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Propostas para financiar a infraestrutura são ideias velhas, embora boas, e sempre

torpedeadas

Governo retoma ideia do financiamento de longo prazo com fundos voluntários


para suplementar o papel do BNDES como banqueiro das novas concessionárias

28/2/2013 - 01:54 - Antonio Machado

Um dos problemas do governo, ao menos dos mais recorrentes, no afã de superar o


crescimento econômico acanhado é não completar o que começou e a propensão a
começar coisas novas, várias das quais não passam das mesmas ações inacabadas,
apresentadas com outro verniz.

A novidade da vez, decorrente da constatação de que os projetos de infraestrutura


lançados nos programas de concessão vão exigir muito mais do que o BNDES e outros
bancos estatais podem prover (cerca de R$ 470 bilhões, ou 10,7% do PIB) mesmo com o
reforço do Tesouro – o que também é notícia velha -, é a criação de um fundo de liquidez
para as emissões de debentures pelas concessionárias privadas dos serviços públicos
licitados. Legal, é uma medida de bom senso.

Ela envolve o desenvolvimento de um mercado secundário de títulos de dívida privada.


Sua inexistência se explica pelo desinteresse de instâncias do próprio governo, como o
Tesouro (para manter mercado cativo para os papéis da dívida pública), o Banco Central
(que se poupa de acompanhar os riscos sistêmicos, maiores em operações de longo
prazo) e a Receita Federal (avessa a discutir a incidência do Imposto de Renda em
aplicações financeiras). Tem mais obstáculos.

O IR compõe com o IPI a cota de repasses constitucionais a estados e municípios. Foi


grande a reclamação quando o governo abateu o IPI para incentivar o consumo no ano
passado. Supõe-se que a gritaria dos governadores e prefeitos será ensurdecedora, caso
se mexa com o IR, o tributo de maior arrecadação no país, sem compensações.

Até agora tem sido assim, num consórcio de má vontade que inclui a banca comercial. É
mais rentável, cômodo e menos arriscado operar com o crédito de curto prazo,
especialidade do sistema financeiro brasileiro, que com o financiamento de longo prazo, o
que implica, entre outras necessidades, captar recursos com duração compatível e
montar estruturas dispendiosas de análise de risco setorial.

A legião de críticos do gigantismo do BNDES omite tais facetas do crédito no Brasil, mas
também os seus defensores, segundo os quais o dinheiro voluntário não estaria
predisposto a bancar os negócios de maior maturação, como hidrelétrica, rodovia e
saneamento.

Modelo tentado desde JK

Na Europa, no entanto, são bancos como Itaú e Banco do Brasil que apoiam tais
operações. Nos EUA, os bônus privados e ações dominam o mercado de financiamentos
de longo prazo.

Aqui, a ideia desde a era JK, passando pelo regime militar, sempre foi a de um modelo
misto, que conciliasse o viés dirigista de uma economia historicamente com forte
presença estatal (para viabilizar projetos com retorno social maior que o de mercado,
incentivados em geral com subsidio de juro) com a liberdade de ação das empresas
privadas. Nunca funcionou.

O governo Dilma Rousseff retoma a ideia do financiamento de longo prazo custeado por
fundos voluntários para suplementar o papel do BNDES (ou, na origem de parte de seu
funding, do Tesouro Nacional, que “fabrica” dinheiro emitindo dívida) de principal
banqueiro das novas concessionárias de ativos de infraestrutura.

Trama contra debêntures

Dois dos impedimentos que fizeram fracassar a iniciativa em outros governos não mais se
põem: inflação descontrolada e taxa básica de juro em níveis próximos ou maiores que a
taxa interna de retorno de negócios empresariais. Falta o capital dos investidores, atrás
dos quais o governo despachou funcionários de alto escalão a Nova York e a Londres
para apresentar as oportunidades das concessões. Por sua vez, os investidores alegam
que o modelo está incompleto.

Sem equalizar, mesmo que parcialmente, a tributação dos papéis do Tesouro e de dívida
privada, a emissão de debêntures vai continuar limitada ao que fundos de pensão e
seguradoras - os investidores típicos de longo prazo -, conseguem absorver. Isso é pouco
para os volumes requeridos pela atualização e ampliação da infraestrutura. Outra
demanda do investidor se relaciona à liquidez do papel.

Vítima da rotina maçante

Hoje, quem investe em títulos de dívida privada de longo prazo se obriga a mantê-los em
carteira, mesmo que necessite de liquidez, já que não há um mercado secundário
transparente, em que vendedores e compradores interajam, formando preços para os
diversos prazos das emissões, tal como há para os papéis do Tesouro e na
BM&FBovespa.

É exatamente o que o BNDES fez em baixa escala em 2011: um fundo de liquidez.


Convidados, os grandes bancos privados e estatais não se interessaram. O BNDES saiu
sozinho, mas a demanda foi tanta que o dinheiro logo acabou. O Bradesco garante
liquidez limitada para debêntures de seu interesse. E é só.

Em suma, não faltam propostas no brechó de ideias do governo. Falta executá-las, rotina
maçante para a maioria dos políticos.

Patacoada levada a Dilma

Tais ideias são melhores que a patacoada sugerida à presidente: o Tesouro se endividar
e repassar dinheiro à banca privada para que ela financie a infraestrutura. O Tesouro faz
isso com o BNDES e a CEF. Mas ambos são 100% estatais. Os lucros com o dinheiro
público retornam 100% ao Estado, isto é, à sociedade. No modelo de jerico, o lucro
graças à dívida pública vai para o bolso dos acionistas.

Melhor fará o Banco Central se liberar mais que os R$ 15 bilhões de depósitos


compulsórios já facultados à banca, para aplicar em infraestrutura com juros equivalentes
aos do BNDES. Esse dinheiro sai de depósitos retidos pelo BC para calibrar o crédito.

É outra ideia velha, conforme estudos do Instituto Talento Brasil e Instituto de Estudos
para o Desenvolvimento Industrial, incluindo a do fundo de liquidez e do IR, enviados ao
governo. Com a vontade política que Dilma está a mostrar, talvez agora saiam do papel.

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