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Tradução Livre de Renato Ferracini do Livro

Thomas Richards Al lavoro con Grotowski sulle azioni fisiche


Editora Ubulibri, 1993 (original em Italiano)
Páginas 15 a 51

Stanislawski e Grotowski – a conexão

Os artistas que não para frente, vão para trás.


Stanislawski

Não existe o estar parado, somente evolução ou involução


Grotowski

Nesses últimos oito anos trabalhei continuamente com Jerzy Grotowski. O


conhecimento prático que tenho de nosso ofício obtive dele.

Grotowski sabe que aprender qualquer coisa é conquista-la na prática.


Deve-se aprender através do fazer e não memorizando idéias e teorias. As teorias
foram usada em nosso trabalho somente quando podiam auxiliar a resolver um
problema prático. O trabalho com Grotowski não foi igual àquele de uma escola na
qual alguém aprende as lições. Eu estou convencido que ele buscou ensinar não
somente à minha mente, mas a meu ser inteiro. Freqüentemente ele repetiu-me
que o verdadeiro discípulo sabe roubar, sabe ser um “bom ladrão” : isto requer um
esforço ativo da parte de quem aprende, pois deve roubar o conhecimento
tentando conquistar a capacidade de fazer.

Grotowski freqüentemente me designou tarefas específicas. Por exemplo,


eu devia resolver com nosso grupo um problema técnico que havia surgido no
trabalho. Se eu perguntava a Grotowski “como” resolver este problema,
normalmente não recebia resposta, somente o sorriso de quem sabe muito. Assim
entendia que deveria me arranjar sozinho?. Somente depois de haver realizado a
minha tarefa no melhor das minhas capacidades, Grotowski intervinha e analisava
os meus erros. Então o processo recomeçava. É um método de ensino que requer
uma grande quantidade de tempo e de paciência. Quem aprende se encontrará
freqüentemente defronte a um fracasso. Os fracassos são essenciais, pois
naqueles momentos se começa a ver claramente como construir teu próprio
caminho. Dessa forma o modo como aprendi a trabalhar com as ações físicas não
foi de modo algum normal do ponto de vista do sistema educativo corrente. Não
procurarei desenvolver aqui uma análise teórica do trabalho sobre as ações
físicas: não é assim que me foi ensinado. Proponho-me, ao invés disso, recordar o
modo como minha capacidade de trabalhar com as ações físicas e a minha
compreensão adaptaram-se e cresceram através do trabalho prático com meu
teacher, Jerzy Grotowski.

Sei que a experiência que muitos têm do trabalho de Grotowski se reduz a


alguns seminários apresentados por condutores não qualificados, pessoas que
talvez estudaram vinte anos atrás com Grotowski durante uma sessão de cinco
dias. Estas pessoas difundem erros e mal entendidos e a pesquisa de Grotowski
pode, dessa forma, assemelhar-se a um trabalho “selvagem”, sem estrutura, no
qual nos lançamos ao solo, gritamos muito e fazemos experiências pseudo-
catárticas. A ligação de Grotowski com a tradição e sua ligação com Stanislawski
correm o perigo de serem completamente esquecidos ou de não serem levados
em consideração. O próprio Grotowski, entretanto, não esqueceu aqueles que
vieram antes dele. Defronte aos seus predecessores comportou-se como um
“Bom Ladrão”, examinando a fundo suas técnicas, analisando criticamente o seu
valor e roubando aquilo que poderia funcionar para ele. O trabalho de Grotowski
não nega o passado, ao invés disso, pesquisa ali os instrumentos que lhe possam
ser de ajuda para o trabalho presente. “Criem o seu método, não sejam
servilmente dependentes do meu. Encontrem algo que funcionem para vocês.”
Estas são palavras de Stanislavski e é exatamente aquilo que Grotowski fez.

O fio condutor deste texto será um método, ou melhor: uma prática que foi
fundamentado no trabalho desses últimos anos de Stanislawski e que depois foi
desenvolvida por Grotowski: as ações físicas. Nos últimos dez de sua vida
Stanislawski pôs um acento novo sobre as ações físicas. Disse com clareza qual
ele considerava o núcleo de sua pesquisa: O método das ações físicas, disse – “é
o resultado do trabalho de toda a minha vida”, esta firmação deve ser bem
entendida. O que pretendia Stanislawski com “método das ações físicas”? Porque
usava a palavra “físicas” ao invés de “pscicofísicas” ao passo que grande parte de
sua pesquisa anterior baseava-se na lembrança de emoções precisas? E este
método, como se coloca em prática?

Grotowski tem idéias muito precisas a propósito do período final do trabalho


de Stanislawski. Está convencido que o “método das ações físicas” seja a pérola
mais preciosa no trabalho de Stanislawski. Porque Grotowski considera este
método como a mais útil descoberta de Stanislawski? E como aprendi através de
Grotowski a trabalhar com as ações físicas? Heis algumas das questões que
tocarei neste texto. Para traduzir em palavras a compreensão que tenho do
trabalho sobre as ações físicas – uma capacidade amadurecida na prática –
recordarei algumas etapas de meu trabalho com Grotowski e examinarei o modo
como ele me transmitiu essa capacidade. Relembrando o modo como descobri os
elementos desta técnica, a minha reflexão, as vezes, se voltará para trás, para
verificar como esses mesmos elementos estiveram presentes no período final do
trabalho de Stanislawski. Fazendo desse modo, procurarei acentuar um ponto
que me parece freqüentemente ignorado: a estreita conexão existente entre o
trabalho de Grotowski e o trabalho que Stanislawski conduziu no último período de
sua vida.

Jerzy Grotowski e Konstantin Stanislawski dedicaram, ambos, as suas


vidas à pesquisa do ofício. Trabalharam com uma extraordinária capacidade de
resistência e tenacidade em seus esforços pessoais, chegando, ambos, a
grandes descobertas em suas artes. Entretanto, os seus processos de trabalhos
são freqüente e largamente mal-entendidos. Porque?

Vivemos em uma época na qual a vida interior é dominada pela mente


discursiva. Esta fração da mente divide, secciona e rotula. Coloca o mundo em
uma caixa e o empacota como “entendido”. E aquela maquina em você que reduz
aquele misterioso objeto que oscila e agita-se, simplesmente a “uma árvore”.
Como esta parte da mente ocupa o posto de honra em nossa construção interior à
medida que envelhecemos a vida perde o sabor. As nossas experiências se fazem
sempre mais rasas, e não recebemos mais “as coisas” diretamente, como
quando crianças, mas como os signos de um catálogo que nos é já familiar.
Restrito e petrificado, o desconhecido transforma-se em conhecido. Entre o
indivíduo e a vida ergue-se um filtro. Assim como está, o nosso mundo acha difícil
tolerar um processo vivo de desenvolvimento.

Como um cão que tenta parar um rio apertando-o entre os dentes, a mente
discursiva rotula as coisas ao nosso redor e diz “entendo”. Através deste
“entender” criamos mal entendidos e reduzimos aquilo que é percebido aos limites
e aos modos da mente discursiva. Tais mal entendidos freqüentemente se
apresentam quando buscamos estudar o trabalho de uma outra pessoa. O perigo
é de limitar, reduzir e aprisionar esta pessoa, vendo somente aquilo que queremos
ou que somos capazes de ver. No início deste escrito disse que para mim
Stanislavski e Grotowski são como aquele rio impetuoso. Farei o meu melhor para
não ser como um cãozinho em frente a eles e aos seu trabalho de toda uma vida.

Olhando a vida de Stanislawski e aquela de Grotowski vejo dois processos


autenticamente vivos; vejo que as pesquisas de ambos, graças aos seus esforços
pessoais, são como parábolas constantemente em ascensão. Por isso me parece
fundamental considerar bem o período final de seus trabalhos; porque
exatamente nesses momentos finais poderemos ver a perspectiva pessoal do
trabalho de cada um desses dois homens, a quis conclusões chegaram e quais
elementos do próprio trabalho sentiram como os mais importantes.

Quando era estudante de interpretação no Instituto Estatal de Teatro na


Polônia, Grotowski percebe que “uma parte desta educação era um perda de
tempo”. Então criou a própria escola dentro do Instituto de Teatro. Reuniu alguns
estudantes de recitação para levar adiante, junto com eles, pesquisas conjuntas
independentes sobre o trabalho de Stanislawski. Falado-me desse período,
Grotowski me fez notar como os professores do Instituto não foram contrários a
criação dessa escola dentro da escola: ao contrário, a apoiaram. Disse-me que
aprendeu a trabalhar com as ações físicas a partir daquela pesquisa prática e
independente. Naquele momento tinha descoberto: “Ah, existe alguma coisa aqui
– no trabalho de Stanislavski – alguns instrumentos que podem ser úteis”. Em seu
texto “resposta à Stanislawski” Grotowski disse:
Quando era um estudante da escola de arte dramática, da faculdade para
atores, fundamentei inteiramente a base de meu saber teatral sobre os princípios
de Stanislavski. Como ator era possuído por Stanislavski. Era um fanático.
Acreditava que fosse a chave que abre todas as portas da criatividade. Trabalhava
muito para saber todo o possível sobre aquilo que ele havia dito ou o que havia
sido dito sobre ele”

Apesar de grotowski, em quase todas as suas conferencias publicas,


sublinhar a ligação de seu trabalho com aquele de Stanislavski, vejo
continuamente atores e grupos que na prática esquecem esse ponto. Tentam
chegar aquela mesma alta qualidade, saltando com os dois pés a necessidade de
calçar as fundações; dão um salto no desconhecido. Por preguiça ou por desejo
de resultados imediatos, estes indivíduos ou grupos esquecem completamente os
ensinamentos de Stanislavski que evidenciam a necessidade de uma estrutura
conscientemente preparada: uma necessidade que Grotowski nunca esqueceu.

Com certeza o turbilhão da inspiração pode transportar o nosso aeroplano


criativo sobre as nuvens sem interrupção. O problema é que esses impulsos não
dependem de nós e não constituem a regra. As nossas possibilidades permitem
preparar o terreno, deitar os trilhos. Formar, portanto, as ações físicas reforçadas
pela verdade e pela convicção.

São Palavras de Stanislawski, mas ouvi muitas vezes Grotowski exprimir a


mesma idéia.

É fácil sonhar fazer alguma coisa de profundo. É muito mais difícil fazer
efetivamente alguma coisa de profundo. Diz um velho provérbio russo: se você for
ao campo, elevar o olhar e der um salto em direção às estrelas, você somente
cairá na lama. Freqüentemente nos esquecemos dos degraus. Mas os degraus
devem ser construídos. Isto, Grotowski nunca esqueceu. Podemos nos perder
facilmente pensando no profundo aspecto metafísico do trabalho de Grotowski, e
esquecer a soma de sacrifícios e esforços práticos que está por detrás de seu
resultado. Grotowski foi, antes de mais nada, um mestre na arte da direção.
Quando era um jovem ator ignorava quanta maestria era necessária ao
ofício. Por isso agora quero sublinhar que os degraus são necessárias. São a
nossa técnica enquanto artistas, e não importa o quanto criativo nos sintamos; não
haverá canal para nossa força criativa sem técnica. Técnica significa artesanato,
conhecimento prático do ofício. Quanto mais forte é sua criatividade, tanto mais
forte deve ser o seu ofício, para chegar ao equilíbrio necessário que permitirá fluir
plenamente as suas capacidades. Se nos falta essa base, cairemos na lama.

A minha esperança é que, também por meio deste texto, o trabalho sobre
as ações físicas possa chegar a ser de maior utilidade prática para aqueles grupos
teatrais que desejarem melhorar realmente a qualidade de seu trabalho. Gostaria
que eles se perguntassem constantemente o que podem servir com seu ofício,
para que possam ser chamados, em essência, artistas.

Para que se trabalha? Para ser um objeto mais facilmente vendável? O que
servimos o próprio trabalho?

A questão do “serviço” a favor de algo de mais alto é de suma importância


para Stanislavski e Grotowski. O serviço está no primeiro plano em seus modos de
aproximar a arte e o ato criativo. O exercício do próprio ofício deve servir algo
mais do que a própria vaidade e o próprio orgulho. Stanislavski disse: “Vocês
deves amar a arte em vocês e não vocês na arte“. Provavelmente cada um, em
diferentes medidas, sente a necessidade de servir algo de superior ou de mais
nobre com seu trabalho. Mas certas pessoas, através de seus esforços tenazes,
transformam esse sentimento em ação. Estas pessoas não permanecem paradas,
mas empenham-se em uma luta constante pelo próprio crescimento pessoal, sem
nunca sucumbir a estagnação. Um crescimento consciente não acontece
acidentalmente nem se coloca em movimento sozinho. Estas pessoas trabalham
com constância e com o seus esforços tentando servir algo acima de si mesmos, e
mesmo chegando as vezes a grandes descobertas são freqüente e largamente
mal interpretadas.
Este texto, portanto, fala da primeira parte de meu trabalho com Jerzy
Grotowski nos primeiros três anos de um aprendizado, durante os quais o trabalho
sobre as ações físicas foram fundamentais.

O período sucessivo constitui um estágio completamente novo e não é


tema desse texto.

O trabalho atual conduzido por Grotowski – com o qual estou colaborando –


é centrado sobre ações físicas estruturadas e baseadas sobre antigos cantos
vibratórios.

Sobre esse mesmo trabalho grotowski falará no escrito publicado ao final


deste livro.

Grotowski revisou todas as minhas citações de seus textos e conferências


que aparecem neste volume e em alguns casos as reelaborou em relação às as
traduções e as edições correntes.
Cieslak em Yale

Encontrei-me pela primeira vez perante aos métodos de trabalho de


Grotowski através de Ryszard Cieslak, um dos membros fundadores do Teatro
Laboratório de Wroclaw. Cieslak, falecido no verão de 1990, é conhecido no
mundo inteiro pela sua criação do papel de Príncipe Constante no espetáculo
dirigido por Grotowski. Apesar de recordar de ter ouvido Cieslak dizer: “Eu não
sou Grotowski”, e sua ligação com o trabalho de Grotowski é evidente: A evolução
de Cieslak como ator de fato aconteceu no Teatro Laboratório, do qual tornou-se o
ator principal durante o período mais criativo do grupo.

Quando freqüentava o último ano da Yale University (1984), Ryszard


Cieslak veio para conduzir um seminário de duas semanas no Depto de Teatro. O
seu seminário criou em mim uma explosão interior. Por quatro anos, durante as
aulas na universidade, permanecia sentado, com os professores que falavam à
minha cabeça. Meu corpo estava inteiro bloqueado, tinha medo de estar me
tornando uma caixa falante repetitiva, e temia, inconscientemente, que algo dentro
de mim estivesse morrendo. Fui subitamente pego pelo ímpeto físico do trabalho
de Cieslak: era fresco (alegre) e vivo, algo do qual eu era faminto. Fizemos muitas
improvisações. Este trabalho abriu em mim uma porta que se havia fechado
ficado sentado por muito tempo.

Depois de cada sessão de trabalho com Cieslak, corria para casa dançando
pelas ruas tanto estava excitado. Recordo a impressão que me fazia a luz dos
lampiões refletindo-se através dos flocos de neve na noite, enquanto dançava em
direção à casa.

Quando Cieslak chegou pela primeira vez para nossa aula de interpretação,
na qual normalmente nos exercitávamos sobre cenas isoladas, havia apenas lido
“Em Busca de um Teatro Pebre” (Por um teatro Pobre). As idéias de Grotowski, os
métodos de trabalho e a ética que havia encontrado no livro impressionaram-me
profundamente. Naquela época não conseguia entender tudo o que Grotowski
dizia – atribuía essa dificuldade de compreensão à tradução, que pensava, não
exprimia plenamente o original - mas estava realmente impressionado pela
qualidade dos espetáculos do Teatro Laboratório, pois podia sentir quase
fisicamente a medida que os espetáculos saltavam fora através das fotografias do
livro. Cada fotografia capturava-me, prendia-me com uma espécie de atração
visceral.

Quando soube que quem iria conduzir o seminário seria Cieslak e não
Grotowski, senti-me frustrado e enganado: pensei que Cieslak não era o número
um, e que nós, estudantes de Yale merecíamos o melhor.

Quando Cieslak entrou na sala, o nosso professor já estava já bem no meio


da lição. Quase cai da cadeira, eu nunca havia encontrado ninguém com uma
presença tão forte. Recordo da minha primeira reação: ”Meu Deus, isto é um
dinossauro, gente assim não existe mais. Caminha como um tigre”. Cieslak
sentou-se e somente com sua presença começou a impor-se e a dominar a
classe. Defronte a ele sentia-me um aluninho certinho, um animal de circo ao lado
de uma pantera selvagem. Somente com sua presença , em um silêncio quase
total, despojou nosso professor de interpretação de sua autoridade e em seguida
começou a fazer perguntas do tipo: “Diga o que é Cechov para você? O que é
para você?”. Houve uma pequena revolução, estava encantado. O professor de
interpretação, um homem muito orgulhoso, cedeu a aula a Cieslak e,
completamente aturdido, saiu da sala. Permanecemos sós com ele.

O trabalho com Cielak abriu-me os olhos e o corpo. Foi uma amostra de


uma possibilidade diversa. Teve um efeito profundo sobre meu inconsciente.
Comecei a ter sonhos desvairados e coloridíssimos. Por exemplo: sonhei que
estávamos trabalhando e que a sala pegava fogo: devíamos escapar saltando
pelas janelas, mas eu não estava assustado com o fogo.

Cieslak trabalhava diretamente, sem medo: admirei essas suas qualidades


imediatamente e quase por instinto. Creio que alguns estudantes amedrontaram-
se com sua aproximação direta. Cieslak, por exemplo, perguntou se alguém queria
trabalhar com a voz. No início ninguém levantou a mão, por timidez, mas um
pouco depois uma jovem com uma voz muito aguda e estridente ofereceu-se
como voluntária; ele perguntou-lhe se sabia algum texto de memória e enquanto
ela dizia esse texto tentava ajuda-la a descobrir um uso mais profundo da voz, um
ressonador vocal mais baixo. Depois de haver tentado diversas estratégias sem
sucesso, agarrou sua virilha por trás e a sacudiu pra cima pra embaixo. Para
alguns estudantes este método foi um shock, mas eu não me senti incomodado.
Não havia nada de vulgar. Na verdade me pareceu algo de muito orgânico, como
dois ursos brincando. Também a fez cantar equilibrando-se sobre as mãos com os
pés para cima, apoiados na parede. Estes modos de fazer, diretos, físicos e
exigentes perturbaram-nos a nós estudantes de Yale, habituados a falar muito e a
discutir. Cieslak conduzia um ator direto ao seus limites pessoais, emanando ao
mesmo tempo um calor vivo.

Uma vez disse que voz humana pode chegar a um registro incrivelmente
alto. Perguntou se nunca tínhamos ouvido a nota mais aguda da escala chinesa e
se alguém queria descobri-la. Ofereci-me de voluntário. Disse um texto que sabia
de memória tentando usar um ressonador muito alto, na cabeça. Creio que não
funcionou e Cieslak pediu-me para repetir somente “King, King” e de subir em
direção a um registro sempre mais agudo. Por tôo o tempo dizia, quase gritando
“Maio alto!”, dando-me golpes decididos em uma precisa zona da cabeça, da qual
pensei, que devesse sair o som.

A sua mão golpeava muito rapidamente. A força do golpe não caia


diretamente sobre a cabeça, mas, ao contrário, na lateral do crânio, como de
arranhão, a cerca de cinco centímetros do topo da cabeça, na parte da nuca.
Apesar do golpe produzir um som forte, não me machucava. O ressonador que
Cieslak indicava encontra-se um pouquinho mais embaixo em relação ao ponto no
qual sua mão tocava minha cabeça (pode-se ver claramente a posição desse
ressonador em Em Busca de um Teatro Pobre, p. 203). Depois desse exercício
me fez sentar contra a parede e descansar por quinze minutos, sem falar.
Suponho que fosse necessário deixar repousar minhas cordas vocais, não
habituadas àquele tipo de trabalho direto. Não existe palavras para exprimir o
calor que senti nele no momento em que me acompanhou ao meu lugar: era
profundamente humano. A sensação daquele calor e de ter experimentado fazer
algo de realmente desconhecido - não só com a mente, mas também com outras
partes de mim – fizeram-me sentir uma grande confiança nele. Cieslak era assim.
Se você quisesse te conduzia com esse calor até aos teus limites.

Um dia nos propôs preparar uma improvisação sozinhos e de mostrá-la no


dia seguinte. Antes de ir nos disse para preparar um esboço preliminar. Não
devíamos improvisar sem uma estrutura, devíamos primeiro traçar um enredo de
base. Isso nos daria os pontos de referência, como o dos postes de telégrafo, que
se chamavam “repairs”; sem esta estrutura nos perderíamos. Depois nos deixou
trabalhar sozinhos.

Inventamos a história de um matrimônio envolvendo todos os estudantes da


sala. Discutimos os nossos personagens, suas relações recíprocas, e criamos um
enredo para a improvisação. No dia seguinte, entretanto, quando a fizemos, com
Cieslak que olhava, alguém rompeu a estrutura. Disso resultou um grande caos.
Nosso fluxo não tinha mais um canal pelo qual escorrer: estávamos
completamente perdidos.

Cieslak procurou nos fazer entender quanto trabalho seria necessário para
criar um espetáculo a partir de improvisações. Disse que se quiséssemos
transformar aquela improvisação em um espetáculo, cada um de nós devia pegar
o seu caderno, dividir cada página em duas colunas, e escrever em uma coluna,
com a maior precisão possível , tudo aquilo que tinha feito; e na outra as
associações que tinha tido enquanto improvisava, as sensações físicas, as
imagens mentais e os pensamentos, as memórias de lugares e pessoas. Entendi
que, quando ele falava de “associações” pretendia que, enquanto estiver
realizando as tuas ações, ao mesmo tempo o olho da tua mente vê algo, como se
lhe aparecesse a sua frente uma recordação. Cieslak disse que, através daquilo
que tínhamos escrito, deveríamos reconstruir e memorizar a improvisação recém
feita. Em seguida, poderíamos trabalhar sobre a estrutura, alterando-a,
aperfeiçoando-a até transformar-se em espetáculo.

Este foi o único momento do seminário na qual Cieslak falou da disciplina


que é necessária no ofício do ator, uma disciplina que ele evidentemente
dominava. Nunca falou de ações físicas. Não creio que Cieslak estivesse
interessado em nos ensinar o ofício: tinha pouquíssimo tempo para passar
conosco, parecia, entretanto, que parecia perceber, em nós estudantes, certas
graves limitações – limitações interiores – e que queria ajudar aqueles que
desejavam desenterrar um novo aspecto, uma nova possibilidade. Se esta era sua
intenção, a alcançou plenamente. Talvez alguém possa dizer que aquele trabalho
não nos tinha colocado defronte a exigências técnicas, reforçando assim uma
espécie de diletantismo preexistente; mas penso que se propunha a fazer-nos
algo de muito precioso, que evidentemente nos faltava.

Recordo que Cieslak, um dia, disse que um ator deve ser capaz de chorar
como uma criança, e perguntou se alguém de nós poderia fazê-lo. Uma garota
deitou-se no chão e tentou. “Não, não assim”, disse ele e ocupando seu lugar
transformou-se defronte aos nossos olhos em uma criança que chorava.Somente
agora, depois de muitos anos, entendo a chave do sucesso de Cieslak naquela
transformação: buscou a fisicalidade exata da criança, o processo físico vivente
que sustentava o seu choro. Da criança não buscou o estado emocional, mas com
o corpo recordou suas ações físicas. Também Stanislavski dizia: “Não me falem
de sentimentos, não podemos fixar os sentimentos. Podemos fixar e recordar
somente as ações físicas”. Naquele momento, todavia, não entendi o processo
que estava por detrás da transformação de Cieslak. Tinha acabado de ver um
mestre no trabalho: aquilo que tinha feito era incrível de se ver, mas não tinha
idéia de como chegar eu mesmo a um tal resultado. Fiquei impressionado, com a
vontade de fazer algo, de ser, também eu, capaz, mas sem saber como fazer.

Um dia, quase ao final do seminário, Cieslak trabalhou muito com um rapaz


sobre um exercício. Vi que Cieslak possuía um vasto conhecimento técnico do
ofício do ator. Aquele rapaz deveria recordar-se do rosto de sua namorada
defronte a ele: sem um partner real deveria recriar o modo no qual lhe tinha tocado
o rosto, como se ela estivesse presente e eles dois estivessem sozinhos. Para o
ator deveria existir somente ele, a sua companheira invisível, não nós, os
espectadores. O jovem ator repetiu o exercício muitas vezes, mas nunca de modo
verdadeiro. “Interpretava”, tentando mostrar-nos quanto lhe queria bem. O
resultado era forçado, não crível. Cieslak lhe pedia para tentar e tentar novamente,
dizendo-lhe algo como: “Não, não se concentre nos sentimentos. O que você
fazia?”, Cieslak dirigia a atenção do rapaz para os detalhes físicos: “Não
interprete. Como era o toque de sua pele? Em que momento preciso toca o rosto
de sua namorada? Está quente ou frio? Como ela reage? Como você reage à sua
reação?” O jovem ator não foi verdadeiro em sua lembrança, apesar dos esforços
incansáveis de Cieslak. Mas quando chegou seu momento mais verdadeiro,
Cieslak o interrompe imediatamente, evidentemente para que aquele momento
permanecesse a última impressão.

Se repenso aquele tempo, percebo que aquilo foi o meu primeiro olhar
sobre o “método das ações físicas” de Stanislavski, Comparado ao resto do
trabalho com Cieslak, aquele exercício parecia normal, muito normal para o meu
jovem corpo ansioso de aventura. Ainda não estava pronto para apreciar a
rigorosa precisão necessária para manejar um ofício. Mais tarde, com Grotowski,
todavia, descobri que o trabalho sobre as ações físicas é defato esta via
extremamente rigorosa, na qual nada pode ser feito “em geral”.

“No geral”, disse Stanislavski, é o inimigo da arte.

Cieslak ssabia tudo isso por experiência. Muitas vezes fazia demonstrações
que nos deixavam de boca aberta, mas permanecia a mesma questão”Como ele
conseguiu faze-lo”. O seu trabalho, afora aquele único exercício com o jovem ator,
não nos tinha colocado exigências técnicas, assim, naquele momento, não recebi
uma resposta prática à minha questão.

Começamos, porém, a redescobrir como jogar. Éramos todos jovens, mas


algo em nós já havia ficado rígido, não somente fisicamente mas também
psicologicamente. Já trzíamos conosco muitos medos. Talvez seja isto que
Cieslak tinha percebido e tinha tentado enfrentar em seu seminário. Parecia muito
mais jovem que nós, embora já tivesse quarenta e sete anos. Não estou seguro do
que era tão jovem em Cieslak, mas havia algo de leve em seus olhos e ao seu
redor. Apesar da idade, tinha esse algo e nós não, e dasse “algo” vinha a sua
juventude.
Uma vez, enquanto executávamos preguiçosamente uma série de
exercícios físicos, nos incitou dizendo: “Vocês são todos jovens! Olhem-se! E eu ,
sou velho”. E com a segurança de um gato saltou de cabeça para baixo,
permaneceu em equilíbrio sobre um ombro por um momento e depois com um
impulso ficou em pé. Ficamos maravilhados com sua agilidade e especialmente
pela sua falta de exitação. Se tivesse pedido para algum de nós fazer o mesmo,
seriam necessários ao menos cinco segundos, para pensar como saltar. Mas nele
não havia exitação, era o seu corpo que pensava durante o processo de fazer.

Esse seminário me deixou em uma certa confusão. Tinha visto que existia
uma possibilidade muito profunda, em mim mesmo e no teatro, mas permanecia
um diletante como antes. Não tinha a técnica ou o conhecimento para chegar a u
nível qualquer.

Seis anos mais tarde, durante a HOMENAGEM A RYSZARD CIESLAK


depois de sua morte, Grotowski disse:

Quando penso em Ryslak Cieslak, penso em um ator criativo. Parece-me


que foi verdadeiramente a encarnação de um ator que representa como um poeta
escreve ou como Van Gogh pintava. Não se pode dizer que é alguém que
representou papeis impostos, personagens já estruturados, ao menos de um
ponto de vista literário, porque, mesmo conservando o rigor do texto escrito, criou
uma qualidade completamente nova.

É muito raro que a simbiose entre o diretor e o ator possa ultrapassar todos
os limites da técnica, de uma filosofia ou de hábitos ordinários. Este processo
chegou a uma tal profundidade que freqüentemente era difícil saber se éramos
dois seres humanos que trabalhavam ou um duplo ser humano.

Agora tocarei em um ponto que era uma particularidade de Cieslak. Era


necessário não força-lo e não assusta-lo. Como um animal selvagem, quando
perdia seu medo, o seu fechamento se pode dizer, a consideração pela sua
imagem, podia progredir meses e meses com uma abertura e uma liberdade
completa, uma liberação de tudo aquilo que na vida, e ainda mais no trabalho do
ator, nos bloqueia. Esta abertura era como uma extraordinária confiança. E
quando pode trabalhar deste modo por meses e meses sozinho com o diretor, pois
era capaz de faze-lo na presença de seus colegas, os outros atores, e depois
também na presença dos espectadores; já tinha entrado em uma estrutura que lhe
assegurava, através do rigor, a segurança.

Por que penso que fosse um ator tão grande quanto, em um outro campo
da arte, um Van gogh, por exemplo? Porque soube encontrar a conexão do dom e
do rigor. Quando tinha uma partitura de “acting”, podia segui-la nos mínimos
detalhes. Isso é o rigor. Mas havia algo de misterioso por detrás desse rigor que
se apresentava sempre em conexão com a confiança. Era o dom, o dom de si e
nesse sentido o dom. Não foi, atenção, o dom para o público , que ambos
considerávamos como uma putaria. Não. Era o dom para algo que é muito mais
alto, que nos ultrapassa, que está acima de nós, e também, pode-se dizer, era o
dom para seu trabalho, era o dom para o nosso trabalho. O dom para nós dois.

O texto fala de torturas, de dores, de uma agonia,. O texto fala de uma


mártir que se recusa a submeter-se a regras que não aceita. Mas em meu trabalho
de diretor com Cieslak, nós nunca tocamos em nada que fosse triste. Toda a parte
foi fundamentada sobre um tempo muito preciso de sua memória pessoal (pode-
se dizer sobre as ações físicas de Stanislavski) relacionada ao período no qual era
um adolescente e teve a grande experiência amorosa.

Tudo estava ligado àquela experiência. Essa se referia aquele tipo de amor
que, como pode acontecer somente na adolescência, carrega toda a sua
sensualidade, tudo aquilo que é carnal, mas, ao mesmo tempo, por detrás disso,
algo de totalmente diferente e que não é carnal, ou que é carnal de um outro
modo, e que é muito mais como uma prece. É como se, entre estes dois aspectos,
se criasse uma ponte que é uma prece carnal.

E também durante os meses e os anos de trabalho preparatórios, também


quando trabalhamos sozinhos, sem os outros membros do grupo, não se pode
dizer que fosse improvisação. Foi um retorno aos impulsos mais sutis da
experiência vivida, não simplesmente para recria-la, mas para alçar vôo em
direção a essa prece impossível. Mas sim, todos os pequenos impulsos e tudo
aquilo que Stanislavski chamaria de ações físicas (ainda que, na sua
interpretação, estariam ligadas a um outro contexto, aquele do jogo social,
enquanto aqui não era deforma alguma assim), ainda que tudo fosse como que
reencontrado, o verdadeiro segredo foi sair do medo, da recusa de si mesmo, sair
disso e entrar em um grande espaço livre no qual se pode não ter medo algum e
não se escondem em nada.

O primeiro passo em direção a esse trabalho foi que Cieslak dominasse


totalmente o texto. Aprendeu o texto de memória. Ele absorveu o texto de tal
modo que podia começar do meio de uma frase de qualquer fragmento,
respeitando a sintaxe. E naquele ponto, a primeira coisa que fizemos, foi a de criar
as condições nas quais ele pudesse, o mais literalmente possível, colocar esse
fluxo de palavras sobre o rio da recordação, da recordação dos impulsos de seu
corpo, da recordação das pequenas ações, e com os dois alçar vôo, alçar vôo,
como em sua primeira experiência, digo primeira no sentido da experiência de
base. Esta experiência de base era luminosa de um modo indescritível. E desta
coisa luminosa, elaborando a montagem com o texto, com os figurinos que
referiam-se ao Cristo ou com as composições iconográficas ao redor, que também
remetiam ao Cristo, apareceu a história de um mártir, mas nós nunca trabalhamos
com ele a partir de um mártir, ao contrário...

Pode-se ainda dizer que a ele eu pedi tudo, uma coragem de um certo
modo inumana, mas nunca lhe pedi para produzir um resultado. Tinha
necessidade de mais cinco meses? De acordo. Mais dez meses. De acordo. Mais
quinze meses? De acordo. Nós só trabalhamos lentamente. E depois dessa
simbiose, tinha como uma segurança total no trabalho, não tinha medo, e sim vi
que tudo era possível porque não havia medo.

Logo depois que Cieslak tinha deixado minha Universidade, pensei: “Devo
encontrar Grotowski”, a fonte da maestria de Cieslak. Informei-me sobre bolsas de
estudos para ir à Polônia, mas para todas era necessário falar polonês. Poucas
semanas mais tarde, fiquei petrificado quando o diretor de nosso departamento de
estudos teatrais anunciou que o próprio Grotowski chagaria para fazer uma
seleção de estudantes de Yale que iriam trabalhar por duas semanas, no verão
seguinte, em seu Objective Drama Program na Universidade da California em
Irvine. Quando Grotowski chegou em Yale, passei na seleção e naquele verão
(1984) com cerca de doze outros estudantes parti para a California.

Antes de partir, o diretor dos Estudos Teatrais nos disse que, falando com
grotowski durante a nossa seleção, tinha entendido que em um certo sentido
Grotowski, quando trabalhava com um ator, buscava um modo de lhe entrar
dentro, como se vivesse através dele. Nos recomendou que se isso acontecesse a
um de nós durante o seminário, para não exitar ou resistir. Nos encorajou em
nosso caminho.
O Seminário Objective Drama Program

Trabalhando por duas semanas com Grotowski na Colifornia, comecei


entender o que quer dizer improvisação dentro de uma estrutura.

Na Universidade de Yale tinha executado muitas improvisações como


musico, tendo estudado saxofone e clarinete por sete anos. Junto a um professor
de musica e alguns outros musicistas havíamos formado um grupo de “Musica de
improvisação livre”. As nossas improvisações não tinham estrutura e nunca
podiam ser repetidas: a competência musical e a capacidade de escutar e reagir
com os sons eram os únicos elementos estruturais. Ao contrário, Grotowski, em
Irvine, pôs fortemente o acento sobre a necessidade de uma estrutura quando se
improvisa. Muitas vezes, falando de improvisação usava o exemplo do primeiro
Jazz. Dizia que os primeiros jazzistas tinham entendido que a improvisação pode
existir somente dentro de uma estrutura definida: dominavam plenamente os seus
instrumentos e começavam de uma melodia de base. As suas improvisações eram
entrelaçadas a partir dessa melodia de base, que era a sua estrutura, e com a
qual permaneciam em relação. Grotowski, quando falava esse exemplo,
sublinhava sempre o fato de estar falando do primeiro Jazz.

Um dia antes do início do seminário, grotowski veio falar conosco em nosso


dormitório. Lembro-me dele ter dito que no dia seguinte devíamos apresentar
“alguma” coisa para ele e para seu grupo de quatro assistentes. Devíamos criar
uma apresentação baseada sobre aquilo que pensávamos que seria o trabalho
com ele. Alguns de nós talvez tenha sonhado de olhos abertos a propósito do
trabalho. Devíamos criar “alguma coisa” em torno daquilo que tínhamos imaginado
ou sonhado com o trabalho que faríamos com ele. Grotowski nos deixou ali para
que nos preparássemos, mas não sabíamos por onde começar. Tínhamos
chegado pensando que ele nos daria o que fazer, prontos a sermos passivos e
irmos para onde nos levasse o vento. Pedindo-nos para sermos ativos nos
surpreendeu. Decidimos então fazer uma improvisação: alguns de nós devia
pensar em um fragmento da improvisação, no qual teria conduzido os outros.
Encontrar as nossas propostas individuais nos tomou só poucos minutos, assim
passamos o resto do dia na praia.

No dia seguinte chegamos ao espaço de trabalho de Grotowski e fizemos a


nossa apresentação. Enquanto improvisávamos me parecia que fizessemos algo
de muito intenso: nos agrupamos e inventamos um canto, criamos
espontaneamente danças ritualísticas, saímos para fora (o espaço de Grotowski
estava no limiar do deserto) e batemos os bastões em sinal da cruz em frente ao
sol, sempre cantando algum mantra improvisado. Sentindo-nos bastante
primitivos, corremos pelo deserto descalços. Os arbustos espinhosos nos
cortavam os pés. Grotowski, então, interrompeu a nossa improvisação e
perguntou se recentemente tínhamos sido vacinados contra o tétano. No dia
seguinte, três de nós que não eram, foram levados ao hospital para tomarem a
vacina.

Depois da improvisação, apesar do final confuso, senti-me esvaziado e feliz


comigo mesmo. Mesmo os pés feridos não me incomodavam em nada:
simplesmente reforçavam a minha convicção de ter “verdadeiramente feito algo”.

Grotowski, em sua análise, arrasou nossa grupo inteiro agradecendo-nos


por lhe ter mostrado todos os clichês do `”parateatro” (ou “teatro participativo”).
Disse que no “parateatro” inevitavelmente aparecem certos clichês e ele estava
maravilhado que eles estivessem presentes naquilo que nós americanos tínhamos
feito, já que nós nunca tínhamos participado de um trabalho daquele tipo: aqueles
clichês, portanto, nós não os tínhamos aprendido de outros, dessa forma ele tinha
tido a oportunidade de ver que se tratava de banalidades humanas universais, não
limitada a grupos de pessoas envolvidas naquele tipo de trabalho por longos
períodos de tempo. Fez uma lista desses clichês: transportar alguém como se
estivesse morto, jogar-se ao solo em uma pseudo-crise, gritar, juntar-se em bando
e cantar canções improvisadas com silabas como “Ah ah” ou “la, la”, etc. Disse
que freqüentemente, antes de poder começar um trabalho real, um ser humano
deve vomitar todas estas banalidades. Portanto devíamos, desde o princípio fazer
uma lista destas banalidades e evita-las a todo custo: a nossa improvisação tinha
servido de lição perfeita para ver exatamente as coisas que não devíamos fazer
no trabalho com ele.

O resto do seminário concentrou-se sobre cantos tradicionais do Haiti, nos


quais não nos era permitido improvisar. Lembro-me que um vez, enquanto
estávamos aprendendo um canto, um membro do nosso grupo, um musico,
começou a improvisar um contracanto. Então Maud Robart, a mulher haitiana que
condizia aquele canto, parou de repente e lhe disse com força: Nenhuma
improvisação.

Passamos muitos dias somente aprendendo a melodia. Depois tivemos que


aprender a cantar no ritmo e fazer vibrar a sala com as nossas vozes, de um modo
específico. Praticavamos esses elementos muitas horas por dia. Trabalhamos
também com duas danças que acompanhariam os cantos. Tigta (Jean-Claude
Garoute) e Maud, os assistentes haitianos de grotowski, nos colocaram
imediatamente defronte ao rigor da arte performática. Antes que tivéssemos a
oportunidade de improvisar, já tínhamos memorizado e assimilado completamente
os cantos. Improvisar significava manter sem qualquer alteração, um determinado
canto e uma determinada dança, improvisando somente os deslocamentos no
espaço e o modo de entrar em contato um com o outro. Freqüentemente,
entretanto, mesmo estas variantes eram-nos indicadas pelos assistentes que
condiziam a improvisação. A presença da estrutura era, em suma, muito forte.

Naquele tempo, não estava ciente de ser testemunha daqueles dois


aspectos tão importantes para o processo criativo em teatro, os dois pólos que
dão a um espetáculo o seu equilíbrio e a sua plenitude: a forma de um lado e o
fluxo da vida de outro, as duas margens que permitem o rio fluir velozmente, sem
as quais haveria somente um pântanos de águas paradas. O paradoxo do ofício
do ator é que somente do conflito entre essas duas forças opostas pode aparecer
o equilíbrio da vida cênica.
Precisão/forma / Fluxo da vida
Neste seminário o foco foi posto sobre a necessidade da estrutura durante
a improvisação, e sobre o fato de que a estrutura deve ser estritamente
controlada. Nas improvisações com os cantos haitinanos havia sempre um líder,
ou um time de líderes, e que nós estudantes deveríamos acompanhar de perto.

Não posso dizer de ter-me formado tecnicamente naquele primeiro


seminário com grotowski. Não havia tempo suficiente. Mas tive uma outra
experiência de algo de muito profundo, e , como depois do seminário de Cieslak,
senti-me muito confuso.

Os cantos tinham tido verdadeiramente um forte efeito sobre mim.:


continuavam cantando dentro de mim depois que o trabalho tinha acabado,
mesmo durante o sono. Freqüentemente depois do trabalho íamos a um
restaurante que se chamava Bob´s Big Boy. Uma noite chegamos, nos sentamos
e começamos a trocar estranhos olhares. De repente começamos a nos
arrebentar de rir. Este riso espontâneo durou por um certo tempo. Resultou pois
que todos tínhamos tido o mesmo impulso juntos, de saltar o balcão e atacar o
cozinheiro. Mesmo a qualidade de meu sono havia mudado: freqüentemente
acordava durante a noite e me surpreendia a nadar na cama como um peixe, ou
acordava com um brusco susto, como se meu próprio corpo estivesse para cair
num buraco. Os meus sonhos tornaram-se mais vivos e coloridos.

Um ponto para mim de extremo interesse, que notei durante este seminário,
diz respeito à qualidade da presença de grotowski. Quando encontrava-se no local
de trabalho sentia que o espaço mudava consideravelmente. Não posso traduzir
em palavras. Pensei que talvez estivesse somente tenso, pois ele era um homem
famoso. Mas não, podia sempre sentir quando estava me olhando, como se os
seus olhos me tocassem.

Um dia fizemos uma improvisação: entre os assistentes de Grotowski,


alguns cantariam repetindo um ciclo pré-estabelecido de cantos haitianos e outros
tocariam os tambores. Os alunos, cada um por si, buscariam a dança única de
cada canto. Grotowski disse que, codificado em cada canto antigo existe um modo
de mover-se, só um modo: cada canto tem, escondido dentro de si, o seu modo
distinto de movimentar-se. Cada um de nós devia buscar descobrir com o corpo o
modo de mover-se próprio de cada canto, enquanto os assistentes cantavam.
Começamos.

Lembro-me que no início era a minha mente que conduzia a busca das
danças, interpretava mentalmente os cantos: por exemplo, deduzia que uma devia
ser um canto de trabalho, então imitava o trabalho manual transformando os
movimentos em uma dança repetitiva. Bem, dançamos muito e parecia que
estávamos trabalhando a horas, sem pausa. A um certo ponto, enquanto meu
cansaço físico crescia, a minha mente se cansou e se aquietou: tornou-se menos
capaz de dizer ao corpo como interpretar o canto. Então, por um breve momento,
senti como se meu corpo começasse a dançar só. O corpo conduzia por si o modo
de mover-se e a mente tornou-se uma observadora passiva. Senti os olhos de
Grotowski sobre mim, uma sensação clara, uma sensação física como de ser
tocado. Depois grotowski interrompeu de repente a improvisação. Quando
estávamos saindo, grotowski aproximou-se e disse: “aquilo estava na direção
certa”.

Não posso descrever o peso que havia por detrás de suas palavras. Não
era somente como ter recebido um elogio. Na minha vida já tinha recebido muitos
elogios, o suficiente para ficar cheio de mim e daquilo que pensava que fosse meu
talento. Aquilo que me atingiu naquele momento como um murro era precisamente
essa coisa para o qual não tenho palavras, que antes tentei descrever como algo
que tem a ver com a presença. Posso descrever-la agora somente como um peso
cheio de calor. Levou-me a experimentar um forte senso de orgulho, um orgulho
que nunca tinha experimentado antes: não era mesquinho, vaidoso, mas diferente,
talvez plenitude. O peso e o calor por detrás das palavras de grotowski, e não as
palavras em si, tinham-me deixado aquela forte impressão.

Tinha muita confiança em minha potencialidade enquanto ator e o fato de


Grotowski ter dito que tinha trabalhado bem em seu seminário pareceu confirma-
la. Desde jovem tinha a ingênua convicção que se parasse de aprender uma vez
terminada a universidade, e que depois a vida seria uma moleza. A um certo
ponto, me casaria, teria filhos, me transformaria em uma estrela e provavelmente
ganharia um Tony Award. Tudo isso me parecia normal e natural.

Assim, cheio de mim, estava pronto a voltar para Nova York e a me


transformar em um ator famoso, pronto a emocionar o mundo com a profundidade
de minha alma. Estava convencido que existia verdadeiramente algo de profundo
em mim e estava pdecidido a “exprimi-lo”. Aquilo que considerava o sucesso no
seminário com Grotowski foi somente a confirmação desta minha convicção.
Trabalho em Nova York

Consegui um emprego de garçom para me manter, enquanto começava os


ensaios com um jovem grupo de teatro. Preparávamos uma tragédia de Ésquilo, e
nos empenhávamos em longos períodos de ensaios. Cada pessoa do grupo, era a
seu modo um seguidor ou um grande admirador de Grotowski. Trabalhávamos
buscando obter resultados profundos, sem poupar esforços, buscando criar uma
forma de expressão física. Éramos absolutamente sérios e adorávamos nos
reencontrarmos depois do trabalho e falar mal do mundo banal do teatro normal,
rindo e gozando daqueles que considerávamos superficiais.

Os ensaios duraram nove meses. Durante o período dedicado às


improvisações, estávamos todos convencidos que criávamos um espetáculo
exatamente como se deve. Mas a um certo ponto, se apresentou a necessidade
de estruturar e fixar os elementos para criar a estória: a da ta da estréia
aproximava-se. Então nos vimos em apuros: tínhamos fixado o comprtamento
físico em movimento, não em ações. Tinha estruturado os meus movimentos
físicos como uma dança, mas não com a precisão de uma verdadeira coreografia.

Estávamos também interessados na “máscara facial” como nos fala


Grotowski em Um Busca de Um teatro pobre, assim, para cada um dos meus
personagens desenvolvi uma máscara fixa construída com os músculos do rosto.
Entenderia, muito tempo depois, que o nosso modo de elaborar aquele elemento
era, na realidade, um completo mal entendido daquilo que Grotowski efetivamente
pretendia.

Muitos anos mais tarde Grotowski me falou das mascaras faciais que seus
atores tinham utilizado em Akropolis, e me explanou como tinham chegado àquilo:
as máscaras faciais de Akropolis não eram congeladas, construídas por razões
formais. Ao invés disso estavam diretamente conectadas à lógica interior daquelas
pessoas na sua situação específica. Os atores tinham explorado a situação dos
judeus em um campo de concentração, e buscando entender a pscicologia haviam
chegado, através de um processo de condensação àquilo: depois de muitos anos
de opressão, neles havia surgido um modo de se falar internamente – por exemplo
algo como “Isto de novo?”, uma espécie de formula em reação a própria sorte.
Cada ator descobriu a sua máscara facial repetindo dentro de si uma fórmula e
observando o modo como sua reação esculpia a face, criando as rugas. Ora,
repetiram o mesmo processo que se verifica na vida, onde o rosto, quando se
alcança uma certa idade, começa a ter as características de uma máscara, porque
as reações repetidas esculpem as rugas. A abordagem dos atores de grotowski
sobre a máscara fácil estava então diretamente conectada a psicologia e à lógica
interna das pessoas naquela situação: em outras palavras, aquilo que Stanislavski
chamava de monólogo interior.

Mas, como tinha interpretado mal o trabalho de Grotowski sobre a máscara


facial, comecei simplesmente a construir com os músculos do rosto.Interpretava
muitos personagens diversos, assim, para cada personagem contorcia o rosto de
uma forma diferente, que pensava fosse intensa ou de algum modo interessante.
Eu até construí essas máscaras no espelho.

Começamos a fixar as formas exteriores e a vida interior das nossas


numerosas improvisações lentamente morreu. Não tínhamos uma técnica para
fixar essa vida interior ; como poder resgata-la repetição após repetição? Quanto
mais nos aproximávamos da estréia, mais dizíamos o texto mecanicamente. A
poesia de Ésquilo, viva no´início, tornava-se cada vez mais vazia. Conceitri-me
nos meus movimentos físicos, nas máscaras faciais e nas entonações e perdi
completamente o contato com meus colegas. Quando chegou o momento da
estréia tinha transformado a mim mesmo em uma marionete cega e surda sobre o
palco.

O espetáculo foi duramente criticado. O que não me surpreendeu: tínhamos


lutado para fazer algo de mais profundo que o teatro normal, pensávamos que
fôssemos superiores, mas os nossos resultados estavam abaixo do teatro mais
banal. Todas as nossas ações eram rígidas e forçadas. A chave desse desastre
não estava em uma falta de empenho: cada um de nós havia dado tudo de si. ,
mas éramos como o cego que guia um outro cego. Faltava-nos a técnica para fixar
um processo vivente e a capacidade de repeti-lo.
Depois daquela experiência, atuei em outros dois espetáculos: ambos
apresentados no Greenwich Village em Nova York. Nestes casos, senso os
períodos de ensaios muito curtos - entre três e quatro semanas – os problemas
foram diferentes. Os atores não trabalhavam muito para o espetáculo em que
estavam atuando, mas para o seguinte. O valor do trabalho do momento estava
somente na função de trampolim para o seguinte. A cada pausa, os atores corriam
para o telefone para ligar para seus agentes. Para ver se tinham algum texto ou
teste para eles: preocupavam-se com a carreira e não com o trabalho atual. Não
havia concentração e cada um importava-se somente consigo mesmo.

Nesses espetáculos, entretanto, o texto era dito um pouco menos mecânico


que na tragédia de Ésquilo, que tínhamos ensaiado por nove meses. Mas Por
quê? Não graças a uma técnica ou a uma verdadeira elaboração, mas
simplesmente porque tínhamos um período muito curto: não existia quase tempo
para memorizar as falas: não falemosentão do tempo necessário para que as falas
se ornassem mecânicas.. Em suma, devo admitir que as minhas falas tornaram-
se, mesmo assim, mecânicas, apesar do pouco tempo de ensaio: os meus
monólogos no início tão plenos de vida, poucas semanas mais tarde estavam
reduzidos a um eco sem vida. Reproduzia tons e inflexões, mas não as ações
físicas viventes.

Compreendi que não tinha nenhuma técnica e pensei que, talvez, deveria ir
para uma escola de Arte dramática. Alguns dos outros atores que tinham tido mais
sucesso, haviam freqüentado aquele gênero de escola, mas algo em mim sentia
um desconforto perante a uma tal perspectiva.

Tinha notado que as escolas de arte dramática ensinavam aos seus


estudantes uma técnica que lhes ajudasse a ter sucesso nos business.teatrais
assim como ele é, mas eu tinha fortes dúvidas sobre aquele business. Queria eu,
realmente trabalhar em espetáculos nos quais o atore, ao teu lado, na cena,
poderia não te apoiar, mas atuar, ao contrário, para te prejudicar , porque é ele
quem quer fazer bonito perante a um agente, uma figura importante, que está
entre o público? A sua “super tarefa” está entre o público? E isto é algo que
Stanislavski combateu toda a vida.

Não sabia mais para que trabalhava. O que poderia servir com aquele
trabalho.

Estes pensamentos me preocupavam, e chegou o dia no qual o situação


amadureceu. Tinha um encontro com os representantes de uma importante
agência de teatro, que tinham visto o meu trabalho e estavam prontos para discutir
minha inserção no mercado como ator. Cheguei na entrevista e o agente começou
perguntando-me quais eram minhas aspirações e minhas visões artísticas, o que
queria fazer em teatro. Enquanto lhe respondia, de repente me disse: Bob? Sim...
encaixe-o novamente naquela audição na Universal” Mas eu me chamo Thomas...
Não entendia mais o que sucedia, assim continuei a falar sobre arte, até que
compreendi que, naquele meio tempo, o microfone telefônico que estava colocado
em seu ouvido estava aceso, mantendo-o em contato com Hollywood: sem
interromper nossa conversação e sempre me olhando nos olhos tinha começado
um outra negociação para um outro ator, em Hollywood.

Assim comecei a pensar: A Arte, o que tem há ver com isso? Todo aquele
discurso não era, talvez, somente uma mentira, para ter minha consciência
tranqüila, cheios de seus sonhos pseudo-artísticos, enquanto eu e ele
buscávamos juntos encontrar em qual embalagem bonitinha eu caberia para ser
vendido da melhor forma possível como bem de consumo?

Depois daquele encontro tive fortes dúvidas se me tornava ou não ator. O


único lugar na qual tinha sentido um profundo respeito pelo ofício do ator foi com
Grotowski. Estava claro que se quisesse me transformar em um ator, tinha
necessidade de trabalhar com alguém que pudesse ensinar-me como fixar o
processo vivente de tal forma que pudesse ser repetido, alguém cuja ética artística
não tivesse sido corrompida pelo business que exige um produto imediatamente
vendável. Apenas com Grotowski tinha sentido uma tal integridade. Assim, fiz
planos para trabalhar com ele , a qualquer custo.
Descobri que Grotowski daria, no verão seguinte, um seminário de dois
meses na Itália e na primavera um conferência no Hunter College de Nova York.
Decidi ir para a conferência, para perguntar-lhe pessoalmente se poderia fazer
parte no seu trabalho de verão na Itália.
Grotowski fala no Hunter College

Ouvi pela primeira vez Grotowski falar sobre ações Físicas no seu discurso
no Hunter College em nova York, em 1985. Ministrava uma conferência sobre
Stanislawski. Entre outras coisas, grotowski falou do trabalho de um ator russo no
drama de Tolstoi “Os frutos da Instrução. O personagem que o ator interpretava
fala quase por um ato inteiro: é um professor interassados no fenômenos
parapsicológicos que faz uma visita à casa de amigos e tenta convencer os
presentes sobre suas teorias. Todo o ato gira em torno do discurso desse
professor aos outros personagens. Grotowski disse que existia muita possibilidade
que esse espetáculo fosse entediante e que a tarefa do ator era verdadeiramente
difícil: deveria dominar um longo monólogo. Foi, ao contrário, um espetáculo de
alto nível. Por que? Graças ao uso que fez do “método de ações físicas”.

Grotowski se recordava que os únicos objetos de cena que o ator tinha


usado eram, por exemplo, os pequenos objetos cotidianos do professor.
Enquanto falava, Grotowski usava as coisas que tinha sobre a mesa: o cachimbo,
as escovinhas, o tabaco etc, recordando, em alguns momentos, com o próprio
corpo o trabalho daquele ator e recriando as ações na nossa frente.

Disse: aquele ator dava uma conferência para os outros personagens, sim,
mas qual era a sua “partitura física”? Era a luta pelo atenção, para reconhecer os
aliados e os adversários (atravez da observação dos espectadores), procurando
apoio dos aliados, dirigindo seus ataques em direção aos personagens que
reconhecia como adversários, etc. Era uma partitura de batalha, não de
conferência. Tinha também feito uso dos seus pequenos objetos, pegar o cigarro,
acende-lo... O seu balé com esses pequenos objetos, disse Grotowski, poderia ser
uma série de atividades vazias. Mas não foi. O “como” e o “porque” ele fez essas
coisas as chamo ações físicas. Por exemplo: o personagem pega um cigarro, mas
na realidade está ganhando tempo para pensar no próximo argumento. Bebe um
pouco de água, mas faz isso para vigiar os outros, ver quem está ao seu lado,
quem está concordando. E pensa: “Os convenci ou não?” Sim, a maior parte está
convencida, mas não aquele tipo ali, sobre a grande poltrona!. Então reassume o
seu discurso para “quebra-lo” endereçando sobre ele todo o seu ataque.

O próprio Grotowski começou a fazer as pequenas ações físicas daquele


personagem, e nós transformamo-nos em seus partners que escutam: realizou a
atividade com os seus objetos pessoais (o cachimbo, a água, etc) e os
transformou em ações físicas defronte a nós, observante quem dentre nós estava
ao seu lado ou quem não. Quem era o seu inimigo? Dessa forma começou a gerar
uma ativa batalha para nos convencer.

O ator Russo do qual tinha falado Grotowski, com a sua partitura de ações
físicas em relação os seus partners, tinha transformado um longo monólogo em
uma batalha. Muitos anos depois, descobriria que o ator que interpretou o
professor e do qual grotowski havia falado era Vassilij Toporkov, o discípulo de
Stanislavski que descreveu em profundidade o “método das ações físicas” no seu
livro “Stanislavski alle prove. Grotowski considera este livro como o mais
importante documento – ou descrição – do modo de trabalhar de Stanislawski
sobre o “método das ações físicas”.

Durante a conferência no Henter College Grotowski fez a demonstração de


uma outra ação física. Por exemplo, disse, peguemos a ação de “recordar-se”. Se
alguém se recorda de algo, observe o que acontece ao seu corpo. Grotowski
tentou recordar-se de algo: a posição da sua coluna vertebral mudou, ficando mais
ereta; a cabeça se inclinou um pouquinho para baixo, a mão permaneceu
suspensa a meia altura. Disse que percebia fisicamente que a lembrança estava
em alguma parte atrás dele: naquele momento, para ele, estava em um lugar
preciso a uma certa distância por detrás de sua cabeça. Isto parecia muito
importante: a lembrança estava localizada precisamente no espaço, e de modo
quase imperceptível, mas claro, o seu corpo curvou-se para aquele lugar.
Executou todos esses detalhes físicos com o intento lembrar um fato esquecido, e
nós vimos alguém que estava por se recordar de algo.

Naquela demonstração, quais eram as ações físicas? O modo de Grotowski


de buscar a lembrança e a causa daquilo, e o seu modo de manter a espinha
dorsal, o rimo da mão deixada a meia altura, a firmeza e a duração do olhar; era
sua busca interna daquele a precisa lembrança, que vinha projetada no espaço, o
seu corpo que percebia a lembrança atrás dele e dirigia-se obrigatoriamente para
trás em direção à isso. Podíamos ler claramente o que estava fazendo através das
ações físicas de seu corpo que procurava, como perguntando-se: Onde está?
Onde Está?

As Atividades não são ações físicas, repetiu Grotowski muitas vezes.


Depois demonstrou claramente a diferença entre atividade física e ação física. O
fez com seu copo d´água: levou o copo a boca e bebeu. Uma atividade, banal e
não interessante, disse. Depois bebeu a água observando-nos, suspendendo o
discurso para se dar tempo para pensar e medir o adversário. Tinha transformado
a atividade em uma ação física vivente. Agora tinha um ritmo específico, nato
daquilo que estava fazendo, nato por sua vez das circunstâncias. Se lia seu corpo
entendia a sua intenção: “Conduziu-nos para onde queria, nós, os seus
adversários, ou não?. Bebe para tomar tempo para ver, julgar, preparar uma
estratégia precisa e depois recomeça seu ataque.

Grotowski sublinha sempre que o trabalho sobre as ações físicas é a chave


do ofício do ator. Um ator deve ser capaz de repetir a mesma partitura mais de mil
vezes a a cada vez deve ser viva e precisa. Como fazer? Um ator, o que pode
fixar, tornar seguro? A sua linha de ações físicas. Isto para ele é aquilo que a
partitura é para um musico. A linha de ações físicas deve ser elaborada até ao
menor detalhe e completamente memorizada. O ator deve tê-la absorvida ao
ponto de não ter mais necessidade de pensar qual seja a próxima coisa a fazer.

Quanto Grotowski acabou de falar, fui até ele. A nossa conversação foi
breve. Recordei-lhe que no verão anterior tinha trabalhado com ele duas semanas
em Irvine e lhe perguntei se poderia participar de seu seminário na Itália, no verão
seguinte. Pensou nisso por alguns egundos e disse; “Sim, você e S. podem vir.
Nenhum outro” (S. er um outro dos atores de Yale que tinham estado com
grotowski durante aquelas duas semanas em Irvine. Descobri mais tarde que S. já
o tinha contatado por telefone para perguntar-lhe se podia trabalhar novamente
com ele naquele verão).

Durante a conferência no Hunter College tinha ouvido pela primeira vez


uma explicação do “método das ações físicas” de Stanislavski. Na hora pensei:
“Entendo. Como método parece bastante simples, lógico. Tudo bem, basta com
essas coisas fáceis, agora vejamos com chegar a revelação interior”. Aquele verão
na Itália, começaria, porém, aprender o quão grande é a distânica entre o
entendimento de algo somente com a mente e ser capaz de fazer algo: entre eles
há um oceano. Conhecer algo é uma tarefa mais conectado com a capacidade de
fazer , de colocar em prática. Depois daquela conferência pressupus
ingenuamente que a minha compreensão mental do “método de ações físicas”
fosse suficiente.
O trabalho em Botinaccio – Um ataque ao diletantismo

Lembro-me que naquele verão. Pouco antes que eu partisse para a Itália,
meu pai gozava sobre minha eminente viagem para a Europa. Tinha deixado a
pouco de tocar o saxofone, um instrumento que tinha estudado seriamente por
sete anos, e tinha começado a praticar flauta japonesa shakuraki. Enquanto
colocava minha flauta de bambu na bolsa meu pai disse: “então, vai tocar para as
montanhas?” No momento me pareceu que fosse uma maneira de provocação
entre pai e filho. Somente muito mais tarde seria capaz de ver a verdade por
detrás da brincadeira de meu pai: o perigo que percebia então era que eu me
transformasse em um diletante, alguém que vai a deriva sem confrontar-se com a
necessidade do ofício, enfrentando a vida sem responsabilidade. No momento não
pensei mais na brincadeira de meu pai. Pareceu-me que lhe ele estivesse
simplesmente mergulhado na superficialidade da vida normal, assim continuei
meu caminho sem preocupar-me. Mas não esperava que, justamente, a questão
do diletantismo e do comportamento de turista se revelaria durante o trabalho
daquele verão em Botinnacio, como a característica pela qual o próprio Grotowski
me teria severamente atacado.

Grotowski dava o seu seminário em um velho casarão, sobre uma colina


em meio aos bosques da toscana. Aquele breve mas denso período de trabalho
foi bem aquilo que eu precisava: um golpe fatal em meu ego. A questão em
debate: diletantismo contra maestria.

Esta ssesão de trabalho estava centrada sobre a criação de “mystery


plays”, curtas peças individuais com uma estrutura repetível, como mini
apresentações feitas por um único ator. No seu nível mais elevado essa mini
apresentação seria uma revelação de si, clara como um cristal. Era importante que
no “mystery Play” existisse um canto muito antigo, que a pessoa se lembrasse da
infância, por exemplo, cantado por sua mãe. Como primeiro coisa, necessitava
recordar um canto: não uma canção “de igreja”, nem “de aniversário”, ou do rádio,
mas um canto antigo: devia ter raiz. Era como se Grotowski tentasse nos fazer
redescobrir as ligações pessoais com a tradição, ligações que já podíamos ter
através dos cantos que nos eram cantados quando éramos crianças.

Lembro-me de ter visto o “mystery Play” dos assistentes de Grotowski , que


eram todos artistas de fina técnica. Um MP do assistente DU Yee Chang
impressionou-me muito fortemente. Sentia que algo de sua alma tinah sido
revelada naquela ação. Era instensa, o admirei pelo modo no qual o seu corpo e
sua voz haviam se tornado uma única coisa. Uma vez que sua canção era
coreana (ele mesmo era coreano) não tinha antendido nada do seu MP, mas nós
recebemos algo de seu MP e acreditei nele completamente.

Assim me propus a chegar eu também a um nível semelhante de


intensidade, e para fazer aquilo pensei que deveria basear o meu MP sobre uma
lembrança muito importante da primeira parte de minha vida. Recordei-me de uma
canção que minha mão cantava quando eu era criança, um canto dos escravos
negros na América. Era o mais próximo que puderia chegar de uma canto
tradicional. Depois comecei a compor o primeiro esboço de meu MP. Como lugar
para minha apresentação, escolhi uma clareira no bosque , esperando criar uma
boa atmosfera.

Para construir o MP recordei uma brincadeira que fazia quando criança, no


qual meu pai dançava comigo tendo-me sobre seus pés. Depois procurei um
bastão ritualístico com folhas grudadas. Em minha imaginação aquele bastão
representava meu pai. Seguraria o bastão e dançaria com aquilo como se fosse
meu pai, fazendo de conta dançar sobre seus pés. Tudo isso enquanto catava a
canção repetindo-a algumas vezes seguidas. Depois plantaria o bastão sobre um
monte de pedras , o que para mim representava o funeral de meu pai. Na
realidade, meu pai não estava morto, mas esse funeral simbólico seria o signo da
separação entre pai e filho. Pesei que a profundidade do tema seria ressaltada
pela minha intensa execução. Assim minha estrutura estava pronta. De resto, eu
fluiria minha alma através da canção.

Quando veio o momento de mostrar o meu primeiro esboço fiquei muito


nervoso. Não sei se gritei a canção, mas tudo aquilo que fiz me pareceu como
uma névoa difusa, não vi nem ouvi nada. Quando terminei, como me sentia
esvaziado, pensei que tinha provavelmente, realizado algo de muito intenso.
Depois ouvi Grotowski dizer as palavras fatais que se transformaria no refrão
daquela sessão de trabalho: “Por favor, repita”, a prova contra o diletantismo.

Santo céus, como poderia refaze-lo agora? Não tinha visto que tinha
apenas revelado minha alma? Não tinha mais a força necessária para fazer uma
outra vez, era óbvio que já estava muito cansado. Como podia reunir toda a força
necessária para executar novamente o MP com a instensidade original? Bem,
tentei e me senti muito pior. Eliminei uma strofe da canção para poupar força e dei
o melhor de mim para igualar a minha veemência como da primeira vez. Sabia
que a impressão faria em Grotowski dependia de minha capacidade de recriar
exatamente as ações que tinha feito da primeira vez. Assim, enquanto o corpo
bufava e se extenuava para reproduzir a intensidade física original, a mente
tentava recordar-se velozmente o que tinha feito a pouco: a minha estrutura não
era muito precisa, e a primeira vez, arrastado pelo entusiasmo, tinha incluído
alguns novos elementos que não tinha elaborado durante os ensaios. Agora,
portanto, enquanto refazia, tentava freneticamente recordar aqueles novos
elementos improvisados a ponto de esconder o fato que eram improvisados.

Quando terminei estava exausto, depois foi a vez de meu colega de Yale,
S. e depois de ter visto o seu trabalho Fiquei muito satisfeito. Aquilo que o vi fazer
era uma bobagem sem sentido e não vi nenhuma história ou revelação em seu
trabalho. Concordo, o seu MP era simples e por momentos, crível, mas
interiormente sorria dando-me tapas nas costas pelo quanto tinha sido profundo
no meu MP, em relação ao meu companheiro.

Depois foi a vez da análise de Grotowski. Fiquei petrificado quando ele


atacou sem piedade o meu trabalho. Agora me dou conta que tinha entendido mal
três pontos essenciais:

Primeiro: aquilo que eu entendia da história do MP e aquilo que entendiam


os outros , que estavam olhando, podiam ser duas coisas diversas. Tinha,
ingenuamente dado como certo que eles entenderiam a mesma coisa que eu: que
o bastão era meu pai, por exemplo. Tinha pensado que eles veriam a história da
separação traumática de uma criança de seu pai, uma história complexa e rica de
significado para mim. De tudo isso, nada chegou a eles. Viram, apenas, que eu
cantava uma canção forçada, que bombeava uma experiência emocional, e
executava uma dança inarticulada com um bastão para depois enfia-lo sobre um
monte de pedras. Tudo isso não podia provocar neles nada além que uma
associação com um sacerdote de “mumbo-jumbo” de má qualidade. A complexa
história da separação entre pai e filho nunca chegou até eles. Assim, a primeira
lição que recebi através das críticas de Grotowski foi que a história que chegava
aqueles que assistem não é necessariamente a mesma história que o ator
percebe na sua imaginação. Naquela situação, sendo tanto ator quanto diretor, era
eu a ter a responsabilidade de criar conscientemente a história que eles deveriam
receber.

Segundo: estava usando “símbolos” de um modo errado. Ao invés de


realizar ações concretas as representava simbolicamente, dando por certo que
aqueles que me assistiam teriam um entendimento do símbolo como eu o
entendia. Por exemplo, o bastão como pai: não tinham como entender isso. Tinha
substituído as ações por símbolos. Ao invés de reagir com uma linha de ações
como se meu pai estivesse a minha frente, relembrando-me verdadeiramente o
que fazia quando dançava sobre seus pés e reconstruindo o nosso preciso
comportamento físico, o tinha representado simbolicamente com um bastão, tinha
buscado insulflar-me emocionalmente para comunicar uma idéia: a separação
traumática entre pai e filho. Tinha construído o meu MP com símbolos
incompreensíveis e depois tinha forçado uma emoção épica, conectada a um
evento passado.

Terceiro: tinha pensado que quem assistisse experimentaria a mesma


assim chamada intensidade que eu tinha sentido durante a execução, que
também eles experimentariam aquela emoção épica. Não me dava conta que
freqüentemente podia convencer-me de ter “sentido algo” enquanto, em realidade
todo aquilo que tinha sentido era a excitação nervosa devido ao fato que estava
“representado” em frente a alguém. Em outras palavras tinha confundido a
excitação nervosa com emoção autêntica; tinha evitado o verdadeiro trabalho
prático, e tentado bombear um estado emocional. Grotowski disse em sua
conferência em Liége (1986):

Normalmente, quando a ator pensa na intenção, pensa que se trata de


bombear em si um estado emocional. Não é isso. O estado emocional é muito
importante, mas não depende da vontade. Não quero estar triste; estou triste.
Quero amar esta pessoa; odeio essa pessoa, porque a vontade não influencia as
emoções. Portanto, aqueles que buscam condicionar as ações com os estados
emocionais, faz confusão.

Durante a analise do trabalho de alguém, Grotowski nos fazia,


freqüentemente, duas perguntas: primeira, o que você entendeu? As pessoas que
tinham observado diziam então o que tinham entendido. Depois perguntava a
pessoa que tinha feito o MP para falar a história que efetivamente tinha buscado
contar. Somente desse modo podíamos ver se o ator tinha conseguido ou não
contar a sua história. A segunda pergunta era: Você acreditou? As vezes um MP
podia funcionar quando, mesmo que você não tivesse entendido, você tinha
acreditado naquilo que o ator tinha feito, tinha sentido ou recebido algo de seu
trabalho. Podia-se dizer: não entendi, mas acreditei, e o MP podia então, ser
considerado na direção certa.

Na análise do primeiro esboço de meu MP, não fui atacado somente por
Grotowski, mas também por todas as outras pessoas do seminário. Disseram que
não me tinhem entendido e nem acreditado.Fiquei aturdido porque pensava
realmente ter revelado algo. Não via que, na realidade, estava tentando saltar até
as estrelas sem ter os degraus. Estava viciado e convenciado de meu talento.
Naquele tempo não aceitava o trabalho difícil e o sacrifício necessário para chegar
a verdadeiros resultados, pensava que a excelência chegaria sozinha.

E fiquei duplamente surpreendido quando todos, inclusive Grotowski,


elogiaram o trabalho de meu amigo. Segundo eu, S. não tinha revelado nada de
profundo, mas todos disseram que acreditaram nele. Isso parecia ser o critério
para ter um certo material sobre o qual começar a trabalhar. O MP de S. tinha sido
simples e crível, uma base sobre a qual poderia começar o trabalho de
construção. Isso não pude entender: Construção.?

Grotowski me fez voltar ao ponto de partida, para deixar mais claro o meu
MP. Deveria definir a situação: o que tentava obter e de quem? Existia algum
partner invisível comigo? E onde esse partner estava no espaço? O que havia
feito exatamente com ele, e o que queria dele? Todas questões simples e práticas.
Em suma, Grotowski insistia para que resolvesse estes pequenos problemas
essenciais, mas não estava de todo satisfeito. Pensava que o meu MP não tivesse
funcionado não tanto pela falta de detalhes verídicos, mas porque não tinha ainda
encontrado a verdadeira estória profunda, a justa lembrança a revelar.

Depois da analise, no início tentei seguir o conselho de Grotowski, de


trabalhar de um modo preciso e detalhado, como me tinha dito. Mas não gostava
muito, e pensava que reprimisse minha criatividade.Então decidi que a culpa era
da história em síe busquei na memória um momento de minha vida que pensava,
fosse mais verdadeiro. Assim, troquei o tema de meu MP. Naquele momento
rompi uma regra que seria sempre aplicada no trabalho que fiz depois com
grotowski: se você estiver estruturando uma peça, você pode jogar fora algo
somente se você já´encontrou concretamente algo melhor.

O novo tema que eu busquei retratar no meu MP era uma lembrança de


infância, quando estava dentro de meu “cercadinho”, um daqueles “cercadinhos”
nos quais se colocam as crianças pequenas. Queria que minha mão me
carregasse. Decidi que me ajoelharia no chão, dando por certo que esse “estar
ajoelhado” indicaria a minha situação para quem assistia. Não pensei que deveria
recriar exatamente o meu comportamento físico: em todo caso, quem assistia
deveria ser capaz de entender, se estava de joelhos, que estava eu no
“cercadinho” e que era uma criança. Depois elaborei todos os detalhes, e que
fadiga! Tentei imaginar de onde minha mãe entrava no quarto e defini o espaço
escolhendo um lugar para a porta. E depois, porque ela entrou no quarto? Tentei
responder à perguntas precisas. Ela entra. Sigo-a com os olhos tentando chamar
sua atenção. Ela se aproxima. Tenho um impulso em direção a ela pedindo para
pegar-me em seus braços. Com este impulso começo a minha canção dos
escravos. Na metade da canção já a convenci a pegar-me no colo e por isso
começo a ficar em pé. Presumia que quem assistia entenderia que este “ficar em
pé” significava que minha mãe me pegava no colo. Pensei que, mais claro que
isso não poderia ser.

Por alguns dias trabalhei sobre essa estrutura, depois não aguentei mais e
fiquei impaciente. Todo esse trabalho sobre os detalhes me parecia bobo:
evidentemente era o tema que eu tinha escolhido que não tinha valor. No início,
improvisando esta linha de ações, tinha buscado sentimentos genuínos de todos
os tipos, mas agora repetindo–a tinha ficado arida e como morta. Convenci-me
que este novo tema não fosse, ainda, aquele certo, porque não tinha força
suficiente para manter vivo o meu interesse.

Que fastio trabalhar sobre aqueles detalhes ... toda vez que começava a
tentar me vinha sono, uma onda de cansaço me cobria. Veio-me a depressão.
“Este fastio”, pensei, “deve vir do fato que a minha história não é interessante”.
Não me dava conta que estava simplesmente entregando-me a primeira onda que
me arrastava para baixo, que tentava impelir-me para fora da rota, impedindo-me
de realizar a minha tarefa.

Convenci-me também, que o problema estava na canção. Como se podia


esperar de mim um canto tradicional? A minha família não era religiosa, a além do
mais éramos americanos. Não tinha tradições, portanto, não conhecia nenhum
bom canto antigo. Como podia, sem um verdadeiro canto antigo, criar um MP
denso de significado? Estava com inveja dos participantes europeus que tinham
muitas belas canções: se simplesmente cantavam aquelas canções com
freqüência acontecia algo de mágico.

Com esta lógica decidi que a única maneira era compor a minha canção.
Devia somente dar-me a responsabilidade de criar a meu canto tradicional.
Lembrei-me, então, da primeira melodia que tinha composto ao piano quando
criança, e usando-a como base, compus uma canção entrelaçando nela aquela
espécie de melodia que usava minha mãe quando me chamava pelo nome de
longe. Assim minha canção se religava a minha infância.

Este meu MP durava cerca de quinze minutos, enquanto nos havia sido
solicitado claramente para não superar dois ou três minutos. Começava a cantar
encolhido em um canto. Depois irrompia ao centro no centro da sala e dançava
intensamente, por muito tempo. A um certo ponto fazia uma dança mais leve, com
a camisa aberta, recordando com o corpo como minha mãe comumente dançava
sozinha pela casa com uma longa camisa, cantando baixinho: Sou um passarinho
nu., sou um passarinho nu.

Quando veio o momento de apresentar este MP para Grotowski e aos


outros estava verdadeiramente eletrizado. A canção que tinha composto resolveria
o problema e seria uma revelação para todos.

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