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REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE 7

REPORTAGEM

Brasil começa a adotar o IFRS


na contabilidade de PMEs

Maristela Girotto

Em 2011, ao preparar as demonstrações contábeis de pequenas e médias


empresas (PMEs) brasileiras, os profissionais da área devem utilizar o padrão
contábil internacional (IFRS, na sigla em inglês), conforme Norma Brasileira de
Contabilidade aprovada pela Resolução CFC n.º 1.255/09. A regulamentação
tem por finalidade contribuir com o ambiente econômico brasileiro, uma
vez que a disponibilização de informações contábeis de alta qualidade é
ferramenta importante para o desenvolvimento das PMEs.

O processo de adoção do IFRS trações destinam-se a usuários ex- de usuários que não estão em posi-
para PMEs no Brasil teve início com ternos, incluindo-se, dentre outros, ção de solicitar relatórios adaptados
a publicação da Resolução CFC n.º proprietários que não estão envol- para atender às suas necessidades
1.255, de 10 de dezembro de 2009, vidos na administração do negócio, particulares de informação.
que aprovou da Norma Brasileira de credores existentes e potenciais e Diante da relevância das PMEs
Contabilidade Técnica (NBC T) 19.41 agências de avaliação de crédito. para a economia brasileira e da
– Contabilidade para Pequenas e No universo brasileiro de apro- abrangência dos impactos da ado-
Médias Empresas, com vigência a ximadamente seis milhões de em- ção do IFRS no desenvolvimento
partir dos exercícios iniciados a par- presas – entre micros, pequenas e dos pequenos negócios, a RBC
tir de 1º de janeiro de 2010. médias –, as demonstrações contá- discute o tema sob diferentes pers-
Essa Norma se aplica às demons- beis preparadas de acordo com o pectivas – do regulador, do finan-
trações contábeis para fins gerais de IFRS para PMEs objetiva evidenciar ciador, do pequeno empresário, do
empresas de pequeno e de médio de forma transparente informações contabilista e dos educadores que
portes, segmentos compostos por sobre a posição financeira, o desem- preparam os futuros contadores –,
sociedades fechadas e por empresas penho e os fluxos de caixa dessas com ponderações quanto aos desa-
que não têm obrigação pública de entidades. Esses dados são úteis, fios, às dificuldades e às vantagens
prestação de contas. Essas demons- especialmente, a um amplo número do processo em curso.

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Norma aprimora e moderniza


a contabilidade de PMEs
O processo brasileiro (SMEs), elaborado pelo
de adoção das normas International Accounting
contábeis fundamentadas Standards Board (Iasb).
no padrão IFRS começou com as A classificação “pe-
grandes companhias, a partir de 1º quenas e médias empre-
de janeiro de 2008, com a edição da sas”, adotada na NBC T
Lei n.º 11.638, de 28 de dezembro de 19.41, exclui as compa-
2007, e vem sendo implantado gra- nhias abertas reguladas
dualmente, inclusive alcançando a pela Comissão de Valores

Rogson Sesco
contabilidade do setor público. Para Mobiliários (CVM); as so-
incluir todas as entidades do País ciedades de grande porte,
nessa convergência internacional – o como definido na Lei n.º
Juarez Domingues Carneiro
IFRS é um padrão utilizado atualmen- 11.638/07; e as socieda-
te por cerca de 140 países –, o Conse- des reguladas pelo Banco
lho Federal de Contabilidade editou Central do Brasil, pela Superinten- entidades representem, atualmente,
a NBC T 19.41 – Contabilidade para dência de Seguros Privados (Susep) e 99% das empresas brasileiras.
Pequenas e Médias Empresas. aquelas cuja prática contábil é ditada Para o presidente do Conselho
Essa Norma tem origem no por órgão regulador específico. Federal de Contabilidade, Juarez Do-
Pronunciamento Técnico emitido Versão simplificada dos IFRS mingues Carneiro, essa regulamenta-
pelo Comitê de Pronunciamentos emitidos pelo Iasb, a Norma visa ção, no âmbito da contabilidade das
Contábeis (CPC), que, por sua vez, facilitar a adoção e o entendimen- PMEs, será bastante benéfica para
tem como base o International to dos profissionais contábeis que o ambiente econômico brasileiro,
Financial Reporting Standard (IFRS) atuam em micros, pequenas e mé- podendo, inclusive, ajudar na redu-
for Small and Medium-sized Entities dias empresas. Estima-se que essas ção da taxa de mortalidade dessas

Ibracon realiza a tradução


A tradução para o português do IFRS for SMEs foi feita pelo Insti-
tuto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) por solicitação
do Iasb.
O coordenador do Ibracon para o projeto de tradução da Norma,
José Luiz Ribeiro de Carvalho, explica que o trabalho teve início, em
meados de 2010, a partir do depositário de termos e expressões utili-
zados anteriormente na versão para o português do livro de Normas
Internacionais de Contabilidade – IFRS, publicado pelo Iasb.
“Desde 2008, o Ibracon traduz as edições anuais do Iasb e, con-
sequentemente, vem acumulando um vocabulário de termos e ex-
Danilo Tanaka

pressões, o que facilitou muito o processo de tradução dos três livros


relativos ao IFRS para Pequenas e Médias Empresas”, afirma Carvalho,
ressaltando que se trata de um trabalho voluntário de associados do
Ibracon, todos com grande expertise na área.
José Luiz Ribeiro de Carvalho
O coordenador do projeto de tradução cita que os três livros que
compõem o “IFRS para Pequenas e Médias Empresas”, podem ser obtidos gratuitamente, em formato
eletrônico, no site do Iasb: http://www.ifrs.org/IFRS+for+SMEs/IFRS+for+SMEs+and+related+ma
terial.htm#pt

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empresas. “O padrão este ano, com a meta lizando esforços para implementar a
IFRS possibilita maior de chegar a todos os convergência relacionada às micros,
transparência às in- Estados. pequenas e médias empresas”.
formações e ajuda Juarez Carneiro Em relação à exigência da ado-
na gestão dos ne- ressalta a neces- ção da NBC T 19.41 na contabilidade
gócios”, argumenta sidade de os pro- das PMEs, o presidente do CFC lem-
o contador. fissionais da Con- bra que o Código Civil Brasileiro es-
Por iniciativa do tabilidade estarem tabelece que todas as empresas são
Sistema CFC/CRCs – devidamente qualifi- obrigadas a manter a Contabilidade
que reúne os Conselhos cados para elaborar as conforme os princípios de Contabi-
Federal e os 27 Conselhos demonstrações contábeis lidade regulamente estabelecidos.
Regionais –, a NBC T 19.41 vem de acordo com a Norma. “Num Por força da Lei n.º 12.249, de 11
sendo tema de treinamentos destina- primeiro momento, o compromisso de junho de 2010, regular acerca
dos aos profissionais da Contabilida- de adesão ao IFRS estava voltado às dos princípios de Contabilidade é
de. Os seminários regionais come- grandes empresas, mas, a partir de uma das atribuições do Conselho
çaram em 2010 e continuam agora, também estamos rea- Federal de Contabilidade.

Regulador internacional
analisa a adoção da Norma
O Brasil vem se o ambiente empresarial rios regionais estão demonstrando
destacando no cenário brasileiro, o CFC organizou grande interesse e rápida assimila-
internacional quanto à um extenso programa de ção dos conceitos introduzidos pela
implementação das normas contá- divulgação, iniciado em Norma – como, por exemplo, valor
beis expedidas pelo Iasb, processo parceria com o BNDES, justo e impairment.
no qual se encontram atualmente em agosto de 2010, e que Em relação aos impactos que
mais de 130 países, com destaque vem sendo desenvolvido a adoção da Norma deverá causar
para os da União Europeia. Na em seminários regionais”, no ambiente de negócios das PMEs
opinião de Amaro Luiz de Oliveira ressalta Gomes, que rea- brasileiras, o diretor do Comitê de
Gomes, único brasileiro entre os liza palestras em alguns Normas Internacionais de Conta-
15 membros da Diretoria do Iasb, desses eventos, ministra- bilidade garante que eles serão
o País está apresentando particular dos pelo professor Ricardo positivos. “O uso do IFRS para PMEs
agilidade na adoção da IFRS para Lopes Cardoso (leia entre- potencializa a atração de capitais e
PMEs, trabalho que envolveu ini- vista na página 20).
cialmente a tradução do conteúdo O diretor do Iasb acre-
para o português (veja na página dita que a transição da
8), audiência pública de contabilidade das PMEs
minuta elaborada brasileiras para o IFRS
pelo Comitê de será tranquila, mas
Pronuncia- ressalva que existirão
mentos Con- desafios a serem su-
tábeis (CPC) perados, fato que,
e posterior em sua avaliação,
aprovação trará resultados
pelo CPC e benéficos à pro-
Robson Sesco

pelo CFC. fissão. Segundo


“Consciente ele, os contadores
da importância que vêm partici-
da Norma para pando dos seminá- Amaro Gomes

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investimentos por utilizar lingua- alta qualidade será ferramenta fato de as PMEs, normalmente, não
gem comum e permitir a compa- importante para o desenvolvimen- terem pessoal suficiente ou treinado
ração de informações contábeis de to dessas organizações”, avalia o para uma efetiva adoção das novas
maneira ágil”, afirma. diretor do Iasb. práticas contábeis internacionais.
Gomes lembra que os usuários O SMEIG é coordenado por
de informações contábeis de PMEs, Implementation Group Paul Pacter, considerado o “pai”
como proprietários não envolvidos Em meados de 2010, o Iasb do IFRS for SMEs. O Iasb recolhe
diretamente com os negócios diá- formou um grupo, integrado por as dúvidas e sugestões enviadas
rios, credores (existentes e poten- 20 profissionais de vários países, por profissionais e empresários ao
ciais) e fornecedores, têm interes- com a finalidade de constituir redor do mundo e as encaminha à
ses específicos e estão usualmente uma força-tarefa para auxiliar na equipe técnica do próprio Comitê
focados na liquidez, solvência e implantação das novas práticas, de Normas Internacionais de Con-
especificamente nas tabilidade. “Os técnicos do Iasb
pequenas e médias analisam as questões e as remete
empresas. O grupo, aos membros do Grupo, propon-
chamado de SMEIG (do do, ou não, a emissão de um do-
nome em inglês Small cumento de esclarecimentos sob a
and Medium-Sized En- forma de ‘Perguntas e Respostas’.
tities Implementation É importante ressaltar que esses
Group) conta com a documentos, que serão depois
participação dos con- emitidos oficialmente pelo Iasb,
Rogson Sesco

tadores brasileiros não se constituem normas, mas,


Artêmio Bertholini e sim, orientações”, explica Rodil. O
Ricardo Julio Rodil. conteúdo desses documentos não
Ricardo Rodil “O Iasb está ciente se sobrepõe às normas.
de que a adoção dos Até o momento, de acordo
capacidade de geração de caixa em IFRS, em geral, deve apresentar com o contador brasileiro, seis
curto e médio prazos. desafios e dúvidas nas empresas temas já foram abordados pelos
“O IFRS para PMEs é simplifica- de todos os tamanhos. Porém, há membros do SMEIG, que se mani-
do, mas captura todas as exigências uma preocupação especial com festaram sobre: (i) se há necessi-
das IFRS completas. Com a adoção as pequenas e médias empresas”, dade, ou não, de preparar um do-
dessa Norma no Brasil, e sendo afirma Ricardo Rodil, explicando que cumento de Per-
as PMEs parte relevante do nosso essa atenção se deve ao
ambiente empresarial, a disponi-
bilização de informações
contábeis de

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guntas e Respostas (P&R) ou se a partir da NBC T 19.41, editada pelo possam vir
norma é suficientemente clara e Conselho Federal de Contabilidade a aperfei-
a dúvida ou comentário pode ser em 2009, com aplicação para o çoar esse
solucionado a partir da norma em exercício de 2010 –, é importante que conjunto
si; e (ii) em caso de a emissão de os administradores e contadores de de normas
P&R ser considerada necessária, PMEs e as empresas de serviços con- que com-
qual seria o conteúdo técnico dos tábeis que atendem a essas empresas põem o IFRS
lineamentos oferecidos ao pessoal se conscientizem de que há uma im- para PMEs.
encarregado de implantar essas portante fonte de esclarecimento de O contador
práticas nas empresas. dúvidas. O grupo do Iasb, segundo defen de qu e a s
Para Rodil, neste momento em o brasileiro, também pode ser enca- pequenas e médias empresas
que inúmeras empresas do Brasil rado como porta-voz das PMEs no brasileiras que escolherem seguir
estão adotando essas normas – a encaminhamento de sugestões que os lineamentos das práticas esta-
belecidas na NBC T 19.41 estarão,
necessariamente, em vantagem
competitiva em relação àque-
Iasb leva cinco anos para aprovar las que não adotarem, porque,

IFRS for SMEs para as primeiras, será mais fácil


conseguir financiamentos com
spread mais baixo – em última
O International Financial Reporting Standard for Small and instância, captação de capital
Medium-sized Entities (IFRS for SMEs) foi publicado pelo Comitê mais barato –, será facilitada a
de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb) em 9 de julho de negociação de entrada de novos
2009, após cinco anos de desenvolvimento. acionistas ou quotistas e, entre
Segundo o diretor do Comitê de Normas Internacionais de Conta- outras vantagens, terão suas
bilidade (Iasb, na sigla em inglês) Amaro Luiz de Oliveira Gomes, este demonstrações contábeis mais
pronunciamento foi criado com o objetivo de consolidar as normas facilmente inteligíveis por inves-
contábeis aplicáveis a entidades de pequeno e médio portes – que tidores estrangeiros.
não tenham títulos e valores mobiliários negociados publicamente À exceção das empresas re-
e que não sejam intermediários financeiros (bancos e cooperativas guladas ou enquadradas entre
de credito, por exemplo). aquelas que a Lei n.º 11.638/07
A estimativa do Iasb é que essas organizações representem, chama de “empresas ou grupos
aproximadamente, 95% das companhias nos países desenvolvidos de grande porte”, as quais estão
e em desenvolvimento. obrigadas a aplicar o conjunto
“As discussões para o desenvolvimento do IFRS for SMEs tiveram completo de IFRS, o restante das
início em julho de 2003, sendo que o primeiro Discussion Paper (DP) companhias brasileiras apresen-
foi publicado em junho de 2004. A partir daí, houve um intenso ta características de natureza,
processo de deliberação envolvendo questionários com pautas es- modo gerencial e tamanho que
pecíficas. Em abril de 2005, por exemplo, foi elaborado questionário conformam uma ampla gama de
para explorar alternativas para reconhecimento de receitas”. Ainda, entidades. Dentro desse conjunto,
segundo Amaro Gomes, também houve, em vários países, mesas- segundo Rodil, há empresas que,
redondas, seminários, reuniões e outras ações, culminando com a por seu tamanho, necessidade de
divulgação de uma nova minuta de pronunciamento em fevereiro informação a partes externas à
de 2007. Nesse mesmo ano, em junho, a proposta foi testada por administração ou determinação
116 pequenas empresas de vinte países. estratégica, vão optar por seguir
Ao final do período de audiência pública, em novembro de 2007, a NBC T 19.41.
o Iasb tinha recebido 162 cartas com comentários sobre a proposta. “Só para dar um exemplo: uma
As deliberações do Comitê se estenderam até abril de 2009, e a de- PME cuja administração esteja pla-
cisão final foi tomada na reunião de junho daquele ano. nejando, dentro da sua estratégia de
“Foi um longo e democrático processo de discussão e deliberação, negócios, procurar algum parceiro
característico do desenvolvimento de normas contábeis no âmbito no exterior, seja para joint-venture,
do Iasb”, relata Amaro Gomes. para aportar capital ou para estabe-
lecer algum tipo de negócio, terá a

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ação facilitada se apresentar ao po- auditadas com base em normas que contingente menor do que em re-
tencial parceiro, sócio ou financiador lhe são familiares. A possibilidade lação às pequenas e médias. “Suas
um jogo de demonstrações contá- de o negócio se concretizar se am- necessidades de financiamento
beis preparado em IFRS e auditado pliam significativamente”, explica o são supridas, usualmente, dentro
com base em normas internacionais. membro do Implementation Group do grupo familiar ou do relacio-
Nesse caso, o potencial parceiro do Iasb. namento pessoal; de outro lado,
vai ler demonstrações contábeis Já em relação à adoção da as normas contábeis não têm inci-
inteligíveis, que ele entende, e vai norma por microempresas, o con- dência na determinação de efeitos
saber que as demonstrações foram tador acredita que haverá um tributários”, opina.

Entrevista:

Pedro Malan, curador da IFRS Foundation


Organização independente e sem fins lucrativos, a Fundação IFRS
promove o trabalho do International Accounting Standards Board
(Iasb) e a aplicação rigorosa das normas IFRS. Com mandato até 2013,
o economista Pedro Malan – ex-ministro da Fazenda (1995-2002) e
atual presidente do Conselho Consultivo Internacional do Itaú Uni-
banco Holding S.A. – é o curador que representa a América do Sul na
Fundação IFRS. A seguir, ele fala a respeito do IFRS para PMEs:

RBC - Por que os curadores resolveram solicitar ao Board do


Iasb a elaboração do IFRS for SMEs?
Pedro Malan – Os trustees da IFRS Foudation vêm, há anos, dan-
Robson Sesco

do apoio integral ao desenvolvimento e à adoção de um padrão


global de demonstrações financeiras para pequenas e médias em-
presas, consistente com o IFRS para empresas de maior porte. A
Pedro Malan
simplificação é expressiva: por exemplo, em números de páginas, o
IFRS para PMEs tem menos de 300 páginas, enquanto o IFRS geral tem quase três mil. Para quem acha
que isso é muita coisa, vale lembrar que o USGAAP dos norte-americanos tem cerca de 20 mil páginas. A
simplificação relativa e o foco nos princípios básicos são de interesse de todos.

RBC - Qual a relevância de as PMEs elaborarem demonstrações contábeis de acordo com o IFRS
para PMEs?
Malan – A relevância é que a adoção de um padrão de demonstrações financeiras comum, transpa-
rente, de alta qualidade e que permita comparações entre empresas é absolutamente fundamental para
que elas tenham melhor acesso ao mercado de capitais e de instrumentos de dívida; possam pensar em
futuras associações; e atrair investidores estratégicos ou se tornarem empresas listadas em bolsa, am-
pliando sua base de acionistas. Ainda, eventualmente, possam participar como polos ativos de processos
de consolidação em seus respectivos setores.

RBC - Como um dos mais respeitados economistas brasileiros, qual a expectativa do sr. quanto
aos impactos da adoção do IFRS para PMEs no Brasil?
Malan – Nada acontecerá da noite para o dia. Será um processo gradual, que se desdobrará no tempo.
Mas o impacto poderá ser significativo, por razões expostas na resposta à pergunta anterior, à medida
que um número crescente de empresas vá adotando o IFRS para PMEs, e outras forem percebendo que é
de seu interesse fazê-lo. O apoio do BNDES à adoção do IFRS para PMEs é fundamental neste processo.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, tem sido enfático, de público, expressando seu apoio e da
instituição que preside a esta iniciativa.

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O IFRS e a concessão de
crédito para PMEs
Além dos gestores abrangente e confiável sobre o negó- médias empresas compreenderem
das PMEs, que terão em cio da empresa e sobre os possíveis mais adequadamente sua situação
mão informações de me- impactos do projeto a ser financiado. econômico-financeira, propiciando
lhor qualidade, as quais poderão se “Quando o risco é conhecido, ele maior segurança na comparabilida-
reverter em decisões mais acertadas pode ser mais facilmente compen- de das demonstrações contábeis
a respeito do futuro da empresa, as sado. Por outro lado, quando há das empresas de um ano para
instituições brasileiras da área de incerteza, os agentes financeiros outro, entre organizações do mes-
concessão de crédito também têm costumam cobrar um spread a mais mo mercado ou até entre as de
a ganhar com a adoção do IFRS para para cobrir algum tipo de eventuali- mercados diferentes”, diz, acres-
pequenas e médias empresas. dade ainda não percebida”. centando que, quando uma PME
No entanto, a chefe adota o modelo IFRS, significa que
de Contabilidade do está utilizando normas conhecidas,
BNDES reconhece que confiáveis e transparentes.
ainda há muito a ser Quanto aos impactos esperados
feito, no Brasil, para pelo setor bancário, em relação
se difundir o conhe- ao processo de análise e avaliação
cimento sobre o IFRS de crédito das pequenas e médias
para PMEs. Segundo empresas, Liberati afirma que,
Vânia, esse é um desa- primeiramente, é preciso que os
Robson Sesco

fio ainda maior do que profissionais envolvidos no pro-


o trabalho de preparar cesso decisório de crédito estejam
a migração das com- preparados para compreender e
Vânia Borgerth panhias abertas e das analisar demonstrações contábeis
instituições financeiras elaboradas conforme o padrão in-
Para a chefe do Departamento para o chamado ‘full IFRS’ – uma ternacional. A partir daí, segundo
de Contabilidade do Banco Nacional versão mais complexa do que a o diretor da Febraban, o acesso ao
de Desenvolvimento Econômico aplicável para as PMEs –, “porque crédito pelas PMEs poderá melho-
e Social (BNDES), Vânia Maria da muitos pequenos empresários, rar, uma vez que o processo de aná-
Costa Borgerth, o IFRS para PMEs empresas de serviços contábeis e lise e concessão ocorrerá de modo
terá um papel fundamental na re- instituições de ensino, entre outros, mais confiável, resultando, para o
dução do custo de captação, uma que estão fora dos gran-
vez que, em geral, a incerteza é des centros, sequer ouvi-
sinônimo de risco, o que acaba por ram falar em IFRS, muito
impactar negativamente no custo menos em uma versão
de empréstimos atribuído a essa ca- dedicada a PMEs”.
tegoria de empresas. “Sob o ponto
de vista da concessão de crédito, as Setor bancário
demonstrações contábeis em IFRS O diretor setorial de
ajudarão a reduzir a informalida- Assuntos Contábeis da
Rogson Sesco

de e a incerteza quanto à posição Federação Brasileira de


financeira das pequenas e médias Bancos (Febraban), Da-
empresas”, afirma. niel Liberati, também
Vânia analisa que isso deverá considera de extrema Daniel Liberatti
ocorrer porque a informação pre- importância a adoção
parada com base no IFRS é mais do IFRS na elaboração das de- setor bancário brasileiro, em uma
ampla e transparente, permitindo ao monstrações financeiras das PMEs. possível diminuição de impairment
analista de crédito ter uma visão mais “Isso vai possibilitar às pequenas e dessas operações.

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14 Brasil começa a adotar o IFRS na contabilidade de PMEs

A Febraban faz parte do Comitê regras específicas para as PMEs não vêm sendo desenvolvidas desde
de Pronunciamentos Contábeis são de aplicação direta por parte de 2006, quando houve a edição do
(CPC), como entidade convidada, entidades que fazem intermediação Comunicado n.º 14.259, que divul-
desde 2009, por representar rele- financeira, e o próprio International gou o compromisso da Diretoria
vantes usuários das demonstrações Accounting Standards Board (Iasb) Colegiada do Banco Central com
contábeis, e vem participando ativa- exclui do escopo de aplicação des- esse processo. Conforme o BCB, o
mente das reuniões, embora sem di- sas regras simplificadas as institui- marco regulatório da convergência
reito a voto. O diretor da entidade ções financeiras e ou- foi a edição da Resolução n.º 3.786,
lembra que o Banco Central de 24 de setembro de 2009, a qual
do Brasil foi o primeiro determinou que as instituições
regulador brasileiro a financeiras e demais entidades
exigir demonstrações autorizadas pelo Banco Central
contábeis consolida- do Brasil a funcionar – constituí-
das no padrão inter- das sob a forma de companhias
nacional, o que ocor- abertas ou que sejam obrigadas
reu em 2006. a constituir comitê de auditoria
“As regras emana- –, devem, a partir da data-
das do regulador deter- base de 31 de dezembro de
minam a elaboração das 2010, elaborar e divulgar
demonstrações contábeis anualmente demonstrações
consolidadas em IFRS, utilizando tros tipos contábeis consolidadas ado-
as normas do Iasb, traduzidas para de empresas, a tando o padrão IFRS.
o português pelo Ibracon, e, adi- exemplo das so- Ainda de acordo com infor-
cionalmente, continuam exigindo ciedades anônimas de mações do Banco Central, as
demonstrações contábeis individuais capital aberto, que pos- próximas ações normativas que
no padrão Cosif (normas do Conselho suam o chamado Public serão realizadas dizem respeito
Monetário Nacional e do Banco Cen- Accountability. à redução gradual das assi-
tral), as quais servem de base para o Dessa forma, como não existe metrias entre as demonstrações
pagamento de remunerações a em- norma do BCB sobre o tema, cabe contábeis individuais, que ainda
pregados, impostos aos governos das às instituições contábeis elegerem as não incorporam totalmente as
três esferas e dividendos aos acionis- melhores fontes de informações para normas internacionais (IFRS), com
tas”, afirma Liberati. Ainda segundo a avaliação do risco das operações. a demonstração consolidada.
ele, até o final de 2010, o Banco Cen- Nesse contexto, o Banco Central Além da vertente de regulação,
tral aprovou quatro pronunciamentos brasileiro destaca que a análise de o Banco Central faz questão de
emitidos pelo CPC: Impairment; demonstrações financeiras constitui ressaltar que, por meio da partici-
Demonstração dos Fluxos de Caixa; uma parcela dos fatores que devem pação em diversos fóruns, a insti-
Divulgação de Partes Relacionadas; ser considerados, existindo outros tuição vem atuando ativamente no
e Provisões, Passivos Contingentes e dados relevantes, como situação ca- processo de divulgação das normas
Ativos Contingentes. dastral, setor de atividade econômi- internacionais de contabilidade e
ca, garantia, natureza e finalidade do da importância da convergência
Regulação e convergência crédito e valor do financiamento. para o sistema financeiro, em parti-
De acordo com o Banco Central As ações do BCB para a con- cular, e para a economia brasileira,
do Brasil (BCB), em princípio, as vergência contábil ao padrão IFRS em geral.

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Adoção traz desafios e


oportunidades aos contabilistas
O Brasil possui quase Ceará, avalia que o mérito do IFRS
meio milhão de conta- é fazer com que as demonstrações
bilistas registrados nos 27 contábeis sejam mais úteis como
Conselhos Regionais de Contabilidade instrumento gerencial. “Nesse as-
(havia 495.584 em 31 de dezembro pecto, reforçadas pelo Sistema Pú-
de 2010). Para essa categoria profis- blico de Escrituração Digital (Sped)
sional, a convergência das normas Fiscal e Contábil, as IFRS chegam em
contábeis ao padrão IFRS, especial- boa hora. Há muito tempo a classe
mente no caso das PMEs, significa contábil, consciente da real fina-
uma ampla mudança no trabalho a lidade da Ciência Contábil, lutava
ser executado. Essa avaliação é con- para separar a contabilidade fiscal

Divulgação
senso entre os contadores ouvidos da empresarial, e está aí a grande
pela RBC – Paulo Schnorr, Pedro Co- oportunidade”, afirma.
elho Neto e Laiz Teixeira Pontes. Eles Atuando no Espírito Santo,
Laiz Pontes
concordam também que a ampliação a contadora Laiz Teixeira Pontes
da utilidade das demonstrações con- considera que adotar o IFRS é es- te se enquadra como financeiro ou
tábeis é um dos pontos principais da sencial para o contador que procura operacional? Esta propriedade que
norma que introduz o modelo IFRS na oferecer o melhor serviço para seu meu cliente comprou é para investi-
contabilidade das PMEs brasileiras. cliente – seja ele de pequeno, mé- mento ou uso nas operações?”.
“Vamos finalmente poder dizer dio ou grande porte. “A mudança Ainda se referindo às dificuldades
aos usuários da informação contábil nas normas contábeis visa gerar do processo em curso, a contadora
a realidade econômica e financeira de demonstrações contábeis mais rele- afirma que esse tipo de mudança
nosso cliente”, comemora o contador vantes e, portanto, mais úteis para gera custos adicionais para as em-
Paulo Schnorr, do Rio Grande do Sul. auxiliar os usuários na tomada de presas que prestam serviços con-
Para ele, a utilização da Norma traz decisões”, argumenta. tábeis. Segundo ela, esses custos
ainda outra vantagem aos contabilis- vão desde a adaptação de plano de
tas: “Não teremos de nos ater simples- Desafios contas e sistema utilizado a gastos
mente aos aspectos fiscais, mas, sim, Laiz Pontes concorda, no entan- com treinamento. Além disso, Laiz
poderemos proporcionar informações to, que o processo de adoção não acrescenta que o tempo gasto para
relevantes e traduzir nosso trabalho será fácil. “Inserir mudanças em um fazer a contabilidade de cada cliente
em informações realmente úteis. Para ambiente empresarial nunca é fácil, irá aumentar, demandando mais pes-
nós, é um avanço significativo em principalmente quando se trata de soal. “É importante lembrar, é claro,
nossa imagem perante a sociedade”. uma inovação tão grande, porque o que esses custos adicionais trarão
O contador Pedro Coelho Neto, modelo IFRS traz não apenas novas benefícios futuros”, pondera.
diretor de organização contábil do regras, mas uma nova forma de pen- Outro grande desafio, na ava-
sar na Contabilidade”. liação da contadora do Espírito
Diante desse desafio, Santo, “é buscar o entendimento
ela recomenda que os do pequeno empresário, que com
profissionais pensem a adoção das novas normas deve
duas vezes antes de usar fornecer mais informações ao seu
a “receita de bolo” que contador. A relação cliente-contador
usavam antes e se ques- deve ser intensificada”.
tionem: “Será que, de Paulo Schnorr é da mesma opi-
fato, este procedimento nião. “O maior desafio tem sido obter
representa a realidade do empresário o relatório contendo
Divulgação

de meu cliente? O con- os julgamentos feitos por ele sobre


trato de leasing do clien- o Valor Justo, a Vida Útil e o Valor
Pedro Coelho

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16 Brasil começa a adotar o IFRS na contabilidade de PMEs

Residual do Imobilizado. Também dos serviços recebidos”, defende o vistados, é a preparação dos con-
tem sido difícil a aplicação do teste contador cearense. tabilistas brasileiros para elaborar
de recuperabilidade do ativo, tendo Já Paulo Schnorr considera a devidamente as demonstrações
em vista a falta de ferramentas de maior interlocução com os empre- contábeis das PMEs de acordo com
mensuração, que precisam ser desen- sários uma oportunidade para os a NBC T 19.41 – Contabilidade para
volvidas”, explica o contador gaúcho. contabilistas. Segundo ele, como é Pequenas e Médias Empresas.
Ele cita ainda que alguns pequenos necessário o julgamento do empre- “A formação acadêmica da gran-
empresários desconhecem as vanta- sário sobre questões como riscos, de maioria dos contadores não dá
gens da adoção da Norma e, por isso, perdas, provisões e outras questões base suficiente para o entendimento
estão reticentes em adotá-la. relativas ao futuro da empresa, tem completo de seções da norma que
Pedro Coelho Neto também men- havido um diálogo muito mais pró- requerem um conhecimento mínimo
ciona a relação cliente-contador ximo entre os contabilistas e os seus de matemática financeira e economia,
como um desafio do processo de clientes. “Precisamos estar ao lado como, por exemplo, as seções 11 e 12
implementação do IFRS para PMEs. “O do gestor da empresa para que ele de Instrumentos Financeiros e a seção
mais complicado é convencer 16 – Propriedade para Inves-
a administração das pequenas timento”, explica Laiz Pontes,
e médias empresas da neces- para quem a solução é investir
sidade de avaliação dos bens em treinamento.
e determinação da vida útil Paulo Schnorr concorda
quando da implantação da nor- que a maioria dos profissio-
ma”, diz o contador cearense. nais não está preparada. “Há
Ele ressalta, no entanto, que na muita resistência por parte dos
maioria das PMEs que têm seus colegas, especialmente porque
serviços contábeis terceirizados, estávamos acostumados com
Divulgação

principalmente as empresas as regras fiscais e não tínha-


comerciais e as de serviços, mos necessidade de interagir
a implantação das normas Paulo Schnorr com nosso cliente. Penso que
internacionais, nos moldes da precisamos sair da ‘zona de
Resolução CFC n.º 1.255/09, depen- passe a nos abastecer de informa- conforto’ e isto não é bem aceito”,
dem exclusivamente dos profissionais ções que antes não buscávamos”. diz. No entanto, o contador gaúcho
responsáveis pela contabilidade dessas O aumento do prestígio da classe acredita em uma mudança neste
empresas, “até porque são poucas as contábil, na opinião de Laiz Pontes, é quadro em breve: “O mercado passa-
mudanças dependendo da atividade a maior oportunidade que o processo rá a exigir uma qualidade maior nas
e das operações geradas”. em curso está trazendo aos contabi- demonstrações contábeis e aqueles
listas, uma vez que a implementação que não estiverem preparados terão
Oportunidades do padrão IFRS aumenta do grau de buscar a qualificação sob pena de
Em relação às oportunidades que de subjetividade na realização da perder clientes”.
esse processo está trazendo para os contabilidade e, principalmente, Pedro Coelho Neto também afir-
escritórios de contabilidade, Pedro promove a divisão da contabilidade ma que há muitos contadores que
Coelho acredita que, por enquanto, para fins fiscais da contabilidade para se mantêm alheios às mudanças “e
são poucas, porque dificilmente as fins gerenciais. A contadora acredita outros que teimam em não querer
empresas de contabilidade conseguem que essas mudanças farão com que fazer contabilidade, limitando-se a
repassar para seus clientes os custos os pequenos empresários brasileiros preencher guias de recolhimento de
decorrentes de novas exigências legais. compreendam melhor a importância impostos”. Para ele, esses profissionais
“De qualquer forma, vê-se uma chance da contabilidade em suas empresas correm um grande risco de, paulatina-
de se separar o joio do trigo, pois ainda como ferramenta gerencial, valorizan- mente, saírem do mercado. Por isso, o
existem profissionais que preferem não do mais seus contadores. “Contudo, contador defende a participação dos
investir na atualização, pondo em risco este tipo de reconhecimento não será profissionais nos eventos de divulga-
os seus clientes. Daí a importância de imediato”, afirma. ção das Normas IFRS que têm sido
se dar a maior divulgação possível, promovidos pelas entidades de classe,
principalmente no âmbito empresarial, Preparação principalmente pelos Conselhos Fede-
das novas exigências, para que os em- O primeiro passo, analisado ral (CFC) e Regionais de Contabilidade
presários possam avaliar a qualidade como imprescindível pelos entre- (CRCs) e pelos Sescaps/Sescons.

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REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE 17

IFRS para PMEs:


por que adotar?
Qual a importância pelo Simples Nacional e parte delas
de informações con- adotarem padrões simplificados, o
tábeis confiáveis para a diretor do Sebrae avalia que as Nor-
gestão das PMEs brasileiras? Res- mas Internacionais de Contabilidade
pondendo a essa questão, o dire- (IFRS) atendem principalmente às
tor Técnico do Sebrae Nacional, empresas com participação no mer-
Carlos Alberto dos Santos, afirma cado internacional, as que querem
que as empresas brasileiras estão interagir com empresas globais e
percebendo, cada vez mais, a im- aquelas com capital em bolsa. No
portância de informações contábeis entanto, segundo Santos, com o

Bernardo Rebello
qualificadas para assegurar maior fenômeno da globalização dos mer-
seriedade e confiança nas suas re- cados de produtos, serviços e capi-
lações com os mercados, buscando tais, o estabelecimento de padrões
melhoria da gestão e da formação internacionais facilita a avaliação
Carlos Alberto dos Santos
de preços. “Independentemente e a comparação, em especial, por
do porte, as empresas fazem a para uma contabilidade fiscal mais investidores. “Esses padrões con-
contabilidade fiscal, destinada ao simplificada e outra, gerencial, mais tribuem para alterar a forma como
governo, principalmente, estadual; apurada”, defende. a empresa percebe o seu próprio
e a contabilidade gerencial, para Apesar do fato de 70% das em- desempenho e facilitam uma per-
ela própria. O Brasil deve caminhar presas brasileiras serem optantes cepção mais objetiva desse desem-

Pequena empresa do RS adota norma


“Optamos por nos adequar ao IFRS para termos controle do valor
de mercado de estoques, dos custos e do patrimônio. Adotamos agora,
pois entendemos que as demonstrações contábeis são mais confiáveis
e traduzem com maior fidelidade o que realmente nossa empresa pos-
sui, em valores atualizados. Além disso, com a nova sistemática, nossa
empresa passa a ter acesso a mais fontes de referência, em termos
gerais, e não só para uso interno”. A afirmação é de Marilisa Muller,
sócia da Ernesto Muller Indústria de Telas Ltda., uma empresa familiar
de pequeno porte, que atua há 50 anos no Rio Grande do Sul.
A empresária relata que o processo de implantação está sendo tra-
balhoso, uma vez que a empresa tem cinco décadas e muitas máquinas
Divulgsação

e equipamentos precisam ser bem avaliados. “Vários itens que fazem


parte do nosso imobilizado estão em desuso, e este é o momento de
retirá-los da relação, só isto já está valendo o trabalho”, diz Marilisa,
Marilisa Muller
acrescentando que o custo de adoção, para a empresa, está sendo de
algumas horas extras.
Em relação aos riscos identificados até o momento, a empresária gaúcha garante que ainda não se
deparou com nenhum. Por outro lado, ela cita os benefícios esperados do processo: “A possibilidade de
melhor controle administrativo e, a partir daí, tornar as decisões mais fáceis”.
Metalúrgica fabricante de telas para peneiras e filtros, a Ernesto Muller Indústria de Telas Ltda. possui
dois funcionários e três sócios que trabalham. Em 2010, seu faturamento foi da ordem de 470 mil reais.
“Queremos ficar preparados para crescer e sair do Sistema Simples a qualquer tempo”, afirma a sócia.

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penho pelo mercado. É importante ao momento de prosperidade do e pequenas empresas brasileiras


também que a contabilidade esteja Brasil. Há mais consumo por causa para os próximos anos, Santos
associada à gestão dessas empresas da inclusão de novos segmentos da apresenta uma avaliação otimista,
para que possam assegurar ganhos população, especialmente as classes principalmente em função dos
de competitividade”, afirma. C e D. Com isso, a atividade econômi- grandes eventos, com destaque
Nesse processo de adoção da ca cresce, gerando mais empregos; para a Copa do Mundo do 2014:
norma que introduz o IFRS na e as micros e pequenas empresas “O Sebrae já identificou nove
contabilidade das PMEs, o diretor respondem por 53% dos postos de setores com oportunidades para
entende que, ao Sebrae, junto com trabalho com carteira assinada no as empresas de pequeno por-
a classe contábil, cabe disseminar País. Em consequência, há mais con- te: construção civil, tecnologia
a informação, orientar inclusive sumo, que ativa o processo produti- da informação e comunicação,
quanto aos benefícios e apoiar a vo, ocasionando a geração de novos turismo, produção associação,
adoção dessa norma pelas empre- empregos e, assim, sucessivamente, agronegócio, madeira e móveis,
sas interessadas. desenhando um ciclo virtuoso em têxtil e confecção, comércio va-
que os pequenos negócios têm papel rejista e serviços. Em todos eles,
Cenário nacional expressivo por ser maioria”, analisa a perspectiva é de melhoria e de
“As micros e pequenas empresas o diretor do Sebrae. novos negócios relacionados a
são maioria no tecido econômico Ao prever o cenário para o infraestrutura, mobilidade urbana
e reagem favoravelmente ambiente de negócios das micros e economia de serviços”.

Pesquisa e disseminação do
conhecimento do padrão IFRS

As escolas de Conta- se trata da NBC T 19.41, em especial, de maior parte das ementas de disci-
bilidade, em geral, neces- porque a maioria das empresas do plinas ligadas à Contabilidade. Isso
sitam sempre disseminar qualquer Brasil é formada por PMEs e grande decorre, segundo Valcemiro Nossa,
conhecimento novo que surja na área, parte dos profissionais de Contabili- da necessidade de adequação dos
para que os futuros profissionais es- dade acaba atuando nessas organi- conteúdos relacionados aos pro-
tejam realmente preparados para o zações, diretamente ou por meio de nunciamentos emitidos pelo CPC e
mercado de trabalho. Essa regra não suas organizações contábeis. aprovados pelo CFC como Normas
pode ser ignorada, segundo o pro- “A disseminação dessa norma Brasileiras de Contabilidade.
fessor Valcemiro Nossa, coordenador é muito relevante, principalmente Em relação ao impacto do IFRS
pedagógico da graduação e coorde- porque a contabilidade feita para para PMEs na tendência de pesquisa
nador-adjunto da pós-graduação em as pequenas e médias empresas em contabilidade financeira, o pro-
Ciências Contábeis da Fucape Busi- sempre esteve um pouco fragili- fessor considera que é natural que o
ness School, de Vitória (ES), quando zada, pela falta de visão útil para foco da pesquisa comece a se voltar
a contabilidade, por para esse aspecto. “É claro que, ini-
parte dos pequenos cialmente, podemos ter mais uma
empresários, e também pesquisa exploratória, especulativa,
pela ausência de dedi- mas que, com o passar dos anos, vai
cação e compromisso se formando massa crítica que per-
de muitos contadores”, mite o desenvolvimento de pesquisas
afirma o professor. mais robustas e com resultados mais
Ele acredita que, em confiáveis”, Valcemiro Nossa.
Acácio Pinheiro

geral, os cursos de Ci- Para o professor José Francis-


ências Contábeis preci- co Ribeiro Filho, coordenador do
sam – “se ainda não o Mestrado em Ciências Contábeis
fizeram” – de adequação da Universidade Federal de Per-
Valcemiro Nossa

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nambuco (UFPE) e coordenador do ados em dados reais.


Comitê de Política Editorial e editor Ainda de acordo com o
da Revista de Educação e Pesquisa professor, muitas vezes,
em Contabilidade (REPeC), a pes- as tipologias mais utili-
quisa em contabilidade financeira zadas estão baseadas em
depende, muitas vezes, de bancos estudos qualitativos e es-
de dados disponíveis, confiáveis tudos de casos, que, mes-
e atualizados, a exemplo das de- mo com sua importância,

Acácio Pinheiro
monstrações contábeis das empre- não permitem inferências
sas. A partir dessas demonstrações, mais amplas, apenas ob-
segundo ele, é possível analisar tidas a partir da análise
comportamentos das variáveis (mé- de um conjunto mais José Francisco Ribeiro
tricas contábeis), testar hipóteses amplo de dados.
e projetar comportamentos dessas “Quando focamos em contabilidade financeira com
variáveis para o futuro. “No Brasil, nas PMEs do Brasil, o acesso mais foco nas PMEs brasileiras”.
dispomos quase que exclusivamen- amplo aos seus dados contábeis é Dentro desse contexto, Francisco
te de demonstrações das compa- bastante difícil. A cultura é de que Ribeiro opina que, provavelmente,
nhias abertas, que publicam os seus as pequenas e médias empresas será preciso avançar na questão
demonstrativos contábeis. Isto é, a ‘não precisam de contabilidade’, do papel social das empresas e na
pesquisa contábil alcança, apenas, um absurdo, por certo, mas que interação delas com a sociedade,
a minoria das empresas no Brasil, tem impactado negativamente no relatando sua contribuição social
se consideramos todo o universo acesso às demonstrações contábeis e econômica, com a publicação de
das companhias”, explica. deste conjunto importantíssimo de suas demonstrações contábeis.
Francisco Ribeiro argumenta empresas brasileiras”, afirma. No entanto, o professor da
que, na verdade, os dados contábeis O professor apresenta um ques- UFPE diz que o processo de con-
ainda são muito restritos, quando tionamento: “A convergência às vergência às normas internacionais
considerado o potencial de vanta- normas internacionais no âmbito de contabilidade, com os impactos
gens, tanto para a academia (pes- também das médias e pequenas culturais daí advindos, certamente
quisa) quanto para as próprias em- empresas (IFRS para PMEs) alterará estimularão as pesquisas com foco
presas, que poderiam sempre se be- a visão de que disponibilizar volun- nas PMEs. “Essas pesquisas, por
neficiar das análises e estudos base- tariamente as demonstrações contá- sua vez, poderão alimentar um am-
beis desse grupo de empresas é im- biente de atuação mais sofisticado,
portante para o avanço econômico em termos de melhor qualidade,
do País e agrega valor às próprias formatando um ciclo virtuoso das
empresas?”. E responde: “En- melhores PMEs em interação com o
quanto o principal usuário ambiente onde atuam, fornecendo
dessas informações for o dados sobre o valor econômico e
governo (fisco), provavel- social que produzem e estimulando
mente, tal fluxo de infor- o controle social e a fidelidade dos
mações não ocorrerá a clientes e consumidores”, conclui
ponto de impactar po- o coordenador do Mestrado em
sitivamente a pesquisa Ciências Contábeis da UFPE.

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