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Este guia é uma

visão coleccionável
sobre Lisboa.
Abra, leia.
Fique por dentro.
O Open House
Lisboa 2019
representa a visão
de Patrícia Robalo
— uma perspectiva
alargada sobre
Lisboa.
—2 —3

Uma visão Entre outras informações, os horários referentes

coleccionável às visitas disponíveis podem ser consultados no


site e no mapa oferecido durante o evento.

sobre Lisboa Porque queremos chegar a toda a gente e


que toda a gente chegue ao Open House,
oferecemos uma vez mais um conjunto de
visitas acessíveis, através de uma mediação
Com o Open House, colecciona partes adequada a pessoas cegas ou com baixa visão,
de Lisboa. Através deste guia, pode levá-las surdos ou com deficiência intelectual.
no bolso, antes, durante e depois do fim-de-
semana dedicado à arquitectura da capital. Esta celebração da arquitectura teve a sua
Em 2019, acontece a 21 e 22 de Setembro. primeira edição em 2012 e, desde então, faz
parte da família Open House Worldwide, que
A oitava edição reúne precisamente 50 reúne perto de meia centena de cidades.
espaços — a maioria, uma estreia — que O conceito originalmente criado em Londres,
representam um olhar muito particular sobre no ano de 1992, por Victoria Thornton, totaliza
uma Lisboa sem Centro, a perspectiva da cerca de 2 milhões de visitantes por ano.
comissária Patrícia Robalo. Evidenciando a Em 2015, o OH Lisboa tornou-se numa
necessidade de questionamento e apropriação co-produção entre a Trienal e a EGEAC.
de espaços essenciais para (re)imaginarmos
a urbanidade de Lisboa, a arquitecta e
investigadora desenhou um roteiro que vai
além dos circuitos habituais. Poderemos visitar
espaços, edifícios ou infra-estruturas tão
diversos quanto a Feira do Relógio, o Palácio
da Ajuda, a Escola Superior de Música ou a
rede de metropolitano. Organizados por ordem Sinta-se
alfabética para facilitarem a consulta, permitem
uma compreensão complementar ao mapa. em casas.
Calvino, I,. 2000, As Cidades
Invisíveis, Lisboa: Teorema

Nunca se deve
confundir a
cidade com
o discurso
que a descreve.
E, contudo,
entre eles há
uma relação.
—6 —7

Sem Cidade A concepção urbana que lhe subjaz, baseada


num modo de vida único, assente na
proximidade física, na centralização dos
O sentido original da ideia de cidade era poderes político, social, económico e cultural,
o de um espaço com centro, limites e forma e principalmente, na distinção socioespacial
identificáveis que possuía características em relação à periferia — construção amorfa,
dicotómicas de campo (por mútua definição aberrante, depressiva e sub-urbana —,
e distinção), representado nas imagens fundamenta ideias de fragmentação do espaço
de cidades muralhadas ou fortificadas. metropolitano. Por outro lado, condiciona
A organização das cidades e a influência também a superação da exemplaridade
determinante que exerciam sobre o restante da cidade tradicional como construção única
território eram construídas sobre a da condição urbana contemporânea, que,
correspondência entre a urbis, a polis e a civitas; pelo contrário, se organiza por conexão,
ou seja, entre as suas dimensões morfológicas infra-estruturação e em rede.
e tipológicas, políticas e governativas,
e representativas e cívicas.

Contudo, cidade é hoje um conceito vago, tanto


usado para descrever diferentes organizações
Sem Centro
espaciais, estratégicas, comerciais ou analíticas O Plano Geral de Urbanização e Expansão
— por exemplo, Cidade-Jardim, Cidade-Região, de Lisboa, de 1948, revela a estruturação
Cidade da Água, Cidade-Estatística —, quanto do crescimento metropolitano de Lisboa
usado para contrariar o Urbanismo Moderno sobre a protecção da cidade herdada
e o Planeamento contemporâneo, através da e a desconsideração de novas formas de
concepção idealizada de um espaço urbano urbanização como campos fenomenologicamente
unitário — corporizado na cidade tradicional, relevantes para a Arquitectura. O relatório
contínua ou canónica. do Plano explica que a metrópole de Lisboa é
—8 —9

formada por um núcleo central que é a Capital simbólico de Lisboa, através da expropriação
do Império Português e uma série de subúrbios de terrenos em larga escala, contrastou com
que, de forma tentacular, formam a expansão uma urbanização acelerada em territórios de
ao longo dos principais eixos de comunicação. topografia incompleta.

Inspirado no modelo urbano de cidade-jardim


(composto por núcleos urbanos secundários
ligados por ferro/rodovia a um centro) e pelo
The Greater London Plan, 1944, de Patrick
Sem Periferias
Abercrombie, mostra uma estrutura espacial O desenvolvimento de um pensamento
hierárquica, na qual as interdependências foram metropolitano, segundo novos princípios
construídas pela distância e pela diferença urbanísticos, para construção de um espaço
entre centro e periferia. A definição explícita do mais equitativo, policêntrico e qualificado não
que era (ou é) Lisboa, e do que não era (ou não se desenvolveu após a formalização das Áreas
é) operacionalizou a separação em detrimento Metropolitanas, em 1991. A Arquitectura não
da construção partilhada do sistema funcional interpelou, de forma integrada, as políticas
e relacional metropolitano. públicas democráticas sobre as escolhas
espaciais, territoriais e paisagísticas da estrutura
No Plano, que inspirou a delimitação da ausência metropolitana ditatorial.
de centro neste roteiro, vemos que: o limite
administrativo da capital ganhou profundidade Os processos de urbanização-desurbanizante
para ser uma Zona de Protecção Rural (génese — que hoje transformam áreas centrais ou de
do Parque Florestal de Monsanto); o esforço excepcionalidade paisagística, patrimonial ou
de infra-estruturação radiocêntrica de Lisboa arquitectónica — têm semelhanças fundamentais
coexistiu com a deficiente infra-estruturação com os processos de periferização da população
da expansão urbana de outros concelhos; e (sobretudo migrante) que aconteceram durante as
o controlo fundiário, espacial, programático e fases de implementação, expansão, consolidação
—10 —11

e explosão metropolitanas de Lisboa, na segunda administrativo ou projectual) não contribuem


metade do século XX. Não esquecendo as para a nostalgia e a violência que identificam
especificidades de cada momento, têm em — na transformação invisível das morfologias
comum a escassez ou a perda da diversidade urbanas e tipologias edificatórias de Lisboa —
de usos, funções e população; a precariedade, e para a deriva de debates públicos
o abandono ou a degradação arquitectónica; fundamentais para o nosso futuro: habitação,
vulnerabilidades social, económica, cultural mobilidade, segregação urbana, espaço público
e política; a ausência ou obsolescência das e emergência climática.
condições central e representativa; e o
consequente esvaziamento do exercício da Esta questão aponta problemas éticos, práticos
cidadania e da praxis democrática. e teóricos, presentes no afunilamento do campo
de conhecimento da Arquitectura e do
O modelo de desenvolvimento actual — assente reconhecimento social do seu papel na nossa
nas interligações entre a financeirização / sociedade. É nesta amplitude de reflexões que
globalização da propriedade urbana, a amplitude desenvolvemos o roteiro da edição de 2019
económica da indústria da construção e os do OHL.
investimentos nos turismo, luxo e imobiliário
— lançou uma nova fase de transformação da Patrícia Robalo
Lisboa metropolitana e regional. Inevitavelmente,
a mediação infra-estrutural entre os espaços
virtuais e físicos é objecto de trabalho da Uma visão
arquitectura.
sobre Lisboa,
Ignorarmos os processos de produção urbana,
que lhe são inerentes, deve levar-nos a pensar
se as ideias de neutralidade e de independência
sem periferias,
do discurso arquitectónico (imagético, teórico,
Sem Centro.
— espaços OH

—14 Amoreiras 360º Panoramic View — 43 Feira do Relógio


—15 Apartamento na Av. Estados Unidos da América II e III — 44 Fonte Monumental da Alameda
—16 Atelier Fernanda Fragateiro — 45 Fundação Calouste Gulbenkian
—17 Atelier no Bloco das Águas Livres — 46 Fundação Champalimaud
—20 Bairro Grandela — 47 Garage Films
—21 Bairro Padre Cruz — Quarteirão Piloto — 48 GS1 Portugal
—22 Biblioteca Municipal de Marvila — 49 Igreja de Santa Isabel
—23 Biblioteca Nacional de Portugal —52 LU.CA – Teatro Luís de Camões
—24 Blocos Habitacionais — Célula C —5 3 LX Factory
—25 Capela de Santo Amaro —54 MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia
—26 Casa em Campo de Ourique —55 Mercado de Arroios
—27 Casa na Bartolomeu Dias —56 Museu Bordalo Pinheiro
—28 Casa no Restelo —57 Museu Nacional do Azulejo
—29 Casa Triangular —58 Palácio do Beau Séjour
—30 Casa-Atelier Inês Lobo —59 Palácio Nacional da Ajuda
—31 Conjunto Habitacional Cinco Dedos — 60 Pavilhão Branco
—32 Convento Dominicano de S. Domingos — 61 Rede de Artes e Ofícios de Lisboa
—33 Empreendimento Prata — 62 Rede de Metropolitano de Lisboa
—36 Escola Secundária Braamcamp Freire — 63 Regularização dos Bairros PRODAC
—37 Escola Secundária Rainha D. Leonor — 64 Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras
—38 Escola Superior de Comunicação Social — 65 Restaurante Mezze
—39 Escola Superior de Música — 68 SAAL – Bairro das Fonsecas e Calçada
— 40 Estufa Fria — 69 Silos Portuários do Beato
— 41 Experiência Pilar 7 —70 Teatro Camões
— 42 Fábrica de Água de Alcântara —71 Teatro Thalia
—14 —15

Apartamento
na Av. Estados Unidos
Amoreiras 360º
da América II e III
Panoramic View José Segurado e Filipe Figueiredo, 1957 / Marta Onofre, 2017
Tomás Taveira, 1985 (Torres e Amoreiras Shopping Center) /
Avenida Estados Unidos da América, 105
Frederico Valsassina, 2016 (Miradouro)

Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, 2037


Projecto contrário à continuidade urbana e à praça,
desenhadas no Plano de Alvalade. Articula o cruzamento
O conjunto das Amoreiras foi uma obra marcante para do movimento viário com a implantação cardeal de blocos
o debate arquitectónico e urbanístico pós-moderno de habitação colectiva — influenciados originalmente, pela
português. O centro comercial ocupa um embasamento programação das unidades de habitação desenvolvidas
comum às três torres e a um quarto edifício na zona sul no Movimento Moderno, mas construídos com comércio
do lote. As vistas, a orientação solar, as tipologias e os no piso térreo e restantes pisos de habitação. É um dos
enquadramentos urbanos foram determinantes para o conjuntos urbanos mais relevantes de Lisboa, nomeadamente
posicionamento destes elementos verticais, cujo programa pela modernidade subjacente ao desenho das relações
inclui habitação e escritórios. O miradouro foi construído de paralelismo, repetição e tipificação arquitectónica
sobre a torre nascente integrando no complexo do centro dos blocos e, ainda, pela exploração das suas dimensões
comercial um espaço de lazer diferenciado. A escolha dos formais e linguísticas, entre as quais, o levantamento das
materiais e acabamentos — a pedra lioz, o vidro das guardas frentes dos edifícios sobre pilares e a modularidade da
e os lacados brancos — contrastam com a materialidade fachada. Podemos visitar dois apartamentos de dois pisos
do conjunto original. A 174 metros do nível do mar, sobre com exposições solares e urbanas diferentes, e um espaço
o espaço técnico da cobertura, proporciona uma vista de trabalho no piso térreo tardoz. Respectivamente,
impressionante de 360º sobre a região de Lisboa. um espaço de habitação reabilitado recentemente, outro
A Sul, a beleza e a imponência das características geográficas transformado antes de ser habitado pela primeira vez,
fundem-se com o edificado. A Norte, sobressaem os um espaço de trabalho, antiga gráfica a que se juntam
contrastes. actualmente funções de escritório, livraria e galeria.
—16 —17

Atelier no Bloco
Atelier Fernanda das Águas Livres
Fragateiro Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu da Costa Cabral, 1956 /
Teresa Nunes da Ponte, 2013
José Daniel Santa-Rita, 1974
Praça das Águas Livres, 8
Rua Cidade de Lobito, Atelier Municipal 1
Edifício excepcional de habitação, comércio e serviços,
Conjunto edificado com quatro espaços independentes construído em betão armado e pensado como espaço
para trabalho artístico. As suas qualidades espaciais, formais da vida moderna. Nos seus projecto e execução, foram
e lumínicas revelam-se na solução conferida à encomenda valorizadas a funcionalidade, a organização espacial e a
da Câmara Municipal de Lisboa para implantar ateliers qualidade de construção, infra-estruturas e intervenções
para escultura, com 8 metros de pé-direito, próximos de artísticas. O bloco denuncia influências de outras obras
um palácio do século XVIII — Palácio do Contador-Mor — modernas nos aspectos programático, tectónico
integrado no Plano dos Olivais Sul. A escavação do terreno e linguístico. As fachadas são soluções de riquezas formal
permitiu enterrar a volumetria do edifício, reduzir a altura das e volumétrica que enquadram, de acordo com a orientação
fachadas e no seu interior criar zonas de trabalho e circulação solar, a entrada de luz nos espaços interiores, dialogam
distintas, mas convergentes para o espaço central. No tecto, com o contexto urbano e reforçam a escala do edifício.
o betão à vista, laminar e justaposto a blocos vazados do As coberturas formam tectos em meia abóbada que difundem
mesmo material, contrasta com a delicadeza das caixilharias a luz Norte nos vários ateliers integrados no conjunto.
em aço e as proporções confortáveis de todo o espaço. A reabilitação de um destes espaços introduziu um piso
Os vãos virados a norte captam directamente a luz baixa novo e a renovação dos acabamentos e infra-estruturas.
do Inverno e difundem a luz alta do Verão. A entrada actual O projecto reforçou, através da uniformização a branco
foi pensada como tardoz, para cargas e descargas. A original e síntese dos materiais usados, essencialmente madeira
é hoje um encerramento verde, arbóreo e exterior. e pedra, as proporções e o conforto originais.
Ascher, F., 2010, Novos
Princípios do Urbanismo, Lisboa:
Livros Horizonte

É preciso
acabar com
a representação
nostálgica da
cidade europeia.
—20 —21

Bairro Padre Cruz —


Quarteirão Piloto
Bairro Grandela Alexandre Dias, Bruno Silvestre e Luís Spranger, 2018

Rua Rio de Ouro


Vários autores, 1910 / Rui Pimentel, 1993

Estrada de Benfica, 419


Em 2009, a Câmara Municipal de Lisboa lançou um
plano de regeneração dos vários tipos de alojamento
Num período de significativo aumento de população construídos desde 1959 no Bairro Padre Cruz. Financiado
e ausência de proporcionais garantias de saúde pública, pelo Programa de Investimento Prioritário em Ações de
infra-estruturação e habitação, Francisco Grandela mandou Reabilitação Urbana, o quarteirão-piloto veio substituir
construir em 1902 — perto da sua fábrica e à imagem do parcialmente um conjunto de casas de alvenaria em
sucedido com outros industriais do século XX — um bairro avançado estado de degradação. O projecto desenvolve-se
exclusivo para operários e encarregados. Classificado como sobre uma encosta de ligeiro declive, onde se desenharam
imóvel de interesse público, o conjunto localizado entre a acessos directos a vinte habitações de diferentes
Ribeira de Alcântara e a Estrada de Benfica é composto por tipologias. P, pela cota mais baixa, pela mais alta e ainda
duas tipologias: apartamento em piso térreo ou primeiro por meio de escadas. Organiza fracções habitacionais
piso com acesso por escada exterior; e moradia unifamiliar. autónomas num conjunto que adquire escala de habitação
Na fachada principal, os dois quarteirões são rematados colectiva. Não existem áreas comuns interiores apesar
por edifícios autónomos, cuja escala e inspiração de serem partilhados infra-estruturas e acessos exteriores.
na arquitectura clássica contrastam com a simplicidade Os diferentes volumes e espaços intersticiais são integrados
da zona residencial. Originalmente, foram creche e escola pela uniformização das soluções construtivas, principalmente
primária. Hoje, são equipamentos públicos, Biblioteca- o revestimento cerâmico que determina as proporções
-Museu República e Resistência e Casa da Cidadania. e dimensões de toda a construção e dos vãos exteriores.
—22 —23

Biblioteca Municipal Biblioteca Nacional


de Marvila de Portugal
Raul Hestnes Ferreira, 2016 Porfírio Pardal Monteiro, 1969

Rua António Gedeão Campo Grande, 83

Esta biblioteca localiza-se numa área de Marvila em Faz 50 anos desde que este edifício público marcante
transformação do seu cadastro rural e industrial por para a construção do Conhecimento é lugar de recolha,
loteamentos para habitação colectiva pública. É um espaço protecção e disponibilização de todas as edições
de leitura, arte, formação e aprendizagem, onde se pensa portuguesas, e muitas estrangeiras, sobre o país e seus
uma programação cultural como meio de construção autores. A funcionalidade e a lógica da sua organização
de uma comunidade com os moradores dos bairros espacial — baseada nos movimentos do leitor, do livro e dos
circundantes. O projecto reabilita o edifício pré-existente funcionários enquanto circuitos fechados — permanecem
da Quinta das Fontes e constrói outro edifício de raiz. actuais. Daciano da Costa definiu o mobiliário, a iluminação
Com cerca de 2600 metros quadrados, é a maior biblioteca e os materiais dos principais espaços interiores. Entre várias
municipal de Lisboa, organizada entre áreas diferentes intervenções artísticas, Guilherme Camarinha concebeu
como auditório, salas de leitura e infantis. O espaço a tapeçaria da Sala de Leitura Geral e Leopoldo de Almeida
central, de pé direito e entradas de luz múltiplos, mostra realizou os baixos-relevos da fachada principal. Pode
a importância, para as obras do autor, da geometria visitar a torre de depósito das edições que foi ampliada
e materialidade na definição das suas proporções e forma, e remodelada entre 2008 e 2012. A sua independência
assim como recorda a influência da arquitectura de Louis construtiva foi pensada no projecto original, para que
Kahn, com quem aquele trabalhou nos Estados Unidos a previsível ampliação pouco prejudicasse os serviços
da América. da biblioteca e o restante edifício.
— 24 —25

Blocos Habitacionais —
Célula C Capela de Santo Amaro
Bartolomeu da Costa Cabral e Nuno Portas, 1963 Diogo de Torralva, 1549 / Gonçalo Ribeiro Telles, 1960

Rua Cidade de Carmona, 11 Calçada Santo Amaro, 21

O Plano dos Olivais Sul, levado a cabo pelo GTH (Gabinete Edifício único em Lisboa pelo desenvolvimento de planta
Técnico de Habitação) na década de 60, estruturou centralizada em período renascentista. Foi desenhada pelo
uma área rural e periférica de Lisboa, através de uma autor do claustro do Convento de Cristo, em Tomar.
concepção urbana influenciada pelo Movimento Moderno A entrada é realizada numa galilé semi circular, com tectos
e pela Carta de Atenas. A Célula C resulta de uma procura abobadados e paredes totalmente revestidas por azulejos
arquitectónica inconformada que tenta conciliar as tardo-maneiristas de relevância histórica, desenvolvidos
características da cidade e do habitar tradicional com sobre dois registos evocativos de Santo Amaro. Altares
o bloco moderno, num exercício de habitação colectiva ladeiam os vãos principais e painéis policromos —
pública. Trata-se de um espaço de modernidade tardia que influenciados por gravuras, com azulejo padrão, desenho
se desenvolve sobre relações complexas com a paisagem e figurativo e folhagem larga — revestem os restantes
a envolvente urbana, sobre as mudanças nos modos de vida paramentos. Explorada por via da tratadística italiana,
e sobre a industrialização da construção. Esta célula inclui a erudição arquitectónica de toda a composição espacial
a torre onde visitamos um apartamento, espaços públicos e geométrica coloca o lugar de oração no centro, enquanto
e edifícios circundantes em banda, elementos também espaço cilíndrico encerrado por cúpula e lanternim simples.
articulados pela exploração da semântica urbana tradicional Templo de peregrinação e origens lendárias, as suas
— praça, rua, largo — de espaços semi-abertos de transição localização e vistas sobre o rio foram preservadas pela
entre exterior e interior. escadaria e pelo terreiro, que também serve de miradouro.
—26 —27

Casa em Campo
de Ourique
Camarim Arquitectos (em construção) Casa na Bartolomeu Dias
Aurora Arquitectos, 2019 (reab.)
Rua Saraiva de Carvalho, 43
Rua Bartolomeu Dias, 97—99
A peculiaridade do contexto urbano que os autores
encontraram resultou da permanência de um prédio Encomenda de uma habitação para família de cinco
de rendimento pré-existente, banal e devoluto, face pessoas, num lote com 60 metros quadrados, à época
à transformação espacial e progressiva do edificado ocupado por uma construção simples, em avançado
circundante. A casa é protegida pelo silêncio e pela estado de degradação. A ampliação do edifício implicou
vegetação abundante do cemitério inglês, e diminuída o alinhamento em altura com o edificado em redor e a
pela monumentalidade da Escola de Hotelaria e Turismo de progressão, no interior da casa, através de uma escada
Lisboa. A resolução das contradições das suas implantação que se vai adaptando à organização dos diferentes pisos.
e organização programática determinaram os contornos Nos dois primeiros, encontramos os espaços privados.
espaciais deste projecto de moradia unifamiliar. O rigor da Nos três acima, encontramos os espaços comuns
proposta prende-se com o trabalho escultórico do edifício, e familiares, que se tornam progressivamente mais amplos
com a valorização de todas as suas faces pela permanente e livres da compartimentação da privacidade. A vista
interdependência entre a estruturação do habitar e a sua para o rio e, sobretudo, a luz de Sul vão crescendo na
reinvenção pública. Um programa compositivo sobre vivência da habitação até ao espaço exterior na cobertura.
uma selecção de aspectos arquitectónicos e decorativos, A regularidade das fachadas e dos vãos exteriores sai
com relevância dada ao azulejo como revestimento reforçada, dentro e fora da habitação, pelo desenho
exterior, começa na fachada principal e acaba por recobrir das excepções: o “olho verde” em pedra Verde Viana
as restantes fachadas. e a varanda projectada.
—28 —29

Casa Triangular
Luís Pedro Pinto, 2018

Calçada dos Barbadinhos, 10


Casa no Restelo A abertura da Calçada dos Barbadinhos deu-se no século
Mafalda Batalha, 2015 XVIII com a instalação de um convento com o mesmo
Rua D. Francisco de Almeida, 4
nome, nas imediações. Este projecto de habitação
unifamiliar surge quando a rua, essencialmente residencial,
O Plano para a Encosta da Ajuda foi implementado nas alarga e ganha árvores. A configuração triangular do lote
décadas de 40 e 50 do século XX. A consolidação da e a exiguidade da área de implantação de 47 metros
zona Sul do Bairro do Restelo deve-se à preservação quadrados determinaram a sua subvalorização
das tipologias de moradia isolada ou em banda e ao e consequente redução de custos de construção.
crescimento das áreas verdes. Os dois níveis do terreno A habitação estrutura-se entre quatro pisos, com entrada
pré-existentes tornaram-se estruturantes na organização pelo piso térreo e possibilidade de permanência e fruição
dos espaços da casa, acessos, jardim e piscina. das vistas para o rio a partir da cobertura. Construída
A percepção do trabalho volumétrico começa a partir da numa única parede de betão de dezoito centímetros,
rua, pela distinção entre os elementos em aço corten — o exterior da casa é revestido e pintado de verde cinza.
no piso térreo e do muro — e os pisos superiores, em betão A presença interior do betãoé predominante e conjugada
branco. O desenho da possibilidade de total encerramento com serralharias pintadas das escadas e dos pré-aros dos
da casa revela-se nas soluções construtivas encontradas vãos exteriores. A atenção dada ao ângulo mais agudo
e na profundidade dos vãos dos pisos superiores. Este é da implantação, a Sul, determinou soluções específicas
um projecto de síntese tectónica, com controlo sobre a nos vários pisos. Na entrada está oculto, no primeiro piso
estereotomia resultante da cofragem do betão, no qual desmaterializa-se num espelho com a totalidade do
diferentes vãos exteriores e elementos de encerramento pé-direito, no segundo foi quebrado para obtenção de um
trazem variações de luz e sombra ao uso interior do compromisso volumétrico e de desafogo com o edifício
espaço. Foi Menção Honrosa do Prémio Valmor 2015. adjacente, e no terceiro já não existe.
—30 —31

Conjunto Habitacional
Casa-Atelier Inês Lobo Cinco Dedos
Inês Lobo Arquitectos, 2018 (reab.) Vítor Figueiredo, 1975

Calçada do Duque de Lafões, 76 Rua Adães Bermudes, 252

A configuração deste espaço remonta à construção do Conjunto urbano composto por cinco blocos de nove pisos
Palácio dos Duques de Lafões, e posterior transformação dispostos em leque, encomendado pelo Gabinete Técnico
cadastral da sua quinta, pelo atravessamento do caminho- de Habitação (GTH). Integra, a poente, a zona N2 do Plano
de-ferro e pela cedência de terrenos para exploração de Urbanização de Chelas, implantada sobre uma linha de
industrial e comercial. Desconhece-se a data concreta festo. É um projecto que surge após vários trabalhos de
da construção pré-existente, mas será anterior a 1937. habitação a custos controlados encomendados ao autor
O programa é composto por três espaços autónomos por diferentes entidades públicas e autarquias do país.
— dois de habitação e um de atelier — desenvolvidos Esta obra questiona os desencontros teóricos e práticos
por meio da abertura de pátios interiores e alterações do Plano de Urbanização de Chelas e o papel resultante
à cobertura das construções pré-existentes. O atelier que foi dado aos projectos de arquitectura. A repetição
ocupa o piso térreo — dada a amplitude deste espaço e a padronização de todos os elementos arquitectónicos,
anteriormente industrial —, onde são organizadas áreas construtivos e volumétricos, a monumentalidade dada à
de trabalho distintas, como biblioteca, arquivo, salas de habitação colectiva de custos controlados e a abordagem
reunião e produção. As habitações localizadas no primeiro urbana distante das espacialidades da cidade tradicional
piso, a partir de um eixo de simetria coincidente com expressam um posicionamento crítico sobre as influências
a cumeeira do telhado, organizam-se à volta de uma sala modernas, a exiguidade dos custos de construção
comum e de terraços rasgados nos extremos. e o objectivo central de dignificação do espaço habitado.
—32 —33

Convento Dominicano
de S. Domingos
Paulo Providência e José Fernando Gonçalves, 2005 Empreendimento Prata
Renzo Piano Building Workshop e CPU Urbanistas e Arquitectos,
Rua João de Freitas Branco, 12
(em construção)
Entre a data do projecto e os nossos dias, o enquadramento Rua Tabaqueira
urbano deste conjunto edificado sofreu alterações
radicais. A escassez de referências urbanas e a construção Este projecto de grande escala urbaniza os terrenos da
do viaduto que hoje existe determinaram a autonomia antiga Fábrica de Armamento de Guerra de Braço de Prata.
do projecto e as diferentes fases de construção. O Plano de Pormenor da Matinha, desenhado pelo atelier
Primeiramente, foi construída a área residencial e, Risco, determinou o carácter essencialmente residencial,
posteriormente, a igreja, estando por construir o centro lúdico e ajardinado desta zona da frente ribeirinha de
cultural que dará uma nova frente ao conjunto existente. Marvila, permitindo a continuidade urbana com o Parque
Todo o espaço é desenhado sobre as dimensões das Nações e garantindo a excepcionalidade paisagística
e expressões do corpo humano, bem como da simbologia deste investimento imobiliário. A partir de uma hierarquia
e do uso de residência e templo dominicanos. Permite-nos de eixos urbanos, uma solução de quarteirão permite
ouvir eco no espaço abobadado da entrada, ver a luz a abertura de ruas secundárias que enquadram o rio.
zenital cobrir o altar e encontrar o sacrário no lado Esta permeabilidade de vistas acontece na rua e nos jardins
nascente da igreja a partir do claustro, da entrada e das suspensos existentes nos interiores dos quarteirões.
salas comuns. É um projecto de influência moderna As fachadas de maior dimensão são revestidas por peças
— que lembra espaços do Convento de La Tourette — cerâmicas, desenhadas propositadamente. Os edifícios,
e de sensível detalhe construtivo, patentes na escolha construídos por fases, são constituídos por comércio,
e desenho do betão à vista, dos painéis de cobre, no piso térreo, e habitação de diferentes tipologias,
da madeira maciça e das serralharias em aço. nos restantes pisos.
O risco não
reside na
fragmentação
mas na fantasia
da forma
urbana estável.

Wigley, M., 2002,


Bloodstained Architecture
in Urban Fragmentations and
Constructions, Ghent Urban
Studies GUST, Roterdão:
010 Publishers
—36 —37

Escola Secundária
Escola Secundária
Rainha D. Leonor
Braamcamp Freire Augusto Brandão, 1961 / Atelier dos Remédios, 2001
Vários autores, 1986 / CVDB Arquitectos, 2012
Rua Maria Amália Vaz de Carvalho, 20
Rua de Gama Barros, 2
Este liceu inicialmente feminino, surge no contexto
Localizado na ‘Pontinha’ de Odivelas que liga a Lisboa, do Plano de Alvalade e ao abrigo do designado
este projecto integrou-se no Programa de Modernização “Plano de 1958”. O primeiro previa a localização dos
das Escolas do Ensino Secundário implementado pela recintos escolares nesta nova área de expansão urbana,
Parque Escolar a partir de 2007. Propôs a reorganização e a proporcionalidade da sua escala, em relação
do espaço escolar, a actualização e a melhoria das à população prevista. O segundo programou a construção
concepções e condições de aprendizagem dos alunos. de dezasseis novos liceus no país enquanto espaços
O projecto questionou as construções pavilhonares modernos e funcionais, distintos das escolas historicistas
originais, apropriando-se de dois dos pavilhões existentes, e monumentais construídas anteriormente. A intervenção
e reestruturou toda a vivência da escola através da realizada no âmbito do Programa de Modernização
construção de um edifício único com corpos intercalares das Escolas do Ensino Secundário implementado pela
de ligações entre os pavilhões. O uso de betão à vista Parque Escolar projecta a reabilitação, incluindo a sua
e a aplicação das cores primárias — magenta, azul e amarelo modernização infra-estrutural e tecnológica. Foram
— interligam toda a intervenção e referenciam obras de construídos um campo desportivo coberto e uma sala
Le Corbusier. A influência moderna sente-se também no polivalente, pensados como equipamentos acessíveis à
desenho da profundidade dos paramentos, das sombras comunidade, enquanto um novo bloco avançado em betão
e dos reflexos, visíveis quer nos vãos exteriores, quer nos armado branco, apoiado em pilotis, define uma praça
recortes das redundâncias estruturais dos pilares, para criar coberta, para entrada principal, recepção e distribuição
espaços de estar e de recreio. de circulações.
—38 —39

Escola Superior Escola Superior


de Música
de Comunicação Social Carrilho da Graça Arquitectos, 2008
Carrilho da Graça Arquitectos, 1994
Campus de Benfica do Instituto Politécnico de Lisboa
Campus de Benfica do Instituto Politécnico de Lisboa
Segunda escola politécnica do autor localizada na
Projecto que se junta à vasta obra construída deste mesma colina, com diferente data de projecto, renova
arquitecto na capital, tanto nos remete para uma o olhar sobre este território com uma abordagem de
perspectiva crítica do modernismo quanto para as encerramento, organização espacial e circulação espiral,
principais linhas de investigação que percorrem as suas próximas de arquitecturas entre muros, como a conventual.
obras. O território surge como ponto de partida, base O edifício parece ocupar todo o terreno definindo
de leitura analítica e racional em que o projecto se ancora claramente o espaço da arquitectura. Através dos
e sobre o qual se revela. Seleccionada por concurso público, paramentos exteriores, quase cegos e construídos
é uma obra que reinventa o lugar, articulando dimensões em betão armado, acedemos progressivamente ao interior.
espaciais conflituosas. Com implantação sobre linha de Sobre estes, percebemos o trabalho entre massa, peso,
cumeeira, o espaço é pensado para as suas funções, estrutura, leveza, geometria e vão. Dimensões exploradas
e uma praça permite que salas e gabinetes se abram à luz noutras obras recentes do autor. O embasamento abaixo
e ao silêncio. Cria um diálogo com a via rápida adjacente, do nível da rua dá acesso directo ao auditório, à biblioteca
através do desenho dos dois corpos ortogonais, em que e à administração. Daí, o edifício desenvolve-se em
a dimensão mural da frente edificada é trabalhada em torno de um pátio elevado, para onde se voltam salas
mimetização e contraste com a topografia pré-existente. de dimensões adequadas ao ensino e ensaio de cada
É horizontalidade, movimento, recriação do território instrumento musical, criando um ritmo circundante
e urbanidade. de repetição e variação de fenestrações.
—40 — 41

Estufa
Estufa Fria
Fria
Raul Carapinha, 1933 / Keil do Amaral, 1940 /
Raul Carapinha,
Appleton 1933 / Arquitectos
& Domingos Keil do Amaral, 1940 /
Experiência Pilar 7
Appleton
e Domingos
Falcão de Campos eArquitecto,
Falcão de Campos
2011 Arquitecto, 2011 António José da Silva Borges, 2017

Parque Eduardo VII Avenida da Índia, Ponte 25 de Abril

Este abrigo de plantas teve a sua génese como viveiro A ponte 25 de Abril foi inaugurada em 1966 e potenciou
do plano de arborização da Avenida da Liberdade. um maior crescimento metropolitano na margem sul do
Anteriormente, uma pedreira tinha definido a cova onde, Tejo. Era, aquando da sua construção, a maior ponte
durante o século XX, se construíram as actuais estufas: suspensa da Europa, sendo ainda hoje, uma das maiores
fria, quente e doce. A intervenção mais recente, motivada pontes suspensas rodoferroviárias do mundo. O projecto
pelo estado de colapso técnico da estrutura metálica, traz da Experiência Pilar 7 é concebido pela Infraestruturas
fundamentalmente a actualização do desenho e a utilidade de Portugal em parceria com a Associação de Turismo de
dos elementos arquitectónicos. A estrutura metálica foi Lisboa. Parcialmente financiado por receitas da cobrança
redesenhada, para servir igualmente de infra-estrutura para da Taxa Turística de Dormida da Câmara Municipal de
as diversas redes, os painéis em ripado de madeira que Lisboa, o centro interpretativo dá a conhecer história,
atenuam as flutuações de temperatura foram redesenhados imagens e factos da construção da ponte e proporciona
e passaram ainda a cobrir as fachadas, e o pé-direito foi a subida, através de um elevador panorâmico, até ao nível
aumentado para simultaneamente permitir o crescimento do tabuleiro rodoviário, com acesso a terraço exterior.
das plantas e futuras alterações do edifício junto da rua A visita inclui também a entrada no maciço central do
principal. A proporção, a paleta cromática e a padronização Pilar 7, onde se encontra a maquete original da ponte e as
do sistema de estrutura e ripado revelam a beleza do amarrações de parte dos cabos de aço que a sustentam,
jardim e sintetizam o cuidado dado ao projecto. entre momentos de infografia e realidade virtual.
— 42 —43

Fábrica de Água Feira do Relógio


de Alcântara Câmara Municipal de Lisboa, 2005

Aires Mateus, Frederico Valsassina Arquitectos e PROAP, 2011 Avenida Santo Condestável

Avenida de Ceuta O Bairro do Relógio, hoje demolido, era constituído por


um conjunto de casas pré-fabricadas, principalmente
O vale de Alcântara é um canal de infra-estruturação e para realojamento daqueles que moravam na área onde
mobilidade fundamental para a Área Metropolitana de se construíram os acessos à Ponte 25 de Abril, em
Lisboa. É um território marcado, desde o século XVIII, Alcântara. A maior feira de Lisboa teve, desde os anos 70,
pela construção do Aqueduto das Águas Livres e, no século várias localizações até à estabelecida em 2005. Desde
passado, pela construção do Viaduto Duarte Pacheco, então, a ocupação do sistema viário do Plano de Chelas,
das linhas rodoviárias e ferroviárias várias, do encanamento que acontece todos os domingos de manhã, foi infra-
da ribeira de Alcântara e dos acessos à Ponte 25 de Abril, estruturada para garantir água, electricidade e blocos
a par da plantação do Parque Florestal de Monsanto. sanitários essenciais ao seu funcionamento, mas cuja
Este é um projecto de requalificação de estação de presença é nos restantes dias, imperceptível. A relevância
tratamento de águas pré-existente. Uma “cobertura económica, social e cultural desta feira ultrapassa
espessa” construída em betão armado, com cerca de as relações de proximidade e supera temporariamente
dois hectares de vegetação diversa, é o dispositivo o carácter árido e incompleto daquele lugar, assim como,
arquitectónico e paisagístico que permite recriar as a segregação urbana das várias zonas construídas de
continuidades visual e ecológica do sistema de encostas Chelas. Este espaço de permanência, socialização,
do vale com o Parque Florestal. As suas pendentes comércio e lazer foi também celebrado pelo Festival de
e espessura foram trabalhadas para criar espaços Arte Urbana Muro LX 2017, durante o qual os elementos
e acessos habitáveis. O complexo inclui áreas de serviços, infra-estruturais de maior escala foram alvo de intervenções
de administração, circulações, manutenção e apoio. artísticas nas suas paredes exteriores.
—44 —45

Fundação Calouste
Fonte Monumental Gulbenkian
da Alameda Alberto Pessoa, Pedro Cid e Rui d’Athouguia, 1969 (Edifício Sede) /
António Viana Barreto, 1969, 1975 e Gonçalo Ribeiro Telles, 1969,
Carlos Rebelo de Andrade e Guilherme Rebelo de Andrade, 1948 2012 (Jardim) / Sir Leslie Martin, 1983 (Edifício Coleção Moderna)

Alameda Dom Afonso Henriques Avenida de Berna, 45A

Inaugurada para celebrar o fornecimento regular de água A relevância desta obra para a cultura portuguesa foi
à zona nascente da capital e o triplo centenário da fundação reconhecida pelo Prémio Valmor de 1975 e pela sua
e da restauração de Portugal. A fonte remata o espaço classificação como Monumento Nacional, em 2010,
de alameda que articula momentos distintos de expansão enquanto primeira obra contemporânea classificada.
urbana; a Sul, os loteamentos e prédios de rendimento O projecto foi seleccionado num concurso por convite
em redor da Avenida Almirante Reis, na primeira metade e o seu desenvolvimento foi desde logo acompanhado
do século XX; e a Norte, sobre a Avenida de Roma e pelo por consultores como Carlos Ramos e Sir Leslie Martin,
Plano de Alvalade, na segunda metade do século XX. contando igualmente com a intervenção do arquitecto
Este espaço soluciona a topografia original e dá continuidade paisagista António Viana Barreto. Sede e museu são
urbana a Oriente através de um miradouro com vistas construídos em simbiose com o jardim. Escultura
sobre a Alameda Dom Afonso Henriques. É composto topográfica visível nas coberturas do edifício enquanto
por um lago em semicírculo no qual surgem figuras extensões ajardinadas do espaço verde e na abertura do
alegóricas, que recebe água de treze olhos, catapultada palco do grande auditório para o centro do lago, de modo
por três carregadores. Vários escultores intervieram neste entretanto copiado muitas vezes noutros projectos de
conjunto de implantação, forma e escala monumentais, arquitectura. A elevação e a horizontalidade do edifício
inclusivamente nos dois corpos laterais, cujos baixos- permitem uma relação em acrópole com a Avenida de
relevos foram perdendo a pintura policromática original. Berna. A hegemonia do betão à vista remete-nos para as
A visita percorre a entrada nas galerias de maquinaria, principais referências arquitectónicas do século XX e para
para compreensão do suporte técnico de uma das maiores explorações plástica e técnica que raras vezes tiveram
quedas artificiais de água da Europa. o impacto espacial atingido nesta obra.
—46 — 47

Garage Films
Fundação Champalimaud Inês Lobo Arquitectos, 2006 (reab.)

Travessa Paulo Jorge, 11A, Armazém 1


Charles Correa, 2010

Avenida de Brasília
Projecto encomendado por uma produtora audiovisual para
estabelecer os seus espaços de trabalho em dois armazéns
Edifício de grande impacto paisagístico e excepcional industriais na área de Belém. Fundamenta-se na reutilização
localização. O autor trabalha a continuidade e a indefinição de preexistências: estrutura e paramentos exteriores,
entre espaços público e privado através de uma área em tijolo maciço, e cobertura suportada por asnas de
aberta intersticial onde a procura pela frente de rio madeira. Através da interrupção modular da estrutura, foi
canaliza ventos e cheiros do mar. É um centro médico, introduzido um pátio central e aberto. Os vãos interiores,
científico e tecnológico constituído por clínica oncológica assim como os exteriores, que balançam sobre a fachada
e laboratórios de investigação, no edifício principal, e por Sul, revelam claras decisões projectuais. No pátio,
auditório, restaurante, centro de exposições e anfiteatro determinam a continuidade espacial e as permeabilidades
ao ar livre, no edifício dos espaços públicos. O uso da pedra entre exterior e interior, e, na fachada exterior, enquadram
lioz amaciada, quer nos paramentos, quer nos pavimentos vistas e exposição solar. Pavimento, tectos
exteriores, unifica o conjunto e introduz, através da e compartimentação têm soluções agregadoras de todo
estereotomia e consequente proporção e dimensão dos o espaço, respectivamente betonilha afagada com
vãos, uma interpelação das dimensões humanas, reflectida pigmento preto, isolamento térmico revestido a folha de
no conforto dos espaços interiores e na percepção do alumínio e divisórias (estantes em MDF) intervencionadas
gesto largo, explorado no desenho de todo o conjunto. pelo artista plástico Gilberto Reis.
—48 — 49

Igreja de Santa Isabel


GS1 Portugal Carlos Mardel, XVIII / António Freitas Leal e Diogo Lino Pimentel,
1960 / Michael Biberstein, 2013 / Appleton & Domingos Arquitectos,
Promontório, 2016 processo de reabilitação desde 2013

Estrada do Paço do Lumiar, Campus do Lumiar, Edifício K3 Rua Saraiva de Carvalho, 2A

O Campus do IAPMEI, planeado nos anos 70, foi construído Foi no contexto da reabilitação em desenvolvimento —
sobre o cadastro rural do Lumiar como pólo de inovação que tem trazido à nossa fruição os trabalhos originais,
empresarial. Este edifício adapta outro, pré-existente, de cantaria e escultura em pedra, talha dourada, baixos-
através de um projecto seleccionado por concurso. relevos em estuque e pinturas várias — que Michael
O programa organiza-se entre o piso da recepção, o piso Biberstein imaginou um novo tecto. Um céu de 800 metros
de trabalho para direcção e equipa, e o piso de bar, de quadrados, pintado sobre a nave única da igreja, fruto do
cafetaria e de terraço. As soluções materiais e espaciais encontro entre várias pessoas e realizado a várias mãos,
equacionam poética e racionalidade, perante os processos seguindo a maquete e os estudos realizados pelo autor
contemporâneos de encomenda, projecto e construção. antes da sua morte. Esta obra, que nos lembra as pinturas
Esta questão reflecte-se quer na investigação conjunta de William Turner, foi realizada sobre um novo tecto,
com o artista plástico Vhils sobre a base tecnológica de suspenso a partir da abóbada pré-existente, e executada
moldagem de grande escala — da qual decorre o trabalho a tinta acrílica aplicada com recurso a compressores e uso
de baixo-relevo nos painéis pré-fabricados de betão do pontual de pincel, numa estudada aproximação à forma de
ziguezague da fachada —, quer na visibilidade do betão pintar de Biberstein. Os trabalhos de restauro descobriram
pré-existente sob revestimentos industriais, tácteis e que o arquitecto responsável pelo projecto da Mãe-de-Água,
confortáveis, como painéis de cortiça negra ou derivados entre outros projectos relevantes para a Lisboa pré e pós-
de madeira e alcatifa. terramoto, é também o desta obra.
Pavia, R., 2005,
Le Paure dell’Urbanistica,
Milão: Meltemi Babele

A urbanística
separou-se da
arquitectura.
Esta separação
esconde outras
fraturas e
lacerações
profundas.
— 52 —53

LX Factory
João Pires da Fonte, 1849 / Mainside Group, 2008 (reab.)

Rua Rodrigues Faria, 103

LU.CA — Teatro Luís Os edifícios originais deste conjunto industrial foram


os primeiros que a Companhia de Fiação e Tecidos
de Camões Lisbonense construiu de raiz. O seu projecto introduziu
em Lisboa o modelo inglês de fábricas incombustíveis,
Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, 2018 (reab.) com fachadas de pedra e estruturas internas em
Calçada da Ajuda, 76—80
ferro. No início deste século, simultaneamente ao
desenvolvimento do projecto Alcântara XXI, o promotor
A exiguidade deste espaço explica-se pelo carácter privado começou a rentabilizar uma ocupação temporária deste
da sua função original: Casa da Ópera do rei D. João V, espaço. Esta condicionante e a elevada degradação do
desde 1737. O projecto encomendado pela Lisboa Ocidental conjunto determinaram uma abordagem essencialmente
SRU reabilita a sala de teatro à italiana, elementos estruturante das lógicas dos futuros usos e ocupações.
da reconstrução de 1880, e questiona as intervenções Modelo de área de trabalho e lazer influenciado por casos
dos anos 30. Notórias são a simetria do edifício e a solidez semelhantes fora do país, é sobretudo um exercício de
da fachada de um só piso com óculos ovalados e estátuas- expectativas, impressões e significados, na medida em que
acrotério; a resolução assertiva dos espaços de recepção, o projecto pressupõe a imperceptibilidade da intervenção
administração, técnicos, bar; e a adaptabilidade da sala num espaço completamente transformado. Contribuíram
através da mobilidade das cadeiras e da introdução para esta invisibilidade/visibilidade da arquitectura
de corredores laterais. A vibração, o movimento o desenvolvimento progressivo do projecto; a selecção
e o cromatismo dos revestimentos e fenestragem são pontual das demolições, dos acabamentos e das cores;
elementos trabalhados também noutras obras dos mesmos a reutilização de elementos arquitectónicos que existiam
autores. No terraço acessível deste equipamento municipal, no local; e a oportunidade dada à apropriação individual.
que podemos visitar, a vista estende-se entre o Palácio As visitas compreendem diferentes espaços deste conjunto
Nacional da Ajuda e a margem sul do Tejo. urbano, posteriormente projectados por outros autores.
—54 —55

MAAT — Museu de Arte, Mercado de Arroios


Luis Benavente, 1942

Arquitetura e Tecnologia Rua Ângela Pinto, 40D

Amanda Levete Architects, 2016 Este projecto precursor dos primeiros mercados modernos
Avenida de Brasília
do país — como os de Alvalade e do Bom Sucesso —
implica, no desenho urbano e edificado que o circundam,
Este edifício procura uma abordagem paisagística uma organização espacial concêntrica. A inovação prendeu-
multidimensional. De perto, podemos percorrer se com questões funcionais, infra-estruturais, construtivas
a cobertura, o interior e cruzar a linha de comboio através e espaciais, muitas delas esquecidas pelas mudanças
da ponte pedonal. Ao longe, emerge da lisura da frente de no consumo alimentar. Destas, a mais relevante continua
rio. Juntamente com a Central Tejo, constitui um novo pólo a ser a exploração das possibilidades da aplicação do betão
cultural em Belém, uma área estruturada pela Exposição armado em estruturas de grande escala, nomeadamente
do Mundo Português de 1940. A chegada ao edifício pórticos padronizados de pé-direito variável, que,
é protagonizada pelas reflexões da luz natural e da água, com menor quantidade e dimensão de apoios estruturais
nas peças cerâmicas de grande dimensão que cobrem do que na construção em alvenaria, permitem mais área
grande parte das superfícies exteriores. A fluidez de disponível, espaços mais amplos e fluídos, e vãos de maior
circulações e permanências no seu interior reflecte-se dimensão. Diversas razões levaram a alterações ao projecto
na estrutura e no desenho do espaço. A horizontalidade original, nomeadamente, o encerramento do matadouro
e a reduzida cércea são interdependentes da decisão no piso subterrâneo e a alteração do pátio central.
de colocar o espaço expositivo abaixo do nível médio das Contudo, podemos ainda perceber como o escalonamento
águas do rio. Após a entrada, através de um arco abatido, volumétrico do edifício, através do dimensionamento dos
o movimento em torno da galeria oval é descendente pórticos, permite a entrada de luz de todas as orientações
e marcado pela progressiva imersão no espaço expositivo. solares e abundante ventilação natural.
—56 — 57

Museu Bordalo Pinheiro


Álvaro Machado, 1914 / Daniela Ermano, 2005 Museu Nacional do Azulejo
Vários autores, séc. XVI, XVIII, XIX e XX
Campo Grande, 382
Rua da Madre de Deus, 4
Este museu tanto foi uma forma de luto do colecionador,
poeta, panfletário, crítico e humorista Artur Cruz Magalhães, A emancipação desta instituição em relação ao Museu
quanto um exercício republicano sobre o princípio de Nacional de Arte Antiga ocorreu formalmente em 1980.
universalidade no acesso à cultura. Neste caso, através Contudo, a sua instalação no Mosteiro da Madre de Deus
da colecção da obra de Rafael Bordalo Pinheiro. O projecto começa em meados do século XX e relaciona-se com
original programa uma residência para o proprietário com a classificação do mosteiro enquanto monumento nacional,
a inclusão de três salas de exposição que abrem ao público após obras de restauro do claustro e pinturas da igreja,
em 1916 como museu Bordaliano. Este foi alterado em 1922 custeadas pela Fundação Calouste Gulbenkian. Sendo um
para melhoria funcional e ampliado mais recentemente, dos dez museus mais visitados de Lisboa em 2018, a sua
nas traseiras do lote, para acolher novas áreas técnicas missão é recolher, conservar, estudar e divulgar exemplares
e expositivas. O projecto introduziu um espaço central representativos da evolução da cerâmica e do azulejo
com pé-direito duplo e mezzanine que contrasta com no país. O edifício começou por ser um templo manuelino,
a compartimentação dos espaços domésticos originais foi transformado por várias campanhas artísticas, sobretudo
e possibilita desafogo e vistas diversas sobre a exposição sobre o barroco e rococó, e foi também parcialmente
de peças maiores. A persistência deste edifício na danificado pelo terramoto. A igreja é um espaço faustoso
urbanização do cadastro rural do Campo Grande produz com abundante trabalho em talha dourada e pintura que
contrastes de fluxos, escalas e volumetrias. O projecto se soma a painéis de azulejos de grande escala, pintados
original foi menção honrosa do Prémio Valmor 1915. em azul sobre branco.
—58 — 59

Palácio Nacional da Ajuda


Manuel Caetano de Sousa, José da Costa e Silva e Francisco Xavier

Palácio do Beau Séjour Fabri, Séc. XIX

Largo da Ajuda
Vários autores, 1849 (post) / Jorge Manuel Lopes de Matos Alves,
1990 Projecto consequente do terramoto de 1755 e do incêndio
Estrada de Benfica, 368
que destruiu, em 1794, o Real Paço de Nossa Senhora
da Ajuda, construído em madeira. É um processo de
Este é um edifício apalaçado, de veraneio, cuja concepção construção descontínuo, ainda hoje por concluir, marcado
paisagística, determinante para as suas localização pelo declínio da monarquia portuguesa. O projecto barroco
e implantação, foi transformada com a urbanização inicial foi revisto, enquanto projecto neoclássico, pelo autor
da Estrada de Benfica. Como ainda podemos percepcionar do Teatro Nacional de São Carlos, José da Costa e Silva,
no Palácio de Monserrate, em Sintra, o carácter pavilhonar, tendo sido construído somente um terço do palácio
conferido pela horizontalidade, pela simetria espacial idealizado. A sua ocupação pela família real no século XIX
e pela transparência do espaço, tinha génese na estrutura e posterior encerramento nos primeiros momentos do
rural original do vale da Ribeira de Alcântara e da colina regime republicano permitiu que chegasse até nós muito
de Monsanto. No seu interior, observamos vários momentos do que foi a habitação da família real. Esta excepcionalidade
de intervenção artística, tendo particular impacto o trabalho museológica no contexto europeu tem vindo a ser
dos três irmãos Bordalo Pinheiro, em telas para os tectos, valorizada através da reconstituição e investigação
painéis cenográficos em faiança da Sociedade Fabril das científica sobre a ocupação dos espaços interiores.
Caldas e vitrais. Actualmente, a complementaridade com Encontra-se em construção um projecto da Direcção-Geral
o jardim romântico, que eleva e distancia o edifício da do Património Cultural para terminar a fachada Poente
estrada, dá novo sentido à fruição do espaço enquanto e trazer novas condições expositivas e de acolhimento
arquivo e local de estudo sobre Lisboa. aos visitantes.
— 60 — 61

Rede de Artes
Pavilhão Branco
Daniela Ermano, 1994 e Ofícios de Lisboa
Artéria, 2016
Palácio Pimenta, Campo Grande, 245
Praça das Amoreiras, 8
Uma das cinco galerias municipais geridas pela EGEAC
com o propósito de promover e divulgar as artes visuais. Na sequência do trabalho realizado na Rede de Carpintarias
É um espaço construído nos jardins do Palácio Pimenta de Lisboa, este projecto financiado pelo Programa BIP/ZIP
— antiga quinta de veraneio e hoje Museu da Cidade — da CML – Parcerias Locais concretiza uma rede funcional
especificamente para ser um espaço expositivo de arte baseada em oficinas de pequena escala em Lisboa.
contemporânea. É um tríptico estrutural com dois pisos, A existência da relação em rede concretiza-se no espaço
simétrico e generosamente envidraçado a norte e nascente, virtual e deste se desdobra em novas relações comerciais
que se encontra num dos extremos do jardim, afastado e identitárias, novas noções de proximidade mediadas pela
da rua e do ruído. Foram escolhidos acabamentos lisos, conexão e divulgação dos serviços. A assertividade do
tons de branco, quer no pavimento autonivelante, quer formato prende-se com a visão de que a construção urbana
nas paredes pintadas. O edifício convida a exposições supera hoje a dimensão física dos espaços. Este projecto
pensadas especificamente para interpelar os seus contexto parte, não só, de lugares já existentes, mas relaciona-os
e dimensões espaciais, e a programação curatorial permite e localiza-os além dos seus espaços construídos, nas redes
tempos mais longos de montagem e duração da exposição. de qualquer pessoa que aceda à internet.
— 62 —63

Rede de Metropolitano Regularização dos


de Lisboa Bairros PRODAC
Vários autores, 1959—2016 Câmara Municipal de Lisboa, Atelier Mob e Associação
de Moradores, 2016
Nas concepção e gestão dos espaços construídos da rede Azinhaga do Vale Fundão
de metropolitano de Lisboa, podemos distinguir duas fases
distintas: uma primeira, em que existe unidade, coerência Processo de habitação, realojamento e urbanização
e sistematização das soluções construtivas, dos materiais que começa em tempo de ditadura e de frenesim fabril
usados e das proporções espaciais entre todas as estações na zona Oriental de Lisboa. Fala-nos do êxodo rural para
da rede; e uma segunda, na qual cada estação é um a capital, das expectativas de quem vivia em habitações
processo de encomenda, projecto e construção singular. muito precárias nas quintas do Marquês e das Claras,
O ecletismo que hoje podemos observar, acompanhou e que, através de um programa cooperativo da Associação
os momentos de maior abrangência territorial da rede que da Produtividade na Auto Construção (PRODAC), construiu
se mantém sobretudo dentro dos limites administrativos a sua casa pelos próprios meios. A Câmara Municipal
da capital. A visita realiza-se em viagem, nas quatro linhas, de Lisboa cedeu precariamente o terreno, em 1971,
entre estações, para identificarmos as várias fases de e construiu paredes e tectos. Os moradores construíram
transformação e as qualidades arquitectónicas e artísticas tudo o resto. Em 2009, as 2500 pessoas que habitavam
mais relevantes. Entre estas, salientamos o acervo azulejar este bairro do Vale do Fundão pediram a regularização
que vem sendo desenvolvido desde o projecto original. da titularidade da propriedade. Os autores acompanharam
As várias linhas podem ser visitadas através de viagens que este processo através do levantamento das casas
se iniciam em diferentes estações: Oriente Metro Station e de verificação regulamentar, financiados pelo Programa
(Avenida D. João II), Lumiar Metro Station (Rua Cordeiro BIP/ZIP da Câmara Municipal de Lisboa. O desenho do
Ferreira), Telheiras Metro Station (Rua Professor Francisco anfiteatro e das novas acessibilidades foram relevantes
Gentil), Parque Metro Station (Avenida António Augusto para a consolidação e a continuidade urbana do bairro
de Aguiar). com a sua envolvente.
—64 — 65

Reservatório da Mãe d’Água


das Amoreiras Restaurante Mezze
Carlos Mardel, séc. XVIII SIA Arquitectura, 2017

Praça das Amoreiras, 10 Mercado de Arroios, Rua Ângelo Pinto, 12

O Aqueduto das Águas Livres foi uma obra que A associação Pão a Pão procurava um espaço de encontro
transformou tanto o fornecimento de água e as paisagens e inclusão a partir da partilha do pão e da comida do Médio
rural, de recreio e (hoje) urbana, entre Sintra e Lisboa, Oriente. Encontrou-o numa das lojas do Mercado de Arroios
quanto o espaço público da capital, através da construção que se tornou o primeiro espaço de um projecto pioneiro
da rede de chafarizes públicos. Passado o arco triunfal de integração de refugiados em Portugal. O projecto de
que celebra esta obra de D. João V, o reservatório marcava reabilitação da loja foi pensando em torno do simbolismo
a entrada das águas em Lisboa. A sua erudição geométrica e da utilização de uma mesa central, na qual vários grupos
e construtiva acompanha a importância desta obra na partilham o momento da refeição. Um balcão em pedra
modernização urbanística de Lisboa, ainda que a sua lioz amaciada permite a passagem da comida entre
construção tenha trazido, em relação ao projecto inicial, cozinha e sala, operando a continuidade do espaço entre
uma redução de escala do edifício, da capacidade do a preparação e a fruição da comida. A síntese de soluções
reservatório e dos elementos decorativos. A cascata, por construtivas resultou da articulação próxima entre projecto,
onde jorra água para o tanque, foi construída com pedra fornecimento de materiais, mão-de-obra e exequibilidade
proveniente das nascentes que alimentam o reservatório. da sua construção. O mobiliário em madeira também
A nível estrutural, quatro colunas emergem do espelho foi desenhado pelas autoras e os candeeiros em chapa
de água e ajudam a suportar um tecto constituído por perfurada foram escolhidos pela luz particular que dão
abóbadas de aresta. O terraço acessível proporciona ao espaço e pela interligação visual que fazem entre
uma vista panorâmica sobre Lisboa. as culturas ocidental e oriental.
Montaner, J. M. Muxí, Z.,
2014, Arquitectura e Política
- Ensaios para mundos
alternativos, Barcelona:
Editorial Gustavo Gili

Não existem
estilos de vida
iguais para todos,
a alternativa
é a diversidade,
o pensamento
complexo.
— 68 — 69

SAAL — Bairro das


Silos Portuários do Beato
Fonsecas e Calçada Vários autores, 1960
Raul Hestnes Ferreira, 1977
Rua Cintura do Porto, Terminal Portuário do Beato
Rua Dom Luís da Cunha
O mais antigo silo portuário do país, foi construído em
É um exemplo da intervenção do Serviço de Apoio quatro fases, a primeira financiada pelo Plano Marshall.
Ambulatório Local (SAAL) em Lisboa. Neste processo Articula hoje actividade com o silo da Trafaria, mais
do pós-25 de Abril que preconizou o realojamento das recente e apto a receber navios de maior calado. A sua
populações que viviam em bairros degradados, o autor localização na margem norte do rio mostra como, antes
aprofunda os objectivos do plano UNOR 40, realizado da construção da Ponte 25 de Abril, o desenvolvimento
para a área de Lisboa com Jorge Gaspar e Gonçalo Ribeiro urbano, infra-estrutural e industrial era menor na margem
Telles. Apenas se construiu cerca de um terço do projecto sul do Tejo. Visitamos a sala de comando, cobertura com
original, que executa um desenho urbano cuidado sobre vistas e acessos de armazenagem, e aproximamo-nos
duas decisões partilhadas com os moradores: a tipologia dos descarregadores pneumáticos e mecânico. Espaço
baseada no quarteirão e a altura média do edificado. desenhado à escala dos navios, para servir o movimento
O desenvolvimento deste projecto assenta na diversidade da carga e sua deslocação, evidencia os contrastes
de escalas, proporções e usos do espaço público — praças, actuais das frentes ribeirinhas. Encontra-se entre várias
largos, ruas, galerias térreas —, bem como no trabalho de actividades — nas quais a dimensão humana é secundária
volumes, planos de fachada, diversidade de fenestrações, e o contexto é função e estratégia — e a transformação
luz, sombra e profundidade, consequente da flexibilidade pelos lazer, habitação e serviços — que dependem destes
da orientação dos módulos habitacionais na estruturação enquadramentos urbanos para a sua excepcionalidade
dos edifícios. comercial.
—7 0 —7 1

Teatro Thalia
Teatro Camões Fortunato Lodi, 1842 / Gonçalo Byrne Arquitectos
e Barbas Lopes Arquitectos, 2012
Atelier Risco, 1998
Estrada das Laranjeiras, 211
Passeio do Neptuno, Parque das Nações
Mandado construir pelo Conde de Farrobo na Quinta
Projecto realizado para integrar o recinto da Expo’98 das Laranjeiras, onde hoje se localiza o Jardim Zoológico,
na primeira linha da frente de água, tem chapa metálica o teatro que ardeu em 1862 foi reabilitado como espaço
azul como revestimento exterior do volume do palco. polivalente. A proximidade ao Teatro Nacional D. Maria II
Relaciona-se com o Mar da Palha pelo plano envidraçado na composição e nas proporções da fachada deve-se
da entrada principal, que é composta por três espaços à coincidência na autoria. Foi reposta a inscrição, presente
de foyer e duas cafetarias, que usufruem de pé-direito no friso da fachada principal, «Hic Mores Hominum
múltiplo. Depois de se projectar uma ampliação do teatro Castigantur», isto é, «Aqui serão castigados os costumes
para receber a Orquestra Sinfónica Nacional, o edifício, dos homens», bem como restaurados o peristilo e as
propriedade da Estamo, Participações Imobiliárias, SA; esfinges em mármore. Os paramentos em ruína foram
foi ocupado pela Companhia Nacional de Bailado. Apesar usados como cofragem perdida para a aplicação de betão.
de não ter sido projectado para esta função, disponibiliza O interior permaneceu intacto e os volumes da plateia e da
espaços com características diferentes, adequados aos cena do teatro foram reconstituídos. As restantes funções
ensaios colectivos diários, espectáculos mais intimistas e infra-estruturas do programa foram organizadas em dois
e também à administração, aos armazéns, às cargas e corpos que fecham o pátio e conferem uma nova frente
descargas, e à residência da equipa de costura e adereços. para a Estrada das Laranjeiras. A materialidade do projecto
Todos estes espaços são visitados, assim como o auditório é feita de contrastes entre o grão e o pigmento do betão,
com capacidade para 873 pessoas. e os reflexos e a cor dos painéis de vidro.
—7 3

Recomendações
Durante o fim-de-semana, Conheça o que conhece.
as nossas casas são a sua casa. Aproveite para descobrir em família os espaços próximos
Os espaços são disponibilizados para visita gratuita devido do local onde mora ou os locais por onde passa
à generosidade de muitas pessoas. Queremos muito que normalmente.
se sinta em casas e, tal como se estivesse em sua casa,
pedimos para respeitar os espaços durante a sua estadia. Evite filas para entrar em casa.
E cumprimente os proprietários e voluntários que No site, assinalamos com um sinal vermelho os espaços que
encontrar pelo caminho! permitem um número reduzido de visitas. Temos muitos
espaços perto uns dos outros — consulte o mapa para
Casas para todas as sensibilidades encontrar alternativas ou planeie as suas estadias preferidas
— a novidade desta edição. antecipadamente. E pode sempre voltar à sua primeira
Através dos sentidos, as actividades sensoriais permitem escolha, mais tarde.
conhecer de forma diferente e aprofundada alguns espaços
do Open House. Promovendo uma visão inclusiva, estas Planeie a sua estadia em nossa casa.
actividades incluem as visitas acessíveis — para a pessoas No site, pode consultar os horários específicos de cada
cegas ou com baixa visão, surdas ou com deficiência espaço. Pode fazer o seu itinerário guardando os seus
intelectual — e o programa Júnior — dirigido favoritos e partilhá-lo com amigos e familiares.
a crianças e respectivas famílias.
Gostou da experiência?
Nas nossas casas, quantos mais, melhor. Este é um evento anual. Para o ano, seja de novo
Traga mais gente a nossa casa — partilhe as suas estadias nosso hóspede ocasional ou então faça parte da nossa
com as hashtags #OHLisboa e #openhouselisboa entusiástica equipa de voluntários de todas as idades.

Quem tem boca, vai a Roma. Adoramos tê-lo como hóspede.


Quem tem transportes públicos, Diga-nos o que achou da sua estadia.
vai ao Open House. No nosso site e em cada espaço, disponibilizamos um
Com transportes colectivos cada vez mais acessíveis e questionário de satisfação no qual pode deixar-nos
espaço público reabilitado (em várias partes da cidade), sugestões. Queremos melhorar o evento a cada ano e,
torna-se cada vez mais fácil escolher a mobilidade para tal, contamos com a sua opinião.
sustentável para viajar em Lisboa. Convidamos também
à mobilidade verde em duas rodas — para tal, o mapa do
evento identifica os troços de ciclovia existentes.
—74 — créditos fotográficos —75

14 Amoreiras 360 Panoramic View 43 Maria Sertório


Agradecimentos
15 Rodrigo Cardoso 44 Câmara Municipal de Lisboa
16 Leonardo Paella 45 Hugo David
Esta iniciativa realiza-se graças à colaboração
de um incrível e dedicado conjunto de pessoas.
17 Pedro Galvão Lucas 46 Trienal de Lisboa
18 Gonçalo Lopes e José Manuel 47 Francisco Nogueira Um Muito Obrigado.
19 Do mal o menos 48 FG+SG
Aos proprietários, anfitriões e todos os seus
22 Câmara Municipal de Lisboa 49 Paulo Catrica
representantes, por acederem a abrir as portas
23 Duarte Belo 52 FG+SG dos seus espaços.
24 Pedro Sadio 53 Pedro Machado
A todas as entidades, parceiros e patrocinadores,
25 Carlos Bolacha 54 FG+SG
pelo apoio absoluto, essencial para o êxito deste
26 Leonardo Finotti 55 Carlos Valadas evento.
27 Camarim 56 Cláudia Freire
28 Do mal o menos 57 Museu Nacional do Azulejo
À extraordinária e incansável equipa de voluntários,
tutores e coordenadores, que oferece o seu tempo
29 Maria Costa 58 GEO para tornar esta experiência única.
30 Daniel Malhão 59 IGESPAR
31 Hugo David 60 José Frade Aos guias, orientadores e formadores de voluntários,
cujo contributo se traduz na qualidade das visitas.
32 Rui Jorge Martins 61 Mariella Gentile
33 RPBW 62 Pedro Vilela Lopes Ao grupo de especialistas e autores, que oferece
36 Invisible Gentleman 63 Nelson D’Aires uma análise mais aprofundada a cada espaço,
e a todos os agentes que estiveram envolvidos
37 FG+SG 64 Eduardo Sousa Ribeiro
no programa de acessibilidade.
38 Maria Timóteo 65 Nicole Sánchez
39 FG+SG 68 Hugo David E, obviamente, a si, por participar neste evento,
40 Paulo Catrica 69 Norberto Santos
tornando-o um sucesso.
41 Alex Gandum 70 Paulo Catrica
42 FG+SG 71 DMF
—76 —7 7

Notas
—7 8 —7 9

Notas
TRIENAL
DE ARQUITECTURA
DE LISBOA
Direcção
José Mateus, Presidente
Nuno Sampaio, Vice-Presidente OPEN HOUSE LISBOA 2019
José Manuel dos Santos, Vogal
Maria Dalila Rodrigues, Vogal Comissariado
Pedro Araújo e Sá, Vogal Patrícia Robalo

Director Executivo Adjunto Textos Espaços


Manuel Henriques Comissariado

Assistente de Direcção Coordenação


Helena Soares Carolina Vicente

Produção Produção
Isabel Antunes (Coordenação) Beatriz Caetano Bento
Tiago Pombal
Programa Educativo e Voluntariado
Comunicação e Imprensa Filipa Tomaz (Coordenação)
Sara Battesti (Coordenação) Joana Martins
Marca Associada
Ana Guedes (Edição) Letícia do Carmo
Cláudia Duarte
(Assessoria de Imprensa) Coordenação
Raquel Guerreiro (Design Gráfico) e Tutoria de Voluntários
Ricardo Chambel (Edição) Ana Rita Valente
André Rosa
Financiamento e Parcerias Beatriz Couto
Joana Salvado Eduardo Barreira
Joanna Hecker Ester Donninelli
Inês Soares
Logística Marcelo Ribeiro
Cláudia Rocha Margarida Borges
Mariana Antunes
Marta Catarino
Raquel Nunes
Romeu Zagalo
Trienal de Arquitectura de Lisboa
Campo de Santa Clara, 142—145
1100-474 Lisboa, Portugal Consultoria em Acessibilidade
Locus Acesso
+ 351 213 467 194
www.trienaldelisboa.com Design de Comunicação
Carolina Cantante Associados

facebook.com/trienaldelisboa Ordem dos Arquitectos; Casa da Arquitectura;


twitter.com/trienaldelisboa Babel; Fundação EDP; José Mateus, arquitecto;
instagram.com/trienaldelisboa Fundação Millennium bcp; Fundação CCB;
Abreu Advogados.

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