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Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual mente nesse papel e estou disposta a acompanhar, estou dl ta a contribuir no que eu puder, né! Com 0 Fi do Alaafin Aiyé, com toda essa nova eferve1 mento de oitenta. E dizer que sou uma espécie de Tia que pode contar umas histérias... descobrir umas i Constitucionais racistas, né! E quanto a questio do Pelé, que vocé falou... nfo & ninguém sait daqui simps tudo bem! gécio é o seguinte: 0 negécio eu quero sempre estar prot © fim da minha vida, enquanto existir racismo, eu quero contra o racismo... eu me propus a isso com os meus cinco anos... agora, estou com quarenta e cinco anos ¢ cada vez mais lutar contra o racismo... onde eu ver racls eu the digo assim, eu vejo racismo pelo cheio... quando meco a dizer, nao... “Vamos parar por af; vamos refletir, vamos pens ‘mos pesquisar, vamos levantar dados”. Entao, felizmente, eu tinha esse dado sobre a Bit Constitucional, da Constituigdo de 46, que foi colocada ef que foi uma coisa, justamente, pra Pelé ser 0 negro para que ele nao servisse de exemplo para nenhum de nds, Possibilidade nos dias da destruigdo -34- Introduco ao Conceito de Quilombo* uuilombo é um conceito préprio dos africanos bantos, que vem sendo modificado através dos séculos. O Con- selho Ultramarino de 1740 define quilombo como “to- daa habitagiio de negros fugidos que passem de cinco, toda parte desprovida, ainda que néo tenham ranchos le- intados nem se achem pilées neles”, segundo consulta de Pe- » Tomas Pedreira. Ora, de acordo com as estimativas demo- ficas do Quilombo dos Palmares, na Capitania de Pernambu- |,¢ de Quilombo Grande ou da Comarca do Rio das Mortes, Minas Gerais, o ntimero de habitantes era de aproximada- Esta indefinicdo a respeito do que seja um quilombo leva historiadores a ampliar seu conceito. Na tradi¢éo popular, ele ‘assim definido: quilombo era um estabelecimento singular, we segundo Edison Carneiro, sofreu variagdes geogréficas, de pos de sistemas econémicos (Palmares se estabeleceu na zona j. Este capitulo faz parte do livro O Negro e a Cultura no Brasil: Pe- jena Enciclopédia da Cultura Brasileira de Helena Maria Beatriz. Nas- Hmento, José Jorge Siqueira e Helena Theodoro Lopes. Rio de Janei- UNIBRADE-Centro de Cultra/UNESCO, 1987. 303 Beatriz Nascimento, Quilombola ¢ Intelectual acucareira a Rio das Mortes, na zona mineradora) e de que o compunham. Essas variagdes também foram sofrendd dificagées através do tempo como imagindrio histérico e $0 No Nordeste, quilombo é uma grande confusio olf festa de rua. No Sul, confunde-se com lugar ptiblico onde # tala uma casa de prostitutas. No pequeno Diciondrio, de Aut Buarque de Holanda, significa uniao. Estes so trés pequenos exemplos da vastidéo de si cados do termo quilombo, de como ele favoreceu esses sig dos e de como se prestou a muitos aparatos simbélicos. Simbolicamente, como quase tudo o que se refere toria do negro no Brasil, o conceito de quilombo permanees historiografia, na literatura e no diciondrio como “ de negros”, lugar de bandidos ou de pessoas que sonhavam uma possivel volta ao Estado “Tradicional” Africano, tal considerado Repiiblica Negra. Tal visio nao é de todo fal se apoia no episédio em que Ganga Zumba permite e ac trégua com o Império Ultramarino Portugués. Tais relagd ram de nivel de Estado para Estado, e esta forma de q tem seu exemplo tinico em Palmares. Entretanto, os es! de modo geral, estendem essa caracteristica aos demais. Assim, ou o quilombo surge como local de bando que instituem o “sangue” como seu “modus econémico" um Grande Estado Africano. De fato, existiram quilombos com uma estrutura idl ca a dos Palmare: Quilombo do Rio das Mortes, O Quild de Sergipe e 0 Quilombo de Isidoro, no Tijuco. As caract fundamentais desses nticleos humanos eram a grande qual de de habitacdes, a figura do chefe, como nas regides adi trativas de Angola, e 0 excedente de producio, Mas ‘outros nticleos que nao tiveram ao longo do tempo as m caracteristicas que as citadas. Outro desvio detectado é que a historiografia dé foque extraordinario & guerra; cai sempre na ani mentos oficiais, documentos de repressio. Neste particular, lisa 0 momento do ataque & ordem social vigente, aos est cimentos negros indo estudos fundados sobre os mo tos de paz. Em pesquisas recentes, realizadas em varias unl 304 Possibilidade nos dias da destruigdo do Brasil, os estudiosos buscam reelaborar 0 conceito da lombola. Como um estabelecimento humano, sofrendo 0 acossa- wo de uma ordem tao repressiva como a color escravocra- mitiria a paz concomitante com a guerra? Formulando a pergunta: como estes estabelecimentos sobreviviam da ordem e ao mesmo tempo dentro dela? Quilombo € termo banto e quer dizer acampamento iro na floresta, sendo entendido ainda em Angola como 0 administrativa. ‘Angola foram visitados, por Maria Beatriz. Nascimen- quilombos de Kua Putu, Cubembe, Dalatando e Dembo. (0 Carlos Serrano, os quilombos de ld tinham um tipo de yacao nem vertical, nem horizontal, mas transverso, ou existia uma forma de poder eminentemente tirdnico a0 no tempo que democratico, baseado nas relagées de linha- africana ou parentesco. Os quilombos de Palmares e da Co- wea do Rio das Mortes possufam esse tipo de organizacao po- n O quilombo, no Brasil, toma uma feigao politica, social e . Foi sempre confundido com rebeliéo ou insurrei¢ao. W timo significado, segundo José Honério Rodrigues, é pre- «eituoso e somente o historiador que reconheca o direito de que 0 senhor tinha sobre o escravo pode utilizar, sem ética ma, os significados de rebeldia ou insurreigao. Assim, 0 \eito de quilombo se amplia, aproximando-se do que diz a wulta de 1740: cinco homens fugidos podem ou nao ser com- dos a 20 mil? As interpretagdes dos quilombos a partir da documenta- o oficial, baseadas numa metodologia da historia descritiva, etem-se a dois principios que estio vinculados a formacéo légica dos historiadores. De um lado, o liberalismo classico lo dos ideais da Revolugdo Francesa faz com que os autores lerpretem o tema a luz daqueles principios de igualdade e jerdade, sem atentar para o fato de que o quilombo mantém igualdades em seu seio, embora de esséncia diferente das de sistema socioecondmico, como o escravocrata, ou de um sis- . moderno, Outros autores se mostram mais enfaticos a0 305 Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual procurarem nos quilombos a luta armada, que € o prinel repiiblicas socialistas simpatizantes do marxismo-leni vendo-os hoje como “embrides” revolucionérios em bus uma mudanga social. Colocam enfaticamente 0 quilomba tro desta perspectiva. Tais autores so eminentemente historiadores que zam a metodologia classica. inegdvel o carater de reagi negros quilombolas ao regime escravagista que domina (0 ividade produtiva brasileira em trés séculos. Nesse senti erdade é uma das motivagées para que os escravos prod ‘0s quilombos. No entanto, houve outras formas de resisténcia, ¢01 jo de escravos e o assassinato de senhores. Mas a ful mais difundida, assim como a compra da alforria, tarefad volvida pelas relagées miituas das irmandades. A historiografia especializada, entretanto, conter em marcar a capacidade de uta e resistencia dos negros vidos nos quilombos e em amplié-la através dos tempos, generalizacéo do termo quilombo para indicar variadas f festagdes de resisténcia, generalizacao permeada pela ideolégica dos pesquisadores. Considerando, assim, como forma de resisténcia dd gros, cabe perguntar se o quilombo se constituiu em ins to eficaz de enfrentamento da ordem soci ra mudé-la a seu favor. Caso contrario, ele nao poderd req para o seu entendimento, uma interpretagdo baseada rias vigentes de mudanga s aos movimentos sociais pela “tomada do poder dos negro és da Bahia” (caso tipico do que chamam insurrei¢ao). No século XX, a auséncia de movimentos de cardté surrecional e de rebeldia, assim como de varios moviment protesto, fomentaram a ideia de que o negro bra: esptrito passivo e décil. Aliés, a tradicéo dos movimento protesto parece fundamentar esta assertiva. HA mesmo quel ga que o negro consciente e “rebelde” desapareceu junto ¢ quilombos, apés a abolicéo do trabalho escravo, Entretant 306 Possibilidade nos dias da destruigdo lades sociais baseadas nas diferencas étnicas, no Brasil, n-se durante este século. Compreendendo 0 quilombo em seu sentido histérico, jumos que ele se transformou num instrumento ideolégico e )| sistema social alternativo. E importante, pois, que se repro- para o entendimento de seu aparente desa- nto da Histéria do Brasil a partir do final do século XIX brevivéncias ou diferencas que ele projetou no século yens do Quilombo na Africa s bantos criaram 0 termo quilombo, 0 que, entretanto, p significa que outras etnias, como os nagés, tenham tam- ir das inter-relacdes étnicas, constituido esse tipo de lecimento. Os quilombos bantos partem da regitio da Bacia do Con- ula antes de queda do Reino do Ndongo. No século XVI, rma de sistema social de linhagem era muito difundida 9s Mbundo. Afitma David Birmigham: © povo Mbundo, entre os quais os reis do Congo, captu- rava escravos, vivia ao longo da fronteira sul do Reino do Congo, entre os rios Dande e Quanza, e, continuando, pa- rece ter sido, no século XVI, dos povos mais numerosos da regio, Originariamente tinham estado organizados em clas auténomos de carziter pastoril e agricola. Segun- do a tradigao oral, um cagador vindo do leste, chamado Ngola, invadiu o territério e impés aos Mbundo um regi- ‘me mondrquico de governo. Assim, quando os portugue- ses chegaram a Angola encontraram um pequeno Reino Mbundo em formacao chamado Ndongo, cujo rei era Ngola, nome que os portugueses derivaram de toda a re- gio ao Sul do Congo, ou seja, Angola. Vé-se, portanto, como os bantos estavam num processo proxenia, em virtude de orientagio catastréfica dada ao co- Icio de escravos. Linhagens e etnias eram atacadas pelo rei ngo e pelos reis portugueses. 307 _ Beatriz Nascimento, Quilombola e intelectual Outro ponto nos chama atencio nas afirmacées d vid Birmigham: 4 a Uma vez estabelecido 0 tréfico de escravos, traf ‘solados comegaram a procurar noves pontos de Dado que a maioria dos escravos eram originérios di dos Mbundo, estes comerciantes procuravam nova tos, especialmente ao sul de Mpinda. Encontraram cal propicio numa bafa abrigada por detras da Il Luanda (...). Dizem as tradigées que os bral garam em barcos alados que brilhavam ao sol comd {as caravelas). Vor do o rei Ngola a abandonar as salinas e as pla bananas. Alguns Mbundo mais comunicativos se ficar a vender ovos e galinhas aos brancos em th idos e contas. Quando os brancos voltaram, milho, mandioca, tapioca, amendoim e tabaco, as sementeiras frutificassem tomava-se nec uma prece cujas palavras até hoje sio entoadas, ___Uma hipétese a ser levantada, levando-se em cont taco, € que o quilombo se origina nesta tradi¢ao Mbundo no inicio da colonizacdo foram transferidas para o Brasil lin gens, familias e etnias diversas que aqui puderam repro sua vivéncia africana. Isto é notério no Quilombo dos Palm que, na constituigao de seu processo politico e soci tha-se ao dos Mbundo. Pode-se inferir que o Quilombo dos mares era constituido de angolas e jagas. © Quilombo dos Palmares Segundo Birmigham: (..) até 1560 0 comércio de escravos funcionava ‘mas por esta altura invasores Jagas, vindos do Lest ‘mecaram a infiltrar-se no reino do Congo. Por vol 1569 tinham jé conseguido expulsar o rei do Congo’ Portugueses da capital, obrigando-os a exilar-se a do mesmo nome. 308 lade nos dias da destruigao Ora, as primeiras noticias de quilombo na capitania de mbuco datam de 1559 e Palmares, em 1606, ja estava em ‘ao. Na lingua dos quimbundos, o nome também é Ngola wya, dando a impressdo de que os jagas e os angolas forma- num s6 Reino no Brasil, de acordo com o que estava acon- undo na Africa. Os componentes do Quilombo dos Palmares vem ter tido, no exilio forcado, a mesma experiéncia de luta ‘05 ndongos e os jagas. Entretanto, s6 no caso de Palmares € possivel estabele- semelhanga com reinos africanos em estado de proxenia ca- (fica, Preferimos usar 0 termo proxenia ou migracio do plura, quando nos reportamos ao estudo da classe diri- site de Palmares. Entretanto, houve outros quilombos no decorrer dos trés Julos de escravismo, muitos deles até a publicagtio do Cédigo rrocesso Penal de 1842, sendo chamados de insurreicdes ou ias. Por essa razao, 0 termo quilombo se generalizou para ier movimento social. Beatriz Nascimento, por exemplo, vé nos quilombos dos ilos XVII e XVIII uma continuidade de Palmares, num pro- de continuum histérico que veio dar nos quilombos de sgipe e no Quilombo de Camoanga, na Paratba. Pedro Tomas Pedreira publicou em 1973, na Bahia, obra sbre os varios quilombos dos séculos XVII € XVIII, sob o titulo lombos brasileiros, conforme as capitanias do Brasil, e que 1. Quilombos da Amazénia 2. Quilombos do Maranhao 3. Quilombos da Paraiba 4. Quilombos de Pernambuco/Alagoas 5. Quilombos dos Papa-méis, que vieram acrescer as Tropas dos Cabanos 6. Quilombos de Sergipe 7. Quilombos do Rio de Janeiro 8. Quilombos de Minas Gerais, 309 Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual 9. Quilombos de Sao Paulo/Jabaquara durante 0 rocesso abolicionista 10. Quilombos de Mato Grosso 11. Quilombos da Cidade de Salvador: Quilombo do Buraco do Tatu Quilombo de Jacuipe e Jaguaribe Quilombo de Nossa Senhora dos Mares e Cabula Quilombo do “Urubu” Quilombo dos Campos de Cachoeira 12. Quilombos da Bahia: Quilombos de Nazaré e Santo Amaro Quilombos de Jacobina e Rio das Contas Quilombo de Orobé e Tupim e Andara Quilombo do Camisao Quilombos de Taperod, Canavieiras e Adjacénciay Quilombos de Maragojipe e Muritiba Quilombo do Piolho Quilombo de Pindajutiba Os quilombos citados foram arrolados também em mas obras historiogréficas, embora tenham existido outros a obra Tomds Pedreira nao conseguiu definir. Tomamos exemplo um ex-quilombo pesquisado por Beatriz Nascimel em levantamento feito sobre trés deles em Minas Gerais, © Quilombo de Carmo da Mata © Quilombo de Carmo da Mata, em Minas Gerais, hou-se conhecido sobretudo de 1976 até 1979, através de quisa da historiadora Maria Beatriz Nascimento. Localiza- Municipio de Carmo da Mata, distante 14 km da regido es da. Ao ser indagada sobre a pequena igreja catdlica do cho, uma habitante do lugar revelou que se tratava da igre) Nossa Senhora do Rosario, protetora dos escravos e depois Pretos em geral, dentro dessa religido. Foi-lhe perguntado }bém se era comum os pretos frequentarem aquela igreja, A 310 Possibilidade nos dias da destruigtio ‘a forneceu de forma muito precisa os primeiros dados pesquisa que de desenvolveu posteriormente. Constatou-se que 0s negros frequentavam a Igreja de Senhora do Rosario, assim como os brancos, mas os pri- ps sé auumentavam suas praticas “cristas” durante a trilogia Benedito, Nossa Senhora do Rosério e Santa Ifigénia. ela ocasido, promoviam festas de rua “gue s6 eles sabiam indar”. O nome dado pelos negros a tilogia, na regio, era ido”, que se constituiu de ternos, espécie de pequenos Wreitos ou batalhées, cada um com seu comandante, sempre ou mestigo. Os ternos sao quatro: da Congada, de Mo- ique, de Catupé e do Vildo. ‘Tendo regressado ao Rio de Janeiro, Maria Beatriz Nas- 1 procurou a origem desse “folguedo” em CAmara Cascu- que nao adiantou muito. Retornou posteriormente a re- le Carmo da Mata e procedeu a um levantamento mais de- lo, segundo a concepgao dos habitantes negros e brancos Pelos varios depoimentos inferiu que no se tratava de inples festejos folcl6ricos-religiosos. Havia naquela pratica to- contetido hist6rico, pois os ternos tinham nomes e espe- iades significativas. O primeiro referia-se a um patriarcado africano, que se ‘ou em um poder politico-administrativo, e que fora 0 leino do Congo do século XIII ao XV. O segundo também se re- a0 pasado africano e representava um matriarcado, ou, Velo menos, um grande poder politico da mulher, ao mesmo Jonpo descentralizado, ocorrido na Africa no periodo citado. “A Wiferenca entre a Congada e 0 Mocambique é que na Gongada é # ei, no Mocambique sao as rainhas, mas a diferenca que os fetos dizem que tem é no toque do tambor e das caixas”. 0 ter- feito terno, da Catupé, é o indio brasileiro, e © quarto e tltimo Jepresenta o portugués, 0 terno do Vilio. Durante o més de setembro procurou informagées sobre W ocorréncia de algum “reinado” perto da fazenda. Disseram {jue haveria uma apresentacao do “Reinado” em outro povoado, nome era kilombo, considerado 0 mais auténtico das izinhangas. 311 Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual Areferéncia ao termo kilombo interessou a pesqull a ponto de querer desenvolver um estudo em que os cont t6rico-culturais de quilombo e reinado fossem 0 poll partida. Nesta perspectiva, utilizou a hipétese de uma cont dade historica entre o quilombo e suas representacdes € nigdes nos dias atuai Posteriormente, procurou localizar esse quilombo cumentagio histérica referente aos quilombos dos séculog em Minas Gerais. Nada foi encontrado no Arquivo N nal do Rio de Janeiro, nem no Arquivo de Minas Ger is, ef lo Horizonte. Procurou esse mesmo tipo de documentagy Igreja Matriz de Carmo da Mata e Divinépolis, nao tendo dos a bons resultados. Optou forcosamente pela pesquisa oral. Através d poimentos veio a saber que 0 Quilombo de Carmo da Mal ganizou-se através do contato dos negros corumbas com: dios puris que habitavam a regio. Os negros eram bani uma etnia Mbundo. Viviam da caca, da pequena lavoura de caxi, feijao e banana, e da extracdo do palmito. Nao foras gistrados em longo perfodo ataques A comunidade. Por volta de 1888, segundo depoimento, forast brancos provenientes de Sao Jodo del-Rei, & procura de para café e gado, apossaram-se das ali existentes, expulsa hegros ¢ puris - primeiros habitantes da regido. Houve massacre até reescravizagio. A imagem da santa milagrosa, Senhora Santana, fo contrada apés a luta entre forasteiros brancos e quiloml Um pedo de uma das fazendas encontrou-a em uma grut pois de seguir uma rés desgarrada. A vaca tinha o chifre do, € o pedo procurou saber onde havia sido ferida. Segui rastro do sangue deixado pela vaca, 0 pedo encontrou num grutas do sitio Calhambola o que the pareceu ser uma mi com uma mao partida. Posteriormente, acompanhado de hegros, verificou que se tratava de uma imagem de Santana. Acreditaram, entdo, que ela causou o ferimento & porque o animal pertencia a um dos fazendeiros mais crud regio, dos que mais maltratavam os negros e colonos. 312 ‘A imagem recebeu um “passe” antes de ser levada para e entronizada na Igreja Catdlica, cuja padroeira era Senhora do Rosario. Trata-se de uma imagem de ébano, barroco. Os negros atribuem sua origem a um quilom- 1 regiéio, o que mais tarde procuraram verificar em um de Kimbanda. Constatou-se em meados deste século que 4 pertencia ao quilombo. Em consequéncia, os comandan- ‘Reinado” construiram uma nova capela no sitio onde a m foi encontrada e tentavam até o momento da pesquisa feri-la para la Esse procedimento dos comandantes do “Reinado’, to- negros, levou-os a um conflito com a Igreja Catélica e os 1s da regia Um dos filhos de uma das seis familias brancas, por vol- 10 de 1910, passou a viver maritalmente com Dona Ida- descendente dos quilombolas. Entre os varios filhos negros ia mulher, existe um tinico mestico, filho do homem branco, scendente dos fazendeiros. Esse filho tem um papel relevante na comunidade. Tra- 4e de um bom lavrador, benzedor e principal capitao do “Rei- Possui uma atuagéo, portanto, de lider da comunidade E ele quem dirige a luta contra os poderosos da regiiio, ue vai desde a recuperacio da caixa de auxilio mituo do nado”, que estava em mos dos brancos amigos do padre da de Carmo da Mata, até a retirada da imagem, que ele jera pertencente aos negros, bem como as esmolas a ela lregues por ocasido de promessas. ‘Ao longo desse processo, tem procurado legalizar sua as- yuléncia branca para a recuperaciio das terras perdidas por sis ancestrais negros. Quer dizer, pelo fato de ser filho natural im fazendeiro branco, procura, através de documentos em jo, herdar as terras que pela “Jef dos brancos” pertencem Pai Este mestico revelou, apés um ano de pesquisa, 0 con- io que pareceu A primeira vista latente e que se processava jorno da posse da Santa Milagrosa pela comunidade negra, s componentes de ternos do “Reinado” da regiao. Com isso 313 Beatriz Nascimento, Quilombola e Intelectual procuravam o dominio da renda das festas, das esmolas pd marias a Santa, além das tomadas das terras, objetivo final, Com a lideranca do St. Neca (filho da ancia), foi @ truida a capela do “Reinado” fora da jurisdicio direta da quia de Carmo da Mata. A capela foi erguida com o dinhel caixa do “Reinado” no alto do sitio Calhambola, préximo ta onde encontraram a Santa. Para ld pretendiam levé-la @ nizar 0 “Reinado” autonomamente no ano de 1979. Como foi dito, o “Reinado” dramatizava uma situag conflito, mas com as informacGes constantes nos depoimel foi possivel verificar que objetivava 0 proprio conflito. Em. dele haveria uma demonstracdo das situacées da comuu que fugiam a observacdo em épocas nao proximas ao event nominado “Reinado”. Conclusées Busca-se aqui ampliar o conceit quilombo, de n que extrapole suas caracteristicas puramente histéricas, 0 cais onde se formaram os quilombos possuem condigées eli cas e de relevo bastante similares, Questiona-se até que ponto as caracteristicas el funcionam como polo de atragio para 0 povoamento de d minadas regides, ou ainda se essas caracteristicas provoc expanséo da fronteira econdmica, impedindo que exist reas vazias, capazes de acomodar pequenos propriet brancos ou negros. Pergunta-se ainda se néo foi justamente caracteristica, a de ser regido de fronteira, que levou a truigdo os quilombos do passado. Até que ponto ainda ho problema se repete? Sao questdes que remetem ao concel continuidade histérica. E muito comum no Brasil, mas também em Angol quilombos se localizarem em planaltos ou colinas, proxin rios os outros caminhos naturais, possuindo um clima ba especifico, onde 0 aparecimento do sol e de outros astra uma sensacio de espaco aberto, oceanico e infinito. Registra-se, por isso, a caracteristica de fronteira, geografica como também demografica, econdmica e cul 314 Possibilidade nos dias da destruigdo essas organizacées possuem. Em levantamento feito em An- fato ficou patente, procurando-se observar se 0 mesmo no Brasil. Constatar que no passado isso pode ter ocorrido é ter de que 0 quilombo possuiu importincia como sistem: 0. Essa constatagao levaria & hipétese de que 0 qui- importunado no passado, por se encontrar em terras s para varios tipos de exploracao econémica por parte do dominante. Por essa razo teria sido atacado e destrui- n suas estruturas. liografia BIRMIGHAM, David, A conquista portuguesa de Angola. \l, de Altino Ribeiro e Sérgio Moutinho. Lisboa: Ed. A Regra Jogo/Historia, 1974. CARNEIRO, Edison. Ladinos e crioulos. Rio de Janei Editora Nacional, 1944. CARNEIRO, Edison. O Quilombo dos Palmares. Rio de neiro: Civilizacao Brasileira, 1966. CONRAD, Roberto. 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