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Pereira, Ana Karine

Working Paper
Desenvolvimentismo, conflito e conciliação de
interesses na política de construção de hidrelétricas
na Amazônia brasileira

Texto para Discussão, No. 1884

Provided in Cooperation with:


Institute of Applied Economic Research (IPEA), Brasília

Suggested Citation: Pereira, Ana Karine (2013) : Desenvolvimentismo, conflito e conciliação


de interesses na política de construção de hidrelétricas na Amazônia brasileira, Texto para
Discussão, No. 1884, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Brasília

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http://hdl.handle.net/10419/91316

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www.econstor.eu
capa_1884.pdf 1 14/10/2013 11:31:05

1884
DESENVOLVIMENTISMO, CONFLITO
E CONCILIAÇÃO DE INTERESSES
NA POLÍTICA DE CONSTRUÇÃO
DE HIDRELÉTRICAS NA
AMAZÔNIA BRASILEIRA

Ana Karine Pereira

I SSN 1415 - 4765

9 771415 476001
1884
TEXTO PARA DISCUSSÃO
Rio de Janeiro, outubro de 2013

DESENVOLVIMENTISMO, CONFLITO E CONCILIAÇÃO


DE INTERESSES NA POLÍTICA DE CONSTRUÇÃO DE
HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Ana Karine Pereira*

* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPol/UnB) e bolsista
do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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SUMÁRIO

SINOPSE

ABSTRACT

APRESENTAÇÃO..........................................................................................................7

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................7

2 ANTECEDENTES DO PROJETO DE BELO MONTE: CENTRALISMO TECNOCRÁTICO,


AUTORITARISMO E DESENVOLVIMENTISMO............................................................12

3 O NOVO ARRANJO POLÍTICO-INSTITUCIONAL: MULTIPLICIDADE DE ATORES COM


PODER DE VETO, DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA E ARRANJOS PARTICIPATIVOS......18

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................41

REFERÊNCIAS............................................................................................................45

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR................................................................................47

APÊNDICE.................................................................................................................49

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SINOPSE
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva marcou a retomada da postura estatal de
forte indutor do crescimento econômico a partir do investimento em obras variadas
de infraestrutura, algo evidenciado com o lançamento do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), em 2007. Essa atuação estatal encontra paralelo no governo
Vargas e, principalmente, nos governos autoritários das décadas de 1970 e 1980,
quando o Estado planejou a construção de hidrelétricas, a pavimentação de rodovias
etc. Entretanto, o contexto atual é radicalmente diferente, sendo caracterizado por um
arranjo político-institucional que envolve múltiplos atores nos processos decisórios e de
implementação de políticas públicas, além de ser marcado pela presença de instrumentos
de interação entre Estado e sociedade civil e por uma legislação ambiental que torna
mais rigorosa a aprovação de empreendimentos com impacto ambiental. Este artigo se
propõe a analisar a atuação contemporânea do Estado brasileiro a partir do estudo
do encontro entre ativismo estatal e democratização. Para tanto, é realizado um
estudo comparativo entre o arranjo político-institucional do passado – que se insere
em um contexto de desenvolvimentismo e autoritarismo político – e o arranjo atual a
partir do estudo de duas hidrelétricas planejadas para a Amazônia brasileira, Tucuruí
e Belo Monte. Conclui-se que o arranjo atual proporciona a explicitação e a defesa de
interesses variados, o que justifica a superioridade técnica dos projetos de hidrelétricas
atuais. Entretanto, o arranjo atual não é capaz de processar os conflitos que emergem
do embate entre interesses divergentes, o que tem causado a judicialização dos processos
decisório e de implantação de hidrelétricas e a baixa legitimidade desses projetos. Essa
dificuldade de conciliar interesses é explicada pelas diferenças existentes entre os ramos
estatais envolvidos na construção de grandes hidrelétricas: a capacidade decisória se
concentra em órgãos com pouca abertura política, enquanto a capacidade participativa
é característica de órgãos com baixa capacidade decisória. A metodologia utilizada neste
artigo é variada e inclui entrevistas a atores-chave e análise documental.
Palavras-chave: desenvolvimentismo; democracia; ativismo estatal; hidrelétricas;
Amazônia; Belo Monte.

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Abstracti
The election of Luiz Inácio Lula da Silva marked Brazil’s resumption of “big
government” intervention in the economy, particularly through investment in a variety
of infrastructure projects, as evidenced by the launch of the Growth Acceleration
Program in 2007. Historically, such infrastructural projects were typical of the Vargas
government and were especially common during the Authoritarian Period (1964-1985),
when the State planned to build hydroelectric dams, to pave roads, etc. The current
context is radically different, however, being characterized by a political and institutional
arrangement that involves multiple stakeholders in the decision and implementation
process of public policies, and is marked by a close relationship between State and
civil society and by environmental legislation that makes the approval process of
projects with environmental impact more rigorous. This article aims to analyze the
performance of the contemporary Brazilian state by studying the encounter between
state activism and democratization. We conduct a comparative study between the
political and institutional arrangement of the past, characterized by dictatorship and
developmentalism; and the current arrangement of democracy and developmentalism.
This comparative analysis is based on the study of two large dams planned to the Amazon,
Tucurui and Belo Monte. We conclude that the current arrangement stimulates the
defense of a variety of interests, which explains the technical superiority of the current
hydroelectric projects. Nevertheless, the current arrangement is not able to organize and
conciliate the conflicts that emerge from the clashes of divergent interests, which have
caused the judicialization of the decision and implementation process of dams and also
the low legitimacy of these projects. The difficulty to conciliate interests is explained
by differences between state branches involved in the construction of large dams: the
decision-making capacity is concentrated in state agencies that are politically closed
whereas the participatory capacity is concentrated in state agencies with low decisional
capacity. The methodology used in this paper is varied and includes interviews with key
political actors and documental analysis.
Keywords: developmentalism; democracy; state activism; hydroelectric; Amazon; Belo
Monte.

i. The versions in English of the abstracts of this series have not been edited by Ipea’s editorial department.
As versões em língua inglesa das sinopses (abstracts) desta coleção não são objeto de revisão pelo Editorial do Ipea.

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Texto para
Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
1 8 8 4

APRESENTAÇÃO

Este texto integra o conjunto de produtos da pesquisa Estado, democracia e desenvolvimento


no Brasil contemporâneo: arranjos institucionais de políticas críticas ao desenvolvimento, realizada
com a colaboração dos técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
e pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras.1 A pesquisa tem como
objetivo analisar os arranjos político-institucionais de políticas públicas representativas
dos atuais esforços do governo em promover o desenvolvimento. Os estudos de caso
envolvem: o Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV); o projeto de transposição
e revitalização do rio São Francisco; o projeto da hidrelétrica de Belo Monte; as
iniciativas de revitalização da indústria naval; o Programa Nacional de Produção e Uso
do Biodiesel (PNPB); o Programa Brasil Maior; o Programa Bolsa Família (PBF); o
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC). Além
desses, a pesquisa elegeu também como objeto de análise o papel das empresas estatais
como agentes de formulação e efetivação de políticas de cunho desenvolvimentista,
sobretudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da
Petrobras. Ao analisar como se constituem os arranjos de implementação dessas políticas
e seus efeitos sobre os resultados observados, pretende-se ampliar a compreensão sobre
a ação do Estado no Brasil atual, extraindo-se subsídios para a inovação institucional
da gestão das políticas públicas no atual contexto democrático brasileiro. Ao todo são
doze textos para discussão publicados ao longo do ano de 2013.

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem-se observado, no Brasil, a retomada de diversos projetos ligados
à infraestrutura – como a construção de rodovias e de hidrelétricas – com o objetivo de
estimular o desenvolvimento econômico. A retomada desses projetos é acompanhada
da emergência de uma postura estatal de forte indutor do desenvolvimento econômico
(Pires e Gomide, 2012a). Esse padrão de atuação estatal não é inédito na história
brasileira, uma vez que essa postura foi adotada no passado, principalmente durante
a ditadura militar. Entretanto, esse novo ativismo estatal tem ocorrido em um novo
contexto político de consolidação da democracia brasileira. Dessa forma, paralelamente

1. A pesquisa é coordenada por Alexandre A. Gomide e Roberto R. C. Pires, Técnicos de Planejamento e Pesquisa da
Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest)/Ipea.

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Rio de Janeiro, outubro de 2013

à adoção de projetos desenvolvimentistas, o compromisso com o aprofundamento


democrático ganhou um espaço privilegiado na agenda política dos últimos anos.

O objetivo geral deste artigo é contribuir para a discussão sobre a atuação


contemporânea do Estado brasileiro a partir da análise de um estudo de caso. Essa
discussão é pautada na análise das implicações do encontro entre ativismo estatal e
democracia. Por um lado, os projetos desenvolvimentistas abordam áreas e interesses
variados – crescimento econômico, questões sociais, sustentabilidade ambiental; por
outro, a inserção desses projetos em um ambiente democrático complexifica o processo
de implementação desses empreendimentos, uma vez que atores diversos são empoderados.
Assim, esse encontro exige que o Estado tenha não apenas capacidade técnico-administrativa,
mas também capacidade política de expandir os canais de interlocução com a sociedade civil
e de conciliar interesses divergentes (Pires e Gomide, 2012b).

No momento em que o Estado assumiu a tarefa de estimular o desenvolvimento


econômico, a oferta de energia ganhou um status de extrema importância na agenda
política. Para manter as taxas de crescimento econômico, é necessário adicionar de
4.500 a 5 mil megawatt (MW)2 ao ano (a.a.), no sistema elétrico brasileiro (Costa,
2010). Como a matriz energética nacional é caracterizada pela grande importância3
da eletricidade proveniente de fontes hídricas, vários projetos de usinas hidrelétricas
(UHEs)4 concebidos durante a ditadura militar têm sido retomados e concretizados
no momento atual. É interessante notar que, de acordo com dados do Plano Nacional
de Energia (PNE) 2030, apesar de 77,1% da energia elétrica consumida ser produzida
por hidrelétricas, cerca de 70% do potencial hidrelétrico brasileiro ainda não foi
aproveitado.5 Como a maior parte desse potencial se encontra no Norte do país,6 o
governo tem priorizado essa região para aumentar a oferta de energia elétrica.

2. Por questões comparativas, a capacidade instalada da matriz de energia elétrica do Brasil alcançou, em agosto de 2011,
115 mil MW. Fonte: <http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/energia/setor-eletrico/sistema-interligado-nacional/print>.

3. De acordo com dados do PNE 2030, em 2006, 77,1% da energia elétrica do país eram provenientes de hidrelétricas.

4. Além de Belo Monte, podem-se citar as hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira.

5. Esses dados se referem a 2006.

6. De acordo com dados do PNE 2030, 91% do potencial hidrelétrico da região Norte ainda não foi aproveitado.

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Texto para
Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
1 8 8 4

Um desses projetos é a polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte, cogitado durante a


ditadura militar e retomado recentemente, principalmente a partir do primeiro mandato do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O estudo de Belo Monte foi escolhido porque ele
permite que se compare a evolução do projeto da usina a partir de dois contextos políticos
bastante diferentes: i) um Estado autoritário cujas decisões se baseavam no centralismo
burocrático; e ii) um Estado democrático, inserido em um sistema político que empodera
diversos atores no processo decisório e de implementação de políticas públicas.

Além disso, o projeto de Belo Monte se insere em um ambiente predominantemente


contencioso, sendo caracterizado por alguns autores como o embate entre duas coalizões
que vêm negociando o plano da usina por mais de trinta anos. A coalizão de defesa
é formada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), pelo Ministério de
Minas e Energia (MME), pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e pela Centrais
Elétricas Brasileiras (Eletrobras). Esse grupo defende a construção de Belo Monte por
acreditar que a energia hidrelétrica é vantajosa para o país por ser mais barata. O fato de
Belo Monte estar distante da maior hidrelétrica brasileira, Itaipu, sugere a possibilidade
de se complementar o sistema hidrelétrico com uma nova usina que possui o período de
variação do nível de água diferente de Itaipu. Esse grupo utiliza o argumento de que Belo
Monte é um projeto de interesse estratégico para o país por permitir a manutenção do
crescimento econômico brasileiro (Hochstetler, 2010; Fearnside, 2006, 2011).

A coalizão de bloqueio, por sua vez, é formada por uma rede de atores nacionais e
internacionais, representantes do governo e da sociedade civil.7 Dentre os atores estatais,
especial ênfase deve ser dada ao Ministério Público (MP), que interferiu diversas vezes
no processo para garantir a sustentabilidade ambiental de Belo Monte e a participação
de todos os atores afetados por ela. Em relação aos atores da sociedade civil, o ISA,
grupos indígenas e movimentos locais – como o MXVPS e o MMTACC – têm tido
um papel de destaque no processo de negociação. Os participantes desse grupo são
motivados pelo medo das consequências sociais e ambientais da construção da usina,
além de serem contra o modelo de desenvolvimento para a Amazônia defendido pela
coalizão de defesa (Hochstetler, 2010; Fearnside, 2006, 2011).

7. Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB); o Movimento pelo Desenvolvimento da Rodovia Transamazônica pelo
Xingu (MPDTX); International Rivers Network (IRN); Living Rivers Coalition; Instituto Socioambiental (ISA); Friends of the
Earth-Brazilian Amazônia (FOE-AP), Greenpeace; Conservation International (CI); Movimento Xingu Vivo para Sempre
(MXVPS); Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Altamira do Campo e da Cidade (MMTACC) etc.

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Essa intensidade de conflitos possibilita que se analise como o arranjo


político-institucional, que organiza os processos decisório e de implementação de políticas,
permite que o Estado execute projetos de “interesse estratégico”8 ao mesmo tempo em que
consegue conciliar opiniões diversas para obter legitimidade social. Entende-se arranjo
político-institucional como as “(...) configurações de instituições, organizações, atores
e processos, que dão sustentação, viabilizam ou impedem ações específicas do governo”
(Pires e Gomide, 2012a, p. 4). No caso de Belo Monte, esse arranjo é formado pelo
compartilhamento de competências entre diversas instituições estatais – setor elétrico, Casa
Civil da Presidência da República, setor ambiental, Congresso Nacional; por processos
participativos de interação entre Estado e sociedade civil; e pela legislação ambiental, que
prevê que a gestão ambiental seja realizada de forma inclusiva e participativa.

Belo Monte é especialmente interessante porque, apesar de o projeto ter evoluído


consideravelmente do ponto de vista técnico, ambiental e social, a aceitabilidade da
usina é ainda baixa. De fato, a retomada do projeto da usina, na década de 1990, foi
acompanhada da revisão do projeto inicial, com a redução da área do reservatório e da
potência instalada. Entretanto, a partir de entrevistas e de análise documental, é possível
perceber que o processo decisório e de instalação da usina ainda é caracterizado por diversos
atores da sociedade e pelo MP como autoritário e pouco participativo. Essa observação
se torna ainda mais interessante quando se constata que o arranjo político-institucional
pós-democratrização estimula um processo participativo entre atores variados: o
licenciamento ambiental envolveu diversos atores, ocorreram audiências públicas, o
Congresso Nacional teve que aprovar o projeto.

A fim de entender essa aparente contradição, este artigo desagrega o arranjo


político-institucional existente para construção de hidrelétricas no Brasil em três fases:
a fase do setor elétrico, a do Congresso Nacional e a do setor ambiental. Constata-se
que as duas primeiras fases são caracterizadas por grande capacidade de decisão: no
setor elétrico, são definidas as principais características da usina, como área, localização
e potência; no Congresso Nacional, há possibilidade real de o projeto da usina ser
bloqueado. Entretanto, essas duas fases são caracterizadas pela baixa abertura política,
já que suas decisões são centralizadas.

8. Este termo tem sido usado pelo CNPE para se referir ao projeto de Belo Monte.

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Texto para
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Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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Por outro lado, a fase do setor ambiental é caracterizada pela sinergia entre atores
estatais – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan), entre outros – e grupos da sociedade civil, principalmente
a partir da realização de audiências públicas. Todavia, quando a fase do setor ambiental
é iniciada, o processo decisório já se encontra em uma fase bastante avançada: as
principais características da usina já foram definidas e o projeto já foi aprovado pelo
Congresso Nacional.

Conclui-se que o arranjo político-institucional atual é bastante eficaz na criação


de oportunidades de explicitação de interesses variados e divergentes. A existência de
canais de interação entre Estado e sociedade – como as audiências públicas; a ampla
atuação do MP como defensor de interesses difusos e da legalidade; o processo de
licenciamento ambiental que estimula a interação entre diversos órgãos; tudo isso
permite que inúmeros interesses sejam defendidos. Entretanto, o arranjo atual apresenta
pouca capacidade de processar os conflitos provenientes da explicitação de interesses diversos,
o que faz com que o Estado apresente dificuldades de conciliar esses interesses. Como
será visto, a explicação para isso se encontra nos diferentes níveis de abertura e de poder
decisório entre os setores do Estado.

A baixa capacidade do arranjo estudado de processar conflitos tem consequências


negativas para a implementação do projeto de Belo Monte. A falta de um acordo com os
diversos grupos sociais afetados pela usina levou à extrema judicialização do processo, o
que tem provocado várias interrupções no licenciamento ambiental da usina. Soma-se
a isso a baixa aceitabilidade da usina, que ainda é questionada e combatida por grupos
sociais expressivos, como é caso do MXVPS.

As informações apresentadas neste artigo possuem fontes variadas. Para esta


pesquisa foram analisados os 46 volumes do processo de licenciamento ambiental,
o que forneceu dados diversos sobre as audiências públicas, os atores envolvidos no
processo, pareceres técnicos, decisões judiciais etc. Em complemento, foram estudadas
as treze primeiras ações civis públicas do Ministério Público Federal (MPF), que
criticam muitos momentos do processo decisório e de construção da usina. Por fim,
foram entrevistados 22 atores-chave no processo de Belo Monte: movimentos sociais,
sindicatos, lideranças indígenas, MPF, Ibama e Funai.

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2 ANTECEDENTES DO PROJETO DE BELO MONTE:


CENTRALISMO TECNOCRÁTICO, AUTORITARISMO E
DESENVOLVIMENTISMO

O Brasil é o país que construiu o maior número de barragens na América Latina, durante
o século XX (Khangram, 2004), e o terceiro maior produtor de energia de fonte hidráulica
no mundo (PNE 2030). A decisão de construir barragens para a geração de energia elétrica
aparece como um dos componentes centrais da estratégia de desenvolvimento do país
adotado a partir da década de 1930. Nesse período, o governo Vargas iniciou um modelo
desenvolvimentista caracterizado pela liderança estatal, pela intensiva utilização de recursos
naturais para a execução de projetos econômicos e pelas decisões centralizadas na tecnocracia
estatal. Tal modelo foi consolidado com o ideal militar de “Brasil Grande”, traduzido em
diversos projetos ligados ao desenvolvimento econômico liderado pelo Estado, como a
Transamazônica, o Projeto Carajás e a usina hidrelétrica de Itaipu (Khangram, 2004).

Dessa forma, a partir da ditadura militar, houve uma intensificação da presença do


Estado na Amazônia por meio de diversos planos governamentais de desenvolvimento
econômico. Inicialmente, a ação estatal na região foi guiada pela Política de Integração
Nacional – por meio do lema “energia e transporte” – e pela Política de Segurança Nacional,
que considerava a Amazônia como área estratégica para a proteção das fronteiras
nacionais (Hochstetler e Keck, 2007; La Rovere e Mendes, 2000). La Rovere e Mendes
(2000, p. 194) esclarecem que, entre 1968 e 1974, a atuação do Estado brasileiro na
Amazônia focava na promoção da sua ocupação:

A ocupação da Amazônia em escala gigantesca e ritmo acelerado foi considerada prioridade


máxima, em termos econômicos e geopolíticos, entendida que foi como espaço capaz de absorver
a tensão social, fornecer novos recursos, ampliar o mercado interno e assegurar a influência do
Brasil na América do Sul.

A partir do primeiro choque de petróleo, em 1973, a estratégia do Estado tornou-se


“(...) mais seletiva, mais diversificada e de cunho econômico crescente, configurando
a Amazônia como grande fronteira de recursos” (La Rovere e Mendes, 2000, p. 204,
apud Becker, 1982). Dessa forma, a industrialização da região, o desenvolvimento de
ligações inter-regionais, o incentivo a projetos de exploração de minérios e o estímulo à
agropecuária se inserem na estratégia do Estado brasileiro de incorporar a Amazônia ao
espaço produtivo do país. A implantação desses projetos aumentou consideravelmente

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Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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a demanda energética da região, o que justifica, em parte, a construção das primeiras


grandes hidrelétricas na Amazônia nesse período.

Nesse contexto da crise do petróleo, a construção de grandes hidrelétricas


na Amazônia e de usinas de pequeno e médio portes nas demais regiões do país9 se
configurou como uma das principais estratégias de diversificar a matriz energética
brasileira (Dória, 1976). Essa ideia foi evidenciada no Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND) e no PNEE 1987-2010 (Brasil, 2011), que listou a
construção de 79 barragens na Amazônia para aumentar o aproveitamento da capacidade
hidrelétrica da região (Fearnside, 2006). O objetivo do governo era aumentar de 9%
para 78% o aproveitamento do potencial hidrelétrico da região Norte até 2010. Como
resultado desse foco do governo em hidrelétricas, houve a necessidade da expansão do
setor elétrico brasileiro: em 1965, a Eletrobras criou a Eletrosul para implantar seu
programa de energia no Sul do país e, em 1973, foi criada a Eletronorte (Dória, 1976).

O grande enfoque dado para a Amazônia pela política energética do país era
justificado pelo fato de a construção de usinas na região ter um custo social e econômico
mais baixo, já que existe grande disponibilidade de terra, a população da região é
escassa, o nível de atividade econômica é baixo e os solos são pouco férteis. Além disso,
a intenção do governo de atrair indústrias eletrometalúrgicas para o leste da Amazônia
foi essencial para a decisão de construir hidrelétricas na região, uma vez que as usinas
supririam essas indústrias com eletricidade (Monosowski, 1990; Barrow, 1988).

Os dados atuais (PNE 2030) sobre o aproveitamento do potencial hidrelétrico


da região Norte mostram que 91% do potencial hidrelétrico dessa região ainda
não havia sido explorado em 2006, o que revela que os planos dos militares foram
parcialmente frustrados, por um lado. Mesmo assim, a maioria das hidrelétricas
existentes no país foi construída nesse período, incluindo Tucuruí e Balbina, as duas
maiores hidrelétricas na Amazônia concluídas durante a ditadura militar. As usinas
construídas nesse período foram severamente criticadas pelas suas consequências
sociais e ambientais (Costa, 2010). Nesse sentido, Tucuruí e Balbina são exemplos
emblemáticos de projetos malsucedidos: geraram problemas de saúde pública,
afetaram populações indígenas e tradicionais, criaram problemas demográficos, os
programas de mitigação e compensação foram inadequados etc. Além disso, os estudos

9. De acordo com o Plano Nacional de Energia Elétrica (PNEE) 2010, uma usina de médio porte produz até 300 MW de energia.

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Rio de Janeiro, outubro de 2013

ambientais desses projetos foram extremamente técnicos, não havendo participação


da população atingida (Fearnside, 2001; Barrow, 1988).

O estudo do arranjo político-institucional da usina de Tucuruí será utilizado aqui


como um instrumento de comparação entre o arranjo atual, pós-democratização, e o
do passado, referente à ditadura militar. Tucuruí representa bem o arranjo do passado
por se inserir em um período de fortalecimento do setor elétrico, de um lado, e de
fragilidade da legislação ambiental, de outro. Assim, o debate sobre a usina ocorreu em
um contexto de padronização das avaliações de projetos relacionados com a expansão
de energia, de estruturação do setor elétrico e de inexistência de um sistema e de uma
política nacional de meio ambiente. Além disso, o exemplo do arranjo de Tucuruí
é representativo porque a usina foi considerada como de extrema importância pelos
militares para o planejamento energético nacional. De fato, a usina representa a hidrelétrica
instalada na Amazônia brasileira com maior potência e é a segunda hidrelétrica nacional,
totalmente concluída, que mais produz energia.

A construção da usina foi motivada pela necessidade de atender as demandas dos


projetos de produção de alumínio na Amazônia; de garantir o suprimento de energia para
Belém, São Luís e Marabá; de efetuar a interligação elétrica das regiões Norte e Nordeste
(La Rovere e Mendes, 2000). Os primeiros debates sobre a necessidade de construir
Tucuruí10 ocorreram no final de 1960 e início da década de 1970. Data desse período a
padronização dos procedimentos de avaliação de projetos relacionados com a expansão da
energia elétrica, que prevê as seguintes etapas: estimativa do potencial elétrico, inventário
hidrelétrico, estudos de viabilidade, projeto básico, projeto executivo, construção e
comissionamento. A consolidação da estrutura do setor elétrico, que perdurou até meados
da década de 1990, também ocorreu nesse período (mais especificamente, em 1969),
sendo composta pelo MME; pela Eletrobras – empresa responsável pelo planejamento e
pela execução da política federal de energia elétrica – e as subsidiárias regionais; e pelo
Departamento Nacional de Águas e de Energia Elétrica (DNAEE) – órgão normativo
e fiscalizador (La Rovere e Mendes, 2000).

Por outro lado, a consolidação da política ambiental brasileira – que insere a


obrigatoriedade da aprovação de estudos ambientais, o processo de licenciamento
ambiental de três fases e a participação popular por meio de audiências públicas – só

10. A análise realizada aqui se limita a Tucuruí I.

14
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Texto para
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Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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ocorreu na década de 1980, período posterior ao processo decisório e de implementação


de Tucuruí. Isso explica por que o arranjo político-institucional, nesse período, era
caracterizado pela centralização no setor elétrico e no governo federal. A legislação
ambiental na época era composta por leis esparsas (como o Código de Água, de 1934; o
Código Florestal, de 1965; e o Código da Pesca, de 1967). Mesmo a legislação existente
não foi fielmente considerada, como é o caso do Código de Águas, que estabelece
que o aproveitamento de energia elétrica deveria satisfazer interesses gerais, como a
alimentação e as necessidades das populações ribeirinhas, a navegação, a irrigação etc.
(La Rovere e Mendes, 2000).

A centralidade no setor elétrico e no Executivo federal, além da pouca importância


dada às questões ambientais e sociais, pode ser observada no fluxograma 1 que representa
o arranjo político-institucional do caso de Tucuruí:

15
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Como bem mostra o fluxograma 1, o Comitê Coordenador dos Estudos


Energéticos da Amazônia ( Eneram), – composto por representantes dos Ministérios
de Minas e Energia, do Interior, do Planejamento e Coordenação Geral – iniciou, em
1968, os estudos do potencial hidráulico da Amazônia com o objetivo de suprir os
polos de desenvolvimento da região, com destaque para a cidade de Belém. Coube
à Eletrobras e à Eletronorte a elaboração dos estudos de inventário da bacia do rio
Tocantins a fim de levantar os recursos hidroenergéticos que pudessem atender ao
mercado de Belém. Já em 1973, o ministro de Minas e Energia, Dias Leite, requisitou,
por meio da Exposição de Motivos no 632/1973, ao presidente da República recursos
para o projeto de engenharia de Tucuruí. Logo em seguida, em 1974, a Eletronorte
apresentou ao DNAEE os estudos de viabilidade da usina, além de ter requisitado
a concessão para a exploração do potencial energético do rio Tocantins no ponto de
Tucuruí. A aprovação presidencial da usina ocorreu em 1974, pelo governo Geisel, e
em março do mesmo ano as obras da usina tiveram início.

O processo decisório de Tucuruí foi rápido – os estudos começaram em 1973 e


a construção da usina se iniciou em 1974 –, o que pode ser explicado pelo pequeno
número de atores envolvidos – setor elétrico e Executivo federal – e pela inexistência de
uma legislação ambiental rigorosa. A preocupação ambiental teve pouca relevância no
processo decisório, já que os estudos ambientais só foram elaborados após o início das
obras, o que impediu que medidas compensatórias e corretivas fossem adotadas a partir
das consequências previstas pelos estudos. Outras críticas a esses estudos se referem
à falta de participação pública e ao seu perfil técnico-científico; à grande ênfase dada
apenas aos impactos diretos da obra; à análise dos impactos causados somente na área da
barragem, ignorando as consequências da construção da hidrelétrica nas áreas acima e
abaixo da área alagada; ao fato de muitos impactos ecológicos não terem sido previstos,
como a mudança climática regional causada pelo desflorestamento (Fearnside, 2001;
Monosowski, 1990; Barrow, 1988).

O início do debate sobre a construção de Belo Monte se insere no mesmo


contexto da construção de Tucuruí. Da mesma forma, o arranjo político-institucional
de Belo Monte, nesse momento, é caracterizado pela centralidade do governo federal
e do setor elétrico, que teve a iniciativa de realizar estudos para verificar a viabilidade
de construir aproveitamentos hidrelétricos no rio Xingu. Entretanto, como será visto,

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Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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a retomada do projeto de Belo Monte no período democrático é caracterizada pela


existência de um arranjo bastante diferente do de Tucuruí.

Entre 1975 e 1979, o governo brasileiro, por meio da recém-criada Eletronorte,


iniciou estudos sobre o potencial hidrelétrico do rio Xingu, o que deu origem ao
relatório Estudos de inventário hidrelétrico da bacia hidrográfica do rio Xingu, finalizado
na década de 1980. Os estudos identificaram seis possíveis barramentos hidrelétricos
na bacia do rio Xingu (Iriri, Jarina, Kokraimoro, Ipixuna, Babaquara e Kararaô11) que,
somados, alagariam mais de 18 mil km2, atingindo cerca de 7 mil índios (Brasil, 2011).

A defesa oficial da construção de Belo Monte pelo governo teve início com
o lançamento do PNEE 1987-2010, que destacou o rio Xingu como de extrema
importância para o setor energético brasileiro e apontou a usina de Kararaô como a
melhor opção para integrar as usinas do rio Xingu ao Sistema Interligado Brasileiro.
O plano previa a construção de Kararaô até o ano 2000 e de Babaquara até 2005
(Fearnside, 2006). A partir desse momento, Belo Monte passou a ser considerada como
essencial por vários planos energéticos e de desenvolvimento elaborados pelo governo,
como o Avança Brasil e o Plano de Aceleração de Crescimento (PAC).12

O início da construção de Belo Monte ocorreu em 2011, o que evidencia um


grande atraso no planejamento do governo. Vários fatores explicam isso: a mobilização
contra a usina surgiu logo no início do debate sobre a construção da hidrelétrica. Essa
mobilização inicial tinha como objetivo impedir a construção de projetos com grandes
impactos ambientais e sociais no Xingu. Assim, a partir de 1988, grupos indígenas já
protestavam, por meio de declarações feitas no Primeiro Encontro dos Povos Indígenas
do Xingu, contra a construção de hidrelétricas no Xingu e defendiam um processo
decisório mais participativo. A partir desse encontro, diversos atores da sociedade civil
começaram a se organizar para combater a usina: organizações não governamentais
(ONGs) internacionais como o Survival, Greenpeace, IRN; organizações de âmbito
nacional, como o ISA; movimentos locais, como a Fundação Viver Produzir e Preservar
(FVPP) e o MMTACC.

11. Antigo nome de Belo Monte.

12. Disponível em: <http://www.socioambiental.org>.

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Paralelamente a essa mobilização contra hidrelétricas no rio Xingu, Khangram


(2004) descreve uma reforma das agências financiadoras internacionais, liderada por
diversas ONGs. A ação desse grupo foi bastante intensa nas décadas de 1980 e 1990 e
defendia uma transparência maior do Banco Mundial e a proteção de terras indígenas e
de bacias hidrográficas. Como resultado, o Banco Mundial tem declarado que a agência
não financia projetos que prejudicam severamente o meio ambiente e que afetam
negativamente grupos vulneráveis sem que medidas mitigadoras sejam consideradas.
Em 1986, o pedido do Brasil para que o banco financiasse a construção de 136 barragens
foi negado pelo diretor executivo dos Estados Unidos por causa de consequências sociais
e ambientais. Soma-se a isso o período de forte recessão econômica, endividamento
externo e crises inflacionárias observadas no Brasil, a partir de meados da década de
1980 até 1994, e do abandono da orientação desenvolvimentista para a adoção de um
posicionamento neoliberal (Giambiagi et al., 2005).

Como consequência da falta de financiamento internacional, da crise econômica


nacional e da mobilização social, o projeto de Belo Monte foi abandonado momentaneamente
pelo governo. Nesse contexto, a última ação do governo em relação à usina ocorreu no final
da década de 1980, quando houve a finalização dos estudos de viabilidade do aproveitamento
hidrelétrico (AHE) de Belo Monte e o governo declarou que a usina era prioridade em
relação aos outros projetos de hidrelétrica no rio Xingu (Brasil, 2011).

3 O NOVO ARRANJO POLÍTICO-INSTITUCIONAL:


MULTIPLICIDADE DE ATORES COM PODER DE VETO,
DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA E ARRANJOS
PARTICIPATIVOS

O projeto de Belo Monte reaparece no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC)


com o Avança Brasil, Plano Plurianual (PPA) referente ao período de 2000 a 2003.
O plano pode ser caracterizado como “(...) um programa massivo de construção de
infraestrutura e outras atividades” (Fearnside, 2002, p. 735), sendo o maior gasto
previsto para a região da Amazônia Legal relacionado com hidrelétricas – construção
de barragens, de linhas de transmissão e de fechaduras para as barragens –, seguido do
custo com a pavimentação de rodovias.

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Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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O início da execução do projeto de Belo Monte ocorreu com o governo Lula,


que elegeu a usina como um projeto prioritário no PAC. Nesse momento, o governo
relançou um discurso desenvolvimentista para justificar a necessidade da usina:

A implantação da Usina Hidrelétrica Belo Monte é extremamente relevante para a sociedade


brasileira, consideradas as projeções do planejamento energético nacional. O aumento de
demanda por energia elétrica projetado até 2019 exigirá, conforme informações constantes do
Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2019), o incremento de cerca de 71 MW na capacidade
instalada nacional nesse período,13 o que representa mais de 60% da capacidade instalada atual
(...) A implantação de Belo Monte é importante para assegurar o desenvolvimento nacional, pois o
empreendimento terá capacidade instalada total de 11233 MW e adicionará 4571 MW médio de
energia ao sistema elétrico nacional14 (...) A UHE de Belo Monte deve ser avaliada, assim, como um
vetor para o desenvolvimento tanto regional quanto nacional (Brasil, 2011, p. 24, 30).

Além desse argumento, o governo afirma que a opção pela retomada de Belo
Monte se justifica pelo fato de o país ter assumido compromisso, em 2009, de reduzir
as emissões de dióxido de carbono (CO2) entre 36,1% e 39% até 2020. Nesse intuito,
“a UHE Hidrelétrica de Belo Monte ajudará a manter a matriz energética do Brasil
como uma das mais limpas de todos os países industrializados, com 46% da energia
provenientes de fontes renováveis”15 (Brasil, 2011, p. 24, 30).

A partir da retomada da discussão sobre Belo Monte, na década de 1990, o projeto


da usina sofreu alterações significativas. Dessa forma, em 25 de novembro de 1994, a
Portaria nº 769 do DNAEE criou um grupo de trabalho composto por técnicos da
Eletronorte, da Eletrobras e do DNAEE com o objetivo de reavaliar energeticamente a
configuração estabelecida nos primeiros estudos da usina para confirmar a atratividade
do empreendimento; de atualizar os estudos ambientais, hidrológicos e de orçamento;
de analisar e propor ações para viabilização sociopolítica do empreendimento. Como
resultado desse trabalho, o projeto de Belo Monte foi alterado a fim de minimizar os

13. De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2019, esse aumento deve ocorrer em um período de
dez anos.

14. Tanto o cálculo da capacidade instalada total como da capacidade média de produção de energia se referem à produção
energética no período de um ano.

15. Entretanto, especialistas alertam que as hidrelétricas possuem forte impacto ambiental. Além das alterações negativas
na flora, na fauna e no microclima da região, estudos mostram que a decomposição da floresta alagada gera um processo
de intensa emissão de gases que contribuem para o aquecimento global (Fearnside, 2009).

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impactos ambientais de qualidade da água no rio Bacajá; de eliminar a interferência


do reservatório com a área indígena Paquiçamba; de diminuir a área de inundação do
reservatório do AHE Belo Monte, minimizando os custos com relocações (MPF, 2009).

Dessa forma, o projeto foi aprimorado: a área de inundação de 1.225 km² foi reduzida
para 516 km², dos quais 228 km² (44%) já constituem o próprio rio; não haverá inundação
de terras indígenas, ao contrário do que se previa na década de 1980, já que parte das terras
indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu seria atingida.16

A retomada do projeto de Belo Monte se insere em um contexto político


radicalmente diferente do momento em que o projeto surgiu, na década de 1970. Houve
uma brusca alteração na legislação brasileira, cuja consequência foi o empoderamento
de múltiplos atores com poder de veto no processo decisório de grandes usinas
hidrelétricas. As duas próximas subseções analisam, primeiramente, os aspectos formais
dessa reforma na legislação ambiental e, em seguida, estudam as consequências práticas
da nova legislação no processo de Belo Monte.

3.1 Consolidação da legislação ambiental: as previsões legais do novo


arranjo político-institucional
Durante a transição para a democracia, o contexto político-institucional em que se
insere o projeto decisório de Belo Monte sofreu bruscas alterações. Enquanto no
período militar a decisão de construir hidrelétricas se concentrava no setor elétrico e no
Executivo federal, com a democratização “(...) as decisões sobre a construção de barragens
passaram a ser tomadas conjuntamente com a sociedade, com um grande número de
instituições governamentais e, especialmente, com a população afetada” (Costa, 2010,
p. 1, tradução nossa). Essa mudança é reflexo da reforma da legislação ambiental, que
complexificou o processo decisório e de implementação de empreendimentos com
impacto ambiental e social ao empoderar vários atores – surgindo um sistema de
governança de múltiplos níveis com a participação de diversos atores com poder de
veto – e ao criar várias exigências para que esses projetos sejam aprovados.

16. Entretanto, ativistas sociais e pesquisadores ambientais entrevistados afirmam que mesmo assim haverá impacto direto
nas terras indígenas que se localizam na Volta Grande do Xingu, já que o desvio do rio provocará secas.

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As legislações responsáveis por essa reforma são: a Lei no 6.938, de 1981, que
criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente; a Lei no 7.347, de 1985, conhecida
com a Lei da Ação Civil Pública; a Constituição de 1988 (CF/1988), que dedicou um
capítulo para o meio ambiente; diversas resoluções do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama) e a Lei no 7.804, de 1989, que operacionalizam os Estudos de
Impacto Ambiental (EIAs) para projetos com grande impacto ambiental (Hochstetler
e Keck, 2007; Costa, 2010).

A aprovação da Lei no 6.938/1981 representou o primeiro grande passo para a


institucionalização do ambientalismo brasileiro e forneceu os parâmetros da nova gestão
ambiental – caracterizada pela atuação próxima entre Estado e sociedade civil e por um
MP forte e com grande capacidade de atuar como negociador de interesses. A nova
legislação criou um sistema nacional para o meio ambiente, integrado pelo Conama, e
uma política nacional para o meio ambiente (Hochstetler e Keck, 2007; Costa, 2010).
A Lei no 6.938 foi resultado de uma grande mobilização, possibilitada pela liberalização
política da década de 1980, que criticava o modelo desenvolvimentista e defendia o
meio ambiente. Como consequência, ela representa a “(...) primeira vez que uma lei
brasileira considerou o imperativo de conciliar o desenvolvimento econômico com a
preservação ambiental e a qualidade de vida” (Brasil, 2011, p. 16).

A nova legislação introduziu a necessidade de licenças ambientais e de EIAs


para projetos que causam alterações no meio ambiente. O Conama foi investido
de grande responsabilidade – algo singular, já que poucos países possuem um órgão
colegiado com tantas competências na gestão ambiental – cabendo a este órgão discutir
políticas ambientais, recomendar padrões ambientais e regulamentar matéria relativa
à exploração de recursos da biodiversidade. Na década de 1990, a experiência do
Conama se reproduziria nos níveis estaduais e municipais com a criação de diversos
conselhos ambientais e também de comitês de bacia hidrográfica (Hochstetler e
Keck, 2007; Costa, 2010).

As mudanças na legislação ambiental foram aprofundadas com a Lei nº 7.347, de


1985, a Lei de Ação Civil Pública, e a CF/1988. A Lei de Ação Civil Pública possibilita
que interesses ambientais, do consumidor e difusos sejam defendidos legalmente. Essa
lei aumentou consideravelmente os poderes do MP de intervir no processo decisório
de empreendimentos com impactos ambientais, ao mesmo tempo em que facilitou o

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encaminhamento de demandas da sociedade civil para a esfera política. O MP é uma


instituição responsável por assegurar o cumprimento da legislação brasileira, tendo o
poder de questionar as ações de agentes privados e de órgãos públicos, funcionando
como um agente de accountability horizontal. Para tanto, o MP é considerado como
um quarto poder, pois possui independência em relação aos outros ramos do governo
(Hochstetler e Keck, 2007; Costa, 2010).

A partir da Lei nº 7.347, de 1985, o ministério pôde iniciar ações civis públicas
sem necessidade de provocação. Além das ações civis públicas, o órgão conta com
outros mecanismos para interferir em processos decisórios: ações penais; organização
de audiências públicas; recomendações e Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
(Costa, 2010).

Em relação às ações civis públicas, a competência para iniciação não é exclusiva


do MP, já que outros atores podem propô-las.17 Apesar dessa ampla possibilidade,
na maioria dos casos, a sociedade civil encaminha suas reclamações para o MP para
que ele entre com o pedido de ação civil pública. A razão disso é que o MP possui
melhores condições para iniciar uma ação civil pública: de todos os atores envolvidos
no processo de licenciamento ambiental, o MP é o que possui a equipe técnica mais
capacitada e preparada para realizar esse tipo de ação (Costa, 2010, apud World Bank,
2008; Lopes, 2000). Isso transformou o ministério em um ator bastante poderoso
no processo decisório e de efetivação de empreendimentos com impactos ambientais,
além de ter reduzido os custos para a sociedade, em geral, de levar demandas sociais
para a esfera política. A maioria das ações públicas iniciadas pelo MP está relacionada
com questões ambientais, que representam 97% do total de ações civis públicas de
autoria do órgão (McAllister, 2008). Dessa forma, o órgão tem sido considerado
como o advogado ambiental e o negociador da sociedade (Hochstetler e Keck, 2007;
McAllister, 2004, 2008).

Para Hochstetler e Keck (2007), a CF/1988, ao tratar da distribuição de poderes


dentro do pacto federativo e da questão ambiental, alterou o contexto em que se insere

17. Os seguintes atores podem propor ação civil pública: Defensoria Pública, União; estados; Distrito Federal e municípios;
autarquias; empresas estatais; sociedade de economia mista; qualquer associação que exista há pelo menos um ano e que
tenha como um dos seus objetivos a proteção do meio ambiente, do consumidor, da ordem econômica, do mercado livre,
dos valores históricos, turísticos e artísticos (Hochstetler e Keck, 2007; Costa, 2010).

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Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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o processo decisório sobre construção de hidrelétricas. O capítulo sobre meio ambiente


na CF/1988, de forma geral, não introduz novas diretrizes, mas representa uma
tentativa de fortalecer a legislação já existente sobre meio ambiente. O fortalecimento
do federalismo brasileiro, a partir da transferência de diversas responsabilidades e
recursos para o nível municipal e estadual, aumentou consideravelmente o número de
atores com poder de vetar decisões políticas.

Na área ambiental, isso resultou na criação de um sistema de “governança


de níveis múltiplos”, em que a gestão ocorre a partir da interação de múltiplas
escalas territoriais. Costa (2010) ressalta que, com o fortalecimento do federalismo,
projetos de importância nacional – como é o caso de Belo Monte – passam a ter um
modelo de processo decisório e de implantação em que diversos atores com interesses
conflitantes são considerados. O processo de licenciamento ambiental, como será
visto nas próximas seções, exemplifica bem o compartilhamento de poder de decisão
entre atores situados em diversos níveis.

Outro ponto importante em relação à nova Constituição se refere ao


tratamento especial dado às comunidades indígenas. A Magna Carta considera
as terras indígenas como federais, sendo partes do domínio exclusivo da União.
Entretanto, o Artigo 231 da Constituição também reconhece o direito de grupos
indígenas às terras tradicionalmente ocupadas por eles. Como consequência,
a exploração de recursos hídricos em terras indígenas depende de autorização
legislativa, que deve garantir a ocorrência de oitivas das comunidades indígenas
afetadas (Costa, 2010).

Além da garantia estabelecida pela Constituição para a inclusão de povos


indígenas no processo decisório de empreendimentos que tenham impacto em suas
terras, ao ratificar18 a Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) de 1989, em julho de 2002, o Brasil se comprometeu a

consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas


instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas
suscetíveis de afetá-los diretamente; [e a] criar meios pelos quais esses povos possam participar
livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os

18. Entretanto, como será detalhado mais adiante, tal convenção ainda não foi regulamentada.

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níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis por políticas e


programas que lhes afetem (Convenção no 169 da OIT, Artigo 6º).

Outra legislação aprovada no momento de transição democrática foi a Lei


n 7.804, de 1989, que tornou mais difícil a aprovação de projetos com impactos
o

ambientais ao reforçar a obrigação do licenciamento ambiental e de EIAs para projetos


que podem causar danos ambientais. Coube à Resolução no 237, de 1997, do Conama
regulamentar o licenciamento, conferindo um perfil bastante holístico ao processo
(Costa, 2010).

A Resolução do Conama no 9/1987 introduziu um mecanismo participativo


no licenciamento ambiental, a audiência pública. De acordo com essa resolução, a
finalidade das audiências é “(...) expor aos interessados o conteúdo do produto em
análise e do seu referido Relatório de Impacto Ambiental (Rima), dirimindo dúvidas
e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito”. Essas audiências devem
ocorrer nas seguintes situações: por iniciativa da agência ambiental, responsável
pelo licenciamento, sempre que julgar necessário; por provocação de entidade da
sociedade civil, do MP ou por cinquenta ou mais cidadãos. A resolução determina
que a audiência pública deve ser dirigida pelo representante do órgão licenciador que,
após a exposição objetiva do projeto e do seu respectivo Rima, abrirá as discussões
com os interessados presentes. Quando for o caso de o órgão responsável pelo
licenciamento negar solicitação de audiência pública, a licença concedida não terá
validade. A resposta do Estado brasileiro às críticas da Comissão Internacional dos
Direitos Humanos em relação a Belo Monte esclarece a função oficial das audiências:

As audiências públicas formam outra etapa importante do processo de licenciamento. Todas as


manifestações colhidas durante sua realização são documentadas e juntadas aos autos, de
modo a que sejam consideradas nas análises pertinentes pelo órgão licenciador (...) A audiência
pública é, portanto, mecanismo que incorpora dois princípios fundamentais de Direito Ambiental:
a publicidade e a participação pública (...) Por fim, é com base no RIMA e em todos os debates
ocorridos nas audiências públicas que o órgão ambiental (Ibama, no caso) elabora seu parecer
final para a declaração da viabilidade ambiental ou não do projeto (Brasil, 2011, p. 20-22).

A aprovação dessas legislações teve dois impactos no arranjo político-institucional


de empreendimentos com impacto ambiental: i) aumentou o número de atores com
poder de interferir no processo decisório e de implementação desses projetos; e ii)

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Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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criou uma série de restrições e condicionantes para que esses empreendimentos sejam
aprovados. Assim, a reforma da legislação ambiental fez surgir um arranjo muito mais
democrático ao criar diversas possibilidades de interferência dos atores sociais afetados
por grandes obras: por meio de audiências públicas e de oitivas das comunidades
indígenas, a partir da provocação do MP etc. Além disso, o licenciamento ambiental
deve considerar os interesses de atores diferentes por meio da manifestação de vários
órgãos durante o processo – Iphan, Funai, órgãos ambientais de nível local etc.

A consolidação da legislação ambiental brasileira foi seguida por uma reforma


no setor elétrico,19 na década de 1990, que redefiniu as competências das agências
estatais, além de ter criado novos atores, como a Aneel. O fluxograma 2 ilustra o atual
arranjo político-institucional que organiza os processos decisório e de implementação
de grandes hidrelétricas no país. Quando comparado com o arranjo de Tucuruí, fica
evidente que o processo atual é muito mais eficaz na criação de oportunidades de
explicitação de interesses diversos. Entretanto, a inserção de atores variados permite a
eclosão de conflitos, uma vez que seus interesses são muitas vezes divergentes. A capacidade
do arranjo atual de processar esses conflitos, característicos de processos democráticos, é de
extrema importância. Os próximos parágrafos analisam essa capacidade.

19. A próxima subseção apresentará a configuração atual do setor elétrico.

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Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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3.2 O funcionamento do novo arranjo político-institucional: a explicitação


e o processamento de conflitos
Para que se possa entender quais as consequências do novo arranjo político-institucional para
os processos decisório e de instalação de grandes hidrelétricas, é necessário que se tenha em
mente as etapas para a aprovação e execução da usina de Belo Monte (quadro 1).

QUADRO 1
Acontecimento Fase Órgão Ano
Estudos de aproveitamento hidrelétrico da bacia do rio Xingu Setor elétrico Eletrobras/Eletronorte 1975
Conclusão dos estudos de inventário Setor elétrico Eletrobras/Eletronorte 1980
Aprovação dos estudos de inventário do rio Xingu Setor elétrico Dnaee 1988
Autorização para que a Eletronorte realizasse estudos de viabilidade para a AHE Belo Monte Setor elétrico MME 1988
Conclusão dos primeiros estudos de viabilidade Setor elétrico Eletrobras/Eletronorte 1989
Revisão dos primeiros estudos da usina: alterações no projeto da usina Setor elétrico Dnaee, Eletrobras/Eletronorte 1994
Conclusão dos estudos de viabilidade técnico-econômica e ambiental Setor elétrico Eletrobras/Eletronorte 2000
Congresso Nacional aprova projeto de Belo Monte Setor legislativo Congresso Nacional 2005
Abertura do processo de licenciamento ambiental Setor ambiental Ibama 2006
Belo Monte é elevado a empreendimento prioritário para implantação e licitação Setor elétrico CNPE 2008
Conclusão dos estudos de impacto ambiental pela Eletrobras e realização de audiências
públicas Setor ambiental Ibama 2009
Concessão de licença prévia (LP) Setor ambiental Ibama 2010
Aprovação dos estudos de viabilidade da UHE Belo Monte Setor elétrico Aneel 2010
Publicação da data do leilão de outorga Setor elétrico MME 2010
Leilão de outorga Setor elétrico Aneel 2010
Concessão de licença de instalação (LI) Setor ambiental Ibama 2011
Elaboração da autora.

3.2.1 A fase do setor elétrico


O setor elétrico possui grande importância no atual arranjo político-institucional.
Dessa forma, ele atua em diferentes momentos do processo decisório e de implantação
de hidrelétricas, ao contrário, por exemplo, do Congresso Nacional que tem uma
participação pontual. Assim, todo o início do processo é de sua responsabilidade, e sua
atuação continua nas fases posteriores de forma paralela ao licenciamento ambiental.

O setor elétrico brasileiro é formado por uma série de órgãos vinculados ao


MME e à Presidência da República. Até 1960, os assuntos de minas e energia eram
de competência do Ministério da Agricultura. Com a Lei no 3.782, de junho de 1960,
foi criado o MME. O setor tem passado por diversas reformas institucionais desde a
década de 1990 e, de acordo com a legislação mais recente, que define as competências

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do MME – a Lei no 10.683/2003 – compete a ele atuar nas áreas de geologia, recursos
minerais e energéticos; aproveitamento da energia hidráulica; mineração e metalurgia;
e petróleo, combustível, energia elétrica e nuclear.

De acordo com técnicos entrevistados da Aneel, a realização de grande parte das


atividades relacionadas com a aprovação de hidrelétricas no Brasil é compartilhada,
atualmente, entre a Aneel e o MME. Dessa forma, cabe à Aneel registrar, analisar e
aprovar os estudos de inventário, de viabilidade e de projetos básicos dos aproveitamentos
hidrelétricos do país. Esses estudos são apresentados pelos atores que propõem a
construção de usinas que, segundo a legislação brasileira, podem ser tanto um particular
como uma instituição estatal. Apesar de a legislação não impor restrições, os técnicos
entrevistados afirmam que é bastante comum que, no caso de pequenas hidrelétricas,
a iniciativa parta de particulares, enquanto as grandes hidrelétricas geralmente são
propostas pelo grupo Eletrobras.

Os estudos de inventário têm início com o Manual de inventário hidrelétrico


da bacia hidrográfica por estimativa do potencial hidrelétrico, momento em que são
feitas as análises preliminares das características da bacia a fim de verificar sua vocação
para geração de energia elétrica. Em seguida, é elaborado o Inventário Hidrelétrico da
Bacia Hidrográfica, o qual analisa as várias alternativas de divisão de queda para a bacia
hidrográfica, gerando diversos projetos que são comparados entre si.

Depois de serem realizados os estudos de viabilidade, cabe à Aneel conceder


registro aos interessados para autorizar a realização de estudos de viabilidade do
empreendimento, que se referem a “(...) estudos mais detalhados para a análise da viabilidade
técnica, energética, econômica e socioambiental que leva a definição do aproveitamento
ótimo que irá ao leilão de energia” (Brasil, 2009, p. 24). É aqui que as características
principais, como tamanho e potência da usina, são definidas.

No caso de Belo Monte, a Eletrobras foi a responsável pela realização desses


estudos desde a primeira fase do projeto, na década de 1970. Em 1994, quando o
projeto foi retomado, criou-se um grupo formado por Eletronorte, Eletrobras e
DNAEE com o objetivo de realizar novos estudos sobre a usina, o que culminou em
alterações significativas no plano inicial.

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Texto para
Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
1 8 8 4

A etapa seguinte se refere à realização dos estudos socioambientais e à abertura


do processo de licenciamento ambiental. Ainda, deve ocorrer a requisição à Agência
Nacional de Águas (ANA) da Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica.
Após a aprovação desses estudos e da emissão da Licença Ambiental Prévia (LAP),
cabe ao MME avaliar se o empreendimento está apto para ser licitado, além de definir
o tipo de leilão pelo qual serão negociadas a concessão e a venda de energia. O leilão
é realizado pela Aneel e, em seguida, deve ser entregue um cronograma de atividades
para execução das obras, cuja fiscalização também compete à agência. No caso de Belo
Monte, o vencedor do leilão, ocorrido em 2010, foi a Norte Energia – grupo formado
por empresas estatais e privadas do setor elétrico, entre elas a Eletrobrás.20

Paralelamente a essas fases mais técnicas, a atuação de dois órgãos se destaca na


articulação política dentro do governo. O primeiro é o CNPE, órgão de assessoramento
do presidente da República com a função de propor políticas nacionais na área
energética. O Decreto nº 3.520, de 21 de junho de 2000, prevê que o conselho é
composto por doze representantes do Estado e por dois da sociedade civil – “um
representante da sociedade civil especialista em matéria de energia” e um assento para
a universidade brasileira. Dessa forma, além da desproporcionalidade numérica entre
membros do Estado e da sociedade, a presença desta no conselho se limita à sociedade
civil especializada, o que evidencia o caráter pouco inclusivo do conselho.

O conselho tem aprovado resoluções importantes referentes à usina. Dentre


elas se destaca a Resolução nº 6, de junho de 2008, que elege Belo Monte como
empreendimento prioritário para implantação e para licitação, já que a usina é considerada
como de interesse estratégico para a produção energética do país. Esse argumento tem
sido utilizado por diversas agências estatais para garantir a continuidade do processo de
implementação da usina de Belo Monte. Por exemplo, segundo o procurador do MPF
de Belém, o julgamento de diversas ações civis públicas pelo Judiciário usa essa ideia de
interesse estratégico para permitir que a construção da usina continue. Além disso,
a decisão do conselho de elevar Belo Monte como empreendimento prioritário pelo
governo tem sido levada a sério pelos diferentes poderes e agências; já que as decisões
de diversos atores estatais – Judiciário, Ibama, ANA, Funai – têm sido concertadas no
sentido de aprovar a usina.

20. Fonte: <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/hotsite_beloMonte/index.cfm>.

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No mesmo decreto, o conselho afirma que Belo Monte será a única usina
construída no rio Xingu. Essa declaração tem sido interpretada por ativistas sociais
entrevistados como uma forma de o governo ganhar maior aceitabilidade tanto na
sociedade como nas agências estatais que têm criticado o processo da usina, já que
especialistas afirmam que a viabilidade energética da usina depende do barramento de
outros pontos do Xingu (Fearnside, 2006).

O segundo órgão, a Secretaria de Análise e Acompanhamento de Políticas


Governamentais da Casa Civil, não faz parte do setor elétrico, mas age fazendo uma
articulação política dentro do governo com o objetivo de garantir que as decisões e
cronograma estabelecidos nas fases do setor elétrico sejam garantidos. A atuação desse
órgão pode ser acompanhada por meio do estudo do processo de licenciamento, já que
há uma intensa troca de ofícios entre o Ibama e a secretaria. Esta aparece estabelecendo
prazos para a agência ambiental, além de coordenar a atuação de órgãos estatais quando
ações conjuntas são necessárias.

Diante do exposto, pode-se considerar que o setor elétrico possui grande


capacidade decisória: é ele que realiza e aprova os estudos que definem as principais
características da usina; além disso, dita quais projetos devem ser considerados como
prioritários na pauta governamental, impactando diretamente as decisões de outras
agências do governo – que passam a ter sua autonomia decisória limitada pelas
prioridades do setor elétrico. Dessa forma, apesar de a legislação brasileira prever
um modelo de arranjo político-institucional em que a decisão de construir grandes
hidrelétricas deve ser compartilhada entre diferentes setores do governo e da sociedade,
no caso concreto, a decisão se concentra no setor elétrico.

Esse setor é conhecido tradicionalmente por suas decisões insuladas, com baixa
participação da sociedade. A única previsão de participação da sociedade civil no
planejamento energético nacional ocorre por meio de consulta pública virtual no momento
de elaboração dos planos nacionais de energia. Essas audiências são consideradas por
representantes do ISA como de baixa efetividade, uma vez que não há nenhum tipo
de devolutiva e sistematização das propostas por parte do setor elétrico. A participação
da sociedade civil no CNPE, como visto, é limitada a dois representantes com
conhecimentos técnicos. Assim, há pouco espaço para a participação da sociedade na
fase do setor elétrico.

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Texto para
Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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Uma ressalva deve ser feita aqui: como visto, o setor aprovou alterações
importantes no projeto da usina, em 1994. As entrevistas a movimentos contrários
à usina reconhecem que a grande mobilização nacional e internacional ocorrida na
década de 1980, momento em que o projeto foi suspenso, fez com que o setor elétrico,
na retomada do projeto, diminuísse seus impactos sociais e ambientais a fim de
aumentar sua aceitabilidade. Entretanto, não houve uma negociação direta por meio
de canais formais. Essa influência ocorreu de forma difusa a partir de mobilizações
diversas – passeatas, denúncias na mídia, palestras – e não contou com a participação
de outras agências estatais.

3.2.2 A fase do Legislativo


A atuação do Congresso Nacional no processo decisório de Belo Monte, por meio da
aprovação do Decreto Legislativo nº 788, de 2005, tem sido severamente criticada. Como
já mencionado, o Congresso Nacional foi empoderado pela CF/1988 como um ator com
poder de veto nos processos decisórios de empreendimentos que afetam terras indígenas.
O objetivo maior era garantir que os interesses dos índios afetados fossem considerados
como determinantes para a aprovação desses empreendimentos, já que a decisão do
Congresso Nacional deveria ser pautada nas oitivas das comunidades indígenas.

O MP realizou uma detalhada análise da atuação do Congresso Nacional no caso


de Belo Monte. A conclusão é que a atuação do Congresso feriu a Constituição por
diversos motivos, fato que embasou uma ação civil pública cujo objetivo era declarar a
nulidade do Decreto Legislativo nº 788/2005 e, dessa forma, interromper o processo de
licenciamento ambiental da usina.

Três graves vícios foram identificados pelo MP no processo legislativo que


culminou na aprovação de Belo Monte. O primeiro deles é o não cumprimento dos
preceitos fundamentais descritos nos Artigos 170 e 231 da CF, que determinam que
o Congresso Nacional realize consultas às comunidades indígenas. O MP utiliza
argumentação da Comissão Pró-Índio (1990) para esclarecer que essas consultas:

Não é pura e simplesmente ouvir para matar a curiosidade, ou para ter-se uma informação
relevante. Não. É ouvir para condicionar a decisão. O legislador não pode tomar decisão sem conhecer,
neste caso, os efeitos dessa decisão. Ele é obrigado a ouvir. Não é apenas uma recomendação. É,
na verdade, um condicionamento para o exercício de legislar. Se elas (comunidades indígenas)

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demonstrarem que será tão violento o impacto (da mineração ou da construção de hidrelétrica),
será tão agressivo que pode significar a morte de pessoas ou a morte da cultura, cria-se um
obstáculo intransponível à concessão da autorização.

O Congresso Nacional não realizou nenhum tipo de consulta às comunidades


indígenas afetadas: “Nada foi observado pelo Congresso Nacional. Nenhuma audiência
pública, nenhuma viagem de membros ao local da hidrelétrica, nenhum papel (...) nada
que pudesse expressar a opinião de pelo menos uma comunidade afetada” (Ministério
Público Federal de Altamira, Ação Civil Pública. Processo no 709-88.2006.4.01.3903).
A pressa para a aprovação do projeto é apontada pelo MP como um dos fatores que
impediu que fossem realizadas oitivas das comunidades indígenas. A aprovação de Belo
Monte em tempo recorde é explicitada na fala do senador Luiz Otávio na sessão do
Senado federal que aprovou o Decreto no 788 de 2005:

O Sr. LUIZ OTÁVIO (PMDB-PA) ... A única observação que quero acrescentar no meu aparte é a
seguinte: estou na Casa há mais de sete anos, e há projetos que estão aqui desde que cheguei e
não saem das comissões, não andam. São projetos de vários para não dizer de todos os senadores.
E esse projeto, por incrível que pareça, foi apresentado no dia 8 de julho, na semana passada. Faz
quatro dias que esse projeto foi aprovado na Câmara e vamos aprová-lo aqui no Senado hoje. Eu
nunca vi isso! Manifesto apenas minha admiração... Eu queria encaminhar desde a oportunidade
que tive de encaminhar a urgência, mas queria saber o motivo de tanta urgência. Isso não bate!...
Essa história de que Belo Monte vai resolver o problema do apagão... Essa obra é para dez anos,
como disse o Presidente José Sarney, ou para quinze ou vinte anos. Então, o motivo não é o apagão.

Por causa da não ocorrência das oitivas, o licenciamento ambiental de Belo Monte
foi suspenso em 2006 pelo Judiciário em resposta à ação civil pública de autoria do MPF
(Processo no 2006.39.03.000711-8). Em parte como consequência dessa polêmica em
torno das oitivas, em setembro de 2009, foram realizadas audiências públicas em doze21
comunidades indígenas. Essas “oitivas” foram lideradas pela Funai e contaram com a
presença do Ibama, da Eletronorte e da Leme Engenharia (empresa responsável pela
elaboração do EIA-Rima). O objetivo principal das reuniões foi a apresentação das
linhas gerais do parecer da Funai sobre o componente indígena do EIA do projeto da
usina de Belo Monte (Ibama/DILIC, 2009).

21. Aldeia Paquiçamba; Terra Indígena Juruna do km 17; Aldeia Bacajá; Aldeia Apyterewa; Aldeia Ipixuna Araweté; Aldeia
Pakajá; Aldeia Jurnati Araweté; Aldeia Koatinemo Asurini; Aldeia Kararaô dos Kaipó-Kararaô; Aldeia Arara do Laranjal;
Aldeia Cachoeira Seca; Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu.

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Texto para
Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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Essas “oitivas” têm sido bastante criticadas pelo MP, pela sociedade civil
organizada e por comunidades indígenas. O MP tem reafirmado sua posição de que
essas reuniões não podem ser consideradas como oitivas,22 pois a própria Funai, ao
abrir os encontros, declarou que as reuniões teriam um caráter apenas informativo.
A opinião do representante da Associação dos Índios Moradores de Altamira (Aima)
também é de que as oitivas não ocorreram:

A gente nunca aceitou essa questão das oitivas. Na verdade, a FUNAI, na pessoa do presidente, ele
atropelou essa questão da oitiva indígena. Nunca aceitamos esse fato [...] A FUNAI se aproveitou
de reuniões, de apresentações nas aldeias em relação a Belo Monte e transformou isso em oitivas
indígenas. Então pra nós nunca teve oitivas indígenas porque na constituição diz que as lideranças
indígenas afetadas pelo projeto têm que ser ouvida pelo Congresso Nacional. Se aceita o projeto ou
não e quais são suas questões e isso não foi feito de nenhuma forma (Aima, 19 de junho de 2012).

O argumento da Funai é que, como as oitivas previstas na Convenção no 169 da


Organização Internacional do Trabalho (OIT) ainda não foram regulamentadas, não
há nenhuma previsão legal que determine como essas consultas devem ocorrer e nem se
elas são vinculantes. Dessa forma, a Funai considera como oitivas as reuniões realizadas
com comunidades indígenas cujo objetivo principal é informar a população quanto aos
estudos do componente indígena. De acordo com entrevista da Funai de Altamira, o
resultado das doze oitivas foi a incorporação das contribuições dos indígenas na análise
do componente indígena dos EIAs.

O segundo vício identificado pelo MP é o desrespeito ao processo legislativo,


uma vez que houve modificação do projeto no Senado sem retorno à Câmara dos
Deputados. Por fim, o terceiro vício se relaciona com a ausência de lei complementar
(LC) que disponha sobre a forma de exploração dos recursos hídricos em área
indígena. Esse vício se refere à previsão do § 6º, do Artigo 231, que determina que a
exploração de rios existentes em áreas indígenas só pode ocorrer em caso de relevante
interesse público da União, definido em LC. Como tal lei ainda não foi aprovada,
qualquer obra ou estudo que tenha por objeto a exploração de recursos hídricos em
áreas indígenas fica inviabilizado.

22. Por causa dessa polêmica, o termo oitivas é utilizado, nesta subseção, entre aspas.

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3.2.3 A fase do setor ambiental


A fase do setor ambiental tem início quando o empreendedor requisita ao órgão
ambiental a LP – no caso de Belo Monte, isso ocorreu em 2006. Essa fase é bastante
complexa, já que requer a consulta de múltiplos atores. Do lado governamental, o Ibama
deve consultar diversas instituições estatais. No processo de Belo Monte, o licenciamento
ambiental contou com a participação da Funai, do Instituto Chico Mendes da
Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), do Iphan, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG),
de órgãos dos municípios envolvidos. Do lado da sociedade civil, é nessa fase que são
previstos mecanismos de participação por meio de audiências públicas.

O processo de licenciamento é conhecido como um momento de eclosão de


conflitos sociais; é nesse momento, que os projetos ganham visibilidade, já que há a
possibilidade real de eles serem executados. Além disso, é aqui que o processo decisório
se abre para as manifestações de agências estatais diversas e de atores sociais. Hochstetler
e Keck (2007, p. 45-46) reforçam esse argumento:

(...) uma vez que o processo de licenciamento ambiental é aberto ao escrutínio público (algo
estabelecido no auge dos esforços de democratização, durante a transição) e, portanto, tem se
tornado virtualmente como o único cenário que exige um debate público sobre decisões econômicas
e até mesmo sobre projetos estatais. Como resultado, as decisões individuais de licenciamento se
tornam cruciais para o surgimento de grandes conflitos sociais que deveriam ter sido resolvidos de
outras formas, mas não são (...) (tradução livre).

É neste momento, também, que as previsões legais que estimulam a participação


e a conciliação de interesses em projetos contenciosos de abrangência nacional são
colocadas em prática. Dessa forma, a fase do licenciamento ambiental é caracterizada
pela intensa participação de atores diversos. Entretanto, essa participação tem baixa
efetividade, uma vez que o Ibama atua em um contexto de pouca capacidade decisória.
Isso ocorre porque, quando o licenciamento ambiental teve início, as principais decisões
já haviam sido tomadas em fases anteriores, como a definição das características da
usina e a aprovação do projeto pelo Congresso Nacional.

Assim, apesar de o setor ambiental ter formalmente a capacidade de vetar projetos


com impactos ambientais, esse poder é inviabilizado pelo contexto no qual ocorre o
licenciamento. Como foi apontado pelos entrevistados, esse contexto é caracterizado
pelo desnível de poder entre os diferentes órgãos estatais. Esse desnível é traduzido, de
um lado, na centralização de poder no setor elétrico, que possui maior capacidade de

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Texto para
Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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influenciar a agenda do governo federal ao definir quais empreendimentos são prioritários


e considerados como de interesse estratégico; e, de outro, na fragilidade do Ibama.
Essa situação é comprovada por documentos presentes no processo de licenciamento
ambiental. Por exemplo, em 28 de janeiro de 2010, os técnicos da Coordenação de
Energia Hidrelétrica e Transposições (COHID) do Ibama publicaram o Despacho no 5
assegurando que havia pendências que inviabilizavam a emissão da LP. Além disso,
afirmavam que não tiveram tempo para analisar questões referentes às condicionantes
para emissão da LP. Mesmo assim, poucos dias depois – no dia 1o de fevereiro do
mesmo ano – a licença foi aprovada.

A seguinte fala de um entrevistado da Fase reforça a ideia de fragilidade do Ibama:

Para que esses empreendimentos sejam executados, uma das questões que têm sido o principal alvo
do governo é a flexibilização da legislação ambiental. Então houve um desmonte do Ibama desde os
problemas que ocorreram com o licenciamento ambiental das hidrelétricas do Rio Madeira (...) Então,
no processo de licenciamento, por exemplo, tem sido muito comum, quando os servidores do Ibama
se posicionam como contrários, como aconteceu no Rio Madeira, como aconteceu também agora
com Belo Monte, [eles] simplesmente são retirados. Se tiverem cargo de chefia, saem, são afastados
das suas funções, são deslocados pra outras áreas (21 de novembro de 2012).

Portanto, apesar de ser na fase do licenciamento ambiental que existem as maiores


oportunidades de explicitação de interesses diversos, a fragilidade dos órgãos ambientais
impede que os conflitos sejam processados. Nesse momento, a defesa de interesses
variados ocorreu, principalmente, por meio da realização de audiências públicas e da
intensa atuação do MP, que agiu como o “braço jurídico”23 do movimento contrário à
implantação da usina. Os próximos parágrafos detalham esses acontecimentos.

A atuação do MP e a judicialização do processo


O MP tem tido uma atuação intensa no processo de Belo Monte, sendo responsável
por dezesseis ações civis públicas que questionam a legalidade de diversas decisões
relacionadas a Belo Monte. Como consequência de sua atuação, ocorreu uma extrema
judicialização dos processos decisório e o de implementação da usina, caracterizada
pelo encaminhamento de demandas sociais para o Judiciário. Uma consequência dessa
judicialização são as diversas interrupções e retomadas no processo de licenciamento da
usina: apenas no período entre 2008 e 2009, ocorreram três interrupções.

23. O termo “braço jurídico” foi usado pelo procurador do MPF de Belém, entrevistado em 22 de novembro de 2012.

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A primeira ação civil pública de autoria do MP ocorreu em momento tardio


no processo decisório da usina, em 2001. A atuação do MP foi provocada pela
sociedade civil da região da Transamazônica e do Xingu, que reivindicou que o órgão
fiscalizasse o processo da usina hidrelétrica de Belo Monte, especialmente seus aspectos
socioambientais, já que havia informações jornalísticas divulgando que a Eletronorte
planejava retomar o projeto de barramento do rio Xingu. Essa primeira atuação do
MP teve como objetivo garantir que o licenciamento ambiental de Belo Monte fosse
realizado pelo Ibama, instituto federal, e não pela entidade ambiental estadual como
estava acontecendo.24

Além disso, o MP questionava a contratação da Fundação de Amparo e


Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP) pela Eletronorte, sem que tivesse ocorrido
licitação, para a elaboração dos estudos ambientais. O MP afirmava ainda que as
comunidades indígenas afetadas deveriam ser consultadas antes do início do licenciamento.
Essa primeira ação do MP foi bastante efetiva, pois o processo de licenciamento ambiental
foi suspenso e foi reiniciado em 2006 – após o Decreto Legislativo no 788 (Brasil,
2005), que supostamente teria se baseado na consulta das comunidades indígenas – sob
a responsabilidade do Ibama.

A segunda ação do MP data de março de 2006, logo após a retomada do


licenciamento ambiental. O objetivo aqui era suspender o licenciamento, uma vez que
o decreto legislativo que aprovou a usina seria inconstitucional. Apesar de a ação ter
paralisado o licenciamento de Belo Monte por quase um ano, a última decisão da
Justiça não foi favorável ao MP, permitindo a retomada do licenciamento da usina.

Nos anos seguintes, diversas outras ações civis públicas foram movidas pelo
MP: em 2007, com o objetivo de suspender a elaboração dos estudos ambientais até a
finalização do Termo de Referência (TR) pelo Ibama; outras duas ações, uma em 2007,
cuja finalidade era responsabilizar agentes públicos federais e gestores da Eletrobras
que, a pretexto de programar estudos para subsidiarem o exame de viabilidade e de
impacto ambiental do empreendimento, se associaram com entes privados sem a
observância do necessário procedimento licitatório; outra, em 2009, com o objetivo de
anular o Despacho no 2.756 de 25 de julho de 2008 da Aneel, que aprovou o Inventário

24. Um dos argumentos do MP é que, quando o bem a ser tutelado – no caso potenciais de energia hidráulica – é de
gerência da União, cabe ao Ibama realizar o licenciamento ambiental.

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Discussão Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de
Hidrelétricas na Amazônia Brasileira
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Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu, e de invalidar o registro do estudo de


viabilidade da UHE Belo Monte por parte da Aneel e o aceite do EIA-Rima por parte
do Ibama.

Outras ações se referem a vícios no processo de licenciamento ambiental como a


aprovação do Inventário da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu sem o término da avaliação
ambiental integrada e a não consideração das audiências ocorridas em 2009 para
analisar o EIA-Rima; a ação de improbidade contra servidor do Ibama que aprovou o
EIA-Rima incompleto; a ação que requisita a ocorrência de novas audiências públicas
para abranger todas as comunidades afetadas.

Tendo em vista todas as irregularidades apontadas pelo MP e o fato de que apenas as


duas primeiras ações foram julgadas até a última instância, o MP entrou com novas ações
após as decisões que indicavam que a usina seria mesmo construída. Dessa forma, o órgão
tentou anular a LP, o leilão e a LI, além de ter pedido, em 2011, a suspensão das obras para
evitar a remoção dos povos indígenas Arara e Juruna. Essa última ação teve decisão inicial
favorável ao MP, o que causou a paralisação temporária da construção da usina em agosto de
2012. Entretanto, a decisão foi revertida pela Advocacia-Geral da União (AGU).

Como pode ser observado, o MP teve uma atuação bastante intensa no processo
decisório de Belo Monte, cumprindo seu papel de guarda da legalidade e protetor de
interesses difusos e das comunidades indígenas. Entretanto, a atuação do órgão foi
prejudicada por três fatores. A ação do MP teve início em momento tardio: a primeira
ação data de 2001 e a atuação constante começou a partir de 2006. Ou seja, o órgão
só agiu durante a fase de licenciamento ambiental, o que é um fator limitante para sua
atuação, dada a importância da fase referente à elaboração do projeto pelo setor elétrico.
O seguinte trecho de um procurador do MPF de Belém expressa esse problema:

Uma das reflexões que a gente faz depois de mais de dez anos de processo de Belo Monte é que
com todas essas ações judiciais nós já chegamos tarde. Porque nós chegamos quando começa o
licenciamento ambiental. A reflexão que a gente tem hoje, a culpa que a gente faz, é que a gente
tinha que chegar antes disso (22 de novembro de 2012).

De acordo com o mesmo procurador, o licenciamento ambiental no Brasil é uma


mera formalidade, já que as decisões ocorrem em etapas anteriores. Por isso, a atuação
do MP não deveria se limitar a essa fase.

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A atuação do MP tem sido marcada por um padrão: inicialmente a decisão do


Judiciário sobre as ações é favorável ao MP, mas, logo em seguida, a AGU recorre,
conseguindo dar continuidade à obra. Segundo o representante entrevistado do MPF
de Belém, o instrumento utilizado pelo Judiciário, nesses casos, é do tempo da ditadura:
a suspensão de segurança. Com esse mecanismo, quando a AGU recorre das decisões
favoráveis ao MP, o Judiciário não precisa analisar o mérito da decisão. Dessa forma, o
Judiciário tem utilizado o argumento do CNPE de que o processo de Belo Monte deve
continuar por ser um projeto de interesse estratégico.

O terceiro fator é a lentidão do julgamento das ações propostas pelo MP, já que
até o momento apenas as duas primeiras ações foram julgadas até a última instância.25
Como a maioria das ações pede o cancelamento de decisões que permitem a construção
da usina e diante do fato de que a construção de Belo Monte já foi iniciada, mesmo se
no futuro ocorrer uma decisão favorável ao MP, ela não terá efeito porque a obra já foi
iniciada. O MPF tem pedido urgência no julgamento desses processos, o que fez com
que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) selecionasse algumas das ações relacionadas
a Belo Monte como prioritárias para serem julgadas.

As audiências públicas
Em novembro de 2009, ocorreram quatro audiências públicas, presididas pelo Ibama,
nos municípios de Brasil Novo, Vitória do Xingu, Altamira e Belém. Essas audiências
ocorreram no âmbito do processo de licenciamento ambiental, tendo o objetivo de
apresentar e discutir o EIA-Rima26 do projeto de Belo Monte, como previsto pelo
Conama (1987). A realização dessas audiências apresentaram diversas falhas que
limitaram a efetividade desse instrumento participativo como mecanismo de solução
de conflito, de aumento da legitimidade de projetos do governo e de conciliação de
interesses. As entrevistas com diversos atores da sociedade civil que participaram das

25. Nesses casos, o SFT é que toma a última decisão, já que se refere a questões constitucionais.

26. A Resolução no 1 (Conama, 1986) estabelece que “dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e
respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do
IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente”. Dentre essas atividades
estão as “(...) obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de
10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos
d’água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques”. Além disso, “(...) dependerá de elaboração de
estudo de impacto ambiental e respectivo RIMA, a serem submetidos à aprovação do IBAMA, o licenciamento de atividades
que, por lei, seja de competência federal”.

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audiências revelam a opinião deles em relação a esses eventos: suas demandas não
foram consideradas e as audiências não tiveram um impacto significativo no processo
decisório de Belo Monte.

O primeiro fator limitante da efetividade das audiências se refere ao momento


da participação. As datas das audiências respeitaram a Resolução no 9 (Conama, 1987)
que prevê a realização de audiências públicas para discutir o EIA-Rima. Apesar de terem
seguido o que foi estabelecido na legislação, o momento de participação levou a dois
problemas. Por um lado, as manifestações da sociedade civil contrárias a Belo Monte
datam da década de 1970, o que sinaliza a necessidade de terem ocorrido outros momentos
de diálogo entre Estado e sociedade. O resultado da falta de mecanismos participativos
formais foi a extrema judicialização do processo decisório de Belo Monte, uma vez
que a forma utilizada pelos atores contrários à usina de reivindicar suas demandas foi a
utilização da via judicial, geralmente por intermédio do MP. Por outro lado, técnicos do
Ibama entrevistados reconhecem que o momento previsto pela legislação para a ocorrência
de audiências prejudica a efetividade desses eventos, uma vez que, antes da aprovação da
LP, muitas informações sobre a obra ainda não estão disponíveis. Como consequência,
muitas perguntas do público não são respondidas de forma completa.

O ideal seria que as audiências não tivessem ocorrido em um único momento no


processo de licenciamento: audiências anteriores à fase de discussão do EIA-Rima seriam
úteis para que a população pudesse participar de decisões importantes da elaboração do
projeto; reuniões posteriores também seriam eficazes para sanar dúvidas relacionadas
com informações que são definidas em momento posterior à LP e para permitir um
monitoramento realizado pela população do cumprimento das condicionantes e dos
compromissos firmados pelo empreendedor.

O segundo fator limitante é o escopo e a amplitude do debate das audiências.


Conforme previsão da Resolução no 9 (Conama, 1987), as audiência tiveram como
principal objetivo apresentar e discutir o EIA-Rima do projeto. Como consequência,
o escopo das audiências foi predominantemente informativo. Assim, como bem
explicaram os representantes da Aima e do MMTACC, apesar de as audiências terem
ocorrido logo após a solicitação de LP pelo empreendedor, o foco das audiências não foi
discutir a aprovação ou negação da licença. Além disso, não foram discutidas possíveis
alterações no projeto para atender interesses ambientais e dos índios.

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O terceiro fator limitante se refere à representatividade dos participantes, que foi


comprometida pela localização de alguns dos atores que serão impactados pela usina – seja
porque habitam regiões distantes dos locais onde as audiências foram realizadas, seja porque se
situam em regiões de difícil acesso. Nesse sentido, após a divulgação do edital de audiências
públicas pelo Ibama, em junho de 2009, diversas entidades manifestaram a necessidade de
realização de outras audiências – além das previstas no edital – direcionadas para grupos
específicos – como indígenas e o grupo de mulheres trabalhadoras de Altamira – ou para
incluir atores que habitam áreas distantes dos perímetros urbanos dos municípios de
Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo e Belém (MPF, 2009, p. 2-3).

Nesse sentido, no dia 3 de setembro de 2009, foi protocolada na Procuradoria


da República em Altamira demanda popular para que ocorressem audiências públicas
em diversas outras localidades.27 O resultado foi a Recomendação nº 5/2009 do MP
ao Ibama, negada pela agência ambiental por considerar que as audiências públicas
convocadas pelo Ibama foram regularmente realizadas, e os procedimentos de convocação
observaram as exigências estabelecidas na Resolução Conama supracitada (Resolução
Conama no 09/87), no sentido de garantir a devida publicidade e participação dos
interessados (Ibama, 2009).

Como consequência do não acatamento da recomendação do MP pelo Ibama,


foi movida uma ação civil pública, em 2009, para obrigar o órgão ambiental a realizar
novas audiências a fim de abranger todas as comunidades afetadas.

O quarto fator limitante é a falta de sistematização de propostas das audiências


e a inexistência de uma devolutiva para a sociedade. Esse fato é apontado tanto pelos
técnicos do Ibama entrevistados quanto pelo representante da Universidade Federal do
Pará, na audiência de Vitória do Xingu, em que o Ibama esclareceu que não há uma
metodologia de avaliação das audiências. A não consideração das audiências públicas
na fase de análise do EIA-Rima foi motivo de nova ação civil pública, movida pelo
MP em 2010, com o objetivo de obrigar o órgão ambiental a corrigir erros graves no
licenciamento ambiental.

27. O MP demandava que ocorressem audiências nas seguintes localidades: Travessão Cenec; Travessão km 45 Cobra-
Choca; Assurini; Travessão do km 27; TI Arara da Volta Grande do Xingu; TI Paquiçamba; MMCC-TA - movimentos das
mulheres; Vitória do Xingu; Santo Antônio; Ressaca; Ilha da Fazenda; Arroz Cru; São Pedro; Porto de Moz; Belo Monte;
Resex do Xingu; Agrovila Leonardo da Vinci.

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Esses quatro fatores afetaram negativamente a efetividade das audiências públicas


em questão por diversos motivos. A realização das audiências em momento tardio do
processo decisório impossibilitou a sociedade de participar de decisões importantes,
adquirindo um caráter predominantemente informativo e não consultivo. Mesmo o
papel informativo das audiências ficou prejudicado, uma vez que muitas informações
relevantes são definidas após a LP, o que motivou o MPF a organizar audiências com
função essencialmente informativa.

O fato de os organizadores das audiências não terem sistematizado as contribuições


dos eventos e a falta de uma devolutiva para a população mostram que os resultados
foram limitados: a não sistematização impede que as audiências cumpram a função de
fornecer subsídios para as decisões do governo, além de dificultar a elaboração de qualquer
devolutiva para a população. Tudo isso reforça o sentimento, expresso nas entrevistas com
atores da sociedade civil, de que participar não dá resultados, já que suas demandas não
são consideradas, e que esses eventos não produzem efeitos significativos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As políticas de infraestrutura para a região da Amazônia consolidam a atuação de


um Estado desenvolvimentista, cujo foco é dinamizar a economia. Nesse contexto,
a construção de hidrelétricas na região se alinha a essa estratégia estatal e possui
finalidades diversas: geração de energia; transformação dos rios da Amazônia em
hidrovias; viabilização de empreendimentos variados, como a expansão do agronegócio
e a exploração de minérios. O seguinte trecho da entrevista com um representante da
Fase explica bem o modelo de desenvolvimento para a Amazônia:

No caso da Amazônia, em particular, ela só veio a fazer parte do planejamento governamental, da


preocupação do Estado brasileiro e entrada do planejamento, com Getúlio Vargas (...) é a ótica de
que a Amazônia é uma região isolada, é uma região desabitada, que falta empreendedores. Ou seja,
por conta disso, é preciso integrar a Amazônia ao restante do país e ao mercado internacional. É
preciso habitar a Amazônia. É preciso trazer novos investimentos, novas empresas, empreendedores
porque aqui não existe essa capacidade de empreendedorismo. Ou seja, a Amazônia é uma região
onde o progresso precisa ser levado. Ou seja, a civilização precisa ser trazida pra cá. E isso se dá
de fora pra dentro: do centro do país para a região. Essa visão, que é uma visão que se consolidou
historicamente é o fundamento de todas as estratégias de desenvolvimentismo até hoje (21 de
novembro de 2012).

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Esse modelo de modernização da região foi intensificado na ditadura militar e foi


retomado, recentemente, no governo do ex-presidente Lula. Apesar de esse modelo ter
características persistentes nos diferentes momentos históricos, a análise mais recente
deve avaliar qual a influência das instituições democráticas na capacidade do Estado de
pôr em prática projetos estratégicos e de conseguir apoio social.

A comparação do processo decisório de Tucuruí com o de Belo Monte revela que


ocorreu um aperfeiçoamento democrático, fator que influencia a qualidade dos projetos
de usinas hidrelétricas. No caso de Tucuruí, como visto, as decisões se concentravam no
setor elétrico e no governo federal. Dessa forma, poucos interesses foram considerados,
havendo uma grande preocupação apenas com os aspectos técnicos e com a necessidade
de aumentar a oferta de energia elétrica. Como consequência, as questões ambientais e
sociais foram tratadas com pouco cuidado, o que comprometeu a qualidade do projeto
da usina e gerou uma série de consequências negativas, como a não retirada de grande
parte da vegetação da área do reservatório, o que tem gerado a emissão de gases de
efeito estufa (GEEs), além de corroer as turbinas da usina; graves problemas sociais
referentes ao aumento da incidência de doenças, ao rápido crescimento populacional e
ao deslocamento de cerca de 30 mil pessoas (La Rovere e Mendes, 2000).

A partir da consolidação da legislação ambiental e da reforma do setor elétrico,


surgiu um novo modelo de arranjo político institucional que organiza o processo decisório
e o de implementação de hidrelétricas no país. Esse novo arranjo criou mecanismos
de explicitação de interesses diversos: audiências públicas; ampla atuação do MP,
principalmente por meio de ações civis públicas; compartilhamento de competências entre
agências estatais no licenciamento ambiental; envolvimento do Congresso Nacional, que
deve organizar as oitivas indígenas. Esse arranjo tornou o processo decisório e os processos
mais democráticos de implantação de hidrelétricas, o que explica a superioridade técnica
do projeto de Belo Monte: a hidrelétrica produzirá grande quantidade de energia e alagará
uma área considerada pequena, já que a usina é fio d’água. De acordo com Pimentel
(2012, p. 75), Belo Monte representa “(...) uma mudança na concepção dos projetos de
usinas hidrelétricas, por meio da adoção da tecnologia fio d’água, que, por não possuírem
reservatório de acumulação, geram menores impactos sociais e ambientais”.

Além disso, houve um cuidado muito maior com as questões sociais e


ambientais. O processo decisório da usina seguiu a previsão legal de licenciamento de

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três fases. Já na LP, foram estabelecidas mais de quarenta28 condicionantes, envolvendo


compensações sociais e ambientais. Outra evolução29 em relação aos projetos anteriores
é que a construção de Belo Monte vai ocorrer de forma paralela à implantação de
um Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) do Xingu, cujo objetivo
é maximizar os benefícios gerados pelo empreendimento da usina e mitigar seus
impactos socioambientais (Pimentel, 2012). Para a concretização do plano, a Norte
Energia investirá R$ 500 milhões e, além disso, de acordo com entrevistados do ISA e
do MMTACC, foi criado um comitê – formado pelos governos federal, estadual e local
e por entidades da sociedade civil – cuja responsabilidade é realizar a gestão do plano.

A evolução da qualidade do projeto de Belo Monte é consequência, em parte,


da inserção de atores diversos no processo decisório e no de implementação da usina.
A sociedade civil e o MP têm realizado um forte controle social nas ações do governo
e da Norte Energia. Além disso, a sociedade produziu análises técnicas variadas, o
que é uma contribuição para melhorar o projeto da usina. O Painel de Especialistas,
grupo formado no momento anterior à emissão da LP – composto por professores
de universidades brasileiras – com o objetivo de analisar e criticar o EIA-Rima, é um
exemplo de contribuição técnica da sociedade para a melhoria do projeto da usina.

A própria existência de múltiplas formas de explicitação de interesses deve ser


considerada como um grande avanço para o aprofundamento democrático. A inclusão
de atores diversos fez com que interesses variados fossem defendidos e discutidos:
a necessidade de o país aumentar a oferta de energia elétrica; os direitos de povos
indígenas e tradicionais; as preocupações ambientais; os modelos de desenvolvimento
para a Amazônia brasileira.

Entretanto, como o novo arranjo é caracterizado pela inserção de múltiplos pontos


de veto no processo, conflitos entre grupos com interesses divergentes são explicitados.
A literatura sobre Belo Monte caracteriza o processo decisório sobre a usina como a

28. Entretanto, é importante ressaltar que muitas dessas condicionantes não foram cumpridas.

29. Entretanto, esses avanços devem ser analisados com cuidado. Principalmente no que diz respeito às comunidades
indígenas afetadas, há diversas críticas de que o Estado brasileiro tem sido omisso; a Funai não possui capacidade para
coordenar as negociações que envolvem indígenas; a Norte Energia tem privilegiado a negociação direta com lideranças
indígenas (o que dá margem para a cooptação dessas lideranças) em detrimento da implementação de projetos que
foquem em comunidades indígenas (para mais detalhes, ver Vieira, 2013).

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negociação e o conflito entre coalizões que defendem modelos de desenvolvimento


diferentes para a Amazônia. Nesse sentido, a capacidade do arranjo de processar esses
conflitos a partir da conciliação de interesses é de extrema importância. O caso de Belo
Monte mostra que essa capacidade é ainda limitada.

Essa limitação é revelada quando o novo arranjo é desmembrado em três fases: a


do setor elétrico, a do Legislativo e a do setor ambiental. A comparação entre elas mostra
que o Estado não age de forma homogênea: seus ramos possuem capacidades decisórias
desiguais e abertura política diferente. O setor elétrico deve ser considerado como o
ramo do Estado que possui maior poder na decisão de construir grandes hidrelétricas
por estar envolvido desde a elaboração dos planos iniciais das usinas até a fiscalização
do cronograma de obras. Como visto, o CNPE possui o poder de decidir quais
empreendimentos são prioritários para licitação e implantação. A outra característica
do setor elétrico é sua baixa porosidade a demandas sociais. Os próprios técnicos da
Aneel reconhecem que não há mecanismos de interação com a sociedade. Mesmo
outros órgãos estatais, como o MP, afirmam que não há mecanismos de interação com
as agências do setor elétrico.

O setor ambiental apresenta um processo decisório exatamente oposto ao do


setor elétrico: é bastante aberto para interações com a sociedade civil – via audiências
públicas e MP, principalmente –, além de o processo de licenciamento ambiental
envolver agências estatais diversas. Entretanto, seu poder decisório é baixo: seja por causa
da fragilidade política dos órgãos ambientais, seja porque importantes decisões sobre
as características da usina são tomadas pelo setor elétrico. Dessa forma, a explicitação
de interesses e de conflitos se concentra na fase ambiental, caracterizada pela baixa
capacidade decisória. Para que os diferentes interesses pudessem ser conciliados, as fases
do setor elétrico e do Congresso Nacional deveriam se abrir para a inserção de atores
com interesses variados.

Essa característica do novo arranjo – as diferenças de capacidade decisória e de


abertura política entre as diferentes agências estatais e a participação limitada da sociedade
civil – provocou consequências negativas para os processos decisórios e de implantação
do projeto de Belo Monte. A dificuldade do arranjo em conciliar interesses de atores
sociais variados, uma vez que a sociedade civil foi incluída no processo de negociação
da usina em uma fase de baixo poder decisório, fez com que o projeto da usina tivesse

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pouca legitimidade. De fato, organizações ligadas a comunidades indígenas – como o


Conselho Indigenista Brasileiro – e a questões ambientais e sociais – como o MXVPS e
o ISA – ainda questionam e criticam o projeto da usina. Essa dificuldade do arranjo em
resolver conflitos também causou a judicialização do processo de licenciamento de Belo
Monte, o que tem causado inúmeras interrupções na construção da usina.

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APÊNDICE – Lista de Entrevistas

l Entrevista 1: representante do MMTACC (8 de junho de 2012).

l Entrevista 2: representante do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria


Madeireira, Construção Civil e do Mobiliário de Altamira e região (18 de
junho de 2012).

l Entrevista 3: representante do MPF de Altamira (19 de junho de 2012).

l Entrevista 4: representante da Associação dos Índios Moradores de Altamira


(19 de junho de 2012).

l Entrevista 5: representante da Secretaria Municipal de Gestão do Meio


Ambiente e Turismo (20 de junho de 2012).

l Entrevista 6: técnico da Funai de Altamira (20 de junho de 2012).

l Entrevista 7: técnicos do Ibama (10 de julho de 2012).

l Entrevista 8: ISA (filial Brasília) (19 de outubro de 2012).

l Entrevista 9: Aneel (22 de outubro de 2012).

l Entrevista 10: Comissão Indigenista Missionário (19 de novembro de 2012).

l Entrevista 11: Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre (19 de


novembro de 2012).

l Entrevista 12: Imazon (20 de novembro de 2012).

l Entrevista 13: Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (Iamas) (20 de


novembro de 2012).

l Entrevista 14: Fase (21 de novembro de 2012).

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Rio de Janeiro, outubro de 2013

l Entrevista 15: Sindicato dos Urbanitários (21 de novembro de 2012).

l Entrevista 16: MXVPS (22 de novembro de 2012).

l Entrevista 17: MPF de Belém (22 de novembro de 2012).

l Entrevista 18: ISA (filial Altamira) (23 de novembro de 2012).

l Entrevista 19: Liderança indígena Juruna (21 de novembro de 2012).

l Entrevista 20: MMTA (26 de novembro de 2012).

l Entrevista 21: Movimento dos Atingidos por Barragem (26 de novembro de


2012).

l Entrevista 22: FVPP (27 de novembro de 2012).

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Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

EDITORIAL

Coordenação
Cláudio Passos de Oliveira

Supervisão
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Revisão
Carlos Eduardo Gonçalves de Melo
Cristina Celia Alcantara Possidente
Edylene Daniel Severiano (estagiária)
Elaine Oliveira Couto
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Editoração eletrônica
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Capa
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Missão do Ipea
Produzir, articular e disseminar conhecimento para
aperfeiçoar as políticas públicas e contribuir para o
planejamento do desenvolvimento brasileiro. 1759
POLÍTICAS DE APOIO À INOVAÇÃO NO
BRASIL: UMA ANÁLISE DE SUA EVOLUÇÃO
RECENTE

Bruno César Araújo

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