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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2020.0000024685

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1005712-11.2018.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que é apelante HESA 81
- INVESTIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, são apelados LUIZ HENRIQUE CORTEZ
DE GODOI e CAROLINE CARMINHOTO CORTEZ DE GODOI.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 9ª Câmara de Direito Privado do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao
recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores EDSON LUIZ DE


QUEIROZ (Presidente) e JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO.

São Paulo, 23 de janeiro de 2020.

GALDINO TOLEDO JÚNIOR


Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Cível nº 1005712-11.2018.8.26.0361


Comarca: Mogi das Cruzes
Apelante: Hesa 66 - Investimentos Imobiliários Ltda.
Apelados: Luiz Henrique Cortez de Godoi e outra
Voto nº 27.137

COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA -


Ação de rescisão contratual c.c. devolução de
quantias pagas, proposta por adquirente de
imóvel, com base na simples conveniência
deste - Acolhimento do pedido, declarando
rescindido o contrato que vincula as partes,
condenando a ré a devolver de uma só vez à
parte autora, os valores recebidos, autorizando
a retenção de 20% a título de perdas e danos e
taxa administrativa - Inconformismo da ré
insistindo nas teses iniciais, aduzindo
ilegitimidade passiva em razão da cessão de
crédito, pleiteando denunciação da lide,
subsidiariamente, litisconsórcio passivo da
cessionária e impossibilidade jurídica do
pedido - Rejeição - Legitimidade passiva -
Cessão de crédito sem que a cessionária tenha
assumido posição contratual da ré - Assistência
litisconsorcial - Impossibilidade de
determinação do juízo por se tratar de instituto
de modalidade voluntária - Inaplicabilidade da
Lei nº 9.514/97, por se tratar de promessa
compra e venda disfarçada de alienação
fiduciária, na qual alienante e credora se
confundem, - Submissão desta à legislação
consumerista, - Apelo desprovido.

1. Ao relatório constante da sentença de

fls. 441/446, acrescento que esta julgou extinto o processo, sem

resolução do mérito, em relação às corrés Brookfield Brasil

Shopping Centers Ltda., Jorge´s Administração Patrimonial Ltda. e

Nancy Empreendimentos e Participações Ltda., com base no artigo

487, I, do Código de Processo Civil e procedente ação de rescisão

contratual, proposta por adquirentes de imóvel, com base na


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simples conveniência deste, declarando desfeito o negócio que

vincula as partes, condenando a ré a devolver de uma só vez à

parte autora, os valores recebidos, corrigidos de cada pagamento e

juros de mora desde a citação, autorizando a retenção de 20% a

título de perdas e danos e taxa administrativa, reintegrando

requerida na posse do imóvel. Sucumbente a ré, condenou esta em

custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em

20% sobre o valor da condenação.

Inconformada, apela a vencida (fls.

503/549), aduzindo, preliminarmente, ilegitimidade passiva em

razão de ter figurado como cessionária de direitos da unidade

habitacional objeto da lide adquirida pelos apelados, sendo certo

que posteriormente, em 29.09.2016, cedeu 100% de seus créditos

à Brazilian Securities Companhia de Securitização. Afirma ter

notificado os apelados a respeito da cessão de crédito

supramencionada. Requer a denunciação da lide à empresa

Brazilian Securities de Securizitaçação. Subsidiariamente, pleiteia o

acolhimento da cessionária Brazilian Securities como assistente

litisconsorcial. Reitera considerações a respeito da impossibilidade

jurídica do pedido por se tratar de contrato firmado diretamente

com a apelante, conferindo-lhe garantia do imóvel em alienação

fiduciária. No mérito, sustenta, em suma, se tratar de contrato

perfeito e acabado, sendo impossível a declaração de nulidade de

cláusulas contratuais, sendo o caso de aplicação da Lei nº

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9.514/97, sendo inaplicável ao caso a legislação consumerista.

Recurso regularmente processado, com

oferecimento de contrarrazões (fls. 556/574).

2. De início, analiso as questões

preliminares aventadas.

Do que consta dos autos, a requerida

Hesa 66 é parte legítima para figurar no polo passivo, como bem

consignado pelo ilustre julgador: “ Por outro lado, constatada a

cessão do imóvel pelas rés e considerando-se ter a empresa Hesa

66, desde o contrato preliminar de compromisso de compra e

venda, figurado na cadeia consumo, é de se reconhecer a

legitimidade da empresa cessionária Hesa 66 - Investimentos

Imobiliários Ltda., que espontaneamente se apresentou aos autos

em contestação de fls. 126, devendo ser inclusa no polo passivo da

ação .”.

Da mesma forma, rejeita-se a

denunciação da lide da empresa Brazilian Securities: “A

denunciação a lide da empresa Brazilian Securities Companhia de

Securitização, não pode ser aceita, pois a situação retratada nos

autos não se enquadra nas hipóteses do artigo 125 do Código de

Processo Civil. Verifica-se que a transação realizada entre a

denunciada e a requerida Hesa 66 tratou-se de cessão de crédito

imobiliário lastreado em alienação fiduciária constituída sobre o

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imóvel adquirido pelos autores e, ao que consta no contrato de fls.

302/321, foi estipulado que a cessão de crédito não representaria

assunção pela Brazilian, então cessionária, da posição contratual

da cedente (Hesa 66) nos contratos de compra e venda com

alienação fiduciária, no que a cessionária ficou limitada tão

somente à gestão dos créditos e dos acessórios deles decorrentes,

enquanto que a cedente permaneceu como responsável por todas

as obrigações assumidas nos contratos de compra e venda . Desta

feita, a operação mercantil realizada entre as empresas trata-se de

relação interna corporis que não interfere na relação de consumo

existente entre a requerida Hesa 66 e os autores, não havendo que

se falar na responsabilidade da empresa Brazilian em indenizar os

autores no caso de resilição do contrato originário do crédito

imobiliário, isto porque a transação em questão muito se

assemelha às operações que envolvem repasse de duplicatas

mercantis a bancos mandatários que então procedem ao desconto

da duplicata e o protesto a mandado do emitente e, por

conseguinte, não tem responsabilidade quanto ao crédito

originário .”.

Igualmente, não comporta acolhimento

o pedido de que a empresa Brazilian Securities componha a lide na

posição de assistente litisconsorcial, pois, trata-se de instituto de

intervenção de terceiros na modalidade voluntária, não cabendo ao

Juízo essa determinação.

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Nem mesmo se pode olvidar, não poder

se falar em impossibilidade jurídica do pedido em razão de

aplicação da Lei nº 9.514/97 - lei de alienação fiduciária.

Com efeito, celebraram as partes

contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel com

pacto de alienação fiduciária em garantia de pagamentos e outras

avenças, em 06.12.2011, tendo por objeto a aquisição do imóvel

residencial Unidade Autônoma, designada Conjunto Comercial no.

1.214, no 12º. Pavimento do Edifício Office, do empreendimento

denominado HELBOR CONCEPT LIFE OFFICE E CORPORATE,

registrado no 1º Oficial de Registro Civil de Mogi das Cruze/SP.

Narram os autores que em razão de

dificuldades econômicas, pretende a rescisão contratual, com o

que as requeridas não concordaram, recusando-se a restituir os

valore pagos.

Contestando a ação as requeridas

aduziram preliminares, impugnando as pretensões autorais.

O MM. Juízo julgou extinto o processo,

sem resolução do mérito, em relação às corrés Brookfield Brasil

Shopping Centers Ltda., Jorge´s Administração Patrimonial Ltda. e

Nancy Empreendimentos e Participações Ltda..

Para acolher a pretensão autoral, o MM.

Juízo a quo reconhecendo que houve entre as partes verdadeiro

contrato de compra e venda, declarando rescindido o pacto

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celebrado entre as partes, condenando a ré a devolver de uma só

vez à parte autora, os valores recebidos, autorizando a retenção de

20% a título de perdas e danos.

Sem embargo de o contrato ter sido

levado a registro (fls. 28/63), em decorrência da alteração de meu

entendimento anterior a esse respeito, reconheço ser possível a

rescisão da avença, mesmo em se tratando de contratos de compra

e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária, sempre que se

confundirem as pessoas do alienante com o credor fiduciário.

Explico.

Até então, sem distinção entendi que o

registro do contrato particular de compra e venda com alienação

fiduciária, aperfeiçoava o negócio, com isso, não seria mais

declarar-se a rescisão da venda e compra, posto que esta já foi

inteiramente concretizada quando do registro da alienação na

matrícula do imóvel, nos termos do artigo 482 do Código Civil,

subsistindo entre as partes apenas a relação negocial decorrente

da garantia fiduciária.

Ressaltava que, como a avença não teve

sua eficácia sujeita a qualquer condição suspensiva, nos moldes do

artigo 125 do Código Civil, não poderia mais ser desfeita, com

base na alegação de descumprimento inadimplemento das

vendedoras, consistente no atraso na entrega da obra.

Em outras palavras, uma vez ajustada a

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transferência da propriedade do imóvel, não incidindo o vício

negocial sobre a validade desta (causa apenas capaz de conduzir à

anulação ou nulidade do negócio jurídico), a falta de cumprimento

das demais obrigações acessórias do contrato não autorizaria o

desfazimento deste.

Ocorre que, melhor analisando a

questão destes autos e muitas outras semelhantes a esta, conclui

que, a substituição da forma tradicional de celebrarem as partes

mero compromisso de venda, pela transferência definitiva da

propriedade, mas com alienação fiduciária em prol da mesma

alienante, na verdade escondia uma tentativa de burlar as garantias

previstas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

Isto porque, na forma antes por mim

defendida, ficava o adquirente obstado de pleitear a rescisão do

negócio no caso de inadimplemento da vendedora, ou mesmo de,

na hipótese de não mais suportar a continuidade da aquisição, de

pedir seu desfazimento, com retorno de parte do valor já pago,

nos termos do artigo 53 da lei consumerista.

Na verdade, a alienação fiduciária foi

criada como forma de garantir terceiro financiador da aquisição do

imóvel, de maneira a permitir-lhe rápida recuperação do capital

investido, no caso de descumprimento pelo adquirente das

parcelas do mútuo adquirido.

Este, como tantos outros, não é o caso

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dos autos, onde a alienante nada adiantou para merecer garantia

fiduciária, mas apenas assumiu o compromisso de entregar coisa

futura, mediante pagamento parcelado do preço.

Como dito acima, a forma “esperta” da

alienante, que no caso dos autos, é a própria credora fiduciária, só

tem por escopo desvirtuar o direito, mediante simulação de uma

avença de garantia, mas que, em realidade, nada há a garantir,

pois nem mesmo sua própria obrigação de entregar a coisa que

serve a esse fim, foi cumprida.

Nessas condições, o apelo não comporta

acolhida, devendo ser mantido o julgamento monocrático, para

declarar rescindido o pacto celebrado entre as partes, com o

consequente retorno das partes ao status quo ante .

Deixo de impor à apelante vencida os

honorários adicionais de que trata o artigo 85, § 11º, do Código de

Processo Civil, uma vez que esta já foi condenada no percentual

máximo de 20% pelo juízo a quo .

3. Ante o exposto, meu voto nega

provimento ao recurso.

Galdino Toledo Júnior


Relator

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