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A POUCA SAÚDE E A FALTA DE BEM ESTAR NO ESTADO-

PROVIDÊNCIA 1

Apesar da importância social das temáticas relacionadas com a saúde, a


noticiabilidade deste tema é média e geralmente está associada às
disfuncionalidades de um sistema que enfrenta dificuldades estruturais. A
abordagem jornalística privilegia as abordagens relacionadas directamente com
as políticas de saúde e a performance do Sistema Nacional de Saúde,
afastando o foco da atenção mediática das questões relacionadas com o Bem
Estar individual e das populações.

A evolução do conceito de saúde individual e das populações tem sido


marcada por uma tensão entre responsabilidade individual e enquadramento
organizacional por parte do estado. As preocupações com a salubridade e o
melhoramento dos hábitos de higiene individuais marcaram a entrada na era
moderna, com o estado a assumir um papel na educação para a saúde e na
prestação de cuidados. A saúde individual e do conjunto da população passa a
fazer parte da esfera das preocupações do estado com a entrada na
modernidade:
“The great eighteenth-century demographic upswing in Western Europe,
the necessity for co-ordinating and integrating it into the apparatus of production
and the urgency of controlling it with finer and more adequate power
mechanisms caused ‘population’, with its numerical variables of space and
chronology, longevity and health, to emerge not only as a problem but as an
object of surveillance, analysis, intervention, modification, etc.” (Foucault 1980:
171, sublinhado nosso)
1 Este texto foi produzido no âmbito de um estudo sobre telejornais em horário nobre em
Portugal entre 2003 e 2006 efectuado pelo CIMDE (Centro de Investigação Média e
Democracia). Trata-se da versão completa de um texto publicado com falhas, devido a
problemas no processo de produção alheios ao autor, no livro “Telejornais no Início do
Século XXI” (Org. Joel Frederico da Silveira, Gustavo Cardoso, António Belo, 2010, CIMDE,
IPL, Edições Colibri).
Se até esta altura o enquadramento macrosocietário da saúde tinha por
base a defesa das classes mais favorecidas contra eventuais ameaças, com o
advento do estado moderno, as preocupações com a saúde passam a incluir o
conjunto das populações, tornando-se objectivos políticos, normalmente
associados ao desenvolvimento de uma força de trabalho eficaz. Também o
papel do indivíduo se altera: ao ser objecto do controlo social, passa a ser
responsabilizado pela sua saúde.

Todavia, é apenas com a emergência do modelo de estado-providência


na segunda metade do século passado que se assiste a um esforço concertado
para o alargamento dos serviços de apoio à saúde e ao bem estar ao conjunto
da população. A evolução das democracias ocidentais no pós Segunda Guerra,
com o alargamento dos direitos de cidadania e do papel do estado, foi no
sentido da criação de um estado-providência (welfare state) protector e
defensor dos direitos dos cidadãos. Este modelo, implementado principalmente
nos países nórdicos, esteve na base da implementação do Serviço Nacional de
Saúde em Portugal, após a Revolução de 1974, numa fase em que, no norte
da Europa, se começavam já a sentir as dificuldades em sustentar
economicamente este modelo.

O próprio conceito de saúde reflecte o propósito político ao apontar para


uma abordagem holística. De facto, a definição da World Health Organization 2

aponta para a abrangência do conceito de saúde. Trata-se de “um estado de


completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença
ou enfermidade”. Se por um lado, passa a caber ao estado, através dos
sistemas nacionais de saúde tratar a doença e enfermidade, por outro, é
função dos demais veículos da política redistributiva assegurar níveis
aceitáveis de bem estar da população de modo a atingir o desiderato de um
“bem estar físico, mental e social” tendencialmente universal. Mas passa

2 Preambulo da Constituição da World Health Organization como adoptado pela


International Health Conference, Nova Iorque, 19-22 Junho, 1946; assinada a 22 de Julho de
1946 pelos representantes de 61 Estados (Official Records of the World Health Organization,
no. 2, p. 100) entrando em vigor a 7 de Abril de 1948. De notar que esta definição não sofreu
alterações desde essa data.
também a caber ao indivíduo a responsabilidade de adoptar um estilo de vida
que permita o desiderato de uma existência saudável.
Esta perspectiva centrada no papel determinante do indivíduo, em
conjunto com a assumpção acrítica de um modelo bio-médico (Nettleton 2006)
suportado por uma estratégia discursiva de medicalização dos temas da saúde,
desvia a atenção de factores sociais ou ambientais.
Com a “transição epidemiológica” - que marca a prevalência das
doenças infecto-contagiosas como principais causas de morte, por oposição às
doenças crónicas e degenerativas – e também com a evolução da biologia, da
medicina e das formas de diagnóstico e tratamento, por serem suporte de um
paradigma (na acepção de Thomas Kuhn) que tem a profissão médica como
principal difusor, dá-se um centrar da questão da saúde e da doença no
indivíduo (White 2002) e nos factores de prevenção. Este enquadramento
acaba por obscurecer outros factores determinantes para a saúde: “a
preventive discourse has developed that focuses on the behavior of individuals,
ruling out any further consideration of the universe of intermingled economic,
social, cultural and political conditions of human life in society.” (Perdiguero et al
2001:668)

No entanto, o inquérito das ciências sociais e humanas sobre a saúde


tem sido consistente precisamente na conclusão de que a saúde está ligada a
diversos factores como, por exemplo, a situação económica, o grupo social, a
ocupação ou a faixa etária. O estudo das desigualdades é, aliás, um dos
principais vectores da sociologia da saúde e da doença.

Em Portugal, apesar de as últimas décadas serem marcadas por um


desenvolvimento das condições de acesso à saúde, bem estar e serviços
sociais por parte das populações, as desigualdades são visíveis na medida em
que “a morbilidade não é independente dos atributos demográficos e sócio-
económicos” (Cabral et al. 2002: 379). Além do factor etário e do
envelhecimento da população, a taxa de morbilidade é maior nos graus de
escolaridade mais baixos, sendo a desigualdade visível também nas faixas da
população com menores rendimentos, menor estatuto profissional e de classe
subjectiva mais baixa (Cabral et al 2002). Ainda de acordo com esta análise,
“cerca de um terço da população portuguesa adulta sofre de alguma – e
frequentemente mais do que uma, de acordo com a actual tendência para as
polipatologias – doença crónica de ordem física e/ou psíquica diagnosticada
pelo médico” (Cabral et al 2002: 380).

O duplo envelhecimento da população, motivado pelo decréscimo da


natalidade e pelo aumento da esperança média de vida3, é também um factor
de pressão sobre um sistema que tem vindo a consumir uma fatia crescente do
erário público4 e do rendimento das famílias, num contexto em que o estado
assume a obrigação constitucional de prover o direito à saúde (artigo 64º da
Constituição da República) de forma “tendencialmente gratuita”.

É neste enquadramento que a presença do tema “saúde, bem estar e


serviços sociais” nos telejornais ilustra a crise do estado-providência num dos
seus pilares mais importantes: a capacidade de garantir à população níveis
aceitáveis de saúde e bem estar.

1. As notícias sobre saúde

A preocupação de enquadrar uma definição alargada está presente na


constituição do tema “Saúde, Bem Estar e Serviços Sociais”. Assim, a
codificação das notícias dos telejornais subdivide-se em várias categorias
temáticas: situação do sistema de saúde; políticas e medidas legais sobre
saúde; seguros de saúde; situações sobre serviços sociais; organizações não-
lucrativas; eventos de beneficência; desenvolvimento de técnicas e práticas de

3 Em Portugal, entre 1994 e 2004, a esperança média de vida aumentou 3,1 anos para os
homens e 2,4 anos para as mulheres situando-se em 74,5 anos e 81 anos respectivamente.
Estes valores estão muito próximos da média europeia que é de 74, 9 anos para os homens
e 81,3 anos para as mulheres (INE 2006).
4 A despesa das administrações públicas em saúde cresceu de 6,7% do PIB em 2002 para
7,1% em 2006. No mesmo período a despesa de consumo final das famílias no território
nacional subiu de 3,1 para 3,7% do PIB (INE 2008).
saúde; práticas médicas ou de saúde deficientes; pobreza; e outros.
Como veremos abaixo esta abrangência temática acaba por não estar
presente nas notícias. A preferência, tanto em termos de categorias temáticas
como da sua importância relativa, vai para um conjunto restrito de opções
relacionadas com o sistema de saúde, tanto em termos de funcionamento,
como das políticas que o enquadram.

Em termos de assunto principal, o tema “Saúde, Bem Estar e Serviços


Sociais” é responsável por 5% das notícias da amostra (505), correspondendo
a 18 horas de emissão. Foi codificado como tema secundário em 155 notícias.
Trata-se do 7º tema mais tratado no telejornal.

Figura 1
Notícias de saúde, bem estar e serviços sociais (%) nos jornais televisivos (2002-
2006)

15

10

0
2002 2003 2004 2005 2006

RTP SIC TVI

Tratando-se de um tema com uma centralidade noticiosa média, tanto


em termos de frequência como de posicionamento no alinhamento, o tema
“saúde, bem estar e serviços sociais” apresenta uma evolução em que se
desenha uma diferenciação entre os serviços informativos dos canais
comerciais e da RTP1 nos últimos anos. Assim, embora em 2002 todos os
canais valorizassem de igual forma este tema, a RTP1 apresentou uma quebra
em 2003, tendo depois iniciado uma recuperação para uma cobertura do tema
ligeiramente acima da de 2002. Os canais comerciais, por seu lado,
mantiveram o mesmo nível de interesse no tema, tendo ambos dado menor
destaque a “saúde, bem estar e serviços sociais” em 2005 e voltado a dar mais
importância em 2006, com a TVI a ser a única estação a ocupar mais de 10%
da sua oferta informativa com notícias deste tema.

Na nossa amostra, o telejornal da TVI destaca-se em termos absolutos


dos restantes canais ao apresentar 259 notícias, estando a SIC (203 notícias) e
a RTP1 (198 notícias) relativamente próximas. Esta posição relativa do tema na
descrição da realidade social no telejornal do quarto canal tem sido sinalizada
em estudos recentes (Brandão 2005).

De referir que este é, aparentemente, um tema em crescimento na


agenda mediática. Em termos de evolução, o ano de 2006 tem a frequência
mais elevada na RTP e TVI e a segunda mais elevada na SIC.

As notícias de “saúde, bem estar e serviços sociais” estão presentes de


forma diferente no alinhamento dos três telejornais. Embora na primeira meia
hora tenham um comportamento semelhante em termos de frequência
absoluta, a presença do tema tem um tratamento diferenciado a partir do
terceiro bloco de 15 minutos. É nesta fase que a RTP1 dá o maior destaque ao
tema entrando este, em seguida, em declínio no alinhamento. O telejornal da
SIC tem o seu ponto de maior cobertura do tema no quarto bloco, na altura em
que a TVI inicia a sua maior cobertura. O telejornal da TVI é o único que
apresenta uma subida constante, embora mais pronunciada na fase final do
noticiário.

Figura 2
Notícias de saúde, bem estar e serviços sociais (%) nas aberturas e
encerramentos
15

10

9
7 8
5 6 5
4 5
4 4 4
2 2

0
Abertura Reabertura Intervalo Final

RTP SIC TVI

Em termos globais, o tema está mais presente na 2ª parte (embora com


menor número absoluto devido à menor duração da 2ª parte dos telejornais
durante a nossa amostra). Mas a distribuição ao longo dos pontos de entrada e
saída do telejornal mostra estratégias diferenciadas por parte das diferentes
redacções. Assim, a TVI aposta claramente em temas de “saúde, bem estar e
serviços sociais” antes do intervalo e no final do alinhamento. No alinhamento
da SIC, o tema mantém uma presença mais regular nos diversos momentos,
sendo o telejornal que, em termos relativos, mais abre o alinhamento com
notícias de saúde. A RTP1, por outro lado, tende a privilegiar o momento da
reabertura do telejornal.

A análise do tema “saúde, bem estar e serviços sociais” por categorias


temáticas indica uma prevalência das temáticas associadas à saúde. Em
termos relativos as categorias temáticas de “políticas e medidas legais sobre
saúde” (21%), “práticas médicas ou de saúde deficientes” (17%), “situação do
sistema de saúde” (14%) e “desenvolvimento de técnicas e práticas de saúde”
(13%) representam 65% das notícias. Por outro lado, a categoria apresenta
alguns problemas de definição metodológica, uma vez que a subcategoria
“outro” é, quando individualmente considerada, a mais frequente na codificação
de notícias da nossa amostra.

Se isolarmos as notícias sobre saúde, vemos que uma percentagem


importante diz respeito a acontecimentos negativos relativos ao sistema de
saúde português (ver abaixo, características de proximidade e tratamento
geográfico e valência das notícias). As dificuldades dos cidadãos no acesso à
saúde, os erros médicos e outras informações relacionadas com o
funcionamento do Serviço Nacional de Saúde ocupam 38% das notícias desta
categoria.

Tabela 1
Categorias temáticas nas notícias de saúde, bem estar e serviços sociais por
blocos de 15 minutos (%)

1º's 2º's 3º's 4º's Pós


Categorias temáticas 60m
15m 15m 15m 15m
20%
Situação do sistema de saúde 6% 12% 15% 18%
9%
Políticas e medidas legais sobre saúde 35% 21% 18% 15%
0%
Seguros de saúde 1% 0% 1% 0%
5%
Situações sobre serviços sociais 3% 4% 5% 5%
0%
Organizações não-lucrativas 2% 6% 4% 7%
7%
Eventos de beneficência 0% 4% 5% 8%
Desenvolvimento de técnicas e práticas 17%
6% 16% 14%
de saúde 14%
18,0
Práticas médicas ou de saúde deficientes 11% 23% 18% 18% 0%

14%
Pobreza 9% 2% 15% 6%
21%
Outros 30% 22% 16% 18%

A presença das categorias temáticas mais representativas ao longo do


alinhamento apresenta dados interessantes. Assim, as notícias sobre a
actividade política e legislativa relacionada com a saúde apresentam a sua
maior expressão no início do telejornal, perdendo relevância daí em diante.
Comportamento contrário têm as notícias sobre a “situação do sistema de
saúde” que ganham maior expressão à medida que o telejornal se aproxima do
final. No que se refere a “práticas médicas ou de saúde deficientes”, apesar de
terem alguma presença no início do telejornal, a sua presença é mais elevada
no segundo bloco de 15 minutos estabilizando a partir do terceiro bloco numa
frequência de 18%. As notícias sobre “desenvolvimento de técnicas e práticas
de saúde” atingem a maior expressão no bloco final do telejornal. De referir que
a única categoria com alguma expressão fora do tema saúde é a que agrupa
as estórias relacionadas com “pobreza”, que têm a sua maior expressão no
terceiro bloco. Como referimos atrás, a elevada percentagem da categoria
“outros” torna a codificação do tema relativamente problemática e aponta para
a necessidade de uma melhor adequação das categorias ao objecto de
estudo.

A maioria das notícias sobre o tema tem um tratamento geográfico


nacional e apresenta uma proximidade nacional. A saúde apresenta-se como
um tema que é avaliado pelos jornalistas em termos da relevância dos
acontecimentos para a comunidade nacional. Os acontecimentos ocorridos no
espaço geográfico local apresentam um interesse noticioso relevante, sendo
que representam 17% das notícias codificadas. De realçar também a atenção a
acontecimentos com uma proximidade em Lisboa e no Resto do País.

Tabela 2
Notícias de saúde, bem estar e serviços sociais com interveniente (%)

N %

Com interveniente 2 65
51 %

Sem Interveniente 1 35
33 %

O tema de saúde tem uma percentagem elevada (65%) de notícias que


recorrem à utilização do discurso directo com suporte visual dos intervenientes.
A estratégia discursiva dos jornalistas na construção do relato noticioso sobre
os acontecimentos utiliza várias vezes as declarações de pessoas que
contextualizam a informação veiculada. Os intervenientes mais utilizados
apresentam um estatuto social menos elevado, o que aponta para que o
jornalista dê voz ao cidadão ou ao utente dos vários serviços de saúde. A vox
populi é utilizada em cerca de um terço das notícias sobre o tema. Se
juntarmos os intervenientes da categoria “cidadãos” (14,7%) aos de “utentes”
(9,2%) e “anóminos” (9,2%) temos que 33,1 % das notícias com interveniente
utilizam declarações de intervenientes com reduzido estatuto social. De facto,
em termos globais para a nossa amostra, este é o nível mais presente na
análise dos intervenientes (37%). Apesar de a distribuição em termos de status
social ser relativamente homogénea em termos globais, torna-se importante
referir que, quando analisamos as diferentes categorias de intervenientes, a
categoria individual com maior expressão é a dos “médicos” (16,3%). Estes
intervêm mais do que os próprios responsáveis hospitalares (13,1%) ou do que
os responsáveis políticos da área (“ministros e secretários de estado”
presentes em 6,4% das notícias com interveniente). Este resultado é
consistente com a literatura que aponta o discurso médico e o papel dos
clínicos como central na definição dos temas relacionados com a saúde (para o
caso Português, ver, por exemplo, Cabral 2002 e 2009).

Tabela 3
Estatuto social dos intervenientes nas notícias de saúde, bem estar e serviços
sociais
%
(Interv.)
Status Social N %
31%
1º 77 21%
28%
2º 71 20%
37%
3º 94 26%
4%
Outros 9 2%
Figura 3
Valência nas notícias de saúde, bem estar e serviços sociais (%)

100

75 83

50
55

25
25
20
13
0 5
Negativa Neutra Positiva

Verbal Visual

A maioria das notícias do tema “Saúde, Bem Estar e Serviços Sociais”


apresenta uma valência verbal negativa, embora em termos visuais as notícias
sejam maioritariamente neutras. De referir que uma em cada cinco notícias
deste tema têm valência positiva.
O peso tanto das notícias de valência negativa como positiva é superior
à média da amostra, o que reflecte uma especificidade deste tema no seu
tratamento jornalístico.

Figura 4
Desviância nas notícias de saúde, bem estar e serviços sociais (%)

Normativa 82 8 6

Mud. Social 71 23 6

Estat’stica 19 46 31 4

0 25 50 75 100

1 2 3 4
Em termos de desviância, nota-se uma relativa ausência de notícias
altamente desviantes nomeadamente em termos normativos e de mudança
social. No entanto, no que se refere à desviância estatística 81% das notícias
apresentam algum grau de desviância. Destes, 35% apresentam desviância
acentuada.

Em termos das categorias mais relevantes deste tema, o


comportamento da variável desviância mantém-se mais elevado na
componente estatística do que na mudança social e normativa. Nas categorias
“políticas e medidas legais sobre saúde” e “situação do sistema de saúde”,
45% das notícias apresentam uma desviância estatística moderada ou
acentuada, apresentando valores mais reduzidos em termos de desviância
normativa e de mudança social. Por sua vez a categoria “práticas médicas ou
de saúde deficientes” apresenta uma desviância estatística moderada ou
acentuada em apenas 28% das notícias, apresentando valores de desviância
normativa em 14% e de mudança social em 2% das notícias. A categoria
“desenvolvimento de técnicas e práticas de saúde (novos medicamentos,
novos processos de tratamentos de saúde)”, a quarta mais frequente na nossa
amostra, apresenta valores residuais em termos de mudança social e de
desviância normativa, sendo apenas relevante a desviância estatística que é
moderada ou acentuada em 36% das notícias desta categoria.

Figura 6
Significância social nas notícias de saúde, bem estar e serviços sociais (%)
Pœblica 29 52 19

Cultural 92 7

Econ—mica 87 10

Pol’tica 69 21 8

0 25 50 75 100

Nenhuma M’nima Moderada Acentuada

Em termos da significância social das notícias, apenas as dimensões de


significância pública (62% apresentam algum grau de significância) e
significância política (30%) aparecem com algum nível de relevância.
A significância das principais categorias temáticas está de acordo com o
que seria expectável. Assim, a categoria “Políticas e medidas legais sobre
saúde” é a única que apresenta valores relevantes em termos de significância
política (29% das notícias). As notícias sobre “pobreza” apresentam
significância económica em 14% das ocorrências e, em termos de significância
cultural, apenas os “eventos de beneficência” apresentam valores relevantes
(10%).
As notícias com maior grau de significância pública estão relacionadas
com a categoria temática “Pobreza”(28%) (embora seja importante notar que
esta categoria representa apenas 9% do total das notícias do tema “saúde,
bem estar e serviços sociais”). Também as notícias sobre “políticas e medidas
legais sobre saúde” (26%) e “situação do sistema de saúde” (25%) e “práticas
médicas ou de saúde deficientes” (22%) apresentam valores relevantes de
significância pública.
2. Considerações finais

Em termos de valor notícia este tema parece ter um apelo relativamente


reduzido, uma vez que, nas várias dimensões analisadas, o número de notícias
com níveis elevados tanto de desviância como de significância são diminutos.
Todavia, em termos da dimensão verbal da variável valência, as notícias
relativas ao tema apresentam frequência mais elevada do que a média da
amostra, tanto em termos de valência negativa como de valência positiva, o
que aponta para o interesse e noticiabilidade deste tema.

A posição relativa das notícias sobre “saúde, bem estar e serviços


sociais” nos alinhamentos dos telejornais estudados reflecte estas
características. De facto, este tema não tende a constituir notícia de abertura
do telejornal, tendendo a ser mais representado em segmentos mais
avançados em termos de emissão. Todavia, o tema parece estar em processo
de afirmação na agenda jornalística, uma vez que, apesar das oscilações, 2006
aparece como o ano com a maior cobertura do tema em termos relativos no
conjunto dos telejornais na nossa amostra.

Figura 7
Proeminência versus complexidade nos temas de saúde, bem estar e serviços
sociais
A análise das categorias de acordo com os indicadores compósitos de
proeminência e complexidade, mostra que as questões políticas e legais
relacionadas com a saúde dão origem a tratamentos jornalísticos com uma
proeminência elevada e de complexidade claramente acima da média. Nesse
eixo, e algo surpreendentemente, as notícias relativas a “desenvolvimento de
técnicas e práticas de saúde (novos medicamentos, novos processos de
tratamentos de saúde)” situam-se num quadrante de baixa proeminência e
baixa complexidade. Mais próximas de um valor médio, as estórias relativas ao
Sistema Nacional de Saúde e a “práticas médicas ou de saúde deficientes”. De
referir a baixa proeminência dada a notícias relacionadas com a “pobreza” em
contraponto com as notícias que versam “situações sobre serviços sociais” e
que, apesar de pouco frequentes em termos absolutos, apresentam uma
proeminência muito mais elevada.

Em termos de tratamento do tema pelos três operadores televisivos, é


de destacar a maior proeminência dada ao tema pelo telejornal da SIC,
estando a RTP numa posição média (embora mais afastada no eixo da
complexidade) e sendo a TVI a que menor proeminência dá ao tema (apesar
de ser o telejornal com maior número de notícias). É também a TVI a que
menos complexifica o tratamento jornalístico das estórias sobre “Saúde, Bem-
estar e Serviços Sociais”.

Figura 8
Proeminência versus complexidade nos temas de saúde, bem estar e serviços
sociais por canal televisivo

A evolução das sociedades contemporâneas está a ser marcada por


dinâmicas sócio-demográficas que justificam o interesse pelo tema “saúde,
bem estar e serviços sociais”. O aumento da esperança média de vida nos
países ocidentais, associado às dificuldades do estado providência, tem criado
uma tensão sobre o sistema nacional de saúde e da segurança social,
organismos essenciais à prossecução das funções redistributivas do estado e
ao assegurar de um nível mínimo de bem estar das populações. Esta crise
ajuda a compreender a importância relativa que os jornalistas atribuem às
questões políticas relacionadas com a saúde. As disfuncionalidades
quotidianas do sistema também são notícia, ilustrando os erros e dificuldades
do acesso das populações a este direito consagrado constitucionalmente.
É interessante contrastar, então, estas conclusões com o “consenso
avaliativo” (Cabral 2002 e 2009) em que a generalidade da população
apresenta uma opinião positiva sobre o Sistema Nacional de Saúde, não
deixando de ser crítica em relação às disfuncionalidades (listas de espera, por
exemplo), ao mesmo tempo que parece apresentar “crescente tolerância às
propostas de reformas sistémicas” (Cabral 2009), nomeadamente em termos
do seu financiamento. Estes vectores, aparentemente contraditórios,
apresentam uma configuração estrutural que, associada ao enviesamento
negativo próprio da actividade jornalística (“Bad news is good news”), ajuda a
compreender características particulares do tema “saúde, bem estar e serviços
sociais” como, por exemplo, a presença de valores superiores à média da
nossa amostra tanto nas valências negativas, como nas valências positivas.
É importante salientar ainda o reduzido peso relativo que a cobertura
jornalística outorga às componentes de bem estar e serviços sociais nos
telejornais em horário nobre em Portugal, contribuindo para um enquadramento
mono-temático de uma área da vida humana que é, por definição e na prática,
multidimensional.
Bibliografia:

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