais mulheres;
(continua)

18
(continuação Tabela 5)

- Foi observado que, quando surgiam como queixa ou


tema no contexto dos atendimentos essas demandas,
em geral, eram tratadas, nos atendimentos, de forma
abreviada e superficial;
- A falta de adesão ou ausência de questionamentos
com relação ao tratamento indicado para essas
A6 dificuldades, por parte de alguns usuários,
possivelmente mantém ligação com uma provável
resistência com relação a medicalização;
- A sexualidade, considerando os parâmetros da
biomedicina, tende a ser abordada como função
sexual, sendo a ereção seu dado mais concreto. Desse
modo, ela acaba por ser um resumo do que seria a
funcionalidade sexual do homem.
- Uma abordagem que reduza a saúde sexual do
homem ao funcionamento erétil do pênis, se isenta de
problematizar a ereção como sendo a única condição
possível para o exercício da sexualidade masculina,
em detrimento de outras expressões e práticas.

Amostra: 245, homens entre - 73% dos participantes consideraram estar


60 e 95 anos; sexualmente ativos nos 12 meses que antecederam as
Método: Uso de entrevistas;
questionário - A frequência da atividade sexual foi maior entre
semiestruturado, anônimo e idosos até 70 anos e que possuíam uma companheira;
com questões pré-testadas, - 18,1% julgaram-se insatisfeitos com sua vida sexual,
por meio de visitas 32,7% indiferentes e 49,1% satisfeitos;
A7 domiciliares a idosos - Em idosos com idade maior a 70 anos, a queixa de
residentes no local da área de insatisfação com a vida sexual chegou a ser 1,7 vezes
estudo (uma unidade básica maior do que em idosos mais jovens;
de saúde PSF em Recife), - Dentre as opções que poderiam ajudar a melhorar a
com os participantes tendo satisfação sexual, os participantes apontam: melhoria
sido selecionados de forma na própria sáude (73,5%), melhoria na situação
randômica. As entrevistas financeira (56,7%), melhoria na saúde da parceira
foram realizadas por (53,9%) e mais atitudes positivas da família ou
entrevistadores do sexo sociedade (51,4%);
masculino. - Com relação a frequência sexual, idosos com menos
Objetivo: Investigar a de uma relação por mês aparecem com cerca de 18,5
satisfação sexual entre vezes mais chances de estarem sexualmente
homens idosos usuários do insatisfeitos, quando comparados aos com mais de
Programa de Saúde da
duas relações sexuais por mês.
Família, em Recife-PE.
(continua)

19
(continuação Tabela 5)

Amostra: 40 casos de - No processo de socialização do homem, perante uma


homens idosos que sociedade machista, é obrigatório o exercício de uma
morreram por autoviolência, sexualidade ativa que, se reprimida ou inexistente,
em um intervalo de 2 a 5 põe em risco a virilidade. Ao homem é permitida a
anos na época da pesquisa; realização de práticas sexuais com várias parceiras, e
Metodologia: estudo dele se espera a habilidade de manter relações devido
qualitativo realizado por a boa função do órgão sexual. A incapacidade de
A8 meio de autópsia cumprir com essa função e manter relações sexuais
psicossocial com familiares torna-se uma ameaça a identidade masculina,
de idosos homens que mobilizando intensos sentimentos de agressão contra
faleceram por suicídio. si ou contra o outro;
Objetivo: Problematizar o - O estudo aponta, através do relato dos familiares,
padrão de masculinidade falas de homens idosos que cometeram suicídio
socialmente dominante como indicando que “não seriam mais homens” por conta de
fator de vulnerabilidade para estarem sexualmente impotentes;
o suicídio de homens idosos.
A finalidade é aprofundar a
relação entre o desempenho
da masculinidade,
principalmente, quando há
dificuldade para exercê-la
por velhice, doenças ou
perdas econômicas.

Amostra: 4 propagandas de - Folder do medicamento “Viagra” (Pfizer):


medicamentos voltados para produto já consolidado no mercado. Foco da
propaganda em divulgar a “rigidez” e ter sido o
o tratamento do transtorno
primeiro medicamento desenvolvido para transtorno
erétil. erétil. Utilização de frases com duplo sentido, como
Método: Leitura e análise “Viagra® sildenafila citrato. Uma sólida relação com
dos materiais de divulgação a rigidez”. A cor da pílula, azul, faz referência a uma
A9 encontrados. tonalidade considerada predominantemente
Objetivo: Analisar o masculina, trazendo também referências a ser possível
discurso do marketing ficar “tudo azul” após o seu uso. Os folders de
divulgação do medicamento traziam a palavra
farmacêutico a partir de
“rigidez” destacada na capa, com as frases “Rigidez é
materiais publicitários de o objetivo”, “Rigidez é a diferença” e “Rigidez
drogas para tratamento de mantém equilíbrio nas relações”.
disfunção erétil.
- Folder do medicamento Cialis (Eli Lilly do
Brasil): Produto, na época, em estágio de difusão.
Utiliza elementos que destacam a “liberdade” que
seria possível obter com o medicamento e o sinal de
“+”, indicando muito mais horas de efeito sobre a
libido. Em contraste com a propagando do Viagra,
que destacava a rigidez, o Cialis buscava explorar a
fluidez e a não necessidade de se programar para o ato
sexual.

(continua)

20
(continuação Tabela 5)
- Folder do medicamento Levitra (BSP): Ênfase da
propaganda na ideia de “modernidade” e de ser um
“novo parâmetro de eficiência” para o transtorno
erétil. Aposta na ideia de prolongar a relação sexual,
através de gráficos que indicam quanto tempo de
duração seria o ‘desejável’. Em seu material, eram
apresentados os resultados de uma pesquisa que
A9 indicava que 93% dos homens se preocupavam tanto
com a rigidez da ereção quanto com a duração da
mesma. Foco em contemplar, também, homens que
sofressem com a ejaculação precoce.

- Folder do medicamento Helleva (Cristália): foco


da propaganda em investir no senso de masculinidade
do homem brasileiro (“Hora de mostrar o H
maiúsculo que está no princípio de todo Homem
brasileiro”). Slogan explicitava ser o primeiro produto
sintético do gênero. Uso recorrente do termo “H
maiúsculo” nas páginas do folder de divulgação,
fazendo referências ao tamanho do órgão genital e a
uma ideia de imponência. Apresentava como
‘vantagem’ sobre a concorrência o argumento de que,
se utilizado junto do consumo de álcool, tinha seu
efeito otimizado.

- Em todas as propagandas, percebe-se uma busca


pela legitimação dos produtos e da “necessidade” do
seu uso, mediante o apelo à cientificidade.

- A ideia subjacente de que determinado medicamento


seria um ‘progresso da ciência’ potencializa o aspecto
inovador a algo implicitamente ‘científico’, o que
agrega mais valor financeiro ao produto.

Dos cinco artigos empíricos analisados, A5, A6 e A8 citam a disfunção erétil

como o principal problema enfrentando pelos homens participantes das pesquisas,

enquanto A9 traz a análise de propagandas de medicações voltadas para o tratamento

dessa disfunção. A exemplo dos dados analisados referentes aos estudos de caso, a

disfunção erétil destaca-se nos trabalhos empíricos como a alteração que mais incomoda

e preocupa os homens. Essas informações corroboram com os dados descritos no DSM-

V (APA, 2013), no qual a disfunção erétil surge como a disfunção com maior

prevalência dentre os quatro transtornos sexuais elencados pelo manual. De acordo com

Galati, Alves Jr., Delmaschio e Horta (2014), a ejaculação precoce aparece, muitas

21
vezes, associada à disfunção erétil, em razão de, na tentativa de buscarem maior

estimulação para manter o vigor da ereção, os homens acabarem acelerando a resposta

ejaculatória. Para esses autores, a ocorrência da disfunção erétil pode levar ao

desenvolvimento da ejaculação precoce, como mal secundário.

No artigo A6 verificou-se que o tema das dificuldades relativas à ereção

apresenta uma grande resistência, por parte dos homens, em ser levada aos serviços de

saúde pública. Segundo Carrara et al. (2009, p. 664), a Sociedade Brasileira de Urologia

(SBU) aponta que “menos de 10% dos homens que sofrem de ‘algum grau de disfunção

erétil’ procurariam assistência médica, por vergonha ou medo do diagnóstico”.

Considerando o baixo incentivo concedido aos homens para falarem sobre aquilo que

possa lhes causar sofrimento (Lang, 2011) e o ideal de potência (Carrara et al., 2009;

Minayo et al., 2012) e de invulnerabilidade (Carrara et al., 2009) atreladas a concepção

de masculinidade, é possível compreender algumas das possíveis razões que torna tão

baixa a procura masculina pelos serviços de saúde – ainda mais quando demandas

relativas à sexualidade estão em questão. O mesmo trabalho (A6), também reflete sobre

a forma como a ereção pode ser considerada, dentro de uma lógica biomédica, como

única a expressão funcional da sexualidade masculina, reduzindo a ela as expressões e

práticas possíveis para vivência de uma sexualidade satisfatória. Isso vai de encontro ao

apontado por Rohden (2009) sobre o predomínio da concepção de que a experiência

sexual dos homens é limitada ao padrão anatômico-fisiológico da ereção.

Os artigos A5, A6, A7 e A8 também evidenciam questões relacionadas a como o

envelhecimento afeta, naturalmente, a disponibilidade dos homens para a relação

sexual, uma vez que a tendência é que essas práticas se tornem menos frequentes com o

avanço da idade dos homens. Isso, porém, não significa que homens idosos não

mantenham atividades e práticas sexuais. Conforme o artigo A7 indica, 73% dos

22
participantes da pesquisa responderam ter mantido relações sexuais nos 12 meses que

antecederam a entrevista, sendo que 49,1% sinalizaram estar satisfeitos sexualmente. A

mesma pesquisa aponta, entretanto, que nos idosos participantes acima dos 70 anos, a

queixa de insatisfação seria 1,7 maior, em relação aos idosos mais jovens. Isso parece

indicar que, com o avançar da idade, as dificuldades com a ereção vão aumentando a

insatisfação sexual e a falta de prazer nas relações, uma vez que “alterações na

capacidade funcional têm impacto sobre a percepção que o homem tem do prazer vivido

durante o encontro sexual” (Galati et al., 2014, p. 249).

Em se tratando do nível de sofrimento que disfunções sexuais provenientes da

senilidade podem acarretar, o artigo A8 explora, entre outros, casos de suicídio entre

homens idosos impulsionados por quadros de impotência sexual. Em conformidade com

Souza et al. (2011), que apresenta a masculinidade como um dos fatores estruturantes da

identidade, A8 indica que a inexistência da vivência da sexualidade ativa põe em risco a

virilidade, o que pode desestruturar a identidade masculina – construída a partir dos ideais

de potência, vigor e virilidade. Para alguns homens, essa carga de sofrimento pode ser tão

intensa que pode leva-los, conforme indica a pesquisa A8, a autoagressões e ao suicídio.

Dentro desse contexto, no qual a vitalidade sexual é vista como fundamental

para a estruturação da identidade masculina, diversos medicamentos foram surgindo, ao

longo do tempo, prometendo melhorar a performance sexual dos homens. Como

demonstrado nos folders de divulgação de medicamentos analisados no artigo A9, há

diferentes tipos de apelos comerciais envolvidos no marketing desses produtos,

geralmente relacionadas à ideia de rigidez, de duração da ereção e de desempenho. Este

tipo de anúncio, porém, apenas contribui para fortalecer o estereótipo do homem viril,

vendendo formas de acessar esse ideal de masculino no qual a potência sexual é a

grande representante. Esses medicamentos, enquanto “solucionam” o problema da

23
ereção, também continuam a contribuir para que o homem sofra com ainda mais

cobranças pelo desempenho sexual, tornando-se, como nomeiam Carrara, Russo e Faro

(2009), “vítima de sua própria masculinidade”.

Diante dos dados analisados até aqui, a concepção adotada pelo DSM-V para

disfunções sexuais (APA, 2013) apresenta algumas limitações que dão espaço a novos

questionamentos. Como visto nos artigos avaliados, grande parte das dificuldades

relacionadas à sexualidade masculina mantém relação com um ideal de homem que se

busca alcançar, reafirmando esse papel de modo constante e afastando-se do que possa ser

considerado feminino. Em meio a esse processo, inúmeras questões podem ser abertas e

dificultar a expressão da sexualidade masculina tal como se espera: pela ereção e para

capacidade da penetração. Seja por conta de sucessivos eventos relacionados à história de

vida e de como cada homem consegue organizar-se para lidar com essas questões (A1 e

A2), por alguma condição física adquirida ao longo da vida (A3), ou por conta do avanço da

vida e da senilidade (A5, A7 e A8), as dificuldades sexuais podem surgir e ocorrer de forma

episódica ou constante. Desta forma, é possível pensar que as disfunções sexuais

masculinas possam ter origem - e/ou serem mantidas, por curto, médio ou longo prazo - em

razão de aspectos muito mais amplos e plurais do que os definidos pelo DSM-V em seus

critérios para o diagnóstico médico desses transtornos. Como visto em Feijó (2007, citado

em Galati, et al., 2014), a expressão dificuldade sexual representa um entendimento muito

mais amplo sobre o peso que a queixa sexual pode ter na vida de um indivíduo. A totalidade

de problemas que se relacionam com o espectro da sexualidade, com frequência, vão para

além do caráter físico da disfunção, dando origem a problemas nos relacionamentos

interpessoais, profissionais e na própria saúde mental da pessoa. A partir desse contexto e

dos dados analisados, destaca-se a relevância desse tema para áreas como a psicologia, a

sexualidade masculina e para uma maior compreensão da saúde integral do homem.

24
4. CONCLUSÃO
Conforme verificado nesse estudo, o sofrimento masculino com relação a

vivência da sexualidade é bastante significativo. A forma como a ereção e a potência

sexual se entrelaçam com a identidade masculina, faz com que esses elementos sejam

dois dos pilares que sustentam o ideal de homem na sociedade contemporânea. Desta

forma, quando a ereção, a ejaculação ou o desejo não ocorrem da forma como espera-se,

há uma indústria de medicamentos voltada para a “correção” dessas dificuldades e que

promete uma satisfação muito maior e mais prolongada. Quando o sofrimento por não

conseguir desempenhar as funções sexuais de outrora ocorre, sensações e quadros de

stress, ansiedade e depressão podem ser comuns – e de tal forma que, quando

insuportáveis, podem levar a comportamentos de autoagressão e suicídio. Ainda assim,

esse é um tema ainda muito pouco explorado no Brasil, fato que se observa pelo número

reduzido de artigos selecionados e incluídos para esta revisão.

Como a maioria das pesquisas selecionadas utilizou métodos qualitativos,

utilizando entrevistas e questionários, não foi possível quantificar e compreender dados

relativos a prevalência das dificuldades sexuais vivenciadas pelos participantes.

Também não estavam disponíveis os instrumentos utilizados na coleta de dados

(questionários, escalas, perguntas, etc.), o que torna impossível a replicação das

pesquisas avaliadas em outros cenários socioculturais.

Com relação ao presente trabalho, foram limitações o uso exclusivo de bases de

dados nacionais e o emprego de apenas uma palavra-chave (masculinidade). O uso de

bases de dados internacionais poderia ter tornado a construção conceitual deste trabalho

mais rica, possibilitando a compreensão de como se manifestam as vivências e

dificuldades de homem nativos de outras culturas com relação a sua sexualidade. E a

combinação de outras palavras-chaves poderia possibilitar que outros trabalhos

25
pudessem ser analisados e explorados, contribuindo para uma compreensão mais clara e

abrangente sobre a masculinidade e sua relação com as dificuldades sexuais masculinas.

É necessário que a Psicologia, enquanto ciência e profissão, dê mais atenção aos

processos de sofrimento envolvidos na sexualidade masculina, com o uso de diferentes

propostas metodológicas, de intervenção e de atuação. Uma eventual parceria entre CFP

e SBU poderia acarretar em um contato mais próximo entre profissionais e, com isso,

fortalecer o debate nessa área. Estudos futuros que destaquem a compreensão das

diferentes questões que acometem os homens no campo da sexualidade ao longo da

vida, em diferentes faixas etárias, poderiam contribuir na compreensão desses

fenômenos ao longo dos diferentes estágios do desenvolvimento.

26
5. REFERÊNCIAS

American Psychiatric Association. (2013). Manual Diagnóstico e Estatístico de


Transtornos Mentais. Disponível em:

blogs.sapo.pt/cloud/file/b37dfc58aad8cd477904b9bb2ba8a75b/obaudoeducador/2015/D
SM%20V.pdf. Acesso em: 23 de maio de 2018.

Carrara, S., Russo, J. A., Faro, L. (2009). A política de atenção à saúde do homem no
Brasil: os paradoxos da medicalização do corpo masculino. Physis, 19(3), 659-678.

Cavalcanti, R. C., & Lopes, G. P. (2005). Tratamento psicológico da disfunção erétil:


manual prático de orientação clínica. São Paulo: Ponto.

Faro, L., Chazan, L. K., Rohden, F., Russo, J. A. (2013). Homem com “H”: Ideais de
masculinidade (re)construídos no marketing farmacêutico. Cadernos Pagu, (40),
287-321.

Feijó, M. R. (2007). Práticas sistêmicas com casais e famílias com dificuldades afetivo-
sexuais. Em A. L. M. Horta, & M. R. Feijó (Orgs.), Sexualidade na família.
Expressão e Arte, 111-124.

Fernandes, M. G. M., Garcia, L. G. (2011). O corpo envelhecido na percepção de


homens idosos. Revista Brasileira de Enfermagem, 64(3), 472-477.

Galati, M. C. R., Alves J., E. O., Delmaschio, A. C. C., Horta, A. L. M. (2014).


Sexualidade e qualidade de vida em homens com dificuldades sexuais. Psico-USF,
19(2), 243-252.

Grassi, M. V. F. C., Pereira, M. E. C. (2001). O “sujeito-sintoma” impotente na


disfunção erétil. Ágora, 4(1), 53-76.

Lang, D. W. (2001). A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia.


Estudos Feministas, 460-482.

Louro, G. L. (2008). Gênero e Sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições,


19(2), 17-23.

Michaelis. (2018). Virilidade. Disponível em: michaelis.uol.com.br/moderno-


portugues/busca/portugues-brasileiro/Virilidade/. Acesso em: 30 de novembro de
2018.

Minayo, M. C. S., Meneghel, S. N., Cavalcante, F. G. (2012). Suicídio de homens


idosos no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2665-2674.

27
Pinheiro, T. F., Couto, M. T., Silva, G. S. N. (2011). Questões de sexualidade masculina
na atenção primária à saúde: gênero e medicalização. Interface, 15(38), 845-858.

Ribeiro, J. P., & Santos, A. (2005). Estudo exploratório da relação entre função eréctil,
disfunção eréctil e qualidade de vida em homens portugueses saudáveis. Análise
Psicológica, 3(23), 341-349.

Rodrigues, O. M., Jr. (2008). Identidade masculina e sexual: Um trajeto de superação


de disfunção eretiva (1a ed.). São Paulo: Editora 24x7.

Rohden, F. (2009). Diferenças de gênero e medicalização da sexualidade na criação do


diagnóstico das disfunções sexuais. Revista Estudos Feministas. 17(1), 89-109.

Silva, L. C. A., Albertini, P. (2007). A reinvenção da sexualidade masculina na


paraplegia adquirida. Revista do Departamento de Psicologia – UFF, 19(1), 37-48.

Silva, V. X. L., Marques, A. P. O., Lyra, J., Medrado, B., Leal, M. C. C., Raposo, M. C.
F. (2012). Satisfação sexual entre homens idosos usuários da atenção primária.
Saúde e Sociedade, 21(1), 171-180.

Souza, L. M., Silva, M. P., Pinheiro, I. S. (2011). Um toque na masculinidade: a


prevenção do câncer de próstata em gaúchos tradicionalistas. Revista Gaúcha de
Enfermagem, 32(1), 151-158.

Souza, M., Marcon, S. S., Bueno, S. M. V., Carreira, L., & Baldissera, V. D. A. (2015).
A vivência da sexualidade por idosas viúvas e suas percepções quanto à opinião dos
familiares a respeito. Saúde Soc, 24(3), 936-944.

28

Você também pode gostar