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f rases & reflexõ es (ht t ps://dharmalo g.co m/t o pico /f rase s-re fle xo e s/) / 26 de março de 2016

“É isso que vejo na


Crucificação”:
Joseph Campbell
explica o
significado do
símbolo cristão
By Nando Pereira (Dharmalog.com)
(https://dharmalog.com/author/nando-pereira-dharmalog-com/)

C
onhecido como um dos maiores estudiosos de
Mitologia e Religião Comparada do Século XX, o
americano Joseph Campbell (1904-1987), autor de
“O Poder do Mito” e “A Jornada do Herói”, analisou vários
símbolos e mitos cristãos, entre eles o da crucificação e
ressurreição de Jesus Cristo, o profeta do Cristianismo,
que usa a imagem dele em sua cruz como um dos seus
símbolos máximos — como é relembrado neste período de
Páscoa (e hoje também seria aniversário de Campbell,
nascido em 26 de março de 1904). Campbell analisou esses
símbolos mais de uma vez, usando várias referências
históricas ricas e diversas, da Idade Média passando
pelo folclore germânico e Carl Jung, e numa delas revela o
que ele mesmo vê no simbolismo da Crucificação.  O trecho
segue na íntegra mais abaixo (após a imagem da pintura de
Giotto), do livro  “A Joseph Campbell Companion:
Reflections on the Art of Living” e traduzido livremente
por este blog.

Em um outro texto, do livro “Isto És Tu –


Redimensionando A Metáfora Religiosa” (Landy), Joseph
Campbell também analisa o símbolo da cruz e da
crucificação explorando a questão de porque isso é
mitologia e não história (ou mais mitologia do que história,
se forem também história). Ele diz: “A resposta, portanto, à
nossa pergunta do porquê a crucificação de Jesus ter tal
importância para os cristãos envolve um complexo de
associações essenciais que não são, de modo algum,
históricas, mas sim mitológicas, pois, com efeito, jamais
houve qualquer Jardim do Éden ou serpente capaz de falar,
nem o “Primeiro Homem” solitário pré-pitecantropóide ou
o sonho como “Mãe Eva” invocado a partir de sua costela”
(pg.77). O livro pode ser encontrado em PDF(http://cabana-
on.com/Ler/wp-content/uploads/2015/04/Isto-Es-Tu-Joseph-Campbell.pdf)
na Internet ou em sebos como os da Estante
Virtual(http://www.estantevirtual.com.br/b/joseph-campbell/isto-es-tu-
redimensionando-a-metafora-religiosa/2106210423).

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“ISTO ÉS TU”, capítulo Cruz e Crucificação [trecho] Joseph
Campbell

“O que sempre é básico na Páscoa, ou ressurreição, é a


crucificação. Se você quer ressurreição, você deve ter
crucificação. Muitas interpretações da Crucificação falharam
em enfatizar esse relacionamento e ao invés disso enfatizam
a calamidade do evento. Se você enfatiza a calamidade, você
busca alguém para culpar, e por isso as pessoas culparam os
Judeus. Mas a crucificação não é uma calamidade se leva a
uma nova vida. Através da crucificação de Cristo nós fomos
libertados da concha, o que nos capacitou a nascer através
da ressurreição. Isso não é uma calamidade. Por isso temos
que ter um olhar renovado para este evento para que seu
simbolismo seja percebido.

Se pensarmos na Crucificação apenas em termos históricos,


perdemos a referência imediata do símbolo para nós. Jesus
deixou seu corpo mortal na cruz, o signo da terra, para ir a
seu Pai, com quem ele era um. De maneira parecida, nós
vamos nos identificar com a vida eterna dentro de nós. O
símbolo também nos fala da aceitação voluntária de Deus da
cruz, quer dizer, de sua participação nas provaçÕes e
tristezas da vida humana no mundo, de maneira que ele
está aqui dentro de nos, não por causa de uma queda ou
engano, mas por alegria e êxtase. Assim a cruz tem um
sentido dual: um, nossa ida para o divino, a outra, da vinda
do divino até nós. É uma verdadeira travessia. (nota da
tradução: aqui há uma citação do verbo “atravessar”, ou
“cruzar”, que usa a mesma raiza de “cruz”: cross, como cruz, e
crossing, como cruzamento, no sentido de travessia).

Na tradição Cristã, a crucificação de Cristo é um grande


problema: porque o salvador não poderia apenas ter vindo?
Porque ele teve que ser crucificado?
Bem, várias explicações teológicas tem vindo até nós, mas
eu acho que uma explicação adequada e apropriada pode ser
encontrada na Epístola de Paulo aos Filipenses, onde ele
escreve no capítulo 2 que Cristo não achava que a Divindade
era algo para ser mantido – o que quer dizer que nem você
deve manter – mas, ao invés disso, entregue, ele tomou a
forma de um servo até mesmo na morte na cruz. Isso é uma
afirmação feliz dos sofrimentos do mundo. A imitação de
Cristo, então, é participar dos sofrimentos e alegrias do
mundo, ainda que todo o tempo vendo através delas a
radiância da presença divina. Isso é funcionar a partir do
chakra do coração, onde os dois triângulos estão unidos.

É isso que vejo na Crucificação. De todas as explicações que


tenho lido, é a única que faz aquilo que eu chamaria de um
sentido respeitável. Os outros são todos preocupados com
um deus vingativo que tem que ser apaziguado pelo
sacrifício do seu filho. O que você faz com uma coisa dessas?
É uma tradução do sacrifício numa imagem muito bruta.  A
idéia de Deus sendo uma entidade que tem que ser
acalmada é sórdida demais para ser concebida.”

— Joseph Campbell em “A Joseph Campbell Companion:


Reflections on the Art of Living”

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Imagem: detalhe de “Cristo Cruficiado”, de Giotto (aprox.


1310).

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