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O fio condutor deste texto será um método, ou melhor: uma prática que foi
fundamentado no trabalho desses últimos anos de Stanislawski e que depois foi
desenvolvida por Grotowski: as ações físicas. Nos últimos dez de sua vida
Stanislawski pôs um acento novo sobre as ações físicas. Disse com clareza qual
ele considerava o núcleo de sua pesquisa: O método das ações físicas, disse – “é
o resultado do trabalho de toda a minha vida”, esta firmação deve ser bem
entendida. O que pretendia Stanislawski com “método das ações físicas”? Porque
usava a palavra “físicas” ao invés de “pscicofísicas” ao passo que grande parte de
sua pesquisa anterior baseava-se na lembrança de emoções precisas? E este
método, como se coloca em prática?
Como um cão que tenta parar um rio apertando-o entre os dentes, a mente
discursiva rotula as coisas ao nosso redor e diz “entendo”. Através deste
“entender” criamos mal entendidos e reduzimos aquilo que é percebido aos limites
e aos modos da mente discursiva. Tais mal entendidos freqüentemente se
apresentam quando buscamos estudar o trabalho de uma outra pessoa. O perigo
é de limitar, reduzir e aprisionar esta pessoa, vendo somente aquilo que queremos
ou que somos capazes de ver. No início deste escrito disse que para mim
Stanislavski e Grotowski são como aquele rio impetuoso. Farei o meu melhor para
não ser como um cãozinho em frente a eles e aos seu trabalho de toda uma vida.
É fácil sonhar fazer alguma coisa de profundo. É muito mais difícil fazer
efetivamente alguma coisa de profundo. Diz um velho provérbio russo: se você for
ao campo, elevar o olhar e der um salto em direção às estrelas, você somente
cairá na lama. Freqüentemente nos esquecemos dos degraus. Mas os degraus
devem ser construídos. Isto, Grotowski nunca esqueceu. Podemos nos perder
facilmente pensando no profundo aspecto metafísico do trabalho de Grotowski, e
esquecer a soma de sacrifícios e esforços práticos que está por detrás de seu
resultado. Grotowski foi, antes de mais nada, um mestre na arte da direção.
Quando era um jovem ator ignorava quanta maestria era necessária ao
ofício. Por isso agora quero sublinhar que os degraus são necessárias. São a
nossa técnica enquanto artistas, e não importa o quanto criativo nos sintamos; não
haverá canal para nossa força criativa sem técnica. Técnica significa artesanato,
conhecimento prático do ofício. Quanto mais forte é sua criatividade, tanto mais
forte deve ser o seu ofício, para chegar ao equilíbrio necessário que permitirá fluir
plenamente as suas capacidades. Se nos falta essa base, cairemos na lama.
A minha esperança é que, também por meio deste texto, o trabalho sobre
as ações físicas possa chegar a ser de maior utilidade prática para aqueles grupos
teatrais que desejarem melhorar realmente a qualidade de seu trabalho. Gostaria
que eles se perguntassem constantemente o que podem servir com seu ofício,
para que possam ser chamados, em essência, artistas.
Para que se trabalha? Para ser um objeto mais facilmente vendável? O que
servimos o próprio trabalho?
Depois de cada sessão de trabalho com Cieslak, corria para casa dançando
pelas ruas tanto estava excitado. Recordo a impressão que me fazia a luz dos
lampiões refletindo-se através dos flocos de neve na noite, enquanto dançava em
direção à casa.
Quando Cieslak chegou pela primeira vez para nossa aula de interpretação,
na qual normalmente nos exercitávamos sobre cenas isoladas, havia apenas lido
“Em Busca de um Teatro Pebre” (Por um teatro Pobre). As idéias de Grotowski, os
métodos de trabalho e a ética que havia encontrado no livro impressionaram-me
profundamente. Naquela época não conseguia entender tudo o que Grotowski
dizia – atribuía essa dificuldade de compreensão à tradução, que pensava, não
exprimia plenamente o original - mas estava realmente impressionado pela
qualidade dos espetáculos do Teatro Laboratório, pois podia sentir quase
fisicamente a medida que os espetáculos saltavam fora através das fotografias do
livro. Cada fotografia capturava-me, prendia-me com uma espécie de atração
visceral.
Quando soube que quem iria conduzir o seminário seria Cieslak e não
Grotowski, senti-me frustrado e enganado: pensei que Cieslak não era o número
um, e que nós, estudantes de Yale merecíamos o melhor.
Uma vez disse que voz humana pode chegar a um registro incrivelmente
alto. Perguntou se nunca tínhamos ouvido a nota mais aguda da escala chinesa e
se alguém queria descobri-la. Ofereci-me de voluntário. Disse um texto que sabia
de memória tentando usar um ressonador muito alto, na cabeça. Creio que não
funcionou e Cieslak pediu-me para repetir somente “King, King” e de subir em
direção a um registro sempre mais agudo. Por tôo o tempo dizia, quase gritando
“Maio alto!”, dando-me golpes decididos em uma precisa zona da cabeça, da qual
pensei, que devesse sair o som.
Cieslak procurou nos fazer entender quanto trabalho seria necessário para
criar um espetáculo a partir de improvisações. Disse que se quiséssemos
transformar aquela improvisação em um espetáculo, cada um de nós devia pegar
o seu caderno, dividir cada página em duas colunas, e escrever em uma coluna,
com a maior precisão possível , tudo aquilo que tinha feito; e na outra as
associações que tinha tido enquanto improvisava, as sensações físicas, as
imagens mentais e os pensamentos, as memórias de lugares e pessoas. Entendi
que, quando ele falava de “associações” pretendia que, enquanto estiver
realizando as tuas ações, ao mesmo tempo o olho da tua mente vê algo, como se
lhe aparecesse a sua frente uma recordação. Cieslak disse que, através daquilo
que tínhamos escrito, deveríamos reconstruir e memorizar a improvisação recém
feita. Em seguida, poderíamos trabalhar sobre a estrutura, alterando-a,
aperfeiçoando-a até transformar-se em espetáculo.
Recordo que Cieslak, um dia, disse que um ator deve ser capaz de chorar
como uma criança, e perguntou se alguém de nós poderia fazê-lo. Uma garota
deitou-se no chão e tentou. “Não, não assim”, disse ele e ocupando seu lugar
transformou-se defronte aos nossos olhos em uma criança que chorava.Somente
agora, depois de muitos anos, entendo a chave do sucesso de Cieslak naquela
transformação: buscou a fisicalidade exata da criança, o processo físico vivente
que sustentava o seu choro. Da criança não buscou o estado emocional, mas com
o corpo recordou suas ações físicas. Também Stanislavski dizia: “Não me falem
de sentimentos, não podemos fixar os sentimentos. Podemos fixar e recordar
somente as ações físicas”. Naquele momento, todavia, não entendi o processo
que estava por detrás da transformação de Cieslak. Tinha acabado de ver um
mestre no trabalho: aquilo que tinha feito era incrível de se ver, mas não tinha
idéia de como chegar eu mesmo a um tal resultado. Fiquei impressionado, com a
vontade de fazer algo, de ser, também eu, capaz, mas sem saber como fazer.
Se repenso aquele tempo, percebo que aquilo foi o meu primeiro olhar
sobre o “método das ações físicas” de Stanislavski, Comparado ao resto do
trabalho com Cieslak, aquele exercício parecia normal, muito normal para o meu
jovem corpo ansioso de aventura. Ainda não estava pronto para apreciar a
rigorosa precisão necessária para manejar um ofício. Mais tarde, com Grotowski,
todavia, descobri que o trabalho sobre as ações físicas é defato esta via
extremamente rigorosa, na qual nada pode ser feito “em geral”.
Cieslak ssabia tudo isso por experiência. Muitas vezes fazia demonstrações
que nos deixavam de boca aberta, mas permanecia a mesma questão”Como ele
conseguiu faze-lo”. O seu trabalho, afora aquele único exercício com o jovem ator,
não nos tinha colocado exigências técnicas, assim, naquele momento, não recebi
uma resposta prática à minha questão.
Esse seminário me deixou em uma certa confusão. Tinha visto que existia
uma possibilidade muito profunda, em mim mesmo e no teatro, mas permanecia
um diletante como antes. Não tinha a técnica ou o conhecimento para chegar a u
nível qualquer.
É muito raro que a simbiose entre o diretor e o ator possa ultrapassar todos
os limites da técnica, de uma filosofia ou de hábitos ordinários. Este processo
chegou a uma tal profundidade que freqüentemente era difícil saber se éramos
dois seres humanos que trabalhavam ou um duplo ser humano.
Por que penso que fosse um ator tão grande quanto, em um outro campo
da arte, um Van gogh, por exemplo? Porque soube encontrar a conexão do dom e
do rigor. Quando tinha uma partitura de “acting”, podia segui-la nos mínimos
detalhes. Isso é o rigor. Mas havia algo de misterioso por detrás desse rigor que
se apresentava sempre em conexão com a confiança. Era o dom, o dom de si e
nesse sentido o dom. Não foi, atenção, o dom para o público , que ambos
considerávamos como uma putaria. Não. Era o dom para algo que é muito mais
alto, que nos ultrapassa, que está acima de nós, e também, pode-se dizer, era o
dom para seu trabalho, era o dom para o nosso trabalho. O dom para nós dois.
Tudo estava ligado àquela experiência. Essa se referia aquele tipo de amor
que, como pode acontecer somente na adolescência, carrega toda a sua
sensualidade, tudo aquilo que é carnal, mas, ao mesmo tempo, por detrás disso,
algo de totalmente diferente e que não é carnal, ou que é carnal de um outro
modo, e que é muito mais como uma prece. É como se, entre estes dois aspectos,
se criasse uma ponte que é uma prece carnal.
Pode-se ainda dizer que a ele eu pedi tudo, uma coragem de um certo
modo inumana, mas nunca lhe pedi para produzir um resultado. Tinha
necessidade de mais cinco meses? De acordo. Mais dez meses. De acordo. Mais
quinze meses? De acordo. Nós só trabalhamos lentamente. E depois dessa
simbiose, tinha como uma segurança total no trabalho, não tinha medo, e sim vi
que tudo era possível porque não havia medo.
Logo depois que Cieslak tinha deixado minha Universidade, pensei: “Devo
encontrar Grotowski”, a fonte da maestria de Cieslak. Informei-me sobre bolsas de
estudos para ir à Polônia, mas para todas era necessário falar polonês. Poucas
semanas mais tarde, fiquei petrificado quando o diretor de nosso departamento de
estudos teatrais anunciou que o próprio Grotowski chagaria para fazer uma
seleção de estudantes de Yale que iriam trabalhar por duas semanas, no verão
seguinte, em seu Objective Drama Program na Universidade da California em
Irvine. Quando Grotowski chegou em Yale, passei na seleção e naquele verão
(1984) com cerca de doze outros estudantes parti para a California.
Antes de partir, o diretor dos Estudos Teatrais nos disse que, falando com
grotowski durante a nossa seleção, tinha entendido que em um certo sentido
Grotowski, quando trabalhava com um ator, buscava um modo de lhe entrar
dentro, como se vivesse através dele. Nos recomendou que se isso acontecesse a
um de nós durante o seminário, para não exitar ou resistir. Nos encorajou em
nosso caminho.
O Seminário Objective Drama Program
Um ponto para mim de extremo interesse, que notei durante este seminário,
diz respeito à qualidade da presença de grotowski. Quando encontrava-se no local
de trabalho sentia que o espaço mudava consideravelmente. Não posso traduzir
em palavras. Pensei que talvez estivesse somente tenso, pois ele era um homem
famoso. Mas não, podia sempre sentir quando estava me olhando, como se os
seus olhos me tocassem.
Lembro-me que no início era a minha mente que conduzia a busca das
danças, interpretava mentalmente os cantos: por exemplo, deduzia que uma devia
ser um canto de trabalho, então imitava o trabalho manual transformando os
movimentos em uma dança repetitiva. Bem, dançamos muito e parecia que
estávamos trabalhando a horas, sem pausa. A um certo ponto, enquanto meu
cansaço físico crescia, a minha mente se cansou e se aquietou: tornou-se menos
capaz de dizer ao corpo como interpretar o canto. Então, por um breve momento,
senti como se meu corpo começasse a dançar só. O corpo conduzia por si o modo
de mover-se e a mente tornou-se uma observadora passiva. Senti os olhos de
Grotowski sobre mim, uma sensação clara, uma sensação física como de ser
tocado. Depois grotowski interrompeu de repente a improvisação. Quando
estávamos saindo, grotowski aproximou-se e disse: “aquilo estava na direção
certa”.
Não posso descrever o peso que havia por detrás de suas palavras. Não
era somente como ter recebido um elogio. Na minha vida já tinha recebido muitos
elogios, o suficiente para ficar cheio de mim e daquilo que pensava que fosse meu
talento. Aquilo que me atingiu naquele momento como um murro era precisamente
essa coisa para o qual não tenho palavras, que antes tentei descrever como algo
que tem a ver com a presença. Posso descrever-la agora somente como um peso
cheio de calor. Levou-me a experimentar um forte senso de orgulho, um orgulho
que nunca tinha experimentado antes: não era mesquinho, vaidoso, mas diferente,
talvez plenitude. O peso e o calor por detrás das palavras de grotowski, e não as
palavras em si, tinham-me deixado aquela forte impressão.
Muitos anos mais tarde Grotowski me falou das mascaras faciais que seus
atores tinham utilizado em Akropolis, e me explanou como tinham chegado àquilo:
as máscaras faciais de Akropolis não eram congeladas, construídas por razões
formais. Ao invés disso estavam diretamente conectadas à lógica interior daquelas
pessoas na sua situação específica. Os atores tinham explorado a situação dos
judeus em um campo de concentração, e buscando entender a pscicologia haviam
chegado, através de um processo de condensação àquilo: depois de muitos anos
de opressão, neles havia surgido um modo de se falar internamente – por exemplo
algo como “Isto de novo?”, uma espécie de formula em reação a própria sorte.
Cada ator descobriu a sua máscara facial repetindo dentro de si uma fórmula e
observando o modo como sua reação esculpia a face, criando as rugas. Ora,
repetiram o mesmo processo que se verifica na vida, onde o rosto, quando se
alcança uma certa idade, começa a ter as características de uma máscara, porque
as reações repetidas esculpem as rugas. A abordagem dos atores de grotowski
sobre a máscara fácil estava então diretamente conectada a psicologia e à lógica
interna das pessoas naquela situação: em outras palavras, aquilo que Stanislavski
chamava de monólogo interior.
Compreendi que não tinha nenhuma técnica e pensei que, talvez, deveria ir
para uma escola de Arte dramática. Alguns dos outros atores que tinham tido mais
sucesso, haviam freqüentado aquele gênero de escola, mas algo em mim sentia
um desconforto perante a uma tal perspectiva.
Não sabia mais para que trabalhava. O que poderia servir com aquele
trabalho.
Assim comecei a pensar: A Arte, o que tem há ver com isso? Todo aquele
discurso não era, talvez, somente uma mentira, para ter minha consciência
tranqüila, cheios de seus sonhos pseudo-artísticos, enquanto eu e ele
buscávamos juntos encontrar em qual embalagem bonitinha eu caberia para ser
vendido da melhor forma possível como bem de consumo?
Ouvi pela primeira vez Grotowski falar sobre ações Físicas no seu discurso
no Hunter College em nova York, em 1985. Ministrava uma conferência sobre
Stanislawski. Entre outras coisas, grotowski falou do trabalho de um ator russo no
drama de Tolstoi “Os frutos da Instrução. O personagem que o ator interpretava
fala quase por um ato inteiro: é um professor interassados no fenômenos
parapsicológicos que faz uma visita à casa de amigos e tenta convencer os
presentes sobre suas teorias. Todo o ato gira em torno do discurso desse
professor aos outros personagens. Grotowski disse que existia muita possibilidade
que esse espetáculo fosse entediante e que a tarefa do ator era verdadeiramente
difícil: deveria dominar um longo monólogo. Foi, ao contrário, um espetáculo de
alto nível. Por que? Graças ao uso que fez do “método de ações físicas”.
Disse: aquele ator dava uma conferência para os outros personagens, sim,
mas qual era a sua “partitura física”? Era a luta pelo atenção, para reconhecer os
aliados e os adversários (atravez da observação dos espectadores), procurando
apoio dos aliados, dirigindo seus ataques em direção aos personagens que
reconhecia como adversários, etc. Era uma partitura de batalha, não de
conferência. Tinha também feito uso dos seus pequenos objetos, pegar o cigarro,
acende-lo... O seu balé com esses pequenos objetos, disse Grotowski, poderia ser
uma série de atividades vazias. Mas não foi. O “como” e o “porque” ele fez essas
coisas as chamo ações físicas. Por exemplo: o personagem pega um cigarro, mas
na realidade está ganhando tempo para pensar no próximo argumento. Bebe um
pouco de água, mas faz isso para vigiar os outros, ver quem está ao seu lado,
quem está concordando. E pensa: “Os convenci ou não?” Sim, a maior parte está
convencida, mas não aquele tipo ali, sobre a grande poltrona!. Então reassume o
seu discurso para “quebra-lo” endereçando sobre ele todo o seu ataque.
O ator Russo do qual tinha falado Grotowski, com a sua partitura de ações
físicas em relação os seus partners, tinha transformado um longo monólogo em
uma batalha. Muitos anos depois, descobriria que o ator que interpretou o
professor e do qual grotowski havia falado era Vassilij Toporkov, o discípulo de
Stanislavski que descreveu em profundidade o “método das ações físicas” no seu
livro “Stanislavski alle prove. Grotowski considera este livro como o mais
importante documento – ou descrição – do modo de trabalhar de Stanislawski
sobre o “método das ações físicas”.
Quanto Grotowski acabou de falar, fui até ele. A nossa conversação foi
breve. Recordei-lhe que no verão anterior tinha trabalhado com ele duas semanas
em Irvine e lhe perguntei se poderia participar de seu seminário na Itália, no verão
seguinte. Pensou nisso por alguns egundos e disse; “Sim, você e S. podem vir.
Nenhum outro” (S. er um outro dos atores de Yale que tinham estado com
grotowski durante aquelas duas semanas em Irvine. Descobri mais tarde que S. já
o tinha contatado por telefone para perguntar-lhe se podia trabalhar novamente
com ele naquele verão).
Lembro-me que naquele verão. Pouco antes que eu partisse para a Itália,
meu pai gozava sobre minha eminente viagem para a Europa. Tinha deixado a
pouco de tocar o saxofone, um instrumento que tinha estudado seriamente por
sete anos, e tinha começado a praticar flauta japonesa shakuraki. Enquanto
colocava minha flauta de bambu na bolsa meu pai disse: “então, vai tocar para as
montanhas?” No momento me pareceu que fosse uma maneira de provocação
entre pai e filho. Somente muito mais tarde seria capaz de ver a verdade por
detrás da brincadeira de meu pai: o perigo que percebia então era que eu me
transformasse em um diletante, alguém que vai a deriva sem confrontar-se com a
necessidade do ofício, enfrentando a vida sem responsabilidade. No momento não
pensei mais na brincadeira de meu pai. Pareceu-me que lhe ele estivesse
simplesmente mergulhado na superficialidade da vida normal, assim continuei
meu caminho sem preocupar-me. Mas não esperava que, justamente, a questão
do diletantismo e do comportamento de turista se revelaria durante o trabalho
daquele verão em Botinnacio, como a característica pela qual o próprio Grotowski
me teria severamente atacado.
Santo céus, como poderia refaze-lo agora? Não tinha visto que tinha
apenas revelado minha alma? Não tinha mais a força necessária para fazer uma
outra vez, era óbvio que já estava muito cansado. Como podia reunir toda a força
necessária para executar novamente o MP com a instensidade original? Bem,
tentei e me senti muito pior. Eliminei uma strofe da canção para poupar força e dei
o melhor de mim para igualar a minha veemência como da primeira vez. Sabia
que a impressão faria em Grotowski dependia de minha capacidade de recriar
exatamente as ações que tinha feito da primeira vez. Assim, enquanto o corpo
bufava e se extenuava para reproduzir a intensidade física original, a mente
tentava recordar-se velozmente o que tinha feito a pouco: a minha estrutura não
era muito precisa, e a primeira vez, arrastado pelo entusiasmo, tinha incluído
alguns novos elementos que não tinha elaborado durante os ensaios. Agora,
portanto, enquanto refazia, tentava freneticamente recordar aqueles novos
elementos improvisados a ponto de esconder o fato que eram improvisados.
Quando terminei estava exausto, depois foi a vez de meu colega de Yale,
S. e depois de ter visto o seu trabalho Fiquei muito satisfeito. Aquilo que o vi fazer
era uma bobagem sem sentido e não vi nenhuma história ou revelação em seu
trabalho. Concordo, o seu MP era simples e por momentos, crível, mas
interiormente sorria dando-me tapas nas costas pelo quanto tinha sido profundo
no meu MP, em relação ao meu companheiro.
Na análise do primeiro esboço de meu MP, não fui atacado somente por
Grotowski, mas também por todas as outras pessoas do seminário. Disseram que
não me tinhem entendido e nem acreditado.Fiquei aturdido porque pensava
realmente ter revelado algo. Não via que, na realidade, estava tentando saltar até
as estrelas sem ter os degraus. Estava viciado e convenciado de meu talento.
Naquele tempo não aceitava o trabalho difícil e o sacrifício necessário para chegar
a verdadeiros resultados, pensava que a excelência chegaria sozinha.
Grotowski me fez voltar ao ponto de partida, para deixar mais claro o meu
MP. Deveria definir a situação: o que tentava obter e de quem? Existia algum
partner invisível comigo? E onde esse partner estava no espaço? O que havia
feito exatamente com ele, e o que queria dele? Todas questões simples e práticas.
Em suma, Grotowski insistia para que resolvesse estes pequenos problemas
essenciais, mas não estava de todo satisfeito. Pensava que o meu MP não tivesse
funcionado não tanto pela falta de detalhes verídicos, mas porque não tinha ainda
encontrado a verdadeira estória profunda, a justa lembrança a revelar.
Por alguns dias trabalhei sobre essa estrutura, depois não aguentei mais e
fiquei impaciente. Todo esse trabalho sobre os detalhes me parecia bobo:
evidentemente era o tema que eu tinha escolhido que não tinha valor. No início,
improvisando esta linha de ações, tinha buscado sentimentos genuínos de todos
os tipos, mas agora repetindo–a tinha ficado arida e como morta. Convenci-me
que este novo tema não fosse, ainda, aquele certo, porque não tinha força
suficiente para manter vivo o meu interesse.
Que fastio trabalhar sobre aqueles detalhes ... toda vez que começava a
tentar me vinha sono, uma onda de cansaço me cobria. Veio-me a depressão.
“Este fastio”, pensei, “deve vir do fato que a minha história não é interessante”.
Não me dava conta que estava simplesmente entregando-me a primeira onda que
me arrastava para baixo, que tentava impelir-me para fora da rota, impedindo-me
de realizar a minha tarefa.
Com esta lógica decidi que a única maneira era compor a minha canção.
Devia somente dar-me a responsabilidade de criar a meu canto tradicional.
Lembrei-me, então, da primeira melodia que tinha composto ao piano quando
criança, e usando-a como base, compus uma canção entrelaçando nela aquela
espécie de melodia que usava minha mãe quando me chamava pelo nome de
longe. Assim minha canção se religava a minha infância.
Este meu MP durava cerca de quinze minutos, enquanto nos havia sido
solicitado claramente para não superar dois ou três minutos. Começava a cantar
encolhido em um canto. Depois irrompia ao centro no centro da sala e dançava
intensamente, por muito tempo. A um certo ponto fazia uma dança mais leve, com
a camisa aberta, recordando com o corpo como minha mãe comumente dançava
sozinha pela casa com uma longa camisa, cantando baixinho: Sou um passarinho
nu., sou um passarinho nu.