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Disciplina: Língua Latina

Aula 1: IANVA LATINA: A porta latina

Apresentação (EXORDIVM)
Salve, alunos e alunas! Sejam bem-vindos a uma incrível jornada em direção à
língua e à história da Antiga Roma. Algumas pessoas acham que o estudo da Antiguidade
é desnecessário, mas não é possível construir bem o futuro sem conhecer e refletir
acerca do passado. Assim, na intenção de compreender uma parte importante de nossas
origens culturais e linguísticas, o foco de nosso estudo será o Latim, o idioma romano que
deu origem a mais de 20 línguas, dentre elas o português, o espanhol, o italiano, o
francês e o romeno. Nesta aula, descobriremos que, desde o início da colonização, a
antiga língua de Roma foi ensinada no Brasil, sendo os jesuítas os primeiros professores.
Também conheceremos André do Sacramento, jesuíta que fundou, em 1743, o núcleo
colonizador que deu origem à cidade de Canguaretama/RN. Tenho a certeza de que este
será um prazeroso caminho de aprendizado e crescimento intelectual, então, mãos à
obra!

Objetivos (OBIECTIVI)
 Conhecer as origens do alfabeto latino.
 Compreender as principais formas de pronúncia do latim.
 Refletir a respeito da função do Latim nos dias atuais.
Introdução (PROHOEMIVM)

Salvete, magnī discipulī et magnae


discipulae, nomen meum est Andrēās
Sacramentī. Natāvi in Lusitaniā prōcul Terrā
Sanctae Crucis. Sum in hāc terrā Brasiliensē
missionibus inter indiīs. Iesuīta sum.

Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brazil_18thc_JesuitFather.jpg>

“Os jesuítas faziam parte de uma ordem religiosa católica chamada Companhia de
Jesus. Criados com o objetivo de disseminar a fé católica pelo mundo, os padres jesuítas
eram subordinados a um regime de privações que os preparava para viverem em locais
distantes e se adaptarem às mais adversas condições. No Brasil, eles chegaram em 1549
com o objetivo de cristianizar as populações indígenas do território colonial. Incumbidos
dessa missão, promoveram a criação das missões, onde organizavam as populações
indígenas em torno de um regime que combinava trabalho e religiosidade. Ao
submeterem as populações aos conjuntos de valor da Europa, minavam toda a
diversidade cultural das populações nativas do território. Além disso, submetiam os
mesmos a uma rotina de trabalho que despertava a cobiça dos bandeirantes, que
praticavam a venda de escravos indígenas. Ao mesmo tempo em que atuavam junto aos
nativos, os jesuítas foram responsáveis pela fundação das primeiras instituições de
ensino do Brasil Colonial. Os principais centros de exploração colonial contavam com
colégios administrados dentro da colônia. Dessa forma, todo acesso ao conhecimento
laico da época era controlado pela Igreja. A ação da Igreja na educação foi de grande
importância para compreensão dos traços da nossa cultura: o grande respaldo dado às
escolas comandadas por denominações religiosas e a predominância da fé católica em
nosso país.” (SOUSA, Ranier. Jesuítas).
Disponível em: http://www.mundoeducacao.com.br/historiadobrasil/jesuitas.htm)
Assim é (ITA EST)
A fala de Andreas parece complicada, não é mesmo? Mas não é. Ele está
cumprimentando-nos em latim, uma velha língua do Ocidente. Uma língua antiga e
desconhecida por muitos parece, às vezes, que é distante de nós, porém, isso não é
verdade. O latim já foi uma língua usada no dia a dia de milhões de pessoas. Essas
pessoas compravam e vendiam, brigavam, faziam as pazes, conversavam, namoravam,
tudo em latim! Isso não é interessante? E na vida em sociedade, através do uso da
língua, com o passar dos tempos, as pessoas foram variando em uso e, assim, mudando
o latim até que esse se transformou em outros idiomas bem diferentes entre si. Na
imagem a seguir, você pode ver quanto o Imperio Romano foi grande, indo da Inglaterra
ao Oriente Médio.

Figura 1: Extensão máxima do Império Romano.


Fonte: Disponível em: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Roman_Empire-117AD.png.
Verificado em 11/09/2012.

Como já sabemos, André, do latim Andreas, foi um jesuíta que atuou no Rio Grande
do Norte na primeira metade do século 18 (XVIII). O interessante é que nessa época, o
Brasil ainda era uma nação muito rústica, isto é, baseada na vida rural, não urbana, e os
jesuítas tinham uma profunda formação em línguas clássicas, como o grego antigo e o
latim. Deve ter sido muito diferente, e até difícil, para Andreas sair de antigas escolas das
grandes cidades europeias e vir para um Brasil tão agrário e arcaico, sob o ponto de vista
europeu. Imaginem como foi instigante para nosso jesuíta perceber que havia uma
civilização tão diferente da dele, os índios, com uma língua distinta, sem alfabeto ou
modelo de escrita, em que a história e o conhecimento eram passados de geração em
geração através das conversas, narrativas orais, entre os mais velhos e os mais novos da
tribo. E os índios moravam em casas de madeira, palha ou barro, sem roupas, divididos
em várias regiões. E Andreas, como jesuíta daquele século, teve uma formação muito
refinada para lidar com esse diferente contexto cultural. Com certeza houve, em algum
momento, um choque cultural entre Andreas e os brasileiros que aqui estavam.
Por bem ou por mal, somos herdeiros da cultura de Andreas, uma vez que os jesuítas
foram os primeiros professores do Brasil Colonial. Falamos, portanto, a língua portuguesa,
que é filha da língua latina, irmã da língua espanhola e parente de outras línguas
românicas ou neolatinas.
O nosso alfabeto, por exemplo, é chamado de alfabeto latino, sendo uma adaptação
dos romanos de alfabetos utilizados pelos fenícios, etruscos e gregos, povos vizinhos da
península itálica.

Alfabetos antigos (ABECEDARII ANTIQVII)


A título de ilustração, abaixo um quadro comparativo entre alguns alfabetos
antigos. Na sequência temos hieróglifos egípcios, fenício antigo, hebraico antigo, moabita,
grego antigo, grego oriental, grego ocidental, grego clássico, etrusco antigo, etrusco
clássico, latim antigo, latim antigo monumental e latim clássico.
Quadro 1: Comparação entre alguns alfabetos antigos.
Fonte: <http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-
ortografia/26/artigo190215-3.asp>

Como já dissemos, o latim chegou a ser falado por milhares de pessoas


espalhadas em várias regiões da Europa Ocidental e norte da África. É claro que em casa
uma dessas regiões a língua latina era pronunciada de uma maneira distinta. Assim,
existem muitas teorias e opiniões sobre como o latim deve ser pronunciado, mas
falaremos aqui sobretrês modos básicos de pronúncia do latim, e cada um com sua
justificativa. O primeiro modo é denominado de Pronúncia Tradicional. É quando o texto
latino é lido como na língua de quem está lendo. Hã? Parece difícil? Não mesmo! Assim,
como um francês pode pronunciar o latim como se lesse na língua francesa, um brasileiro
pode pronunciar o latim como se lesse em português. Essa é a pronúncia tradicional. Veja
os exemplos a seguir1:

AMPHYTHEATRVM
Português: *ãnfiteatrũ

AMICITIA
Português: *amissitia

CAESAR
Português: *caezar

Outro tipo é a chamada Pronúncia Itálica. Existem documentos que comprovam


seu uso no século VI d.C, sendo, num primeiro momento, o falar das classes mais pobres
de Roma. Como ela é utilizada e valorizada pela Igreja Católica Apostólica Romana,
também é conhecida como Eclesiástica. Então, nossas palavras ficam assim:

AMPHYTHEATRVM
Itálica: *anfiteatrum

AMICITIA
Itálica: *amitchitsia

CAESAR
Itálica: *tchézar

No meio acadêmico, tem sido valorizada a Pronúncia Restaurada, Reconstituída


ou Clássica. Era o modo de falar das classes ricas de Roma, sendo reflexo da linguagem
jurídica e literária por volta do século IV a.C. ao século II d.C. Vejamos, então, nossas
palavras:

1
Por uma questão didática, apresentamos aqui uma pronúncia aproximada com a escrita no português.
AMPHYTHEATRVM
Restaurada: *amprrütrreatrum

AMICITIA
Restaurada: *amikitia

CAESAR
Restaurada: *cáessar

Dessa maneira, podemos construir um quadro comparativo de pronúncia a partir da


observação do alfabeto latino:

LETRA PALAVRA TRADICIONAL ITÁLICA CLÁSSICA SIGNIFICADO


A, a Amor Como no português amor carnal
B, b Bellum Como no português
C, c Cicero Como no português tchitchero kíkero Cícero
(tch -
apenas
anteceden
do “e” e “i”)
D, d Data Como no português informação
E, e Ego Como no português Eu
F, f factum Como no português Feito
G, g gens Como no português djens guens família
H, h hora Como no português Como no Róra Hora
português (sempre
áspero)
I,i (antes jus Como no português Como no ius Direito
de português
consoant
e) ou J,j
(antes de
vogal)
K, k kalendas Como no português 1º dia do mês
L, l lingua Como no português língua
M, m mater Como no português Mãe
N, n neuter Como no português neutro
O, o os Como no português boca
P, p pauper Como no português pobre
Q, q Quintus Como no português kuintus kuintus Quinto
R, r Roma Como no português roma roma Roma
(vibrante (vibrante
como em como em
caroço) caroço)
S, s rosa Como no português roza rossa rosa
T, t Atia Como no português Atsia (ts - Atia Átia
apenas
anteceden
do “i” em
ditongo
crescente)
V, u victor Como no português Como no uíctor vencedor
(antes de português
consoant
e) ou v
(antes de
vogal)
X, x ex Como no português egz eks para fora
Y, y papyrus Como no português Como no papürus Papiro
português (como em
Müller)
Z, z Zeus Como no português dzeus dzeus Zeus
Atividade 1: Mãos a obra (MANVS AD OPERAM)
Diante do que observamos, você poderia elencar em português, a seguir, algumas
palavras que você conhece originadas do latim? Se parecer difícil, é só pesquisar!

I productus ________________________________________
II silva ________________________________________
III institutio ________________________________________
IV lapidatus ________________________________________
V nullo ________________________________________
VI nudus ________________________________________
VII satisfactio ________________________________________
VIII victor ________________________________________
IX violens ________________________________________
X nocte ________________________________________
XI idem ________________________________________
XII dare ________________________________________
XIII plorare ________________________________________
XIV ambulare ________________________________________
XV secundus ________________________________________
XVIII quattuor ________________________________________
XVII voluntas ________________________________________
XVIII lúpus ________________________________________
XIX homo ________________________________________
XX noster ________________________________________
O latim como porta (LATINE IANUA)

PHILOSOPHIA

HISTORIA

GRAMMATICA

IANVA LATINA
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ancient_Roman_Senate_Bronze_doors.jpg,
Verificado em: 11/19/2012.

Muitas pessoas discutem sobre qual seria o sentido de estudarmos uma língua tão
antiga hoje. Se não há mais pessoas que conversam e vivem em sociedade com esse
idioma, para que temos que estudá-los? Mas mesmo diante do fato dos falantes originais
de latim terem morrido há tanto tempo, todos concordam que estudamos latim hoje
porque esse foi o idioma de um dos impérios mais marcantes de nossa sociedade
ocidental. Além do mais, clássicos de nossa literatura, conhecimentos diversos e estudos
em várias áreas da filosofia e da ciência foram escritos em latim. Nossas primeiras sátiras
e comédias também foram escritas nessa língua romana.
Por sua vez, a língua latina foi a língua base para o surgimento de muitos idiomas
modernos como o espanhol, o francês e, é claro, o nosso português. Aprender latim,
portanto, não apenas nos coloca diante do campo de estudo da origem de palavras e
estruturas gramaticais, mas também nos apresenta maneiras de compreender o homem e
nossa sociedade no decorrer da história, observando, assim, escrita, seus costumes, sua
cultura.
O latinista Almeida (2011, p. 20), nos explica que mais de 50% das palavras do inglês,
uma das línguas mais utilizadas no mundo contemporâneo, vêm do latim, sendo isso um
dos bons motivos para se estudar o latim, uma vez que “quem fala inglês utilizando
vocábulos de origem latina [...] é respeitado como possuidor de sólida cultura” em países
anglofônicos, isto é, povos que têm o inglês como língua materna. E, de fato, segundo
Almeida (p.21), a maioria das línguas estrangeiras modernas, mesmo que não tenham
surgido a partir do latim, “necessitaram incorporar conteúdo latino para enriquecerem o
seu léxico”, seu vocabulário, como o alemão, o russo, o húngaro, o finlandês, o
dinamarquês, o norueguês, entre outras línguas. Para Almeida, “aquele que estuda latim,
sempre encontrará algum vocábulo familiar nessas línguas”. O símbolo de uma das
maiores universidades do mundo, por exemplo, são em latim, como o brasão da
Universidade Livre da Alemanha, na imagem abaixo, que contém as palavras “veritas”,
“iustitia” e “libertas”, que significam, na língua latina, verdade, justiça e liberdade.

Figura 2: Brasão da Universidade Livre de Berlin


Fonte:<http://commons.wikimedia.org/wiki/File:2005-02-06_Freie_Universit%C3%A4t_Berlin_-
_Siegel_-_bearbeitet.jpg; Verificado em: 11/09/2012)>

Assim o Latim é para nós como uma ianua, uma porta. Primeiro, a língua latina é uma
porta a uma reflexão filosófica, porque a língua representa uma maneira especifica de
uma sociedade pensar a realidade que está ao seu redor. Quando usamos uma língua,
utilizamos uma maneira de descrever o ambiente em que vivemos, um modo de explicar
as ações que são realizadas em sociedade, assim, definimos através da linguagem o que
é mais importante ou descartável em nossas vidas.
Segundo, estudar a língua latina também é abrir uma porta histórica pelo fato dessa
ser uma língua com mais de 2000 anos. Ela foi utilizada por diversos governantes e
imperadores, e isso em diversas regiões do Mundo Antigo. Muito do que sabemos da
história de nossa Civilização Ocidental se deve a vários documentos escritos em latim
desde a Era Clássica ao início da Idade Moderna. Não há como estudar latim sem
aprender mais sobre nossa própria história. E é muito importante conhecermos o passado
de nossa sociedade para que possamos construir nosso futuro enquanto civilização.
Terceiro, o latim é uma porta aos estudos gramáticos e linguísticos, uma vez que ele
nos dá condições de pensar como podem funcionar os sistemas e estruturas de uma
língua e como esse sistema pode variar e mudar com o tempo gerando novas formas
linguísticas de comunicação. É também a partir do estudo da língua latina que temos
acesso a grande parte do tesouro literário e cultural da humanidade, senda ela a porta-
voz de grandes pensadores e escritores do Mundo Antigo, da Idade Média e do
Renascimento.

Atividade 2: Mãos a obra (MANVS AD OPERAM)


Você percebeu como através da língua latina muita coisa pôde ser construída em nossa
sociedade? Nesse sentido, após uma breve pesquisa, apresente o nome de 3 autores
literários que escreveram suas obras em latim e suas respectivas obras principais. Você
poderia dizer a importância dessas obras para nossa sociedade hoje? Explique:

Resumo (RESVMVS)
Nesta aula, pudemos conhecer o Jesuíta André do Sacramento, fundador de
Canguaretama e aprender particularidades do alfabeto latino e seus tipos de pronúncia.
Refletimos, também, sobre a importância do latim no mundo contemporâneo e várias
razões para seu estudo, enquanto porta de acesso a uma reflexão sobre nossa sociedade
nos âmbitos da filosofia, da história e da linguística.

Autoavaliação
Para refletir (COGITATVS)
Você já parou para pensar o quanto povos e culturas do passado influenciam nossas
atitudes hoje? Você poderia descrever, a seguir, algumas dessas influências?
Referências
ALMEIDA, Marcos. Latim para todos. Aracaju: Edição do Autor, 2011.

ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética clássica. 12. ed. São Paulo: Cultrix,
2005.

BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.

BUENO, Francisco da Silveira. A formação histórica da língua portuguesa. 2. ed. Rio de


Janeiro: Livraria Acadêmica, 1958.

BUESCU, Maria Leonor Carvalhão. Aspectos da herança clássica na cultura portuguesa.


Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1979.

CASCUDO, Luís da Câmara. Nomes da terra; geografia, história e toponímia do Rio


Grande do Norte. Natal: Fundação José Augusto, 1968.

COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática Histórica. 7. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1976.

GALVANI, Walter. Nau capitânia: Pedro Álvares Cabral, como e com quem começamos.
4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.

ORBERG, Hans H. Língua Latina per se illustrata: grammatica latina. Newburyport: Focus
Publishing, R. Pullins Company, 2010.

SILVA NETO, Serafim da. Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. 4. ed. Rio
de Janeiro: Presença, 1977.
WHEELOCK, Frederic M. Wheelock’s Latin: the classic introductory latin course based on
ancient authors. 6. ed. New York: Harper Collins Publishers, 2005.

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