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Interdisciplinar

Psicologia da Educação

Vera Lúcia do Amaral


Psicologia da Educação
Vera Lúcia do Amaral

Interdisciplinar

Psicologia da Educação

2ª Edição

Natal – RN, 2014


Governo Federal
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff

Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia

Ministro da Educação
Henrique Paim

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN


Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz

Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes

Secretaria de Educação a Distância (SEDIS)


Secretária de Educação a Distância Secretária Adjunta de Educação a Distância
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Ione Rodrigues Diniz Morais

FICHA TÉCNICA
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS
Marcos Aurélio Felipe

COORDENAÇÃO DE REVISÃO
Maria da Penha Casado Alves

COORDENAÇÃO DE DESIGN GRÁFICO


Ivana Lima

GESTÃO DO PROCESSO DE REVISÃO


Rosilene Alves de Paiva
EDITORAÇÃO DE MATERIAIS Diagramação
Alessandro de Oliveira Paula Bruno de Souza Melo
GESTÃO DO PROCESSO DE DESIGN GRÁFICO Amanda de Lima Cabral Dimetrius de Carvalho Ferreira
Dickson de Oliveira Tavares Amanda Duarte Ivana Lima
Anderson Gomes do Nascimento Johann Jean Evangelista de Melo
PROJETO GRÁFICO Carolina Aires Mayer
Carolina Costa de Oliveira Criação e edição de imagens
Ivana Lima
Dickson de Oliveira Tavares Adauto Harley
Heloisa Fernandes Ferreira Nunes Carolina Costa de Oliveira
REVISÃO DE MATERIAIS José Agripino de Oliveira Neto
Ailson Alexandre Câmara de Medeiros Leticia Torres
Andreia Maria Braz da Silva Módulo matemático
Luciana Melo de Lacerda
Camila Maria Gomes André Quintiliano Bezerra da Silva
Mauricio da Silva Oliveira Junior
Cristiane Severo da Silva Kalinne Rayana Cavalcanti Pereira
Cristinara Ferreira dos Santos Thaisa Maria Simplício Lemos
Revisão de estrutura e linguagem
Edneide da Silva Marques
Eugenio Tavares Borges Revisão tipográfica
Emanuelle Pereira de Lima Diniz
Jânio Gustavo Barbosa Leticia Torres
Eugenio Tavares Borges
Thalyta Mabel Nobre Barbosa Nouraide Queiroz
Fabiola Barreto Gonçalves
Julianny de Lima Dantas Simião
Margareth Pereira Dias Revisão de língua portuguesa IMAGENS UTILIZADAS
Orlando Brandão Meza Ucella Janaina Tomaz Capistrano Banco de Imagens Sedis - UFRN
Priscilla Xavier de Macedo Sandra Cristinne Xavier da Câmara Fotografias - Adauto Harley
Rosilene Alves de Paiva Free Images- www.freeimages.com
Verônica Pinheiro da Silva Revisão de normas da ABNT Flickr.com - www.flickr.com
PixaBay - www.pixabay.com
Verônica Pinheiro da Silva

Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva.

Todos as imagens utilizadas nesta publicação tiveram suas informações cromáticas originais alteradas a fim de adaptarem-se
aos parâmetros do projeto gráfico © Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – EDUFRN. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educação – MEC
Sumário

Apresentação Institucional 5

Aula 1 A psicologia e sua importância para a educação 7

Aula 2 A inteligência 25

Aula 3 A vida afetiva: emoções e sentimentos 43

Aula 4 Crescimento e desenvolvimento 57

Aula 5 A psicologia da adolescência 71

Aula 6 A formação da identidade: alteridade e estigma 87

Aula 7 Como se aprende: o papel do cérebro 101

Aula 8 Como se aprende: a visão dos teóricos da educação 119

Aula 9 Estratégias e estilos de aprendizagem: a aprendizagem no adulto 137

Aula 10 A dinâmica dos grupos e o processo grupal 155

Aula 11 A família 173

Aula 12 A escola como espaço de socialização 187

Aula 13 Sexualidade 201

Aula 14 A questão das drogas 217

Aula 15 Os meios de comunicação em massa 235


Apresentação Institucional

A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a SEDIS tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra ao grupo de instituições que assumiram o
desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda-
lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o
acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente
em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de
graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino
Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e transformar o
conhecimento em uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLE-
TE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.

Secretaria de Educação a Distância


SEDIS/UFRN

5
A Psicologia e sua
importância para a Educação

Aula

1
Apresentação

A
partir desta aula, iniciaremos nosso percurso pelo mundo da subjetividade. Nesta
disciplina, iremos discutir temas da Psicologia que tenham interesse para o educador
e para a Educação. Vamos conhecer o que é o homem, como ele se constitui, como
ele aprende e se relaciona com os outros. Para tando, selecionamos temas interessantes
como a inteligência, as emoções, o crescimento e o desenvolvimento do ser humano, e, em
especial, a aprendizagem, para a qual dedicamos um conjunto de aulas.

Outro bloco de temas diz respeito à chamada Psicologia Social: os grupos sociais,
os processos de socialização na família e na escola, a questão das drogas e a sexualidade.
Todos esses temas vão nos ajudar a compreender melhor nossos alunos e como podemos
interagir com eles.

Nesta aula, discutiremos um tema que, por mais que possa parecer óbvio, quase nunca
paramos para questioná-lo: quem é o homem? O que caracteriza o humano?

Objetivos
Conceituar Psicologia, dentro das diversas perspectivas.
1
Entender de que maneira a Psicologia está presente nas
2 mais diversas áreas do conhecimento.

Perceber como a subjetividade permeia nossas interpreta-


3 ções do mundo e de nós mesmos.

Reconhecer a importância da Psicologia na formação


4 do professor.

Aula 1 Psicologia da Educação 9


Afinal, para quê
estudar Psicologia?

E
sta é uma pergunta que você deve estar se fazendo agora. Qual a finalidade de se
estudar esse tema em um curso de licenciatura, que deveria estar abordando temas
mais específicos? Será necessário estudar assuntos sobre os quais se pode ler em
qualquer revista não especializada?

Em primeiro lugar, atente para o fato de que você está sendo formado para ser um
professor. Que vai lidar com gente (e gente é uma coisa reconhecidamente complicada!).
Um bom professor é aquele que tem um conhecimento profundo do conteúdo que deve
ministrar, mas também sabe lidar com sua turma, de modo a envolvê-la no processo
de aprendizagem. E, com certeza, os conhecimentos específicos de sua área, apesar de
extremamente importantes para sua formação, não lhe ensinam a lidar com gente. Em
segundo lugar, será que o que se lê em revistas não especializadas são, de fato, Psicologia?
As matérias veiculadas pelo Fantástico e por outros programas da TV do mesmo tipo são
suficientemente sérias e/ou científicas, ou ficam apenas no nível do senso comum? Os livros
de auto-ajuda ajudam a alguém mais, além dos seus próprios autores?

O que é, então, Psicologia?

No nosso cotidiano, estamos acostumados a usar o termo Psicologia em vários sentidos:


“fulano de tal consegue as coisas porque tem muita psicologia”, “vou conversar com fulaninha
porque ela tem muita psicologia e me entende”, “eu lido com meu filho com muita psicologia”.
Esses são exemplos de frases que usamos ou já ouvimos em algum momento.

10 Aula 1 Psicologia da Educação


Atividade 1
E para você, o que é Psicologia? Anote o que você compreende por Psicologia.

A Psicologia enquanto área do conhecimento científico somente se constituiu muito


recentemente, há pouco mais de 100 anos. Para isso, foi necessário delimitar o seu objeto de
estudo, estabelecer métodos e técnicas específicas, divulgados numa linguagem científica,
e, assim, superar o conhecimento espontâneo do senso comum.

Poderíamos dizer que o objeto de estudo da Psicologia é o Homem. Mas, esse também
é o objeto de estudo de outras Ciências, como a Antropologia, a Sociologia e todas as demais
Ciências Humanas. Se perguntarmos a um psicólogo qual o objeto específico da Psicologia,
ele pode nos dar pelo menos dois tipos de respostas.

1) A Psicologia estuda o comportamento humano, uma vez que é através do comportamento


que expressamos nossas manifestações interiores. Quando estamos felizes, expressamos
essa felicidade através de comportamentos, expressões faciais, gesticulações. Quando
estamos preocupados ou raivosos, também é através do nosso comportamento que
manifestamos esses sentimentos.

2) A Psicologia preocupa-se com as manifestações de nosso inconsciente, com aqueles


comportamentos, lembranças, pensamentos que temos e não sabemos explicar por que,
nem sabemos exatamente de onde vêm.

Aula 1 Psicologia da Educação 11


Inconsciente – O conceito de insconsciente na Psicologia foi trazido por
Sigmund Freud (pronuncia-se “Fróide”), e inaugura uma vertente da Psicologia
chamada Psicanálise. Para Freud o adjetivo inconsciente é o conjunto dos
conteúdos não presentes na consciência, aos quais somente se tem acesso de
forma indireta, como através dos sonhos. Esses conteúdos seriam o resultado
de experiências infantis, que foram reprimidas por serem extremamente
dolorosas para o indivíduo.

Figura 1 – Sigmund Freud.

Respostas tão divergentes como essas vão nos mostrar que a Psicologia é ainda uma
Ciência em construção, ao ponto de alguns autores preferirem falar em Psicologias, no plural.

Nesta disciplina, iremos conceber a Psicologia como o estudo da subjetividade humana,


sendo esse o seu objeto de estudo principal. É o estudo do Homem em todas as suas
expressões, sejam as visíveis, como o comportamento, sejam as invisíveis, como nossos
pensamentos; sejam as nossas sigularidades, a maneira particular como cada pessoa se
apresenta ao mundo, sejam as genéticas, que trazemos como carga biológica. Todos esses
aspectos conferem ao homem uma maneira particular de ser, de sentir, de se expressar, de
se posicionar diante dos fatos da vida.

“A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai


constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências
da vida social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um lado, por
ser única, e nos iguala, de um outro, na medida em que os elementos que
a constituiem são experienciados no campo comum da objetividade social”
(BOCK, 1999, p. 23).

12 Aula 1 Psicologia da Educação


Então, apesar de pertencermos a um gênero, o humano, E de termos uma estrutura
biológica que nos faz igual a tantos outros do nosso gênero, somos essencialmente diferentes.
Quantas vezes nos perguntamos por que dois filhos dos mesmos pais, criados da mesma
maneira, podem ser tão diferentes. O que nos faz diferentes? O que nos faz únicos? O que nos
faz tão singulares? Nossa subjetividade é que constitui o nosso modo de ser, nossa maneira
particular de sentir, de pensar, de fazer. Nossa subjetividade é o que nos faz únicos.

Atividade 2
Como você se descreveria? Como é o seu “jeito”, a sua maneira de ser?

Atividade 3
Observe um grupo de pessoas: seus colegas, seus irmãos, seus alunos. Tente
descrever o “jeito” deles, observando as particularidades de cada um. O que os
distingue dos outros quanto a suas atitudes, maneiras de ser?

Aula 1 Psicologia da Educação 13


Atividade 4
Agora, vamos observar um grupo mais amplo: o povo nordestino. Você acha
que nós, nordestinos, temos alguma característica quanto ao modo de ser que
nos distingue de outros brasileiros?

O que você acabou de descrever em relação você e às pessoas do grupo que observou
foi justamente a subjetividade, sua e dos outros. Por mais que tenhamos alguma característica
que se pareça com a de uma outra pessoa, sempre seremos, no conjunto, uma pessoa
diferente e singular. E mesmo quando observamos características de um grupo, quando
vemos que temos características semelhantes ao nosso grupo, mesmo assim, podemos
observar particularidades que são somente nossas. São essas características que nos confere
identidade. Por exemplo, podemos dizer que o povo nordestino, de uma maneira geral, tem
uma forte religiosidade. No entanto, esse traço cultural vai se apresentar de uma forma
particular em cada um de nós. Parece, então, que os aspectos da cultura são importantes na
formação da subjetividade particular, como veremos a seguir (Veja a representação artística
da diversidade do povo brasileiro no quadro de Tarsila do Amaral).

Figura 2 – Operários.

14 Aula 1 Psicologia da Educação


A Psicologia estuda o Homem em relação a seus aspectos peculiares e por isso tem que
se debruçar sobre o estudo da sua mente, mas não pode deixar de lado o aspecto biológico
e social, a maneira como ele se insere na sociedade e por que se insere dessa forma. Como
você pode ver, a Psicologia é um ramo das Ciências Humanas abrangente e amplo.

Se somos tão diferentes, mesmo estando entre iguais, o que gerou essas diferenças?

Como se constitui a subjetividade

S
e entendemos que a subjetividade engloba todas as peculiaridades imanentes à
condição de ser sujeito, ela envolve as capacidades sensoriais, afetivas, imaginativas
e racionais de uma determinada pessoa, o que chamamos de seu “mundo interno”. E
como é que se forma esse meu “mundo interno”? Será que já nascemos com ele?

Muitas vezes, identificamos em nós mesmos traços, comportamentos, maneiras de


ser iguais a de nossos pais. Costumamos dizer “tal pai, tal filho”, indicando que haveria uma
transmissão genética dessas características. Mas, quando nos identificamos com maneiras
de pensar o mundo de pessoas da nossa comunidade, quando organizamos nosso “mundo
interior” a partir de valores morais e éticos e passamos a pautar o nosso comportamento por
esses valores, trata-se de aspectos que não podem ser explicados pela genética.

É na relação com o mundo que o sujeito se constitui como tal, que se desenvolvem as
possibilidades humanas. É inserido nesse “mundo externo” que o homem vai organizar o seu
universo de valores e significados, que por sua vez vão moldar suas capacidades imaginativas,
racionais e afetivas. Assim, toda pessoa é uma complexa unidade natural e cultural.

Aula 1 Psicologia da Educação 15


Atividade 5
Vamos retomar as características que observamos no povo nordestino. Que
aspectos do “mundo externo” nordestino podem ter influenciado na formação
dessas características?

A subjetividade, então, também não pode ser um conceito explicável apenas a partir da
Psicologia. Ela está inserida em um corpo com funções biológicas e psicológicas, mas é um
corpo de um sujeito que interage com o seu ambiente, familiar e social, que transforma esse
ambiente e é transformado por meio dessa interação.

Se a subjetividade é o resultado da interação entre o indivíduo e o seu meio, podemos


entender que ela começa a se moldar a partir dos processos de socialização primários da
criança, na família, na escola, na comunidade, e segue pela vida em um processo dinâmico.

16 Aula 1 Psicologia da Educação


Quem é o homem e o que
caracteriza o humano

Atividade 6
Há um filme muito interessante chamado
“O Homem Bicentenário (1999)”, baseado
em um livro de Isaac Asimov (1976). Nele,
um robô, por um defeito de fabricação, é
capaz de ter sentimentos e emoções, além
de paulatinamente ir tomando consciência
de sua condição não-humana. Ao longo
de 200 anos, utilizando a tecnologia das
diferentes épocas, ele vai conseguindo
modificar sua aparência física, para tornar-
se mais e mais parecido com um homem.
Após ter sua aparência, suas atividades, sua vida social e familiar em
tudo igual as das outras pessoas, ele passa a lutar para ser reconhecido
oficialmente como humano. O Conselho que governa o mundo nessa época
nega sistematicamente tal reivindicação.

Como você justificaria a posição do Conselho? Por que não considerá-lo humano?

Aula 1 Psicologia da Educação 17


Um dos equÍvocos frequentemente observado é tratar o homem como independente
de sua condição histórica e social. Idéias como as de Rousseau (filósofo suíço que viveu
no século XVIII) de que o homem teria uma essência originalmente boa, ou de que as suas
interações sociais seriam fruto de um “instinto gregário”, o que justificaria sua vida em
sociedade, são ainda observadas em algumas postulações. Na Medicina, por exemplo,
apesar da máxima de que “não existem doenças, mas doentes”, o paciente ainda é visto
como igual a todos os portadores da mesma enfermidade. Ao ir a um médico, alguma vez lhe
foi perguntado sobre sua história? Será que a forma como se vive a vida não teria influência
na aquisição de uma doença?

Pelo que já vimos sobre a constituição da subjetividade dos sujeitos, o homem não pode
ser concebido como um ser natural, mas sim como o produto de sua história, da sua cultura. E
é por isso que, por exemplo, o seu modo de vida interfere na manifestação de suas doenças.

Afirmar que o homem é um ser sócio-histórico não significa recusar a sua condição
biológica. O homem pertence a uma espécie animal e todos nós recebemos de nossos ancestrais
uma herança de genes que determina nosso corpo e as características de nossa espécie. Duas
evidências científicas relativamente recentes, no entanto, nos mostram a importância do meio
na constituição desse indivíduo: por um lado, os estudos da Genética nos ensinam que os
genes se manifestam de diferentes maneiras, dependendo das condições ambientais. Por outro
lado, a recente Neurociência aponta a plasticidade cerebral, mostrando que os neurônios se
organizam e desenvolvem suas conexões, dependendo de estímulos e vivências ambientais.

Assim, é a condição biológica do homem que possibilita que ele, ao apropriar-se de


elementos fornecidos pela sua cultura, adquira aptidões que satisfaçam as suas necessidades
físicas e sociais.

Alguns autores afirmam que “o homem aprende a ser homem”. Isso significa que ao
nascer a criança ainda deve desenvolver sua humanidade, o que somente pode se dar em
contato com outras pessoas, com seu meio, com sua cultura. Compreender o homem dessa
forma é admiti-lo como um sujeito multideterminado.

Um exemplo disso pode ser observado no filme “O Enigma de Kaspar Hauser (1974)”,
no qual um homem que é mantido encarcerado até os 18 anos apresenta imensas dificuldades
de adaptação social.

18 Aula 1 Psicologia da Educação


E o que caracteriza exatamente o humano? Bock (1999, p. 175) destaca três
características como essencialmente humanas.

1. O trabalho e o uso de instrumentos

Podemos dizer que outros animais executam tarefas, às vezes até bastante complexas,
como as colméias das abelhas e as teias das aranhas, mas a execução dessas tarefas não
envolve o planejamento e a noção de finalidade da mesma. O trabalho para o homem depende
de sua vontade, de seu pensamento, da consciência da tarefa que executa. Mesmo quando faz
algum trabalho forçado, escravo, o homem tem a consciência de que seu trabalho é assim.

Alguns animais são capazes de manipular instrumentos e podem ser treinados para
utilizá-los, no entanto, são também utilizações mecânicas, sem conhecimento do conceito
do objeto que manipulam.

2. A criação e a utilização da linguagem

Os psicólogos são unânimes em reconhecer a importância da linguagem como elemento


fundamental na tomada de consciência dos homens. Evolutivamente, no entanto, a linguagem
teve vários antecedentes até estar plenamente desenvolvida. Foram cerca de 5 milhões de anos
para que os nossos antepassados aprendessem a transformar um objeto em instrumento
de trabalho (conferir-lhe um objetivo determinado), a registrá-lo simbolicamente no Sistema
Nervoso Central (tomar consciência) e a dar-lhe um nome (surgimento da linguagem). Para
Bock, “a descoberta de que a vocalização poderia ser utilizada na comunicação equivale, nos
tempos atuais, à descoberta dos chips eletrônicos” (1999, p. 175).

Por outro lado, vários estudos com chipanzés discutem a ocorrência de rudimentos
de um comportamento intelectual semelhante ao do homem. Koehler (um dos principais
teóricos da Psicologia, responsável pela fundação de um dos seus ramos, a Psicologia da
Gestalt), em seus clássicos estudos, conclui que a ausência da fala e a pobreza de imagens
dos chipanzés são fatores decisivos na sua incapacidade de desenvolvimento cultural. Para
Vygotsky (1999), a estreita relação entre pensamento e fala seria característica dos humanos
e estaria ausente nos antropóides.

3. A compreensão do mundo onde se vive

Quando observamos determinada cena ao nosso redor, somos capazes de refletir sobre
o que está ocorrendo, analisar o fato, tomar decisões com relação a ele. Isso significa que
compreendemos o que ocorre na nossa realidade, mas, mais do que isso, fazemos relações,
juntamos fatos, projetamos as consequências futuras. Além disso, somente o homem é
capaz de se questionar sobre si mesmo, de se perguntar “quem eu sou?” e “de onde vim?”,
ou seja, ter consciência de si mesmo. E é justamente essa consciência de si e do mundo em
que vive, juntamente com suas emoções e sentimentos, que constituem sua subjetividade.

Aula 1 Psicologia da Educação 19


Para o pedagogo brasileiro Paulo Freire (1981), somente o homem é capaz de
transcender. E sua transcendência não é um dado apenas de sua qualidade “espiritual”, mas
o resultado exclusivo da transitividade de sua consciência, que permite distinguir um “eu”
de um “não-eu”. O homem, diferentemente dos outros animais, não apenas vive, mas existe
porque não apenas está no mundo, mas está com ele.

Por que Psicologia


na Educação?

Q
uando pensamos em educação nos vêm à mente coisas como as atividades que
desenvolvemos na escola, a aquisição de conhecimento, o adestramento de
habilidades. No entanto, estamos aqui pensando em um conceito mais amplo da
palavra: Educação como um processo de desenvolvimento do homem. Em primeiro lugar, é
preciso destacar a palavra “processo” dessa definição, a qual significa estar em movimento,
inacabado. Em segundo lugar, se pensarmos nos aspectos que envolvem o desenvolvimento
do homem, vamos entender que Educação envolve um acúmulo histórico de valores e cultura
de uma sociedade. A Educação, então, é uma prática social.

Mas, sobretudo, é importante ressaltar que a Educação ocorre entre pessoas e, se a


Psicologia se preocupa justamente em estudar o Homem e sua subjetividade, é necessário
que se lance mão desses conhecimentos para melhor compreender o processo educativo.

Assim, uma conceituação que responde à questão inicial é dada por Coll (2004, p. vii)

[...] a psicologia da educação (é) uma disciplina-ponte entre a Educação e a Psicologia,


cujo objeto de estudo são os processos de mudança [...] que ocorrem nas pessoas
em consequencia de sua participação em uma ampla gama de situações ou atividades
educacionais.

Para esse autor, a Psicologia da Educação “se ocupa fundamentalmente de mudanças


vinculadas aos processos de aprendizagem, de desenvolvimento e desocialização”
(2004, p. vii).

Esse é o percuso que iniciamos nesta aula...

20 Aula 1 Psicologia da Educação


Resumo
Nesta primeira aula, iniciamos a discussão sobre o homem, destacando como
aspecto principal a ser abordado o estudo da subjetividade. Discutimos também
o que caracteriza o homem, em contraposição com outros animais. Por fim,
apresentamos um conceito de psicologia da educação e sua importância nos
cursos de formação de professores.

Autoavaliação
Duas conhecidas frases refletem bem o que acabamos de discutir. Uma é o
1 provérbio popular “pau que nasce torto não tem jeito, morre torto”; a outra é de
J. J. Rousseau: “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Discuta essas
frases, comparando-as.

A partir do que foi estudado, responda à questão: o que é o homem?


2
Qual a importância do estudo da subjetividade em cursos de Licenciaturas?
3

Referências
AMARAL, Tarsila do. Operários. 1933. 1 quadro, óleo sobre tela, 150 x 205cm. Coleção do
Governo do Estado de São Paulo. Disponível em <http://www.tarsiladoamaral.com.br/index_
frame.htm> Acesso em: 30 jul. 2007

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. vT. Psicologias: uma introdução ao estudo
de psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999.

COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. Desenvolvimento psicológico e educação. Porto


Alegre: Artemd, 2004.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Aula 1 Psicologia da Educação 21


Anotações

22 Aula 1 Psicologia da Educação


Anotações

Aula 1 Psicologia da Educação 23


Anotações

24 Aula 1 Psicologia da Educação


A inteligência

Aula

2
Apresentação

N
esta aula, vamos discutir um assunto que muitas vezes interfere na maneira como
valorizamos nossos alunos: a inteligência. Como surge a inteligência? Por que alguns
são mais inteligentes do que outros? Inteligência é o mesmo que esperteza? São
algumas das interrogações que vamos abordar ao longo da aula.

Objetivos
Conhecer os conceitos de inteligência, observando sua
1 importância para o professor.

Distinguir as várias formas de manifestação da inteligência.


2
Diferenciar inteligência de outros conceitos correlatos,
3 como criatividade.

Aula 2 Psicologia da Educação 27


As concepções clássicas

D
efinir inteligência nunca foi uma tarefa fácil, apesar de intuitivamente podermos
identificar comportamentos isolados ou mesmo classificar uma pessoa como muito
ou pouco inteligente. Seguramente, você já ouviu alguém dizer que o seu cachorro é
muito inteligente, ou que fulano é muito inteligente porque tira notas boas nas provas. Então,
o que será mesmo inteligência? É dessa questão que vamos tratar a partir de agora.

Comecemos, então, com uma atividade simples.

Atividade 1

Anote a seguir sua concepção de inteligência.


1
Agora, liste 5 comportamentos ou situações que você considera
2 como manifestação de inteligência elevada em uma pessoa.

28 Aula 2 Psicologia da Educação


A concepção mais clássica de inteligência é a de William Stern (psicólogo alemão
que viveu entre o final do século XVIII e o início do século XIV), que dizia ser a capacidade
pessoal para resolver problemas novos, fazendo uso adequado do pensamento. Para
outros autores, seria a utilização de todos os equipamentos mentais que dessem conta da
adequação às tarefas da vida. Mesmo com essas definições vagas, havia e há o entendimento
de que a inteligência é uma capacidade mental que pode ser medida e quantificada por
meio dos famosos testes de QI. QI

Quociente de inteligência
No início do século XX, dois psicólogos e pedagogos, Binet e Simon, receberam a solicitação (abreviado para QI, de
do governo francês de elaborarem um método capaz de identificar as crianças com deficiência uso geral) é um termo
proposto por William
intelectual, ou seja, que tinham dificuldade para aprender e apresentavam baixo rendimento
Stern que significa o
escolar. Eles estruturaram uma escala métrica para a inteligência. Partiam da concepção de resultado da divisão da
que seria possível prever o desempenho escolar de uma criança, independentemente de sua idade mental pela idade
cronológica multiplicado
condição social ou econômica e, com isso, criaram o primeiro teste de QI, conceituando
por 100. A idade mental é
inteligência como um conjunto de processos de pensamento que constituem a adaptação obtida por meio de testes
mental, isto é, os processos cognitivos racionais como promotores da adaptação. desenvolvidos para avaliar
as capacidades cognitivas
de um sujeito, em
comparação ao seu grupo
etário. Assim, uma criança
com idade cronológica de
10 anos e nível mental de
8 anos teria QI 80, porque
(8/10) x 100 = 80.

Figura 1 – Alfred Binet (1857-1911)

Os trabalhos de Binet e Simon logo foram bastante questionados, principalmente


porque os testes pareciam não dar conta de avaliar a capacidade do indivíduo adulto, e
também porque partiam do estudo de crianças com deficiências. Na realidade, os autores
elaboraram uma “escala métrica da inteligência” para detectar na escola os retardados
“perfectíveis”, ou seja, aqueles que seriam suscetíveis de frequentar as classes chamadas
de “aperfeiçoamento”. Contrariamente aos “retardados de asilo” (os incapazes de qualquer
tipo de aprendizado), os retardados “perfectíveis” poderiam adquirir elementos da instrução
primária, aprender certas normas sociais e, assim, serem, mais tarde, socialmente utilizáveis
no mercado de trabalho, no exercício de profissões manuais.

Aula 2 Psicologia da Educação 29


Atividade 2
Dentre os comportamentos e/ou situações que você relacionou na atividade 1,
separe-os em dois blocos, colocando: na coluna A, aqueles que você imagina
enquadrarem-se na definição de Stern; e, na coluna B, os que se enquadram na
definição de Binet e Simon.

Coluna A Coluna B

Liste, agora, os comportamentos e/ou situações que não se enquadraram em


nenhuma das colunas.

Se algo ficou fora das duas primeiras colunas é porque, provavelmente,


as definições que nos serviram de parâmetro não contemplam todas as
possibilidades. Ou será que não listamos comportamentos e situações que
refletiam a manifestação da inteligência? A seguir, vamos ver as concepções
mais contemporâneas de inteligência.

30 Aula 2 Psicologia da Educação


Concepções de inteligência

N
os últimos 50 anos, o termo inteligência vem assumindo concepções distintas e
variadas. Ao lado de termos como “testes de inteligência”, “inteligência brilhante”,
“pouco inteligente”, temos ouvido e visto aparecer “inteligência artificial”, “sistemas
inteligentes”, “inteligência emocional”. Na verdade, mesmo os psicólogos estão cada vez mais
reticentes quanto à possibilidade de mensuração da inteligência, questionando os famosos
testes de QI. A própria concepção de inteligência como uma competência individual, como a
capacidade de raciocinar, de compreender, desprezando-se aspectos outros da subjetividade
dos indivíduos, parece hoje questionável. Cada vez mais ganha força uma concepção de que
a inteligência tem aspectos múltiplos e variados na sua avaliação, e, sobretudo, questiona-se
a relação entre inteligência e bom desempenho escolar.

São mais do que conhecidos os sofríveis resultados obtidos na escola por algumas
pessoas que vieram a se revelar verdadeiros gênios da Ciência. O exemplo mais divulgado é
o de Einstein, que assim se referia ao seu processo de aprendizagem:

As palavras ou a língua, escrita ou falada, não creio que desempenhem nenhum papel
no mecanismo de meu pensamento. Os entes físicos que parecem servir de elementos
ao pensamento são certos signos e certas imagens mais ou menos claras que podem
ser ‘voluntariamente’ reproduzidas e combinadas. (HADAMARD, 1945, p. 131).

Veja as palavras de outro gênio, este da Psicologia, Carl Jung, sobre sua
experiência na escola:

O colégio me aborrecia. Tomava muito tempo que eu teria preferido consagrar aos
desenhos de batalhas ou a brincar com fogo. O ensino religioso era terrivelmente
enfadonho e as aulas de matemática me angustiavam. A álgebra parecia tão óbvia
para o professor, enquanto que para mim os próprios números nada significavam:
não eram flores, nem animais, nem fósseis, nada que se pudesse representar, mas
apenas quantidades que se produziam contando... Para minha surpresa, os outros
alunos compreendiam tudo isso com facilidade. Ninguém podia me dizer o que
os números significavam e eu mesmo não era capaz de formular a pergunta. Com
grande espanto descobri que ninguém entendia a minha dificuldade... O fato de nunca
ter conseguido encontrar um ponto de contato com as matemáticas (embora não
duvidasse que era possível calcular validamente) permaneceu um enigma por toda a
minha vida. O mais incompreensível era a minha dívida moral quanto à matemática...
As aulas de matemática tornaram se o meu horror e o meu tormento. mas como
tinha facilidade nas outras matérias, que me pareciam fáceis, e graças a uma boa
memória visual, conseguia desembaraçar-me também no tocante à matemática: meu
boletim geralmente era bom, mas a angústia de poder fracassar e a insignificância
da minha existência diante da grandeza do mundo provocavam em mim não apenas
mal-estar, mas também uma espécie de desalento mudo que acabou por me indispor
profundamente com a escola. (PORTAL..., [200-?])

Aula 2 Psicologia da Educação 31


Tais depoimentos, além de nos mostrar a falha na concepção clássica de inteligência,
nos alerta que, como professores, devemos estar atentos à maneira como as pessoas
aprendem, conforme veremos na aula nove, “Estratégias e estilos de aprendizagem:
a aprendizagem no adulto”.

Nesse sentido, parece necessário um reexame da concepção clássica de inteligência,


a partir de uma perspectiva que considere as diversas faces da competência e valorize as
diferentes formas de associação de idéias e de construção do conhecimento. Vamos ver,
então, se nessas diferentes concepções será possível enquadrar aquelas definições que você
listou e que não puderam ser incluídas nas concepções clássicas.

As inteligências múltiplas

N
os anos 80, surge o primeiro trabalho de Howard Gardner propondo uma teoria de
inteligências múltiplas. Gardner discorda que a inteligência possa existir como uma
capacidade inata, geral e única, capaz de permitir ao sujeito uma performance maior
ou menor em qualquer área de atuação. Ao definir inteligência como a habilidade para resolver
problemas ou criar produtos que sejam significativos em um ou mais ambientes culturais,
ele defende que o indivíduo vai desenvolver determinadas habilidades mais que outras, em
função das necessidades de resolver problemas próprios da cultura em que vive. Sugere,
ainda, que alguns talentos somente são desenvolvidos porque são valorizados culturalmente.
Gardner identificou sete tipos de inteligências: linguística, lógico-matemática, espacial,
corporal-cinética, musical, interpessoal e intrapessoal, das quais trataremos a seguir.

Figura 2 – Howard Gardner (1943-).

1. A dimensão linguística – Expressa-se de modo característico no orador, no escritor, em


todos os que lidam criativamente com as palavras, com a língua corrente, com a linguagem
de uma maneira geral. Existem estudos interessantes referentes à lateralização das funções

32 Aula 2 Psicologia da Educação


cerebrais, propondo sua localização em regiões específicas: a competência linguística
estaria no lado esquerdo (no caso, ocidental, de um indivíduo destro) e as linguagens
ideográficas das culturas orientais estariam localizadas nos dois hemisférios.

2. A dimensão lógico-matemática – É normalmente associada à competência em desenvolver


raciocínios dedutivos, em construir ou acompanhar cadeias causais, em vislumbrar soluções
para problemas, em lidar com números ou outros objetos matemáticos, envolvendo
cálculos, transformações etc. Em seu estereótipo mais frequente, o pensamento científico
encontra-se fortemente associado à dimensão lógico-matemática da inteligência.

3. A dimensão espacial – Está diretamente associada às atividades do arquiteto ou do


navegador, por exemplo, revelando-se uma competência especial na percepção e na
administração do espaço, na elaboração ou na utilização de mapas, de plantas, de
representações planas de um modo geral. Existem estudos que sugerem fortemente
que tal competência desenvolve-se primordialmente no lado direito do cérebro, no caso
ocidental de um indivíduo destro.

4. A dimensão corporal-cinética – Manifesta-se tipicamente no atleta, no artista, que


seguramente não elaboram cadeias de raciocínios para realizar seus movimentos e,
na maior parte das vezes, não conseguem explicá-los verbalmente. Os exercícios, os
treinamentos conseguem ser desenvolvidos com notável competência, apesar dos
limites alcançados diferirem significativamente em diferentes indivíduos.

5. A dimensão musical – Gardner analisou o papel desempenhado pela música em


sociedades primitivas, em diferentes culturas, em diferentes épocas, bem como no
desenvolvimento infantil, e convenceu-se de que a habilidade musical representa
uma competência em estado “puro”, no sentido de que não estaria necessariamente
associada a nenhuma das outras dimensões citadas.

6. A dimensão interpessoal – Revela-se através de uma competência especial: o


bom relacionamento com os outros, percebendo seus humores, suas motivações,
captando suas intenções, mesmo as menos evidentes, descentrando-se, enfim, ao
conseguir analisar questões coletivas sob diferentes pontos de vista. Em sua forma Autista
mais elaborada, é característica nos líderes, nos políticos, nos professores, nos O termo autista provém de
terapeutas, e é fundamental nos pais. autismo, que designa um
tipo de psicose infantil, no
qual a criança apresenta,
7. A dimensão intrapessoal – Consiste basicamente em estar bem consigo mesmo, entre outros sintomas,
administrando os próprios humores, sentimentos, emoções, projetos. A criança autista extrema dificuldade de
comunicação afetiva,
é um exemplo prototípico de um indivíduo com a inteligência intrapessoal prejudicada, fazendo com que ela viva
uma vez que ela não consegue, muitas vezes, sequer referir-se a si mesma, muito embora em seu mundo interior, em
seja capaz de exibir habilidades em outras áreas, como a musical ou a espacial. Alguns situação de isolamento com
relação ao ambiente social.

Aula 2 Psicologia da Educação 33


pensadores, por exemplo Ortega y Gasset (filósofo espanhol que viveu entre 1883 e
1955), consideram absolutamente fundamental a capacidade de estar bem consigo
mesmo, de apresentar um desenvolvimento, físico e emocional, equilibrado, com as
glândulas secretando os humores fundamentais de modo harmonioso.

Essas diversas dimensões da inteligência vão compor um espectro no qual todos os


elementos interagem, equilibrando-se e reequilibrando-se em razão de deficiências em uma ou
outra área. De certa maneira, podemos dizer que todos somos deficientes em alguma dessas
dimensões, mas que, no global, todos somos sempre competentes. A pressuposição é a de que
toda criança teria possibilidades de um desenvolvimento global de suas competências, podendo
mostrar-se especialmente “inteligente” em uma ou mais das dimensões e deficiente em outras.

Figura 3

34 Aula 2 Psicologia da Educação


Atividade 3
Voltemos àquelas situações/comportamentos que foram listadas na atividade
2 e que não foi possível enquadrar nas concepções clássicas. Seria possível
identificá-las, agora, dentro das dimensões propostas por Gardner? Faça a
relação entre elas e as dimensões descritas anteriormente.

É importante ressaltar que Gardner não está preocupado, particularmente, com o


processo dessas inteligências e sim com a maneira com que os sujeitos as utilizam em
suas relações com o mundo, como as empregam para resolver os problemas e elaborar
os produtos. Talvez o mais importante da contribuição desse autor seja entender que em
cada pessoa coexistem os sete tipos de inteligência. Os sujeitos nascem com todas essas
capacidades enquanto potencialidades; é na interação com o meio ambiente, nas experiências
de vida, na educação recebida, que vão desenvolver algumas, mais que outras, sem que haja
uma hierarquia de importância entre elas.

Assim, os indivíduos tidos como normais possuem os estágios mais básicos de todas as
inteligências, em um processo de desenvolvimento que se iniciaria ao nascer e se completaria
no início da idade adulta. A partir daí, eles teriam adquirido os estágios mais sofisticados.

A sequência de estágios começa com a habilidade chamada “padrão cru”, quando os


bebês começam a perceber o mundo ao seu redor e a processar as informações, possuindo já
um potencial para o pensamento simbólico. No segundo estágio, das simbolizações básicas,
que ocorre aproximadamente aos 2 anos de idade, a criança demonstra sua habilidade em
cada um dos tipos de inteligência, através da compreensão e uso dos símbolos (linguísticos,
espaciais, musicais etc.). No terceiro estágio, já tendo adquirido as habilidades básicas,
a criança aprimorará os sistemas simbólicos que sejam mais valorizados pelo seu grupo
cultural. Por fim, na adolescência e início da vida adulta, o indivíduo adota um campo mais
específico e focalizado, via ocupações vocacionais.

O papel da teoria de Gardner na Educação tem sido amplamente discutido, sobretudo,


no sentido de que aponta para a necessidade de se levar em conta essa nova concepção de
inteligência no planejamento escolar. Armstrong (1994) reconhece a dificuldade de se incluir
cada tipo de inteligência em um plano de currículo escolar. Propõe, então, que o professor, ao
planejar suas atividades, faça a si próprio alguns questionamentos que o ajudarão a atentar

Aula 2 Psicologia da Educação 35


para as várias formas de inteligências envolvidas na atividade. Nesse sentido, para cada tipo
de inteligência, perguntar-se-ia algo como:

n linguística: “Como eu posso usar a palavra falada ou escrita?”

n lógico-matemática: “Como eu posso usar números, cálculos, classificações, lógica ou


pensamento crítico?”

n espacial: “Como eu utilizo ajuda visual, cor, arte, metáforas ou organizadores visuais?”

n musical: “Como eu posso usar música e sons ambientais, ou destacar pontos chaves
em forma de ritmo ou melodia?”

n corporal-cinética: “Como eu posso envolver o corpo como um todo, ou alguma


experiência com as mãos?”

n interpessoal: “Como eu posso engajar os estudantes em uma aprendizagem


colaborativa, compartilhada ou em simulações de grande grupo?”

n intrapessoal: “Como eu posso evocar sentimentos e lembranças pessoais?”

Gardner faz, também, propostas de aplicação de sua teoria no espaço escolar: as


avaliações de desempenho deveriam ser pensadas levando em consideração as diversas
habilidades humanas; os currículos deveriam ser específicos, individualizados, centrados
em cada criança; o ambiente educacional deveria ser mais amplo e variado, de modo a
depender menos exclusivamente de habilidades da linguagem e da lógica.

Atividade 4
Imagine que você tenha que elaborar uma aula para uma turma de Ensino
Médio, de uma disciplina a sua escolha. Dentro dessa disciplina, escolha o tema
da aula e, em seguida, tente descrever como você ministraria essa aula levando
em conta pelo menos 3 das dimensões (inteligências) propostas por Gardner.

36 Aula 2 Psicologia da Educação


A inteligência emocional
Um outro conceito que vem ganhando espaço nos estudos sobre inteligência é o
proposto por Daniel Goleman (psicólogo americano nascido em 1946): o conceito de
inteligência emocional. Para ele, a

inteligência emocional caracteriza a maneira como as pessoas lidam com suas emoções e
com as das pessoas ao seu redor. Isso implica autoconsciência, motivação, persistência,
empatia, entendimento e características sociais como persuasão, cooperação, negociações
e liderança. Essa é uma maneira alternativa de ser esperto, não em termos de QI, mas em
termos de qualidades humanas do coração. (ABRAE, <http://www.abrae.com.br/>).

A idéia básica na proposição de Goleman é que não seria possível pensar a inteligência
somente por meio de seu componente racional, mas que seria de fundamental importância
considerar também as questões emocionais envolvidas na tomada de decisões. Assim, nas
decisões, seria importante não somente “ser racional”, mas também “pensar com o coração”
e levar em conta aspectos da intuição.

Alcançar esse tipo de inteligência exigiria treinamento, persistência e esforço, uma vez
que ela não é herdada, não é genética. Tal treinamento envolveria cinco habilidades:

1. autoconsciência: reconhecer os próprios estados de ânimo, os recursos e as intuições;

2. auto-regulação: saber manejar os próprios estados de ânimo e impulsos;

3. motivação: reconhecer as tendências emocionais que guiam ou facilitam o cumprimento


das metas estabelecidas;

4. empatia: ter consciência dos sentimentos, necessidades e preocupações dos outros;

5. destrezas sociais: saber induzir as respostas desejadas pelo outro.

Figura 4 – Daniel Goleman (1946 –).

Aula 2 Psicologia da Educação 37


Apesar de trazer a novidade da valorização de aspectos emocionais na concepção de
inteligência, a teoria de Goleman tem sofrido várias críticas, sobretudo, pela falta de pesquisas
que comprovem a sua eficácia. Alguns dizem que ele estaria apenas dando um novo nome
a estudos já descritos, outros nem isso, uma vez que o termo “inteligência emocional” se
originaria de uma concepção de Thorndike (psicólogo americano que viveu entre 1874 e
1949), em 1920, quando usou o termo “inteligência social” para descrever a habilidade de se
relacionar com as outras pessoas.

Na próxima aula, discutiremos mais detalhadamente os conceitos de emoção.

Inteligência ou criatividade?

Q
uando elaboramos uma avaliação para os nossos alunos, geralmente temos em
mente uma chave de respostas, com respostas esperadas e/ou desejadas. Com isso,
muitas vezes, nos surpreendemos com respostas que estão longe do previsto e que,
no entanto, estão corretas. São alunos mais inteligentes ou são alunos criativos? Ou ambos?

A internet está cheia de historinhas que podemos usar para entender o que é o
pensamento criativo. Vamos ver algumas delas.

Certo dia, quando voltava do trabalho depois de um dia daqueles, notei que havia
pessoas assaltando minha casa. Imediatamente liguei para a polícia e me disseram que não
havia nenhuma viatura por perto para ajudar naquele momento, e que iriam enviar assim que
fosse possível. Desliguei o celular e um minuto depois liguei de novo: Olá, disse, eu liguei
há pouco porque havia pessoas roubando minha casa. Não é preciso chegar tão depressa,
porque eu matei todos eles. Em alguns minutos, chegavam à minha porta meia dúzia de
carros da polícia, helicóptero e uma ambulância. Eles pegaram os ladrões em flagrante.

Um dos policiais disse: — Pensei que tivesse dito que tinha matado todos.

Eu respondi: — Pensei que tivessem dito que não havia ninguém disponível.

Extraído de: <http://www.bs2.com.br/?action=boletimCeagView&id=150>.

Um fazendeiro resolve colher algumas frutas em sua propriedade, pega um balde


vazio e segue rumo às árvores frutíferas. No caminho, ao passar por uma lagoa, ouve vozes
femininas que provavelmente invadiram suas terras. Ao se aproximar lentamente, observa
várias garotas nuas se banhando na lagoa, quando elas percebem a sua presença, nadam até
a parte mais profunda da lagoa e gritam:

38 Aula 2 Psicologia da Educação


— Nós não vamos sair daqui enquanto você não deixar de nos espiar e for embora.

O fazendeiro responde: — Eu não vim aqui para espiar vocês, eu só vim alimentar
os jacarés!

Extraído de: <http://www.thyamad.com/tecnologia/category/humor/>.

Antigamente, na Inglaterra, quando “dever dinheiro” era um crime passível de prisão,


um mercador teve a infelicidade de pegar dinheiro emprestado com um agiota e não ter
como saldar a dívida na data marcada. O agiota, que era velho e feio, estava apaixonado
pela filha do mercador, uma bela adolescente. E propôs ao mercador um negócio: disse que
cancelaria a sua dívida se, em troca, pudesse casar-se com a moça.

Tanto o mercador quanto a filha ficaram horrorizados com essa proposta. Então, o
esperto agiota propôs que deixassem a sorte decidir a questão. Disse-lhes que colocaria duas
pedrinhas, uma preta e outra branca, em uma bolsa vazia, e a jovem teria de pegar uma das
pedrinhas. Se pegasse a preta, tornar-se-ia sua esposa e a dívida do pai seria cancelada; se
pegasse a branca, permaneceria com o pai e a dívida também seria cancelada. Mas se a jovem
se recusasse a tirar uma das pedrinhas, o pai seria posto na cadeia e ela morreria de fome.

Relutante, o mercador concordou, e o agiota curvou-se para pegar as duas pedrinhas


na rua. A moça, entretanto, percebeu que ele escolhera duas pedrinhas pretas, enfiando-as
disfarçadamente na bolsa. Depois, virou-se para a moça e pediu a ela que pegasse a pedrinha
que decidiria o seu destino e o de seu pai.

A moça enfiou a mão na bolsa, retirou uma pedra e, sem mostrar a pedra a ninguém,
fingiu uma tonteira e deixou a pedrinha cair na rua, em meio de todas as outras. “Oh, como
sou desastrada!”, disse, então. “Mas não tem importância. Se o senhor olhar na bolsa,
poderá saber qual foi a pedrinha que peguei, pela cor da que ficou aí. Certo?”

Extraído de: <http://clubedopairico.com.br/solucaologica.html>.

Como você vê, cada uma das soluções propostas foi fruto de um tipo de pensamento
que passou ao largo do pensamento lógico convencional. Os autores costumam chamar a
esse tipo de pensamento de “pensamento lateral” ou “pensamento divergente”.

No pensamento divergente ou lateral, o indivíduo parte de idéias simples para chegar


a idéias mais complexas, fazendo uso da criatividade. Essas pessoas têm alguns traços de
personalidade que as caracterizam: são pessoas curiosas, independentes em suas atitudes,
que toleram bem as situações inusitadas e pouco ordenadas, que têm tendência a trabalhar
com idéias não diretamente relacionadas com o problema apresentado.

Aula 2 Psicologia da Educação 39


A grande discussão é se essas capacidades representam uma característica própria
ou se seriam manifestações da inteligência. É fácil imaginar que, se usamos os conceitos
mais clássicos de inteligência, essas histórias representariam pessoas criativas, mas não
necessariamente inteligentes. No entanto, se pensamos a inteligência como multifacetada,
sendo não somente referendada pelo raciocínio lógico, podemos aceitar a criatividade como
o pleno uso da capacidade das nossas inteligências.

Resumo
Nesta aula, discutimos a evolução do conceito de inteligência, dos clássicos aos
mais atuais. Vimos o que significa QI e quais as críticas a esse conceito. Discutimos
as inteligências múltiplas de Gardner e a inteligência emocional de Goleman.
Vimos, por fim, a importância desses conceitos mais amplos e da criatividade.

Autoavaliação
Faça uma síntese das inteligências múltiplas, relacionando-as com o conceito de
1 criatividade, dentro da proposição de pensamento divergente.

Faça um exercício de elaboração de um plano de aula que dê conta das diversas


2 facetas da inteligência.

3 Cite outros exemplos de pensamentos divergentes que caracterizariam a criatividade.

40 Aula 2 Psicologia da Educação


Referências
ARMSTRONG, T. Multiple intelligences: seven ways to approach curriculum. Educational
Leadship, v. 52, n. 3, nov., 1994.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E EMOCIONAL


– ABRAE. Inteligência emocional: entrevista com Daniel Goleman. Disponível em:
<http://www.abrae.com.br>. Acesso em: 03 jul. 2007.

GARDNER, H. As inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artemd, 1999.

GOLEMAN, D. Inteligencia emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.

HADAMARD, Jacques. Psychology of invention in the mathematical fiel. New York: Dover
publications, 1945.

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

PORTAL PEDAGÓGICO DE SANTA CATARINA. Dia-a-dia educação. Depoimento de Carl


Jung. Florianópolis, [200-?]. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.sc.gov.br/portal/
educadores/epi/depoimentos.php>. Acesso em: 10 jun. 2007.

Aula 2 Psicologia da Educação 41


Anotações

42 Aula 2 Psicologia da Educação


A vida afetiva: emoções e
sentimentos

Aula

3
Apresentação

C
omo vimos na aula anterior, as concepções mais atuais de inteligência recomendam que
se leve em conta as emoções ao avaliar essa função classicamente compreendida como
sendo unicamente racional. Nesta aula, vamos aprofundar a investigação sobre o que são
as emoções e como elas se diferenciam de outro conceito bastante próximo: os sentimentos.

Objetivos
Entender a vida afetiva como uma parte importante para
1 conhecer o homem e sua subjetividade.

Distinguir as várias formas de manifestação da vida


2 psíquica.

Conhecer as relações entre vida afetiva e organismo.


3

Aula 3 Psicologia da Educação 45


O que são os afetos?

O
estudo da vida afetiva vem tomando cada dia mais vulto na área da Educação. Não só
pelas novas concepções de inteligência, mas também quando se observa que esse
é um aspecto da mente humana definidor de vários comportamentos e atitudes. São
nossos afetos, por exemplo, que vão, em muito, determinar uma maior ou menor motivação
para estudar esse ou aquele tema.

Em primeiro lugar, vamos ver o que é isso que chamamos “vida afetiva”, ou afetividade.
E vamos começar pedindo que nos diga a sua opinião sobre o tema.

Atividade 1
Para você, neste instante, como se manifestaria a afetividade?

É muito provável que você tenha descrito como manifestações afetivas coisas como:
comportamento amoroso, atitudes delicadas, bom humor. Ou seja, quando pensamos na palavra
afetividade, o que nos ocorre são atitudes e comportamentos que chamaremos de “positivos”.
Nunca podemos imaginar como afetividade sentimentos como ódio, raiva, medo. No entanto,
a Psicologia nos informa que nossa vida afetiva ou nossa afetividade é o conjunto de todos os
nossos sentimentos, emoções, humores, paixões, sejam eles “positivos” ou “negativos”.

Ao estudar as funções da mente, a Psicologia tradicionalmente as separa em: funções


cognitivas, funções afetivas e funções volitivas.

As funções cognitivas são aquelas que nos possibilitam conhecer o mundo, tanto o
mundo externo quanto o próprio mundo do sujeito ou mundo interior. Como exemplo dessas
funções, temos: a memória, o pensamento, o raciocínio, as percepções.

46 Aula 3 Psicologia da Educação


As funções afetivas são aquelas que expressam a suscetibilidade experimentada pelo ser
humano perante determinadas alterações que acontecem no mundo exterior ou em si próprio.
Veja que nos afetos há um caráter subjetivo, definido quando dizemos ser uma suscetibilidade o
que o ser humano experimenta. Assim, na maioria das vezes, só podemos saber da existência
de um afeto se a pessoa nos contar, porque é ela quem está experimentando.

Finalmente, as funções volitivas são aquelas que dizem respeito aos comportamentos
exteriorizáveis, objetivos, que resultam em movimentos corporais, gestos, mímica, expressões
faciais. Claro que essa “partição” da mente é um recurso meramente didático; cada um dos
componentes das funções interage e se liga uns com os outros. Assim, por exemplo, se me
ocorre uma lembrança triste (função cognitiva), passa a surgir dentro de mim um sentimento
de tristeza (função afetiva), que pode vir a se traduzir por expressões faciais como o choro
(função volitiva). Nunca é demais lembrar que corpo e mente são partes indivisíveis.

Nesta aula, voltaremos a nos dedicar somente às funções afetivas.

Durante toda nossa vida, os fatos ou acontecimentos vividos por nós serão nossas
experiências de vida e passarão a fazer parte de nossa consciência. Mas, quando vivemos
algum fato de nossa vida, ele raramente ocorre desprovido de uma condição muito especial
que dá um certo “colorido”, um certo “tempero” a esse fato. Eles são acompanhados de uma
susceptibilidade que muitas vezes é sentida no próprio organismo.

Atividade 2
Nesta atividade, descrevemos algumas situações que você provavelmente viveu; se
não as viveu, imagine como teria sido. Para cada uma anote como você experimentou
(experimentaria) essa susceptibilidade da qual falamos anteriormente, ou seja, o
que se passou (passaria) dentro de você, como você se sentiu (se sentiria).

a) O Brasil vence a copa do mundo de futebol em 2002. O capitão da equipe,


Cafu, ergue a taça e a beija sob chuva de papel prateado.

b) Depois de muito esforço, de muito estudo, de noites mal dormidas, enfim


você vai saber o resultado do vestibular ao qual se submeteu. Seu nome
não aparece na lista. Você foi reprovado.

c) Você tem um filho de 10 anos. Ele integra a equipe de basquete da escola


e hoje é o dia da partida final do campeonato. Você vai assistir a essa
partida, o time do seu filho é campeão e ele é carregado pela equipe por
ter sido o cestinha do jogo.

Aula 3 Psicologia da Educação 47


d) Você vem sentindo umas “coisas estranhas” no estômago, dores, sensação
de “empachamento” e desconforto. Um amigo seu tinha sintomas parecidos
e foi diagnosticada uma doença maligna. O médico lhe pediu muitos exames
e hoje você vai mostrar-lhe os resultados.

Provavelmente, todos esses fatos foram vividos acompanhados de uma qualidade


especial, não foram momentos que simplesmente aconteceram, mas, de alguma forma, lhe
marcaram. Mesmo que muitos anos tenham se passado desde que ocorreram, além da
lembrança dos fatos em si, você deve recordar também o que sentiu quando os viveu. Essa
qualidade especial que acompanha fatos de nossas vidas são os nossos afetos, a afetividade.
Se as funções cognitivas nos permitem conhecer o mundo, os afetos dão uma qualidade a
esse conhecimento. Essa qualidade especial pode se apresentar sob a forma de emoções e
sentimentos, como veremos a seguir.
Por outro lado, embora diferentes pessoas possam viver os mesmos fatos e
acontecimentos, elas os sentirão de maneira diferente e pessoal. Perder um mesmo objeto,
sofrer a perda de um mesmo familiar, passar por um mesmo assalto, ouvir uma mesma
música, comer uma mesma comida poderão causar diferentes sentimentos em diferentes
pessoas. Daí a importância do estudo dos afetos para compreender a subjetividade do outro.
Toda a nossa subjetividade está em consonância com a nossa vida afetiva.

48 Aula 3 Psicologia da Educação


Emoções e sentimentos
Vamos começar essa discussão com uma atividade simples.

Atividade 3
Observe a figura a seguir. Tente descrever que tipo de afeto cada uma das
faces expressa.

1 2 3 4

5 6 7 8

1.

2.

3.

4.

5.

6.

7.

8.

Aula 3 Psicologia da Educação 49


Algumas vezes, diante de determinados fatos, nossa susceptibilidade explode. Temos
uma reação afetiva intensa, súbita e relativamente breve. Nesse momento, nosso organismo
reage com um desequilíbrio de sua homeostase e temos diversas reações, como aumento dos
batimentos cardíacos, rubor das faces, aceleração do pulso. Assim são as emoções. Como
Homeostase define Nobre de Melo (1979), emoções são “complexos psicofisiológicos que se caracterizam
(homeo = igual; por súbitas e insólitas rupturas do equilíbrio afetivo, com repercussões leves ou intensas, mas
stasis = ficar parado) sempre de curta duração, sobre a integridade da consciência e sobre a atividade funcional dos
é a propriedade de
diversos órgãos e aparelhos” (NOBRE DE MELO, 1979, p. 503-504).
um sistema aberto,
presente em seres vivos
A canção de Pixinguinha e João de Barros, “Carinhoso”, um clássico da música popular
especialmente, de regular
o seu ambiente interno brasileira, diz:
de modo a manter
uma condição estável, “Meu coração
mediante múltiplos
ajustes de equilíbrio Não sei por quê
dinâmico controlados por
mecanismos de regulação Bate feliz quando te vê”
interrelacionados.

Veja como esse verso traduz exatamente a emoção. É o fato de ver o(a) outro(a) que
desperta na pessoa a emoção da alegria e a reação orgânica do aumento dos batimentos
cardíacos. E perceba também como na nossa cultura ligamos as emoções ao coração.

Outras reações orgânicas que podem acompanhar as emoções são: riso, choro,
lágrimas, tremor, expressões faciais. As reações emocionais geralmente fogem ao nosso
controle. Muitas vezes, podemos “segurar” um pouco, mas alguma alteração orgânica vai
ocorrer conosco internamente. Quando “seguramos o choro”, sentimos a garganta apertada,
por exemplo. O importante é entender que as emoções são descargas de tensão do organismo
que precisam ser liberadas, uma vez que significam a necessidade de adaptação, do retorno
ao equilíbrio e a homeostase. Infelizmente, nossa cultura estimula a repressão delas. É mais
do que comum aprendermos, por exemplo, que “homem que é homem não chora”.

Os estudiosos dessa área concordam que existe um conjunto de emoções que são
primárias, ou seja, são observáveis praticamente desde o nascimento, e que parecem estar
ligadas às necessidades instintivas de sobrevivência. São elas: o medo, a cólera e a alegria.
Por outro lado, algumas outras emoções são aprendidas ao longo da vida: o amor, a tristeza,
a paixão, o desprezo, a vergonha, a surpresa.

A expressão das emoções também é aprendida, ou seja, respondemos às emoções


da maneira que nossa cultura nos “ensinou”, dependendo do tipo de situação em que nos
encontramos, da idade ou do sexo. Como vimos anteriormente, de um homem é esperado
que não chore, mas de uma mulher, ao contrário, o esperado é que ela “se desmanche em
lágrimas”. Um exemplo interessante dessa “permissão” cultural da expressão emocional
podemos ver nas atitudes diante da perda de uma pessoa querida. Enquanto as culturas
anglo-saxônicas manifestam a tristeza de forma contida, os latinos são mais expressivos e
abertos para essa manifestação.

50 Aula 3 Psicologia da Educação


As emoções, assim, são afetos fortes, passageiros, mas não são imutáveis. Fatos que
nos emocionam hoje podem não nos emocionar amanhã. De todas as maneiras, não devíamos
ter que esconder nossas emoções, uma vez que elas são uma espécie de linguagem através
da qual expressamos nossas percepções internas.

Os sentimentos diferem das emoções por serem menos intensos, mais duradouros e
não serem acompanhados de manifestações orgânicas intensas. Mas, os mesmos nomes que
usamos para designar as emoções podemos usar também para os sentimentos. Por exemplo,
o amor pode começar como uma forte emoção e ao longo do tempo ir se transformando em
sentimento mais estável e duradouro. Um exemplo interessante de sentimento é a amizade,
uma vez que é um estado que vai se construindo ao longo do tempo, numa intensidade que
não é refletida fortemente no organismo.

Atividade 4
Vamos retomar agora aquelas reações de susceptibilidade que você anotou na
atividade 2, frente às situações que colocamos. Tente identificar qual delas seria
emoção e qual seria sentimento.

Aula 3 Psicologia da Educação 51


Curiosidades

Circula na internet um texto com definições interessantes. O autor é desconhecido,


mas vale a pena observar a criatividade com que elas foram elaboradas.

Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.

Emoção é um tango que ainda não foi feito.

Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta para os outros.

Vergonha é um pano preto que você quer para se cobrir naquela hora.

Lágrima é um sumo que sai dos olhos, quando se espreme o coração.

Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.

Alegria é um bloco de carnaval que não liga se não é fevereiro.

Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.

Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o


mandato.

Extraído de: <http://www.ucrh-fundap.legislacao.sp.gov.br/SnitzLegislacao/topic.asp?TOPIC_ID=22&whichpage=102&ARCHIVE=>.

A importância do
estudo das emoções

A
lém de serem uma função homeostática, como já descrevemos, as emoções também
são importantes como adaptação a nossa vida social. Dessa forma, elas ajudam a
avaliar as situações, servem de critério de valoração positiva ou negativa para as
situações de nossa vida, preparam nossas ações e nos motivam.

Observar a maneira como uma pessoa reage afetivamente é fundamental para


compreendê-la e saber como lidar com ela, uma vez que isso faz parte da sua subjetividade.
As atitudes e condutas não podem ser entendidas se não levarmos em conta os afetos que
as acompanham. Algumas vezes, não entendemos por que nossos alunos reagem de forma
agressiva a observações “inocentes” que fazemos a eles. Assim, procurarmos entender
por que aquelas palavras foram desencadeadoras de tal emoção, podemos definir melhor a
nossa futura maneira de agir com as pessoas.

52 Aula 3 Psicologia da Educação


Os afetos, sejam emoções ou sentimentos, também têm uma função importante
na motivação da conduta e para a aprendizagem. Todos nós temos experiência de nos
dedicarmos com mais empenho aos assuntos de que gostamos e que nos são agradáveis.
Outras vezes, pelos mais variados motivos, tomamos tamanha aversão a certas matérias, as
quais se tornam impossíveis de aprender. São situações em que observamos como o afeto
pode interferir na nossa capacidade racional de agir.

Atividade 5
Pense em quantas vezes você se planejou para atuar de uma maneira diante
de uma determinada situação, e, chegado o momento, você apresenta um
comportamento completamente diferente. Descreva uma dessas situações.

Uma das grandes discussões teóricas atuais é a relação entre razão e emoção, cognição
e afetos. Um dos primeiros estudiosos a se preocupar com esse tema foi o biólogo suíço
Jean Piaget (1896-1980). Para ele, a afetividade e a cognição são aspectos inseparáveis.
Apesar de serem de naturezas diferentes, toda ação e pensamento comportam um aspecto
cognitivo, representado pelas estruturas mentais, e um aspecto afetivo, representado por
uma “energia”, que é a afetividade. De acordo com Piaget, não existem estados afetivos sem
elementos cognitivos, assim como não existem comportamentos puramente cognitivos. E ele
constrói uma metáfora interessante quando diz que a afetividade é a gasolina que impulsiona
o motor da cognição; um não funciona sem o outro. Isso confirma que sem afetos não há
motivação, não há interesse e, portanto, não há aprendizagem.

O médico e psicólogo francês Henri Wallon (1879-1962) foi outro teórico que se dedicou
ao estudo da dimensão afetiva dos sujeitos. Ele criticava as teorias clássicas que concebiam as
emoções como reações incoerentes, com efeito perturbador no raciocínio, ou aquelas que as
entendiam como tendo uma ação ativadora e energética. Wallon busca compreendê-las como
um fenômeno psíquico e social, atribuindo-lhes um papel central na evolução da consciência.

Aula 3 Psicologia da Educação 53


Figura 1 – Henry Wallon (1879-1962).

Como Piaget, Wallon defende que a inteligência e a afetividade estão integradas. A


evolução da afetividade depende do que se realiza no plano da inteligência, da mesma maneira
que a evolução da inteligência depende do que acontece com a construção dos afetos. Mas,
Psicanálise
admite que no processo de desenvolvimento humano existem fases com predomínio do
A Psicanálise é uma
afetivo e fases com predomínio do racional. Nos primeiros meses de vida, a criança tem
ciência criada por
Freud, que propõe o apenas necessidades orgânicas, mas, por volta do sexto mês, começa a se configurar a
inconsciente como sensibilidade social. Nesse período, há um pleno predomínio dos afetos. À medida que
aspecto determinante de
vai entrando no processo de diferenciação entre si e os outros, a criança começa a fazer
funcionamento da mente
humana. subordinar suas emoções aos aspectos cognitivos de sua mente, isso significa dizer que com
o desenvolvimento há um refluxo da afetividade para dar lugar às atividades cognitivas.

Na ótica da Psicanálise, o ser humano nasce como um sujeito psíquico pronto, mas
Ego
irá constituí-lo a partir de si mesmo, das relações familiares e sociais. Os pais que investem
O Ego é uma das três seu afeto na criança servem de ligação entre seu psiquismo e o meio social que o rodeia,
instâncias que compõem
a personalidade, na
proporcionando a ela auto-estima e desenvolvendo seu prazer de ouvir e pensar. O ego se
proposição de Freud. estrutura, então, pelo discurso social, pela fala dos pais sobre a criança e pelos seus próprios
As outras são: o Id e o desejos. Assim, prazer, amor e reconhecimento pessoal e profissional são indispensáveis
Superego.
para a construção da identidade, para investir em si mesmo e no outro.

No campo das Neurociências, o neurocientista português, António Damásio, vem


Descartes desenvolvendo pesquisas procurando entender essa relação entre razão e emoção. No seu livro,
René Descartes “O Erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano”, ele estuda o caso de um paciente que,
(1569-1650) filósofo devido a um séria lesão no cérebro, passa a apresentar modificações no seu comportamento
francês, fundador da
afetivo, apesar de manter íntegras as funções motoras e, de uma maneira geral, as cognitivas.
filosofia moderna e
tido como o pai da O que observa é que essas modificações afetivas vão interferir enormemente na forma como
Matemática, é o criador do o paciente usa seu raciocínio para as tomadas de decisão. É aí que Damásio constata o erro de
Método Cartesiano. Sua
Descartes, que propunha a idéia do “penso, logo existo”, sugerindo substitui-la por “existo e
importância na Psicologia
vem do fato de dividir a sinto, logo penso”. Para ele, as emoções bem direcionadas e bem situadas parecem constituir
realidade em res cogitans um sistema de apoio sem o qual o edifício da razão não pode operar a contento.
(consciência, mente) e res
extensa (matéria).

54 Aula 3 Psicologia da Educação


Todos esses trabalhos, idéias e teorias nos remetem ao que estudamos na aula 2, que
trata da inteligência, ressaltando as propostas de Gardner sobre as inteligências múltiplas e
de Goleman sobre a inteligência emocional. Sugerimos que você retome a referida aula e a
releia para estabelecer ligações entre esses dois temas.

Resumo
Nesta aula, discutimos aspectos da vida afetiva dos seres humanos, ressaltando
o estudo das emoções e dos sentimentos. Vimos as principais conceituações,
a compreensão desses conceitos por parte de alguns teóricos e a importância
desse estudo para a formação de professores.

Autoavaliação
Faça uma síntese dos aspectos que você considera fundamentais, relacionando
1 esta aula com a aula 2.

Faça a distinção conceitual entre emoções e sentimentos.


2

Construa seus argumentos sobre a relação entre emoção e razão.


3

Referências
BRENELLI, R. P. Piaget e a Afetividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.

______. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil.


Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

NOBRE DE MELO, A. L. Psiquiatria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. v. 1.

Aula 3 Psicologia da Educação 55


Anotações

56 Aula 3 Psicologia da Educação


Crescimento e
desenvolvimento

Aula

4
Apresentação

N
a nossa prática docente, iremos lidar com sujeitos já crescidos e desenvolvidos, no
entanto, precisamos compreender os fatores que influenciaram o seu crescimento
e o seu desenvolvimento para que eles se tornassem o que são hoje. Por isso,
apesar da Educação Infantil não ser o nosso foco principal, é importante compreender que
os fenômenos ocorridos na infância são muitas vezes definidores do tipo de adulto que
resultará desse processo. Nesta aula, vamos discutir tais aspectos, o que, de certa maneira,
nos leva também a olhar para o nosso próprio passado.

Objetivos
Conhecer o processo de crescimento e desenvolvimento
1 humano, diferenciando esses dois conceitos.

Identificar as etapas do desenvolvimento infantil.


2
Identificar os fatores que influenciam no
3 desenvolvimento infantil.

Aula 4 Psicologia da Educação 59


Introdução

T
odos sabemos que nascemos incompletos. O homem é um dos animais que nasce e
se mantém por alguns anos quase totalmente dependente dos cuidados dos outros.
Não sabemos nos locomover, nossa comunicação é ainda muito precária e todas
as nossas necessidades são supridas de modo instintivo. Somos, então, ao nascer, seres
quase puramente biológicos. Por outro lado, nascemos já inseridos em uma classe social,
fazendo parte de um grupo social, em uma comunidade linguística, e isso, seguramente, será
determinante no processo do nosso crescimento e do nosso desenvolvimento. Assim, desde
o nosso nascimento, estamos determinados pelas circunstâncias culturais e sociais. Vamos
esclarecer a partir de agora esses conceitos básicos de crescimento e desenvolvimento.

Crescimento e desenvolvimento

D
urante muito tempo, os termos crescimento e desenvolvimento foram considerados
como conceitos separados; o primeiro contemplava os aspectos físicos, e o segundo,
os aspectos mentais. Era mais uma demonstração da dicotomia mente e corpo,
herdada das ideias de Descartes, como vimos na aula anterior. Atualmente, tende-se a
considerar ambos os aspectos como fazendo parte do desenvolvimento, que abrangeria o
crescimento orgânico e o desenvolvimento mental.

1 ano 2 anos 3 anos 4 anos 5 anos

Figura 1 – Curva de crescimento.

60 Aula 4 Psicologia da Educação


Considera-se crescimento orgânico um processo dinâmico que se expressa de uma
forma mais visível pelo aumento do tamanho corporal. Todo ser humano nasce com um
potencial genético de crescimento que poderá ou não ser alcançado, dependendo das
condições de vida a que esteja exposto desde a concepção até a idade adulta. Portanto, o
processo de crescimento está influenciado por fatores intrínsecos (genéticos) e extrínsecos
(ambientais), dentre os quais se destacam a alimentação, a saúde, a higiene, a habitação e os
cuidados gerais com a criança, que atuam acelerando ou retardando esse processo. Vemos,
pois, que, apesar de expressar componentes biológicos, a forma como esse crescimento vai
ocorrer depende em muito de fatores ambientais.

A fome e as consequências no desenvolvimento

A distribuição regional da desnutrição na infância praticamente se superpõe


à distribuição descrita para a pobreza, reproduzindo, ainda com maior
intensidade, as desvantagens das regiões Norte e Nordeste e, de um modo
geral, das populações rurais do país. Crianças com baixa estatura se mostram
duas a três vezes mais frequentes no Norte (16,2%) e Nordeste (17,9%) do
que nas regiões do Centro-Sul (5,6%), sendo que, internamente, às regiões,
tanto no Nordeste como no Centro-Sul, o problema se apresenta duas vezes
mais frequente no meio rural do que no meio urbano. O risco de desnutrição
chega a ser quase seis vezes maior no Nordeste rural, onde uma em cada
três crianças apresenta baixa estatura, do que no Centro-Sul urbano, onde
apenas uma em cada vinte crianças encontra-se na mesma situação. [...] A
carência de ferro pode causar atraso no crescimento, reduzir a resistência às
doenças e prejudicar a longo prazo o desenvolvimento mental, motor e das
funções reprodutivas; ao mesmo tempo provoca aproximadamente 20 por
cento das mortes relacionadas com a gravidez. A carência de iodo pode causar
danos cerebrais irreparáveis, retardamento mental, distúrbios nas funções
reprodutivas, diminuição da expectativa de vida infantil e bócio, e numa mulher
gestante poderá determinar diferentes graus de retardamento mental da criança
que vai nascer.

Extraído de: SPYRIDES, Maria Helena Constantino et al. Efeito das práticas alimentares sobre o crescimento infantil. Rev. Bras. Saude Mater.

Infant., v. 5, n. 2, p.145-153, jun. 2005.

Aula 4 Psicologia da Educação 61


Atividade 1
Apresente aqui a sua opinião sobre algumas das causas da baixa estatura do
nosso povo nordestino.

Atividade 2
Se o desenvolvimento mental está intrinsecamente vinculado ao crescimento
orgânico, que consequências mentais você imagina que podem decorrer da
baixa estatura do povo nordestino?

62 Aula 4 Psicologia da Educação


Desenvolvimento

A
Psicologia do Desenvolvimento cuida do estudo das mudanças de comportamento
relacionadas à idade durante a vida de uma pessoa. Esse campo do conhecimento propõe
questões como: as crianças são qualitativamente diferentes dos adultos ou apenas têm
menos experiência? As crianças nascem com comportamentos inatos ou os moldam de acordo
com o que experienciam? O que direciona o desenvolvimento do ser humano?

Basicamente, dois modelos advindos das ciências naturais dominam a cena nessa
discussão: o modelo mecanicista-ambientalista e o modelo organicista-individualista.

O modelo mecanicista-ambientalista representa a criança e todos os seus fenômenos


como uma lousa em branco, uma massa a ser moldada. O desenvolvimento infantil seria o
resultado de uma programação, de uma manipulação por forças externas do ambiente, que o
condicionaria. Assim, o ambiente, ao moldar mecanicamente o cérebro pelo condicionamento,
determinaria a maneira como se organizariam as suas funções psíquicas. Tais concepções
refletem-se nas práticas sociais voltadas para o desenvolvimento e a educação da criança.
Sem se darem conta, muitos professores, pautados na visão mecanicista, consideram que o
seu papel é programar/condicionar o comportamento e a aprendizagem dos seus alunos. O
profissional torna-se, então, revestido de uma autoridade absoluta, procurando criar hábitos
e atitudes através de treinamento de funções e de métodos explícita ou implicitamente
coercitivos, como castigos e ameaças.

Já o modelo organicista não considera a criança como máquina, mas sim como um
“ser vivo”, um organismo biológico, no qual a herança genética e a maturação do organismo
comandam o processo de desenvolvimento. O pedagogo alemão com forte traços religiosos
Friedrich Fröbel (1782-1852), criador da ideia do “jardim de infância”, é um exemplo desse
pensamento. Ele propunha que as crianças fossem educadas respeitando-se as suas naturezas,
de modo a desenvolver suas potencialidades de acordo com sua condição – a de ser filho de
Deus. Para ele, como Deus está presente na natureza, ela é sempre boa por ser obra divina.

Ainda se observam muitos estudiosos que mantêm a crença de que o desenvolvimento


depende das potencialidades individuais inatas e que a inteligência e os talentos são “dons”
do próprio cérebro, determinados biologicamente e estimulados pelo ambiente. Na educação,
a consequência do modelo organicista é a subordinação da aprendizagem ao ritmo individual
e natural da criança. Quando o aluno apresenta alguma dificuldade no seu desenvolvimento
e aprendizagem, isso é atribuído à imaturidade neurológica ou emocional.

Aula 4 Psicologia da Educação 63


O filme “Trocando as bolas”, com Eddie Murphy no papel principal, pode ser
um bom e divertido exemplo da discussão entre o inato e o adquirido. Neste
filme, dois irmãos, donos de uma grande empresa, fazem uma aposta curiosa:
um dos irmãos, que defende a importância do ambiente, sustenta que poderá
transformar um mendigo em um alto executivo, se lhe der as condições. O
outro, que acredita que as competências são inatas, aposta no contrário. Eddie
Murphy é o mendigo que se transforma e desbanca da presidência da empresa
um sobrinho dos irmãos apostadores.

Em contraposição aos modelos mecanicista e organicista, o modelo histórico-cultural,


Relação dialética proposto por Vygotksy, fundamenta-se na compreensão de uma relação dialética entre o
Por relação dialética,
biológico e o social. A criança não é representada pela máquina nem pelo organismo vivo,
queremos nos referir a mas por um ser que se constitui nas relações sociais. Ele parte do pressuposto de que o
um tipo de relação em que homem não é um ser passivo, ele age sobre o mundo através das relações sociais e é nessas
o biológico e o social se
conflitam para surgir uma
relações que devem ser buscadas as origens das formas superiores dos comportamentos.
nova forma de visão, que
não é puramente biológica Desde o seu nascimento, a criança está em interação com os adultos, que, por sua vez,
nem puramente social. buscam incorporá-las a suas culturas. Em nossa cultura, por exemplo, desde muito cedo
orientamos nossas crianças para atitudes como “tomar a benção” aos pais, respeitar os mais
velhos, comportar-se adequadamente nas cerimônias religiosas.

Em um primeiro momento, as crianças manifestam reações puramente naturais. A


curiosidade exploratória faz com que, por exemplo, mexam nos aparelhos eletrodomésticos,
introduzam objetos nas tomadas, toquem na comida com as próprias mãos. As reações dos
adultos diante dessas atitudes assim, indicando os tipos de comportamentos esperados,
fazem com que processos psicológicos mais complexos vão se formando, e, à proporção
que as crianças crescem, esses processos passam a ser internalizados. Assim, através
dessa interiorização, fruto das relações com a cultura e com a história, a natureza social das
pessoas tornam-se também suas naturezas psicológicas.

64 Aula 4 Psicologia da Educação


Atividade 3
Partindo desse olhar para nosso próprio passado, vamos tentar agora relembrar
algumas atitudes que incorporamos a nossa natureza e que nos foram ditadas
pelos nossos pais ou outros adultos com quem convivemos na infância.

Atividade 4
Se você já tem filho ou se convive com parentes pequenos (crianças), liste a seguir
qual (quais) das atitudes descritas anteriormente procurou transmitir para eles.

Aula 4 Psicologia da Educação 65


Outro teórico fundamental nos estudos do desenvolvimento infantil foi Jean Piaget, que
já conhecemos da aula 3 (A vida afetiva: emoções e sentimentos) por seus estudos sobre
razão e emoção. O grande trabalho de Piaget foi estabelecer as etapas do desenvolvimento
a partir do surgimento de novas qualidades do pensamento, o qual, por sua vez, interfere
no desenvolvimento como um todo. Ele definiu quatro períodos básicos: sensório-motor,
pré-operacional, operações concretas e operações formais, dos quais falaremos a seguir.

n Período sensório-motor (do nascimento até os 2 anos de idade) – Este período inicia-se
com uma vida mental reduzida aos reflexos e aos instintos, os quais também vão se
aperfeiçoando com o passar do tempo. A partir daí, a criança vai adquirindo cada vez
mais autonomia motora e sensitiva: por volta dos cinco meses, já consegue coordenar
os movimentos das mãos e pegar objetos. Nesta fase, o crescimento orgânico acelerado
é o suporte para o surgimento das novas habilidades, já que é o crescimento ósseo e
muscular que dá sustentação aos novos comportamentos. Ao final dos dois anos, a
criança evolui de uma completa passividade para uma atitude ativa e participativa em
relação ao ambiente: já se locomove, reconhece as pessoas, demonstra e reconhece os
afetos, e em alguns casos já consegue esboçar as primeiras palavras.

n Período pré-operatório (dos 2 aos 7 anos) – Este período é marcado pelo aparecimento
da linguagem, o que acelera a comunicação e faz surgir o pensamento. No início, a criança
ainda é completamente anímica, ou seja, transforma a realidade em função de suas fantasias
e desejos. Este é o período em que os pais observam seus filhos inventando diálogos com
seus brinquedos, “transformando”, na sua imaginação, uma velha caixa em um fabuloso
brinquedo, criando amigos imaginários. O final dessa fase é a famosa fase dos “porquês”,
quando o pensamento começa a se adaptar ao real e a criança precisa de explicações, às
vezes até com questões que não sabemos responder.

n Período das operações concretas (dos 7 aos 11 anos) – Nesta fase, surge a capacidade
de executar operações, ou seja, a criança é capaz de realizar uma operação física com
um objetivo e revertê-la ao seu início. Assim, por exemplo, se em meio a um jogo
descobre que ocorreu um erro, é capaz de desmanchá-lo e refazer a partir de onde
errou. Vale lembrar que essas operações ainda só são possíveis quando relacionadas a
objetos concretos e reais, ainda não há a capacidade de abstração. Por exemplo, se lhes
é pedida uma definição de um conceito abstrato como Deus, elas tendem a responder
com a imagem, a figura de um santo. Nesta fase, são capazes ainda de trabalhar com
ideias a partir de dois pontos de vista diferentes, de estabelecer relações de causa e
efeito e de adquir o conceito de número.

n Período das operações formais (dos 11 anos em diante) – Nesta fase, ocorre a passagem
do pensamento concreto para o pensamento abstrato, e desenvolve-se a capacidade de
generalização própria do pensamento adulto. Já são capazes de lidar com conceitos como
justiça e liberdade, de criar teorias a respeito do mundo e têm a tendência a ler a realidade de
acordo com seus próprios sistemas de interpretação. Na Figura 2, apresentamos como se
configura o pensamento do adolescente, assunto que aprofundaremos na aula seguinte.

66 Aula 4 Psicologia da Educação


Estágios do
desenvolvimento
cognitivo de Piaget

1 2 3 4
Sensório-motor
(do nascimento Pré-operatório Operações concretas Operações formais
aos 2 anos) ( 2 - 7 anos ) ( 7 - 11 anos ) ( 11 anos em diante)

Figura 2 – As fases do desenvolvimento, segundo Piaget.

Atividade 5
Vamos voltar a observar a(s) criança(s) com quem convivemos (filhos ou
parentes) e tentar descrever que comportamentos poderiam ser incluídos nas
fases descritas por Piaget.

Aula 4 Psicologia da Educação 67


Fatores que influenciam o
desenvolvimento
Depois de vermos os diversos métodos de estudo do desenvolvimento humano, vamos
agora analisar, de um modo geral, os fatores que o influenciam. Recordemos sempre que
esses fatores não atuam isoladamente, mas em interação permanente.

1. Hereditariedade – Já vimos como este fator é importante para o crescimento biológico,


mas é preciso entender os aspectos genéticos como bagagem potencial herdado pelo
indivíduo que pode vir a desenvolver-se ou não, dependendo dos demais fatores.
Sabemos que a inteligência, por exemplo, é uma capacidade que pode ser transmitida
geneticamente, no entanto, essa capacidade é potencial; ela pode desenvolver-se além
ou aquém desse potencial, dependendo das condições do meio.

2. Crescimento orgânico – A partir do momento em que seu organismo se desenvolve, o


indivíduo começa a adquirir mais domínio sobre seu meio ambiente, mais autonomia e
maiores possibilidades de descobertas. Além disso, os fatores que interferem no pleno
desenvolvimento do organismo podem acarretar dificuldades no desenvolvimento
mental, como vimos anteriormente.

3. Amadurecimento neurofisiológico – Nascemos com cerca de 100 bilhões de neurônios,


que se intercomunicam em redes, no entanto, a estabilidade das redes neuronais e o
aumento de suas complexidades vão estabelecendo-se ao longo do desenvolvimento,
a partir das experiências trazidas pelas interações sociais. Veremos melhor esses
aspectos na aula 7 (Como se aprende: o papel do cérebro), quando discutiremos as
implicações neurológicas da aprendizagem.

4. O meio – As influências e os estímulos ambientais alteram significativamente os


padrões de comportamento. Crianças estimuladas mais intensamente em determinados
comportamentos os desenvolvem mais intensamente. A estimulação precoce, por
exemplo, é um tipo de terapia utilizada em crianças que ao nascerem tenham tido
problemas como: infecções congênitas, prematuridade ou transtornos na hora do
parto, como a paralisia cerebral. Esses recém-nascidos, em função do risco, precisam
ser estimulados mais intensa e precocemente, a fim de prevenir ou atenuar possíveis
atrasos no seu desenvolvimento.

68 Aula 4 Psicologia da Educação


Resumo
Nesta aula, vimos alguns aspectos do desenvolvimento humano, centrando a
discussão nas teorias que alicerçam tais estudos. Vimos também os fatores
que interferem no desenvolvimento da criança.

Autoavaliação
O que é o desenvolvimento humano?
1
Descreva dois motivos pelos quais você considera importante estudar o
2 desenvolvimento.

Faça uma síntese dos três métodos de estudo do desenvolvimento apresentados


3 nesta aula.

Releia a aula 1 (A Psicologia e sua importância para a Educação: o homem e sua


4 subjetividade), na qual discutimos o conceito de subjetividade, e faça uma relação
desse conceito com um dos métodos de estudo do desenvolvimento.

Faça um resumo dos períodos do desenvolvimento propostos por Piaget.


5

Referências
BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo:
Saraiva, 1999.

PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

SPYRIDES, Maria Helena Constantino et al. Efeito das práticas alimentares sobre o
crescimento infantil. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant., v. 5, n. 2, p. 145-153, jun. 2005.

VYGOTKSY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

Aula 4 Psicologia da Educação 69


Anotações

70 Aula 4 Psicologia da Educação


A Psicologia da adolescência

Aula

5
Apresentação

D
ando continuidade à discussão sobre o desenvolvimento humano, nesta aula, vamos
observar o indivíduo no estágio em que geralmente o encontramos no Ensino Médio:
a adolescência. Vamos fazer um breve passeio pela história para ver como surge esse
conceito e vamos conhecer suas características físicas e comportamentais.

Objetivos
Conhecer o conceito de adolescência, diferenciando-o
1 de puberdade.

Conhecer as características psicológicas da adolescência.


2

Discutir a adolescência enquanto fenômeno universal.


3

Aula 5 Psicologia da Educação 73


Adolescência, como surge?

N
a aula 4 (Crescimento e desenvolvimento), vimos que Piaget propõe como a última
das fases do desenvolvimento, o período das operações formais, que se inicia por
volta dos 12 anos de idade. Nesta fase, o pensamento atingiu a maturidade do seu
desenvolvimento, o indivíduo torna-se capaz de operar a partir de conceitos abstratos, sendo,
assim, capaz de abstrair e generalizar idéias. Concomitantemente a esse desenvolvimento
no plano mental, há também um crescimento orgânico acentuado, com modificações
fisiológicas, sobretudo dos órgãos da reprodução e dos caracteres sexuais secundários.

Pela idade, pelas características físicas e mentais, fica claro para nós que estamos nos
referindo a uma fase do desenvolvimento que costumamos chamar adolescência. Mas, será
que a adolescência é somente isso?

Atividade 1
Para você, o que é o adolescente? Cite a seguir 5 características que
1 você considera típicas do adolescente.

Você considera que essas características são comuns a todos os


2 adolescentes? Justifique.

74 Aula 5 Psicologia da Educação


Discutindo um pouco da História

N
o início dos anos 60 do século XX, Phillippe Ariès, historiador francês, lança na
França o livro “A história social da infância e da família”, um marco no estudo
do conceito de infância e adolescência. Para ele, até o final do século XVIII não
havia uma concepção de infância como uma etapa distinta na evolução das pessoas;
uma criança era apenas um adulto em miniatura. Assim, elas participavam normalmente
de todas as atividades familiares, fosse o nascimento de uma criança, a morte de um
parente, fossem as atividades cotidianas.

A partir do início do século XIV, com todas as mudanças sociais trazidas pela Revolução
Industrial, começa também a ocorrer uma mudança nessa concepção. A instituição de leis
que reguladoras do trabalho e a responsabilização dos pais pela escolarização dos filhos
foram fatores importantes para a constituição de uma nova mentalidade sobre a família. As
crianças passaram a ser excluídas do mundo do trabalho e das responsabilidades e, com
isso, foram se separando do mundo dos adultos, surgindo o conceito de infância como um
período do desenvolvimento com características próprias.

A distinção entre crianças e adultos faz surgir a percepção de que há um período


intermediário, com características também particulares: a adolescência. Segundo Ariès, por
volta de 1890 há um enorme interesse por essa fase da vida, que se torna tema literário e
tema de preocupação dos educadores e políticos. De acordo com o autor, a adolescência
passa a ser caracterizada como um emaranhado de fatores de ordem individual, por estar
associada à maturidade biológica, e de ordem histórica e social, por estar relacionada às
condições específicas da cultura na qual o adolescente está inserido.

Assim, para Ariès, os conceitos de infância e de adolescência são invenções da sociedade


industrial. Mas, a partir daí, entendidos como fases da vida, esses temas passam a ser objeto
de estudos dos especialistas, provocando o aparecimento de políticas sociais e educacionais
e a consolidação da psicologia do desenvolvimento como área de conhecimento.

Os conceitos de adolescência
e puberdade

S
egundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência é um período da vida no
qual acontecem diversas mudanças físicas, psicológicas e comportamentais, que começa
aos 10 e vai até os 19 anos. No Brasil, para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
ela começa aos 12 e vai até os 18 anos, provavelmente para coincidir com a maioridade penal
brasileira. Mas, que mudanças físicas, psicológicas e comportamentais seriam essas?

Aula 5 Psicologia da Educação 75


A primeira mudança observada, geralmente, diz respeito às mudanças físicas. É o
período de um acelerado crescimento da estatura. O corpo do adolescente muda tão rápido
e tão radicalmente que não dá tempo para que ele se acostume com as modificações. O mais
comum é encontrarmos adolescentes com posturas “desengonçadas”, movimentos pouco
harmoniosos dos braços e pernas, resultando num caminhar “fora do ritmo”.

Figura 1 – Gráfico mostra o crescimento que ocorre na adolescência.

Ao lado desse crescimento, uma série de outras modificações orgânicas começa a


acontecer, com características que variam entre meninas e meninos. Começam a aparecer
os chamados caracteres sexuais secundários: nas meninas, o surgimento das mamas; nos
meninos, o aumento dos testículos; em ambos, o desenvolvimento dos pelos pubianos. A
partir dessas modificações orgânicas, começa uma fase chamada puberdade. A puberdade,
então, não é o mesmo do que adolescência, mas ocorre dentro da adolescência, e marca,
organicamente, o início da preparação do sujeito para a procriação. A idade do início da
puberdade também varia em função do sexo: nos meninos, ocorre em torno dos 12 aos 14
anos; nas meninas, entre os 10 e os 13 anos.

Assim, a puberdade é marcada pelas características físicas descritas a seguir.

1. Nos meninos: modificação no timbre da voz; aumento da largura dos ombros;


aparecimento de pelos no rosto, axilas e região pubiana; crescimento do pênis e
testículos; e o surgimento da primeira ejaculação.

2. Nas meninas: desenvolvimento das glândulas mamárias; aumento dos quadris;


aparecimento de pelos na região pubiana; e o surgimento da primeira menstruação,
chamada menarca.

Essas características, apesar de serem universais e de acontecerem em todos os


seres humanos, podem sofrer variações, sendo aceleradas, retardadas e até interrompidas,

76 Aula 5 Psicologia da Educação


dependendo de fatores ambientais, estresse, má nutrição, atividade física intensa. Por exemplo,
a desnutrição pode retardar a menarca em meninas e a prática de atividade física intensa, como
o trabalho infantil, pode acelerar esse processo. São conhecidos os estudos que mostram o
surgimento da menarca aos 9 anos de idade em meninas habitantes de regiões de clima quente
e, por outro lado, aos 15 anos em meninas que habitam regiões de clima frio.

Todas essas mudanças na anatomia e na fisiologia são, geralmente, acompanhadas


de mudanças comportamentais. A puberdade, como marca orgânica, é identificada pelo
mundo dos adultos como o momento em que o adolescente precisa começar a assumir
outro papel social, o que implica novas responsabilidades e posturas frente à vida. Como
essas mudanças ocorrem de uma forma muito rápida, o adolescente pode se sentir bastante
confuso, cheio de dúvidas e ansiedades com relação ao que a sociedade espera dele.

Essa pode ser, então, uma fase marcada por perdas: ele perde seu corpo infantil e
tem que passar a conviver com um “corpo novo” que ele ainda não sabe manejar muito
bem; perde dos pais a proteção e o amparo dispensados na infância; perde a identidade e o
papel dentro da família na qual mantinha uma relação de dependência natural. Essas perdas,
dependendo do suporte dado pela estrutura social e familiar, podem ser vivenciadas como
uma grande crise, que os autores costumam chamar de “crise da adolescência”.

As características
psicológicas da adolescência

M
auricio Knobel é um dos estudiosos dessa questão. Ele definiu uma síndrome normal Síndrome
da adolescência, como uma representação esquemática do fenômeno. A definição
Síndrome é um termo
de uma “normal anormalidade”, para ele, não significa que está identificando algo usado na Medicina para
patológico, mas serve somente para facilitar a compreensão desse período da vida. Vamos definir um conjunto de
sintomas que caracterizam
analisar agora as suas características psicológicas.
uma doença.
O contraditório na definição
de Knobel é ele usar o
termo para caracterizar algo
normal e não patológico.

Aula 5 Psicologia da Educação 77


1. Busca de si mesmo e da identidade – Todas as modificações corporais e as expectativas
da sociedade com relação ao jovem levam-no a perceber que está vivenciando uma
situação nova, a qual muitas vezes é vivida com ansiedade pelo desconhecimento de
que rumo tomar. A experiência de ter um corpo em mutação leva a conflitos com a
auto-imagem, fazendo com que ora sinta orgulho ora sinta vergonha do próprio corpo.
Apesar de todas essas modificações, o adolescente precisa dar uma continuidade a sua
personalidade, ou seja, precisa saber quem ele é, em que está se transformando, para
assim reconstruir sua identidade. Os jovens passam horas e horas em frente ao espelho
e comparam-se uns aos outros, buscando um padrão de normalidade e aceitação.
Tais situações requerem momentos de isolamento e a assunção de identidades
transitórias, ocasionais ou circunstanciais, no sentido de entender a sua intimidade e,
assim, desenhar a sua própria identidade. Sobre a complexidade desse processo de
identificação estudaremos mais detidamente na próxima aula.

2. Tendência grupal – A busca da identidade no adolescente faz com que ele recorra,
como comportamento defensivo, à busca pela uniformidade, que pode lhe fornecer
segurança e auto-estima. A partir daí surge o espírito de grupo. No grupo, há
um processo massivo de identificação coletiva. Basta olhar para um grupo de
adolescentes: as vestimentas são semelhantes, o modo de falar (às vezes, criando
um “idioma” próprio), os lugares freqüentados, os interesses, tudo é absolutamente
semelhante. Neste momento, o jovem se identifica muito mais com seu grupo do que
com os familiares. No grupo, ele sente-se reforçado e apoiado em suas ansiedades.
Daí porque a vivência grupal é de fundamental importância. O grupo se constitui na
transição necessária entre o mundo familiar e o mundo adulto.

Figura 2 – A tendência grupal é próprio da adolescência.

3. Necessidade de intelectualizar e fantasiar – A realidade impõe ao adolescente a


necessidade de renunciar ao corpo infantil e à proteção familiar. Isso pode ser vivido
como uma experiência de enorme desamparo e impotência, que o obriga a recorrer ao
pensamento para compensar essas perdas. O adolescente, então, tende a fugir para seu
mundo interior, como uma forma de buscar um reajuste emocional, e nessa tentativa de
encontro consigo mesmo começa a demonstrar preocupações de ordem ética, moral,
social. Neste momento, pode desenvolver grandes “teorias” sobre o mundo, nas quais
vai misturar justificativas concretas com idéias fantasiosas infantis.

78 Aula 5 Psicologia da Educação


4. Crises religiosas – A conduta do jovem pode ir do total ateísmo até comportamentos
religiosos tão engajados que podem cursar do misticismo até o fanatismo. Entre
essas condutas, há uma grande variedade de posições religiosas e mudanças muito
freqüentes, tudo isso concordando com as mudanças e flutuações do seu próprio mundo
interno. A questão da religiosidade emerge como decorrência dos questionamentos
do adolescente sobre sua identidade, em uma tentativa de responder questões como
“quem sou”, “o que estou fazendo aqui”, “qual o meu papel na vida”.

5. Deslocamento temporal – A vivência temporal dos adolescentes pode ser observada em


situações que provavelmente já presenciamos: há um trabalho escolar para ser feito e
ele se envolve em outro tipo de atividade; a mãe insiste com a urgência do tempo e ele
responde que “dá tempo, o trabalho é pra... amanhã”. Outra situação seria uma festa
marcada para um mês depois, para a qual ele insiste em providenciar uma roupa “porque
está em cima da hora”. As urgências do adolescente são tão grandes quanto o “deixar para
depois”. Predomina uma visão sincrética do mundo, ou seja, uma visão indiferenciada dos
aspectos que constituem a realidade que se quer compreender, a percepção do todo sem,
porém, se compreender os seus aspectos constitutivos. O adolescente não possui ainda
as características adultas de delimitar e discriminar, o que só vai adquirindo lentamente
ao longo do seu desenvolvimento. À medida que vai elaborando suas perdas, começa a
surgir o conceito de tempo, que implica as noções de passado, presente e futuro.

6. Evolução sexual do auto-erotismo à heterossexualidade – Observa-se no adolescente


uma oscilação entre a atividade do tipo masturbatória e o começo dos exercícios
genitais, que se inicia se forma basicamente exploratória até evoluir para a verdadeira
genitalidade procriativa. Ao aceitar a sua genitalidade, o adolescente começa a busca
por um par. É a fase das grandes e “definitivas” paixões, que representa todos os
aspectos dos vínculos intensos e frágeis das relações interpessoais do adolescente.
A curiosidade sexual pode se manifestar pelo interesse por revistas pornográficas e
mesmo por experiências de ordem homossexual. O exibicionismo e o voyerismo se Exibicionismo e
manifestam nas vestimentas, nas maquiagens das meninas, nas atitudes durante jogos Voyerismo
e festas. Começam os contatos superficiais, depois profundos e mais íntimos, que Exibicionismo e voyerismo
preenchem a sua vida sexual. são manifestações da
sexualidade caracterizadas
por obtenção de prazer
7. Atitude social reivindicatória – Tais atitudes muitas vezes se configuram em respostas sexual pela exibição dos
às restrições impostas pela sociedade. Elas são a consolidação do que vem ocorrendo órgãos sexuais ou pela
observação de outras
no pensamento. As intelectualizações e fantasias conscientes que se reforçam nos
pessoas, respectivamente.
grupos fazem com que essas atitudes se transformem em pensamento ativo, em uma São consideradas
verdadeira ação social, política, cultural. Muitas vezes, as perdas são vividas como patológicas quando essas
são as únicas maneiras de
não sendo deles, mas da sociedade, dos seus pais, de sua família. O resultado é que
se obter prazer sexual.
descarregam toda sua revolta nessas figuras e podem vir a desenvolver atitudes
destrutivas, quando as perdas não são bem elaboradas. Essa particular característica
do adolescente é aproveitada, em muitos casos, por certas seitas e grupos políticos ou
religiosos para arregimentar seguidores.

Aula 5 Psicologia da Educação 79


8. Contradições sucessivas em todas as manifestações de conduta – A conduta do
adolescente está dominada pela ação, sendo esta a sua forma mais típica de expressão.
Mas, o adolescente não pode manter uma linha de conduta rígida, permanente, mesmo
que tente. Ele tem uma personalidade, no dizer de Spiegel, “esponjosa”, ou seja,
permeável, absorvente, que recebe e também projeta tudo enormemente. Isso faz com
que não possa ter uma conduta linear, o que só é observado em situações patológicas,
como no autismo e nas neuroses. Na verdade, é o mundo adulto que não suporta as
contradições dos adolescentes, não aceita suas identidades transitórias e exige deles
uma atitude adulta para a qual ainda não estão capacitados.

9. Separação progressiva dos pais – Esta é uma das perdas fundamentais que o adolescente
necessita assumir internamente e que pode gerar uma ansiedade muito intensa. Muitas
vezes, os pais não aceitam e negam o crescimento dos filhos, dificultando mais
ainda a resolução dessa ansiedade. Daí a importância da internalização por parte dos
adolescentes de boas imagens parentais, com papéis bem definidos, sem ambigüidades
ou encobrimentos. Algumas vezes, os pais transmitem uma imagem de personalidades
pouco consistentes, forçando o adolescente a buscar identificação com outras imagens
adultas, como ídolos do esporte ou do cinema, ou mesmo com figuras negativas que
prejudicam mais ainda sua formação. Um exemplo disso é a organização criminosa do
tráfico de drogas, que alicia jovens e até crianças para o mundo da criminalidade.

10. Constantes flutuações do humor – Além das modificações hormonais que já


influenciariam as modificações do humor, o sentimento básico de ansiedade e
depressão acompanha a adolescência, sobretudo devido às perdas que sofre. A
maneira como o adolescente as elaborar determinará a maior ou menor intensidade
dessas flutuações. A realidade nem sempre satisfaz suas aspirações, resultando em
sentimentos de frustração e solidão. Mas, da mesma maneira que se sente isolado
do mundo, um gesto simples pode fazer com que se sinta a mais feliz das criaturas.

Figura 3 – As flutuações de humor são outra característica desta fase.

80 Aula 5 Psicologia da Educação


A adolescência é um
acontecimento universal?

N
a atividade 1 perguntamos se você considerava as características que citou como
comuns a todos os adolescentes. O que estávamos querendo saber era a sua opinião
sobre a universalidade do “acontecer” adolescente. Agora que você leu sobre a
caracterização da adolescência feita por Mauricio Knobel, sua opinião continua a mesma?

Atividade 2
Reflita um pouco sobre os adolescentes que você conhece, observe-
1 os por alguns dias, converse com alguns deles. Em seguida, tente
listar quais das características descritas por Knobel você conseguiu
observar nesses adolescentes.

Se você puder, observe e converse com adolescentes de diferentes


2 classes sociais. Anote a seguir que características você pôde observar,
diferenciando pelas classes sociais.

Aula 5 Psicologia da Educação 81


No início desta aula, quando discutimos o conceito de puberdade, dissemos que esse era
um fenômeno universal, apesar de ter sofrido variações. Ou seja, as modificações na estrutura
corporal, a explosão hormonal, o surgimento dos caracteres sexuais secundários podem variar
conforme a idade em que surgem, mas vão acontecer em todos os seres humanos, marcando
organicamente a transição entre a infância e a vida adulta. No entanto, quando se discute o
conceito de adolescência, sobretudo, se a entendemos como uma época caracterizada pelos
aspectos descritos anteriormente, as divergências entre os autores aparecem.

De uma maneira geral, a Psicologia tem, em suas teorias, naturalizado o fenômeno


psíquico, ou seja, apresenta-nos como se fizesse parte da natureza humana, como se
fosse algo de que somos dotados desde o nascimento. Observe como Knobel descreve a
adolescência, sem nenhuma preocupação em contextualizá-la no seu tempo histórico, na sua
cultura, nas relações com a sociedade. Seria possível imaginar um adolescente que desde a
sua infância já assume responsabilidades designadas para adultos – por exemplo, aqueles
que ajudam seus pais no roçado – passar por toda essa “crise” à qual nos referimos?

Ana Bock (1999) realizou um estudo interessante com psicólogos da cidade de São
Paulo, observando o significado que eles dão ao fenômeno psicológico de uma maneira
geral. Para ela, a visão desses psicólogos sobre o homem é a seguinte:

O homem, colocado na visão liberal, é pensado de forma descontextualizada,


cabendo a ele a responsabilidade por seu crescimento [...] Um homem que é dotado
de capacidades e possibilidades que lhe são inerentes, naturais. Um homem dotado
de uma natureza humana que lhe garante, se desenvolvida adequadamente, ricas e
variadas possibilidades. A sociedade é apenas o lócus de desenvolvimento do homem.
É vista como algo que contribui ou impede o desenvolvimento dos aspectos naturais
do homem. Cabe a cada um o esforço necessário para que a sociedade seja um espaço
de incentivo ao seu desenvolvimento. As condições estão dadas, cabe a cada um
aproveitá-las. (BOCK, 1999, p. 27).

Com relação à adolescência, Bock (2004) fez um outro estudo observando textos publicados
sobre esse tema, os quais visavam orientar pais e professores na “difícil” tarefa de educar os
jovens. O objetivo era analisar o conceito de adolescência subjacente a essas publicações. Ela
conclui que a adolescência, tal como apresentado nesses textos, não tem gênese social, ou seja,
nenhuma de suas características é constituída nas relações sociais e culturais.

Assim, ao se pensar a problemática da adolescência não se toma qualquer questão


social como referência. A falta de políticas para a juventude em nossa sociedade, a
desqualificação e inadequação das atividades escolares para a cultura jovem, o
sentimento de apropriação que os pais têm, em nossa sociedade, com relação aos
filhos, as contradições vividas, a distância entre o mundo adulto e o mundo jovem,
a impossibilidade de autonomia financeira dos jovens que ou não trabalham ou
sustentam a família, nenhuma destas questões é tomada como elemento importante
para compreender a forma como se apresenta a adolescência em nossa sociedade.
As relações familiares são as únicas que aparecem nos textos e são fator de influência
sobre a adolescência, mas não a constituem. (BOCK, 2004, p.38).

82 Aula 5 Psicologia da Educação


Temos defendido nesta disciplina a visão do homem enquanto um ser sócio-histórico,
ou seja, como aquele que pela sua atuação no mundo o transforma e é por ele transformado.
Nessa perspectiva, a adolescência é vista como uma construção social que tem repercussões na
subjetividade do sujeito, e não como um período natural do desenvolvimento. A compreensão
é que a adolescência é uma criação do homem. Os fatos sociais vão surgindo nas relações
sociais e com isso vão apresentando repercussões psicológicas. Assim, começa-se a dar
significados sociais a esses fatos. A adolescência é um desses fatos sociais que ganharam
significado social. Para compreendê-la, é preciso, então, que retomemos seu processo
social, para depois compreendê-la na forma como acontece para os jovens.

Concluímos com um trecho do trabalho de Bock (2004):

Não há nada de patológico; não há nada de natural. A adolescência é social e histórica.


Pode existir hoje e não existir mais amanhã, em uma nova formação social; pode existir
aqui e não existir ali; pode existir mais evidenciada em um determinado grupo social,
em uma mesma sociedade (aquele grupo que fica mais afastado do trabalho), e não
tão clara em outros grupos (os que se engajam no trabalho desde cedo e adquirem
autonomia financeira mais cedo). Não há uma adolescência como possibilidade de ser;
há uma adolescência como significado social, mas suas possibilidades de expressão
são muitas. (BOCK, 2004, p.42).

Atividade 3
Baseando-se na sua resposta à atividade 1, que tipo de comparação você pode
fazer entre o que você entendia por adolescência e o que você passou a entender
acerca desse período da vida, destacando os diversos aspectos envolvidos no
crescimento do ser humano, como o meio ambiente, a família e as questões
biológicas do indivíduo?

Aula 5 Psicologia da Educação 83


Resumo
Nesta aula, discutimos os conceitos de puberdade e adolescência, aprendendo
a diferenciá-los. Vimos também as características psicológicas da adolescência,
na visão de um dos seus teóricos. Finalizamos com a discussão sobre a
existência da adolescência como um fenômeno universal.

Autoavaliação
Retome a atividade 2 e, à luz das concepções apresentadas por Ana Bock, faça
uma análise das observações dessa autora sobre a universalidade do conceito
de adolescência.

Referências
ARIÈS, P. História social da infância e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

BOCK, A. M. B. Aventuras do Barão de Munchhausen na psicologia. São Paulo: Cortez;


EDUC, 1999.

BOCK, Ana Mercês Bahia. A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica à naturalização


da formação do ser humano: a adolescência em questão. Cad. CEDES, v. 24, n. 62, p. 26-43,
abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v24n62/20090.pdf>. Acesso em:
20 jul. 2007.

KNOBEL, M. El sindrome de la adolescencia normal. In: ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. La


adolescencia normal. Buenos Aires: Paidos, 1977.

84 Aula 5 Psicologia da Educação


Anotações

Aula 5 Psicologia da Educação 85


Anotações

86 Aula 5 Psicologia da Educação


A formação da identidade:
alteridade e estigma

Aula

6
Apresentação

N
esta aula, vamos discutir como temos consciência de que nós somos nós mesmos,
ou seja, como construímos a nossa própria identidade. Vamos analisar quais os
fatores importantes nessa construção e como, em determinadas fases da vida,
percebemos que mudamos, apesar de continuarmos os mesmos.

Objetivos

Discutir o conceito de identidade e como ela é construída.


1

Observar as crises de identidade e as fases da vida.


2
Conhecer o conceito de alteridade e sua importância na
3 constituição do sujeito e da sociedade.

Aula 6 Psicologia da Educação 89


Como reconhecemos
as pessoas?

Atividade 1
Vamos começar analisando as imagens a seguir. Mesmo sem conhecer
as pessoas retratadas, você seria capaz de dizer que tipo de pessoas
elas são? Considere aspectos como: que idade têm, a que classe social
pertencem, em que trabalham.

90 Aula 6 Psicologia da Educação


Mesmo sem nunca termos conhecido as pessoas dessas fotos, já fomos capazes de
fazer uma série de inferências sobre elas, nos comportando como se já soubéssemos quem
são. É assim que agimos, na maioria das vezes, com as pessoas que encontramos pela
primeira vez. Mesmo antes de entabularmos algum tipo de conversa, observamos uma série
de informações que nos identifica a pessoa. Imagine que você vai começar a falar de política
e observa que seu interlocutor traz uma estrela vermelha no peito. Só por esse “detalhe”,
você já tem uma ideia da opção política da pessoa, e pode fazer você mudar o rumo da
conversa. Esses “detalhes” nos fazem conhecer o outro. Mas, será que o conhecemos de
fato? Será que sabemos quem ele é?

Atividade 2
Escolha alguns de seus amigos e faça a eles uma pergunta
1 incrivelmente simples: quem é você? Anote a seguir as respostas.

Agora, faça a você mesmo esta pergunta: quem sou eu?


2

Aula 6 Psicologia da Educação 91


Provavelmente, apesar de simples, essas perguntas não foram respondidas com muita
facilidade, pois saber quem somos é um desafio, uma vez que, apesar de sermos os mesmos,
somos também diferentes porque mudamos com o tempo.

A Psicologia construiu o conceito de identidade justamente para compreender como


se dá esse processo no qual o sujeito se identifica como único e assim se apresenta às
outras pessoas, apesar de saber que ao longo da vida foi se modificando, mudando opiniões,
refazendo conceitos, modificando posturas frente ao mundo.

A construção da identidade

O
conceito de identidade agrupa uma série de noções, como a de permanência, de
manutenção de referências que não mudam com o tempo, por exemplo, seu nome,
suas relações de parentesco, sua nacionalidade. Apesar de saber que mudei com o
passar do tempo, sei que sou o mesmo que era ontem, ou seja, tenho dentro de mim um
auto-reconhecimento a partir de aspectos fundamentais de minha história de vida. Assim,
quando penso em quem eu sou, esse meu “eu” tem uma constância ao longo do tempo.
Tem também uma unidade, ou seja, sei que sou uma única pessoa e que mesmo mudando
não me transformei em outra. A identidade, então, é essa consciência do reconhecimento
individual que permite a distinção do “eu”.

Mas, essa distinção do “eu” permite também que possamos distinguir o “outro”. No
momento em que delimito a minha identidade, estou também admitindo que existem as
identidades das outras pessoas. É, pois, em relação a esse outro que nos constituímos e nos
tornamos únicos. A identidade é definida pela relação do indivíduo, na relação com outros
indivíduos, isto é, cada indivíduo se completa e se efetiva no relacionamento com os que
estão à sua volta, em seu convívio. “Eu passo a ser alguém quando descubro o outro e a falta
de tal reconhecimento não me permitiria saber quem eu sou, pois não teria elementos de
comparação que permitissem ao meu eu destacar-se dos outros eus” (BOCK, 1999, p. 204).

Esse processo de diferenciação do meu “eu” com os outros “eus” se inicia na relação
mãe-filho. Num primeiro momento, a criança não consegue fazer essa diferenciação, mas
com o tempo começa a compreender que não é uma extensão de sua mãe. A partir daí, os
valores vão sendo construídos conforme a relação mãe-filho, daí a importância dessa fase
da vida na constituição do sujeito.

A partir da mãe, a criança, no seu processo de desenvolvimento e diferenciação,


busca outras pessoas com quem possa se identificar, pessoas que lhes são significativas
e que sirvam de modelo para a construção de sua identidade individual, auxiliando na
definição de quem ela deseja ser no futuro. A presença de figuras que lhe possibilitem
identificações positivas e fortes é, pois, fundamental até a adolescência, e continua a ser
importante pelo resto das nossas vidas.

92 Aula 6 Psicologia da Educação


O que somos na vida adulta é a fusão de uma série de identificações: a mãe ou o
pai, aquele professor ou professora que nos marcou, um amigo ou amiga especial, um
personagem de algum livro que tenhamos lido, um líder político ou religioso. Por que,
mesmo adultos, muitas vezes dizemos: “quando eu crescer quero ser como fulano”?
Porque de alguma forma aquele fulano nos parece uma boa imagem para identificação,
e como continuo adquirindo experiências ao longo de minha vida, posso ir modificando
o meu modelo, incorporando elementos à minha identidade. A identidade, pois, não
é algo fixo e imutável, mas está em permanente transformação. Por isso, mudamos,
porém continuamos os mesmos.

Atividade 3
Vamos fazer um exercício de retorno ao passado. Ainda que você não duvide
de que sempre foi o mesmo, procure lembrar-se de todas as mudanças que
ocorreram em você até agora. Liste as mais importantes.

Um dos primeiros teóricos da Psicologia a estudar os processos de formação da identidade


foi Erik Erikson (1972). Para ele, identidade é uma concepção de si mesmo, composta de
valores, crenças e metas com os quais o indivíduo está solidamente comprometido. A sua
formação receberia influência de fatores: a) intrapessoais, representados pelas capacidades
inata e adquirida do indivíduo; b) interpessoais, representados pelas identificações;
c) culturais, representados pelos valores sociais a que uma pessoa está exposta, tanto no
âmbito global quanto comunitários.

Aula 6 Psicologia da Educação 93


As crises de identidade

A
identidade, como estamos vendo, não é algo fixo, mas está em permanente
construção e transição. Nesse processo permanente de mudança, vamos
incorporando os aspectos de nossas vivências para formar o que somos em um
dado momento. Isso constitui nossa história.

Ocorre que em alguns momentos esse processo de mudança não é vivenciado com
tranquilidade. Algumas vezes, ele pode ser angustiante, doloroso e confuso. São as chamadas
crises de identidade, momentos importantes do desenvolvimento, quando a pessoa pode
redefinir seu modo de ser e de estar no mundo.

A crise de identidade mais evidente é aquela vivida na adolescência. Como vimos em


aula anterior, essa é uma fase da vida de profundas mudanças fisiológicas e psicológicas.
A puberdade marca uma enorme explosão hormonal, acompanhada de uma fase de
crescimento orgânico acelerado. Paralelamente, há o aspecto cultural de introdução do
jovem nas responsabilidades da vida adulta. Como todas essas mudanças se dão de uma
maneira muito rápida, o adolescente pode se sentir confuso e ansioso, vivenciando essa fase
como um momento doloroso.

Mas, existem outros momentos que se caracterizam também por mudanças de postura
frente à vida, os quais podem ser vividos como crise. O momento em que se conclui um curso
superior, por exemplo, marca para o sujeito a necessidade de assumir uma profissão e cuidar
de si próprio do ponto de vista financeiro. É também o momento de assumir a constituição
de uma nova família, com a escolha do(a) parceiro(a) e o planejamento de filhos. Todas essas
mudanças podem ser vividas com ansiedade e, assim, caracterizar uma crise.

Outro momento muitas vezes vivido com dificuldades ocorre por volta dos 40 anos
de idade, desencadeado não por mudanças fisiológicas ou cognitivas, mas por um novo
conjunto de mudanças que vão depender se a pessoa casou-se e teve ou não filhos; se a
carreira estagnou ou decolou; se ainda vive com os pais ou se sente algum declínio físico.
Para muitos adultos, o acúmulo dessas e de outras mudanças leva a um novo período de
dúvidas: a percepção do envelhecimento, da proximidade da fase adulta dos filhos (quando
for o caso) e a competição com pessoas mais jovens no mercado do trabalho, o que pode
deflagrar a chamada “crise da meia-idade”.

É importante ressaltar que em Psicologia o conceito de crise não é necessariamente


negativo, ao contrário, é um momento de inflexão o qual oportuniza rever e reavaliar a
trajetória de vida. Dessa forma, crise é a oportunidade de se refazer caminhos, que pode
e deve ser aproveitada nesse sentido. Portanto, as crises de identidade devem constituir
momentos especiais a serem aproveitados para reavaliar e corrigir os rumos que
se tem dado à vida.

94 Aula 6 Psicologia da Educação


Identidade e alteridade
Retomemos a questão da importância do outro na formação da identidade individual
para discutirmos um outro conceito: a alteridade.

Laing (1986, p.78) ratifica essa posição quando diz: “não podemos fazer o relato fiel de
‘uma pessoa’ sem falar do seu relacionamento com os outros.” Então, a forma como vemos
e nos relacionamos com o outro é também importante.

O conceito de alteridade foi formulado por Emanuel Lévinas (1906-1995). Para ele, a
alteridade baseia-se na constante constatação das diferenças que estabeleço entre eu e o outro
e consiste em conferir ao outro uma existência como sujeito, de modo que ele não se constitua
num objeto para mim. A partir do momento em que atribuo esse significado ao outro, que lhe
confiro alteridade, será possível conviver com o diferente, reconhecendo que ele tem direitos
iguais aos meus, através da constatação e do respeito às diferenças individuais, culturais, sociais,
resultando em uma convivência harmônica e na cooperação para o bem-estar comum.

Uma pessoa que constitua a sua identidade desrespeitando o direito do outro, sendo
intolerante e incapaz de manter uma convivência, passando por cima da máxima “tratar
o outro como gostaria de ser tratado”, cria um confronto com a alteridade, gerando
preconceitos, discriminação, segregacionismo e estigmas.

Figura 1 – Superar o preconceito é restaurar a alteridade.

Assim, alteridade é ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos
seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações
pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem. Infelizmente, ainda é relativamente comum na
relação professor-aluno a postura colonizadora, que parte do princípio de que o professor
tem o conhecimento e o aluno nada sabe. Essa é a grande crítica do pedagogo brasileiro
Paulo Freire, quando repudia a chamada “educação bancária” e a postura anti-dialógica
de muitos dos educadores brasileiros, que desprezam todo o saber prévio dosalunos
e ensinam “depositando” informações.

Aula 6 Psicologia da Educação 95


A questão do estigma

E
m parágrafos anteriores falamos sobre como a falta de alteridade nas relações geram
preconceito e estigma. O que é estigma? Esta é uma palavra de origem grega, que
significava os sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de
extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Para Goffman (1982,
p. 11), “os sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era
um escravo, criminoso ou traidor – uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser
evitada, especialmente em lugares públicos.” Na Era Cristã, o estigma se expressa através
de sinais corporais os quais indicam que o indivíduo tem a graça divina, ou simplesmente
identificava um distúrbio físico.

Na atualidade, o termo reveste-se de um atributo depreciativo imputado ao outro por


aqueles que se consideram “normais”. Em casos como raça, religião, ideologia, classe
social, o estigma expressa-se por uma postura não apenas de animosidade, mas sobretudo
por uma postura ideológica valorativa de quem se considera superior ou normal. O outro é
categorizado como não natural, como fora do comum.

Goffman (1982) mostra-nos como a sociedade estabelece meios que categorizam


as pessoas de acordo com atributos que ela reconhece como válidos para que sejamos
identificados como “normais”. Se temos alguma característica considerada incomum ou
anti-natural, então, imputam-nos um “estigma”.

Atividade 4
Esta pode ser uma provocação, mas responda com toda a sinceridade:
você contrataria como empregado um ex-presidiário ou um egresso
de um hospital psiquiátrico?

96 Aula 6 Psicologia da Educação


Muito provavelmente você respondeu “não”. Porque ser ex-presidiário ou egresso
interno de uma instituição psiquiátrica confere ao sujeito um atributo negativo para a maioria
das pessoas. A consequência é que esses sujeitos têm como destino a exclusão e a falta de
oportunidades. Estão marcados, estigmatizados. O mesmo poderia acontecer com negros,
homossexuais, prostitutas, portadores do vírus HIV. O estigma revela toda a dificuldade que
temos em lidar com o diferente e essa dificuldade vai se perpetuando ao longo das gerações
por intermédio da educação familiar, escola, meios de comunicação.

Um dos filmes mais comoventes na abordagem


da estigmatização de portadores de HIV é “Filadelfia”,
dirigido por Milos Forman em 1999. Nesse filme, um
advogado de sucesso, interpretado por Tom Hanks, é
demitido de seu trabalho quando se suspeita de que ele
está contaminado pelo vírus. A sua luta por encontrar
um advogado que o ajude a processar a empresa mostra
claramente a questão.

Vale salientar que a pressão cultural e social pode ser tão forte, constante e marcante
para os sujeitos estigmatizados que o atributo negativo pode vir a ser internalizado, ao ponto
de constituir-se em aspecto importante de sua auto-imagem e de sua auto-estima. Bock
(1999) chama atenção para situações semelhantes ao processo de estigmatização que podem
acontecer ao longo da vida, como, por exemplo, professores que repetem para o aluno que ele
não vai aprender, que é “cabeça-dura”, que é “burro”. Tais comentários, muitas vezes feitos
sem que se note o que se está dizendo, podem ser internalizados como uma experiência
marcante para o aluno, que passará a ver a si próprio como possuidor daqueles atributos.

Sempre que a possibilidade do estigma se faz presente, isto é, quando o indivíduo se


encontra numa situação na qual sua aceitação social não é plena, estamos diante de uma
situação de perda da alteridade. Mas, isso pode ser ainda mais paradoxal, porque ao mesmo
tempo em que a sociedade estigmatiza, cobra do sujeito estigmatizado que se comporte de
modo a não demonstrar que a estigmatização lhe é uma carga. Como ressalta Goffman:

[...] ele é aconselhado a corresponder naturalmente, aceitando com naturalidade


a si mesmo e aos outros, uma aceitação de si mesmo que nós fomos os primeiros
a lhe dar. Assim, permite-se que uma aceitação-fantasma forneça a base para uma
normalidade-fantasma. (1982, p.133).

Aula 6 Psicologia da Educação 97


Um exemplo disso é quando, sem nos darmos conta da estigmatização, dizemos frases
como: “ele é um negro que conhece o seu lugar” ou “ele é gay, mas é gente boa”.

Por fim, é importante lembrar que o preconceito e a estigmatização se inserem no


contexto histórico-social. Por mais que individualmente nos recusemos a ver o outro como
um ser diferente, despossuído de dignidade, isso não faz com que o estigma desapareça.
Assim, enquanto professores devemos estar atentos à formação das novas gerações.

Resumo
Nesta aula, discutimos o conceito de identidade e como ela se constrói ao longo
da vida. Observamos que essa construção nem sempre se dá com tranquilidade
e que algumas vezes pode ser vivida como uma crise. Vimos como a alteridade
é importante no relacionamento interpessoal e na organização da sociedade.
Por último, vimos o conceito de estigma, como uma perda da alteridade, e as
consequências da estigmatização.

Autoavaliação
Defina identidade e cite os fatores que interferem em sua construção.
1

Defina alteridade e a diferencie de identidade?


2
À luz da discussão sobre estigma, faça uma análise pessoal da importância
3 desse conceito.

98 Aula 6 Psicologia da Educação


Referências
BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo:
Saraiva, 1999.

ERIKSON, E. H. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis:


Vozes, 1986.

GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro:


Zahar, 1982.

LAING, Ronald D. O eu e os outros: o relacionamento interpessoal. Petrópolis: Vozes, 1986.

Aula 6 Psicologia da Educação 99


Anotações

100 Aula 6 Psicologia da Educação


Como se aprende:
o papel do cérebro

Aula

7
Apresentação

N
esta aula, vamos começar a discutir um tema fundamental para os futuros
professores: como o indivíduo aprende. É a partir do entendimento desse fenômeno
que poderemos planejar nossas estratégias de ensino, as atividades para os nossos
alunos e fazermos uma apreciação de suas novas aprendizagens.

Na primeira parte dessa discussão, vamos começar por compreender qual o papel e a
importância do nosso cérebro na aquisição do conhecimento.

Objetivos
Compreender como se organiza biologicamente nosso
1 equipamento cerebral para as funções da aprendizagem.

Entender o papel da memória, dos afetos e da motivação


2 no processo de aprendizagem.

Relacionar o papel das estruturas nervosas com a


3 aprendizagem.

Aula 7 Psicologia da Educação 103


Introdução

C
ompreender o homem é também compreender o que ele sabe. Bem mais do que isso,
trata-se de compreender o que significa esse saber, como se deu a sua apropriação e
quais os seus efeitos nas ações do sujeito. O modo como o sujeito se apropria de um
saber significa dizer como ele aprende.

Aprender é uma ação que desenvolvemos desde o início de nossa vida. Ainda muito
cedo, aprendemos a andar, a falar; aprendemos a nos relacionar com a família, com amigos,
com pessoas estranhas; aprendemos a respeitar pessoas e instituições; aprendemos a nos
comportar de acordo com as circunstâncias. E aprendemos de maneira formal na escola.
Outros comportamentos e atitudes, entretanto, não precisamos aprender. É como se já
nascêssemos sabendo. Por exemplo, não precisamos aprender a comer ou ninguém nunca
nos ensinou que nosso corpo precisa de descanso. Há, ainda, um conjunto de conhecimentos
dos quais não temos muita idéia de como, quando ou onde aprendemos. Por exemplo,
quando olhamos para o céu e vemos nuvens escuras e pesadas, logo inferimos que irá
chover. Quando aprendemos isso?

Atividade 1

Forme três grupos contendo:


1
a) Coisas que aprendi e sei com quem.

b) Coisas que sei, mas ninguém me ensinou.

c) Coisas que aprendi, mas não sei com quem.

No seu entender, para qual dos três grupos se aplica o conceito de


2 aprendizagem? Por quê?

Costuma-se separar os conhecimentos em conhecimentos científicos


3 e conhecimentos da tradição. Relacione esses conceitos com dois
dos grupos de coisas que você aprendeu (listados anteriormente). E
o terceiro grupo, como você chamaria?

104 Aula 7 Psicologia da Educação


Aula 7 Psicologia da Educação 105
Instinto, um dos mecanismos mentais que não precisamos aprender

“Instinto é uma palavra usada para descrever disposições inatas em relação a


ações particulares. Instintos geralmente são padrões herdados de respostas ou
reações a certos tipos de situações ou características de determinadas espécies.
Em humanos, eles são mais facilmente observados em respostas a emoções.
Instintos geralmente servem para pôr em funcionamento mecanismos que
evocam um organismo para agir. As ações particulares executadas podem ser
influenciadas pelo aprendizado, ambientes e princípios naturais. Geralmente,
instinto não é usado para descrever uma condição existente ou status quo.”

Extraído de: <Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Instinto>.

Quantas vezes já ouvimos dizer que “depois de velho não se aprende mais nada”.
Essa afirmação é fruto da idéia de que nosso cérebro nasce pronto e com o passar do
tempo só temos a perder. Ora, se perdemos neurônios à proporção que envelhecemos,
como podemos aprender?

Nada mais equivocado. As atuais pesquisas na área das Neurociências mostram que
novos neurônios estão nascendo a cada dia em nossos cérebros. E o que é mais interessante:
esses novos neurônios nascem justamente em áreas responsáveis pela aprendizagem, o que
significa dizer que temos condições neurológicas de estarmos sempre aprendendo.

Mas, como isso ocorre? Que áreas são essas? O que o cérebro tem a ver com o que
aprendo? Vamos discutir isso de uma maneira mais detalhada.

A neurobiologia da
aprendizagem

D
e uma maneira geral, a anatomia dos cérebros humanos é extremamente semelhante:
nascemos praticamente com a quantidade de neurônios já completa. Até pouco tempo
atrás, além de se ter conhecimento desse fato, também imaginava-se que as perdas
Gliócitos
e degenerações de neurônio que viessem a ocorrer ao longo da vida eram irremediáveis.
Gliócitos ou células da glia Estudos recentes, no entanto, indicam que algo mais ocorre na intimidade de nosso
compõem, juntamente com
os neurônios, as células do
sistema nervoso: células que até então eram vistas como tendo apenas função de nutrição
Sistema Nervoso. e sustentação para os neurônios – os gliócitos –, hoje se tornam o foco das atenções pela

106 Aula 7 Psicologia da Educação


possibilidade de serem, na verdade, células que se transforma em neurônios em casos de
urgência e necessidade, sobretudo nas áreas cerebrais relacionadas com a memória.

NEURÔNIO - é a célula do Sistema Nervoso responsável pela condução do


impulso nervoso. Há cerca de 100 bilhões de neurônios no sistema nervoso
humano. A membrana exterior de um neurônio toma a forma de vários ramos
extensos chamados dendritos, que recebem sinais elétricos de outros neurônios,
e de uma estrutura chamada de um axônio, que envia sinais elétricos a outros
neurônios. O espaço entre o dendrito de um neurônio e o axônio de outro é o
que se chama uma sinapse: os sinais são transportados através das sinapses
por uma variedade de substâncias químicas chamadas neurotransmissores.
O córtex cerebral é um tecido fino composto essencialmente por uma rede de
neurônios densamente interligados de forma que nenhum neurônio está mais
do que algumas sinapses de distância de qualquer outro neurônio.

Figura 1 – Representação de um neurônio, com os componentes de sua estrutura.

Outra descoberta interessante é que, além da possibilidade de transformação dos


gliócitos, ocorre o “nascimento” de novos neurônios em cérebros adultos. O que chama
a atenção nesse caso é que tais “nascimentos” se dão exclusivamente – pelo menos que
se sabe hoje – no bulbo olfatório, que recebe sinais do nariz, e em uma região do cérebro
chamada hipocampo (Figura 2), justamente uma região de extrema importância para
a formação de novas memórias. Como os neurocientistas relacionam a memória com a
aprendizagem, como veremos a seguir, essa descoberta talvez venha explicar a inesgotável
capacidade humana de aprender coisas novas.

Aula 7 Psicologia da Educação 107


Figura 2 – Representação do cérebro com indicação do bulbo olfatório e hipocampo.

Como se sabe, os experimentos em ratos são muito importantes para se entender


o funcionamento de determinadas estruturas, os quais não são possíveis de realizar em
humanos. Uma experiência interessante foi a colocação de ratos adultos em gaiolas cheias de
brinquedinhos que deveriam ser explorados (diferentemente das gaiolas tradicionais, nas quais
só existem serragem, comida e água), o que possibilitou um aumento no número de novos
neurônios gerados no hipocampo. Entretanto, quando esses ratos eram submetidos a situações
de estresse, que atrapalham a aprendizagem, o surgimento de novos neurônios diminuiu.

Antes mesmo do nascimento, ainda na fase de embrião, os neurônios desenvolvem


longos filamentos, prolongamentos que partem de seu corpo central, chamados axônios. É
através deles que um neurônio estabelece ligação com outros neurônios, formado sinapses
que vão se constituir nos circuitos neurais. Essas conexões originais vão permitir a regulação
de funções autonômicas, que são aquelas que ocorrem sem nosso controle voluntário, como
a respiração, os batimentos cardíacos, a mobilidade intestinal. No entanto, durante toda a
vida, os circuitos neurais vão continuar a se desenvolver. Os neurônios estão sempre testando
novas conexões: as que funcionam permanecem, as que não funcionam se desfazem. E o
que faz uma conexão ser mantida? O seu uso. Se usamos repetidamente uma conexão, ela
tende a se tornar permanente. Ao nascer, o cérebro humano tem somente uma pequena
proporção dos trilhões de sinapses que provavelmente terá.

SINAPSE - As sinapses ocorrem no “contato” das terminações nervosas


(axônios) com os dendritos. O contato físico não existe realmente, pois mesmo
estando próximas, há um espaço entre ambas estruturas (fenda sináptica).
Dos axônios são liberadas substâncias (neurotransmissores), que atravessam
a fenda e estimulam receptores nos dendritos e assim transmitem o impulso
nervoso de um neurônio para o outro.

108 Aula 7 Psicologia da Educação


Por que ao nascer temos tão poucas conexões? Qual a relação desse aumento de
conexões que adquirimos ao longo da vida com a aprendizagem?

Algumas evidências estabelecidas são particularmente surpreendentes: a) os neurônios


começam a se degenerar a partir da infância; b) uma vez que muitos neurônios morrem,
existe, em relação ao cérebro infantil, menor quantidade deles no cérebro adulto, o qual é,
por outro lado, muito mais maduro e de maior tamanho; c) o número total de conexões no
cérebro infantil é maior que no cérebro adulto. Dessa forma, em relação ao cérebro infantil, o
cérebro adulto é maior em tamanho, mas é menor em número de neurônios e em conexões
sinápticas. Como explicar, então, que seja mais maduro?

As sinapses são estabelecidas basicamente de duas maneiras as quais descreveremos


a seguir. A primeira é por superprodução e perda seletiva, ocorrendo durante os períodos
mais precoces do desenvolvimento. O Sistema Nervoso estabelece um número muito grande
de conexões e, através de experiências de vida, seleciona aquelas que se mostraram mais
apropriadas, removendo as demais. O que permanece é a forma final que constitui o sensório
e a base dos processos cognitivos. Os neurocientistas comparam esse processo ao dos
artistas escultores, os quais, a partir de um bloco de mármore, fazem surgir o objeto artístico
pela eliminação de porções desnecessárias do mármore.

A segunda maneira de formação de sinapses é através da adição de novas sinapses. Ao


contrário do processo anterior, que se produz nos primeiros meses de vida, esse método opera
durante a vida inteira dos homens; é especialmente importante na vida adulta. Esse processo
é completamente dirigido pela experiência e está na base de praticamente todas as formas
de memória. Várias pesquisas evidenciam que as atividades associadas com experiências de
aprendizagem levam as células nervosas a criarem novas conexões. Portanto, a qualidade de
informações às quais o indivíduo é exposto e a quantidade de informações que adquire vai
se refletir durante toda sua vida na estrutura do cérebro.

O aumento do cérebro deve-se, então, por um lado, ao desenvolvimento de células


de sustentação, sem função transmissora (os já citados gliócitos), e, por outro lado, ao
contínuo crescimento dos axônios, para estabelecer conexões com outros neurônios.
Conforme mencionamos, é a experiência que terá papel fundamental no estabelecimento
dessas conexões. Mas, como isso ocorre?

Já foi visto que a maior parte das conexões estabelecidas no desenvolvimento do


cérebro não é permanente: são as chamadas conexões lábeis, as quais somente vão se
tornar estáveis como resultado do uso freqüente. Dessa forma, conexões que são usadas
freqüentemente contribuem para estabelecerem-se como caminhos úteis, enquanto as que
resultam em vias não úteis se degeneram ou regridem.

Enquanto as conexões originais, aquelas que asseguram as funções vitais, são


condicionadas geneticamente, essas conexões posteriores constituem-se em um fenômeno
epigenético e são, muitas vezes, verdadeiras “obras do acaso”. Acontece que, embora um
neurônio tenha como “alvo” outro determinado neurônio, aleatoriamente, pode estabelecer

Aula 7 Psicologia da Educação 109


conexão com um outro, distinto, cujos dendritos estejam próximos. Se essa conexão casual
demonstrar-se útil e voltar a ser utilizada, ela torna-se estável. Portanto, mesmo que o
cérebro infantil tenha muitas sinapses, não necessariamente elas são utilizadas ou indicam
conhecimento, mas somente um vasto potencial.

Atividade 2
Numa criança que nasça com uma lesão cerebral decorrente, por
1 exemplo, de um parto difícil, como você imagina que se desenvolverá
sua aprendizagem?

Se as conexões que permanecem são as que são mais utilizadas, que


2 relação você pode fazer desse fato com o processo de aprendizagem?

Entendendo, então, como o cérebro se organiza, vamos agora à análise de como é


compreendida a aprendizagem.

110 Aula 7 Psicologia da Educação


A importância da memória

P
ara os neurocientistas, o conceito de aprendizagem está fortemente vinculado ao de
memória. Entendendo aprendizagem como “[...] o processo de aquisição de novas
informações que vão ser retidas na memória [...] através do qual nos tornamos
capazes de orientar o comportamento e o pensamento” (LENT, 2001, p.594), esse autor
deixa claro que a memória é o processo de arquivamento seletivo dessas informações,
de modo que ela pode ser considerada como o conjunto de processos neurológicos e
psicológicos que possibilitam a aprendizagem.

Se com a aprendizagem “se adquire conhecimento sobre o mundo” (KANDELL, 2000,


p.1227), a memória é o processo pelo qual esse conhecimento é codificado, armazenado e
posteriormente evocado. Portanto, a aprendizagem teria estreita ligação com a memória.

De que capacidades necessito para adquirir esse “conhecimento sobre o mundo”,


segundo Kandell? Conhecer o mundo implica a necessidade de: desenvolver habilidades
motoras que permitam o domínio físico do ambiente; e desenvolver linguagens que possibilitem
a comunicação e transmissão da cultura. Teríamos, assim, basicamente, dois tipos de
aprendizagem: a) aprendizagem de habilidades motoras; b) aprendizagem de linguagens.

Tais desdobramentos da aprendizagem encontram correspondência direta com os tipos


da chamada memória de “longa duração”, ou seja, aquela que já se encontra codificada e
armazenada, e pode ser evocada através de um esforço consciente (memória explícita ou
declarativa) ou de forma involuntária (memória implícita ou não-declarativa). A memória
explícita ou declarativa pode ser episódica – diz respeito ao conhecimento de pessoas,
lugares, fatos – e semântica – trata do significado dos fatos, envolve conceitos atemporais.

Figura 3 – Esquema dos tipos de memória.

Aula 7 Psicologia da Educação 111


Uma informação complexa como a de uma paisagem, por exemplo, nos chega através de
input visual, olfativo, auditivo, somático, afetivo. Essas informações são sintetizadas de modo
a formarem uma imagem única em áreas do cérebro chamadas “córtex de associação”. Daí
Input elas são transferidas para outra região, o hipocampo, que facilita a armazenagem, modulando
outras conexões que facilitem a fixação desta, fazendo conexão com outras informações. Em
Input é o termo que
denota uma entrada seguida, a informação é devolvida ao córtex de associação, no qual ocorre o armazenamento
ou mudanças que são definitivo. Diferentes representações de um objeto são armazenadas separadamente no córtex de
introduzidas em um
associação. Cada vez que um conhecimento é requerido, a evocação é construída por distintos
sistema e que ativam/
modificam um processo. pedaços de informação, cada um dos quais armazenados em áreas específicas da memória.

Figura 4 – Imagem do cérebro dentro do crânio.

De uma maneira geral, pode-se dizer que no conhecimento explícito (fruto da


memória explícita), seja semântico, seja episódico, ocorrem quatro propriedades: 1. não
há um armazenamento único; 2. alguns itens têm múltipla representação no cérebro,
cada uma das quais correspondendo a diferentes significados e podendo ser acessadas
independentemente; 3. é o resultado de, no mínimo, quatro processos: codificação,
consolidação, armazenamento e recuperação; 4. a recuperação é mais efetiva, quando
ocorre no mesmo contexto no qual a informação foi adquirida e na presença dos mesmos
indicativos que estavam disponíveis naquele momento.
É importante salientar que se trata de um processo construtivo, no sentido de
que o indivíduo interpreta o ambiente externo a partir de sua própria história. Uma

112 Aula 7 Psicologia da Educação


vez armazenadas, as lembranças não são uma cópia exata da informação original. As
experiências anteriores são usadas no presente como “pistas” para o cérebro reconstituir
um evento atual e dar-lhe sentido.
Alguns estudos mostram que, quando se pede a sujeitos que evoquem uma história
recentemente lida, a história evocada é mais curta e mais coerente que a original. Os sujeitos não
se dão conta de que a haviam editado e têm mais certeza da veracidade da história editada do que
da original. Isso faz pensar que a memória não é uma repetição factual, mas uma construção,
em que as informações são agrupadas de acordo com critérios exclusivamente pessoais.
Por sua vez, a memória implícita é um tipo de memória que se constrói lentamente, pela
repetição, sendo expressa em atos e não em palavras, como por exemplo, as habilidades
motoras, a aprendizagem de procedimentos e atitudes. Aqui também se observa uma grande
variedade de localização cerebral, a depender das diferentes habilidades aprendidas. Uma
das formas mais conhecidas e divulgadas da aprendizagem que utiliza a memória implícita é
aquela fornecida pelas experiências de condicionamento clássico ou operante, descritas pelo
behaviorismo: a chamada aprendizagem associativa.
Por muito tempo, acreditou-se que um tipo de aprendizagem poderia ser induzido
quando se expunha o organismo a dois estímulos contíguos, de modo que o indivíduo
pudesse fazer a associação de que sua intervenção no meio havia produzido a resposta que
satisfazia a sua necessidade. O exemplo mais clássico da aprendizagem associativa é aquele
em que um rato, colocado em uma caixa de experimentos, “descobre” que, se tocar em
uma determinada barra, recebe alimento, passando, então, a tocá-la sempre que sente fome
(vamos explorar melhor esse tema na aula seguinte, quando discutiremos o Behaviorismo).
Na verdade, esse tipo de aprendizagem está submetido a importantes fatores biológicos.
O animal aprende a associar estímulos que sejam relevantes para sua sobrevivência.
O cérebro está capacitado a perceber alguns estímulos e não outros, ou seja, é capaz de
discriminar algumas relações dentro do ambiente. Por isso, nem todos os reforços são
igualmente efetivos para todos os estímulos ou respostas. Por outro lado, a aprendizagem
associativa pode envolver também memória explícita, de modo que a resposta aprendida
pode estar mediada, pelo menos em parte, por processos conscientes. O sujeito não aprende
simplesmente a aplicar (dar) uma resposta fixa a um estímulo, mas adquire informações que
o cérebro usa para configurar uma resposta apropriada a uma nova situação.

Aula 7 Psicologia da Educação 113


Atividade 3

Escolha um evento (uma festa, um show, um filme) ao qual você tenha


1 ido com outros(as) colegas. Peça a cada um deles para descrever o
que lembram do referido evento.

Que resultado você encontrou? E o que você conclui disso em função


2 do que foi visto até agora sobre a organização da memória?

114 Aula 7 Psicologia da Educação


Afetos e motivação

C
oncentrar-se, ou seja, focalizar a atenção em algo, é, no nível biológico, o esforço
despendido na busca de uma conexão neural, dentre os múltiplos circuitos, de um que
“faça sentido”. Por outro lado, esse esforço de concentração, em alguns momentos,
mostra-se difícil, enquanto em outros é, praticamente automático. O que dirige nossa
atenção? Que fatores influenciam nessa concentração? O que seria assim tão motivador?
Um desses fatores é a resposta afetiva que o estímulo nos desperta.

Na região central do cérebro, em cada um dos hemisférios, há um conjunto de estruturas


anatômicas que está em ligação com as demais: o Sistema Límbico, responsável pelos
estados emocionais. Apesar de existirem emoções primárias, geneticamente determinadas,
algumas se desenvolvem como um componente consciente, fruto da experiência: os
sentimentos. Estudos mostram que existem estreitas conexões entre o Sistema Límbico
(Figura 4) e estruturas corticais localizadas na região pré-frontal, as quais são responsáveis
pela referência cognitiva dos sentimentos. É o córtex pré-frontal que organiza e escolhe,
dentre vários impulsos que lhe chegam, a maneira como vamos reagir afetivamente; e o faz
de acordo com experiências prévias, que ficaram marcadas como experiências agradáveis
ou desagradáveis. Assim, a nossa maior ou menor capacidade de nos concentrarmos vai
depender tanto das experiências anteriores que tivemos ao entrar em contato com o objeto
de nossa concentração, quanto das emoções e sentimentos que esse objeto nos desperta.

Talvez isso explique por que nos dedicamos com tanta facilidade a atividades das quais
gostamos e tenhamos tanta dificuldade em prendermos nossa atenção, por exemplo, em um
tema que nos pareça tedioso e irritante.

A atenção pode ser, também, estimulada por outro fator: a motivação, mais um conceito
amplamente difundido nos estudos sobre aprendizagem. Utilizado, na maior parte das vezes,
em um sentido amplo, referindo-se a uma variedade de fatores neuronais e fisiológicos
que iniciam, sustentam e dirigem um comportamento, o conceito de motivação vincula-
se, tradicionalmente, a aspectos não cognitivos do comportamento, refletindo não o que o
indivíduo sabe, mas o que necessitaria organicamente.

Até bem recentemente, esses estudos estavam restritos às instâncias fisiológicas da


motivação, chamadas “condições mobilizadoras”, que se caracterizam por expressar tensão
ou desconforto, quando surgem necessidades fisiológicas. Assim, quando surgissem
necessidades orgânicas, como a fome, por exemplo, ela se expressaria por sensações de
desconforto, as quais motivaria o indivíduo na busca do alimento. Uma vez satisfeitas as
necessidades, as “condições mobilizadoras” seriam superadas.

Reconhece-se hoje que tais “condições mobilizadoras” são apenas uma parte dos
estados motivacionais que dirigem o comportamento; mesmo a função homeostática da
motivação não necessariamente advém de necessidades orgânicas. Hábitos aprendidos e

Aula 7 Psicologia da Educação 115


sentimentos subjetivos de prazer podem modular a direção dos nossos atos. Nesse sentido,
Kandell (2000, p.1007) apresenta um exemplo: freqüentemente as pessoas, mesmo com
fome, preferem não comer a ingerir um alimento que aprenderam a evitar.

Por outro lado, as aspirações pessoais ou sociais adquiridas pela experiência constituem,
talvez, uma complexa inter-relação entre forças fisiológicas e sociais, entre processos
mentais conscientes e inconscientes. Infelizmente, os estudos sobre esses aspectos são,
ainda, muito incipientes, o que faz com que sua aplicação mais significativa às investigações
sobre aprendizagem ainda não possa ter resultados observáveis.

De tudo que foi discutido nesta aula, podemos concluir que as Neurociências vieram
trazer comprovações para alguns aspectos já entendidos e observados como importantes na
aprendizagem, tais como:

1) a experiência do sujeito, o contato com o meio social em que vive, tem mostrado que
é fundamental para o estabelecimento de conexões sinápticas estáveis. Na verdade, a
experiência modifica mesmo a estrutura da organização cerebral, evidenciando a sua
plasticidade. A importância desta aspecto foi apontada por Vygotsky;

2) a transformação de conexões “lábeis” em conexões estáveis entre os neurônios vai


depender em grande parte de que elas “encontrem sentido”, ou seja, mostrem-se
significativas e úteis. Tal busca de relações de sentido e significação já vinha sendo
apontada por Ausubel;

3) uma vez estabelecida a conexão, com seu uso freqüente, ela torna-se estável, acomoda-
se, equilibra-se. O conceito de acomodação e equilibração já estava colocado por Piaget;

4) as motivações e os afetos, como mecanismos básicos do ser humano, são modificados


pela aprendizagem e são, também, impulsionadores desta, como já mostrava Kurt Lewin.

Na próxima aula, vamos conhecer melhor as teorias desses autores.

Resumo
Nesta aula, estudamos o papel do cérebro para a compreensão de como os
indivíduos aprendem. Vimos, em primeiro lugar, como se organiza o nosso cérebro,
observando as estruturas fundamentais no estudo da aprendizagem, com destaque
para o hipocampo e seu papel no armazenamento da memória, o lobo frontal e o
córtex de associação. Vimos, por fim, a importância dos afetos na capacidade de
prender a atenção e a motivação, fatores importantes no aprendizado.

116 Aula 7 Psicologia da Educação


Autoavaliação
Faça uma síntese sobre a importância da memória para o aprendizado.
1

Por que aprendemos mais facilmente aquilo que nos interessa?


2

Comente a frase: “o estudo repetido leva à aprendizagem”.


3

Referências
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de
Psicologia. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.

HOUZEL, S. H. O cérebro nosso de cada dia. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2002.

KANDELL, E. Principles of neural science. New York: McGraw-Hill/Appleton; Lange, 2000.

LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de Neurociência. São


Paulo: Atheneu, 2001.

Aula 7 Psicologia da Educação 117


Anotações

118 Aula 7 Psicologia da Educação


Como se aprende: a visão dos
teóricos da Educação

Aula

8
Apresentação

N
esta aula, continuaremos a discutir os mecanismos e estratégias que auxiliam na
aprendizagem do indivíduo. Veremos, então, os conceitos trazidos por alguns dos
grandes teóricos da Educação, suas concepções de aprendizagem e mecanismos
que interferem nesse processo.

Objetivos
Conhecer os conceitos de aprendizagem de alguns
1 teóricos da Educação.

Comparar as diversas visões, observando diferenças e


2 semelhanças.

Relacionar a visão desses teóricos com as teorias sobre


3 aprendizagem advindas da Neurobiologia.

Aula 8 Psicologia da Educação 121


As concepções básicas

C
omo vimos na aula 7 (Como se aprende: o papel do cérebro), os avanços da
Ciência permitiram o estudo do cérebro e a formulação de teorias biológicas sobre
aprendizagem. No entanto, muito antes disso, psicólogos dedicaram-se a compreender
o processo pelo qual os homens aprendem, desenvolvendo, para tanto, teorias.

Basicamente, são três as concepções que estão subjacentes às teorias de aprendizagem:

1) Comportamentalismo ou Behaviorismo: focaliza a atenção nos comportamentos


observáveis e mensuráveis, valorizando as respostas aos estímulos. A idéia básica é que
se um determinado comportamento tem uma boa consequência, ele tende a se repetir.
Ao contrário, se a resposta for desagradável, a tendência é o comportamento diminui de
frequência.

2) Cognitivismo: interessa-se pelos processos interiores que ocorrem entre o estímulo e


a resposta, ou seja, os processos mentais como as percepções, a compreensão, as
tomadas de decisão, a atribuição de significado. Admite que a cognição se dá por
construção, sendo por isso tais teorias também conhecidas como Construtivismo.

3) Humanismo: da importância à auto-realização do sujeito aprendiz, isto é, à sua satisfação


pessoal. Valoriza fundamentalmente os sentimentos e os pensamentos do aluno.

Antes de aprofundarmos o estudo de cada uma dessas teorias, vamos fazer um exercício
de identificar como estas se apresentam em situações de sala de aula.

Atividade 1
João terminou sua aula de Geografia e na lanchonete se encontra com Dulce
e Raimundo, outros dois professores da escola. Está super contente porque
considera que hoje deu uma aula fantástica.

– Pessoal, vocês não sabem como hoje foi incrível. Não tinha jeito de fazer
meus alunos se interessarem pela discussão do clima. Eu ia lá, falava direitinho
sobre clima tropical, clima equatorial, clima temperado, e nada deles “entrarem
no clima”. Hoje resolvi fazer o contrário. Comecei comentando com eles a
notícia do Jornal Nacional de que estava nevando no sul do país. “E aqui é esse

122 Aula 8 Psicologia da Educação


inferno! Podia esfriar aqui um pouquinho, não era professor”, disse um deles.
Era a dica que eu queria. Engatei: “pois é, o que será que eles têm que a gente
não tem, né?” Pois não é que fomos discutindo e ao final tínhamos visto todos
os fatores que interferem no clima? Foi muito legal!!!

- E aí, pergunta Dulce, você acha que eles aprenderam? Que nada, vão sair
dizendo que você não dá aula, que fica comentando os programas de televisão.
Pois comigo é diferente. Bolei um joguinho com eles. Cada vez que um deles
lê o texto com a pronúncia do inglês perfeitinha, ganha o direito de usar meu
computador no recreio. Precisa ver como agora todo mundo quer ler. E estão
lendo direitinho, os danados. Parece que treinam em casa.

- Vixe, Dulce, assim também... Você está “comprando” a turma, disse


Raimundo. Pois nas minhas aulas eu procuro ver o que “toca” eles. No início do
semestre quando levo o programa da disciplina, sempre deixo um espaço para
eles sugerirem algum tema dentro do assunto. E saem coisas interessantes,
sabiam? Outro dia, na turma de História do Brasil, um deles disse: “professor,
com essas histórias aí de corrupção nas eleições, por que a gente não coloca
aí uma discussão sobre como é que isso surgiu?” Pois a discussão evoluiu
ao ponto da turma, ao final, propor uma reforma política! Acho que vou até
encaminhar para discussão na Câmara Federal, porque ficou legal, viu?

Com qual teoria cada um desses professores se identifica?

Aula 8 Psicologia da Educação 123


O Behaviorismo

O
Behaviorismo, na sua vertente mais clássica, propôs definir a Psicologia como um
ramo objetivo e experimental das ciências naturais, a qual tinha como objetivo a
possibilidade de prever e controlar os comportamentos. A idéia era de que se eu
obtenho sempre uma determinada resposta a um determinado estímulo, eu já posso prever
qual será a resposta e, assim, controlá-la. Os conceitos básicos de estímulo e resposta se
constituiriam, pois, em eventos observáveis e, por isso, relevantes. Os eventos internos,
como os estados da consciência, seriam irrelevantes porque não produziriam efeitos sociais
observáveis e não seriam passíveis de predição e controle.
John Watson (1878-1958) é reconhecido como o fundador do Behaviorismo (ou
Comportamentalismo) e para ele o objetivo maior era chegar a leis que relacionassem
determinados estímulos a determinadas consequências comportamentais.
É nesse sentido que o Behaviorismo entende a aprendizagem como uma mudança no
comportamento, que resulta da prática do fazer, do experimentar. A experiência de Pavlov
com cães tornou-se clássica: ele apresentava a um cachorro um pedaço de carne, que,
pelo olfato e visão, provocava a salivação. Após isso, ele passou a tocar uma campainha e,
em seguida, apresentar a carne. Depois de várias repetições, o cachorro passava a salivar
somente por ouvir a campainha, sem a necessidade de se apresentar a carne. Assim, um
estímulo que nada tem a ver com alimentação passou a desencadear reações fisiológicas
típicas da digestão. Trata-se do conceito do reflexo condicionado, ou condicionamento
clássico, que vai influenciar bastante a compreensão da aprendizagem. Para Watson, toda
aprendizagem é um condicionamento desse tipo.

Figura 1 – Esquema mostrando a experiência de reflexo condicionado, de Pavlov.

124 Aula 8 Psicologia da Educação


Um dos grandes expoentes dessa corrente do pensamento é Skinner (1904-1990).
Ele faz a distinção entre a aprendizagem por condicionamento clássico da que ocorre por
condicionamento operante, descrita por ele. A aprendizagem por condicionamento operante
apóia-se em respostas do tipo instrumental, ou seja, respostas emitidas a partir de um reforço
específico, que aumenta a probabilidade de sua emissão. O condicionamento operante é um
mecanismo que premia uma determinada resposta de um indivíduo até ele ficar condicionado
a associar a necessidade à ação. É o caso do rato faminto que, numa experiência, percebe
que o acionamento de uma alavanca levará ao recebimento de comida. Ele tenderá a repetir
o movimento cada vez que quiser saciar sua fome.

Figura 2 – Burrhus Frederic Skinner.

Skinner pregou a eficiência do reforço positivo na educação, sendo, em princípio,


contrário a punições e esquemas repressivos, sugerindo que o uso das recompensas e
reforços positivos da conduta correta era mais atrativo do ponto de vista social e também
era pedagogicamente eficaz.

É também Skinner quem lança as bases do ensino programado, cujo suporte se faz
basicamente por quatro postulados: a) um comportamento novo é mais facilmente adquirido
se o sujeito emite respostas a ele, e não simplesmente se se expõe a estímulos; b) um
comportamento novo é mais facilmente adquirido se reforços apropriados são promovidos;
Mapas cognitivos
c) no ensino, a matéria deve ser apresentada fragmentadas, de acordo com dificuldades
Mapas cognitivos,
progressivas; d) o ensino deve contemplar as diferenças individuais.
originalmente, foram
definidos como
Outra distinção feita pelo Behaviorismo é entre aprendizagem e desempenho. A
representações mentais
aprendizagem refere-se ao desempenho, mas não se confunde com ele. O organismo pode de indícios visuais, táteis,
adquirir capacidade para executar certos atos pela aprendizagem, mas o ato pode não ocorrer. auditivos, que configuram
o ambiente e permitem
É a chamada aprendizagem latente, de Tolman (1948), a qual ocorre quando o cérebro organiza-
a localização do sujeito
se em “mapas cognitivos”. Desse modo, conteúdos aprendidos produzidos pela prática no espaço. Atualmente,
seriam aqueles que propiciassem mudanças permanentes no organismo; o desempenho seria tende-se a utilizar um
conceito mais amplo, que
a tradução da aprendizagem em comportamentos. Assim, aprendizagem seria orgânica, neural;
envolva os conceitos e
e o desempenho seria o evento exteriorizável das modificações orgânicas. relações entre conceitos
utilizados pelos sujeitos
Essa distinção, que considera a aprendizagem como não tendo uma face exteriorizável, para compreender o seu
já aponta uma modificação nas idéias iniciais do Behaviorismo e se constitui na corrente ambiente e dar-lhe sentido.

Aula 8 Psicologia da Educação 125


chamada “Behaviorismo Cognitivista”. Como o nome indica, essas idéias estabelecem uma
transição para o Cognitivismo. De acordo com elas, aprender não é incorporar novas formas
de respostas ao meio, mas apreender sinais, captar direções, montar mapas cognitivos ou
seguir modelos que serviriam de “guias” para a apreensão de um novo comportamento.
A teoria da aprendizagem social, de Albert Bandura, enfatiza a importância da modelagem
dos comportamentos, atitudes e respostas emocionais dos outros na aquisição de novos
conhecimentos. Além disso, ressalta que os eventos ambientais (recursos, ambiente físico),
pessoais (crenças, expectativas) e comportamentais (escolhas, atos individuais) interagem
no processo de aprendizagem, em uma condição que ele denominou de “determinismo
recíproco” (BANDURA, 1977, p. 247). Desse modo, ele propõe uma modificação cognitiva
do comportamento, com a incorporação de elementos da subjetividade dos sujeitos como
aspecto importante.

O Cognitivismo

P
reocupado em entender o processo de conhecimento do mundo pelo homem,
o Cognitivismo, ao contrário do Behaviorismo, envolve-se com a análise
dos processos mentais superiores, com o ato do conhecer, com a cognição.
Preocupa-se em analisar como o ser humano conhece o mundo. Preocupa-se, assim,
com os fenômenos da consciência.

O termo parece vir da teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget (1999), que é mais
uma teoria do desenvolvimento mental do que uma teoria de aprendizagem. O Cognitivismo
também é conhecido como Construtivismo, porque o verdadeiro conhecimento – aquele
que é utilizável – é fruto de uma elaboração (construção) pessoal, resultado de um processo
interno de pensamento durante o qual o sujeito coordena diferentes noções entre si,
atribuindo-lhes um significado, organizando-as e relacionando-as com outras anteriores.
Esse processo é inalienável e intransferível: ninguém pode realizá-lo por outra pessoa.

Por outro lado, o termo “cognitivismo” pode ser utilizado como uma conceituação mais
ampla: “se ocupa da atribuição de significados, da compreensão, transformação, armazenamento
e uso da informação envolvida na cognição” (MOREIRA, 1999, p. 15). Nesse sentido, uma das
principais tarefas dessa abordagem do cognitivismo é a construção de modelos matemáticos
e axiomáticos em diferentes campos da investigação, como a inteligência artificial, a formação
de conceitos, a memória semântica, a resolução de problemas. Essa nova ciência cognitiva
vem se constituir na resposta a uma demanda pelo estudo interdisciplinar da mente humana,
abrangendo áreas como as Neurociências, a Informática, a Psicologia.

Vamos discutir melhor essa abordagem a partir de dois dos seus maiores expoentes:
Jean Piaget e Lev Vygotsky.

126 Aula 8 Psicologia da Educação


Piaget
Um conceito fundamental para Piaget é o de estruturas cognitivas, que seriam padrões
mentais subjacentes a atos da inteligência. Piaget pensa a mente como um conjunto de
estruturas que se aplica à realidade, sendo o sujeito um agente dessa construção. Essas
estruturas não são como formações biogeneticamente determinadas, mas progressivamente
produzidas pela interação constante com o ambiente.

As modificações dessas estruturas cognitivas se dão através de processos de adaptação,


os quais são resultados de um movimento contínuo de assimilação e acomodação em
busca do equilíbrio. Esses conceitos são fundamentais para explicar a sua concepção de
aprendizagem, como veremos a seguir.

1) Assimilação – É o processo de integração de novos conhecimentos em estruturas já


existentes. Nesse processo, o que ocorre é uma ação do sujeito sobre os objetos que o
rodeiam, incorporando assim a realidade aos esquemas de ação do indivíduo e transfor-
mando o meio para satisfazer suas necessidades. Mas, trata-se de um esquema concre-
to, ainda bruto, sem modificação dos processos mentais.

2) Acomodação – É o mecanismo de reformulação das estruturas em relação aos novos conte-


údos incorporados, é o processo de busca e ajustamento a condições novas e mutáveis no
ambiente, de tal forma que os padrões comportamentais preexistentes são modificados. Na
medida em que a acomodação implica a reestruturação dos esquemas anteriores, entende-
se que tenha ocorrido a produção ou construção da aprendizagem.

3) Equilibração – É a adaptação decorrente do equilíbrio entre assimilação e acomodação.

Figura 3 – Esquema da concepção de aprendizagem de Piaget.

Assim, para Piaget a aprendizagem somente ocorre quando o esquema de assimilação


sofre acomodação. O mais importante fator de aprendizagem se dá quando o equilíbrio prévio é

Aula 8 Psicologia da Educação 127


rompido por experiências não-assimiláveis e a mente busca novas acomodações e consequentes
novos equilíbrios. É a chamada “equilibração majorante”. Assim, ensinar significa promover
desequilíbrios e envolve a relação entre os esquemas de assimilação do professor, com os
conteúdos que deseja ensinar e os esquemas de assimilação dos alunos que, por sua vez, devem
influenciar os esquemas do professor. O ensino torna-se eficiente quando a argumentação do
professor se aproxima dos esquemas de assimilação dos alunos.

Vygotsky
Para Vygotsky (1896-1934), os mecanismos de desenvolvimento cognitivo têm
origem e natureza sociais e não são frutos exclusivos do desenvolvimento mental. O
desenvolvimento das funções mentais superiores somente ocorrem nas interações
sociais, as quais são o produto das relações sociais, mediadas por instrumentos e signos,
dos quais o mais importante é a linguagem.

Uma vez que o desenvolvimento das funções mentais exige a internalização de signos, a
aprendizagem passa a ser a condição para que isso ocorra. Um dos conceitos mais importantes
Zona de de Vygotsky é o de “zona de desenvolvimento proximal”. É a interação social que vai propiciar
Desenvolvimento a aprendizagem, que deve ocorrer dentro dos limites dessa zona. O ensino, portanto, deve
Proximal
se caracterizar por uma interação social, na qual o professor é aquele que já internalizou
Zona de desenvolvimento significados socialmente aceitos e partilhados; o aluno, por sua vez, deve sempre verificar se
proximal é a distância
entre o nível cognitivo
os significados que internalizou são também compartilhados socialmente dentro da área do
real do indivíduo, medido conhecimento. O ensino se consuma quando professor e aluno compartilham significados.
por sua capacidade
de resolver problemas As idéias de Vygotsky foram incorporadas por outros estudiosos, dentre eles Novak,
independentemente,
para quem o evento educativo é uma ação para trocar sentimentos e significados que
e o seu nível de
desenvolvimento sejam aceitos e partilhados socialmente entre professor e alunos. No entanto, o aluno pode
potencial, medido por aprender significativamente conceitos “errados”, que não são partilhados socialmente Com
meio da solução de
o professor, mas sim com seu grupo social de origem.
problemas sob orientação
ou em colaboração com
Vygotsky não concebe os processos cognitivos isolados da totalidade dinâmica da
companheiros capazes.
consciência. Para ele, o pensamento humano só pode ser compreendido quando se entende
a sua base afetivo-volitiva. Uma das principais limitações da Psicologia tradicional é a
separação entre processos cognitivos de um lado e afetivo-volitivos de outro, como se o
pensamento fosse “[...] um fluxo autônomo de ‘pensamentos que pensam por si próprios’,
dissociados da plenitude da vida, das necessidades e interesses pessoais, das inclinações e
dos impulsos daquele que pensa” (VYGOTSKY, 1998, p. 6).

A idéia básica do Construtivismo, portanto, é a de que o indivíduo conhece na medida


em que constrói sua estrutura cognitiva e interpreta os eventos e objetos do mundo,
respondendo não apenas mecanicamente a eles. As estruturas prévias, as inter-relações
com o mundo circundante, os construtos já incorporados pela cultura do sujeito são, então,
fundamentais nessa construção individual. As ações não seriam fruto de modificações

128 Aula 8 Psicologia da Educação


orgânicas permanentes, mas gerariam na mente do sujeito estruturas dinâmicas que se
constroem e re-constroem, tornando o sujeito aprendiz um elemento ativo e criativo do seu
próprio saber e não um mero receptor de conhecimentos.

Figura 4 – Vygostky e esquema de sua teoria de aprendizagem.

Como diz Teixeira:

a aprendizagem construtivista é a que mais se parece com uma aventura intelectual. Mas
necessita – pelo menos a princípio – da presença de um guia que não seja impaciente e que
permita que o pensamento de quem aprende siga o curso imprescindível para converter
os conhecimentos em algo próprio, precisa de um guia que respeite os processos, que
não se empenhe em substituir a pessoa que está aprendendo, antecipando-lhe resultados
e respostas já conhecidos por ela, como esses amigos bem-intencionados que sempre
insistem em contar o final do filme. Uma das falsas ilusões do ensino é que os estudantes
podem passar de um estado de ignorância para um estado de conhecimento, sobre um
tema concreto, no curto intervalo de tempo de uma sessão de aula. Esta crença, que
simplifica a existência de processos inerentes a toda aprendizagem, é uma fonte de mal-
estar e frustração tanto para o professor quanto para alunos e alunas, fundamentalmente
porque não coincide com a realidade. A negação da realidade leva facilmente ao fracasso
e provoca um sentimento pessimista de impossibilidade.

Extraído de: TEIXEIRA, Gilberto. Por que o construtivismo. Disponível em: <http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ur.php?modulo=98texto=469>.
Acesso em: 26 jul. 2007.

Aula 8 Psicologia da Educação 129


O Humanismo

A
perspectiva da junção de todos os elementos da consciência no ato de aprender vai estar
presente nas correntes teóricas chamadas Humanismo. Surgido a partir dos trabalhos de
Abraham Maslow (1908-1970), o Humanismo caracteriza-se, basicamente, por centrar-
se no conceito de pessoa; não no de comportamento. Enfatiza, ainda, a condição de liberdade
contra o determinismo e objetiva a compreensão e o bem-estar humanos.

Para o Humanismo, há uma tendência natural do ser humano para aprender, aumentar
seus conhecimentos; contudo, a aprendizagem somente se torna significativa quando
contribui para a auto-realização do sujeito. Por compreender o sujeito aprendiz como uma
totalidade, entende o ato de aprender como envolvendo não somente a cognição, mas
também os aspectos afetivos e as ações, já que influem nas ações e escolhas do indivíduo.

Essas teorias estão preocupadas com o conhecimento pessoal propiciado pela


aprendizagem, entendendo que as condições nas quais ela ocorre devam ser o mínimo
ameaçadoras e o máximo acolhedoras possível. A independência do aprendiz, o estímulo a
sua criatividade e autoconfiança são condições básicas para que a aprendizagem ocorra. O
confronto do sujeito com o meio será significativo para a aprendizagem apenas quando ele
for colocado em situações que envolvam vivências de cunho existencial significativas.

Figura 5 – Carl Rogers.

O maior expoente dessa visão é Carl Rogers (1902-1987), que propõe um aprendizado
centrado no aluno. Para ele, uma aprendizagem adequada é aquela que leva o aluno a “aprender
a aprender”, ou seja, para além da importância dos conteúdos, o mais significativo para Rogers
é a capacidade do indivíduo interiorizar o processo constante de aprendizagem. O professor
precisa tornar-se um facilitador da aprendizagem para tanto, é essencial que tenha segurança e
acredite na pessoa do aluno, na sua capacidade de aprender e pensar por si próprio.

Rogers propõe algumas qualidades que o professor precisa ter para ser um facilitador:
a primeira é a autenticidade do facilitador, que significa a capacidade de ser autêntico e
real na relação com o aluno; a segunda é aceitar a pessoa do aluno, seus sentimentos,

130 Aula 8 Psicologia da Educação


suas opiniões, sem julgamentos prévios; a terceira é a capacidade da empatia, ou seja,
compreender o aluno a partir do seu quadro de referências. “Quando o professor tem a
capacidade de compreender internamente as reações do estudante, tem uma consciência
sensível da maneira pela qual o processo de educação e aprendizagem se apresenta ao
estudante” (ROGERS, 1986, p. 131).

O Humanismo está, portanto, mais preocupado com as relações entre os sujeitos


no momento da aprendizagem. Centra seu foco na pessoa que aprende, entendendo
pessoa como um ser total, que pensa, sente e age, e valorizando fortemente a liberdade e
autodeterminação natural desse ser.

Atividade 2
Agora que vimos como se colocam as diversas teorias da
1 aprendizagem, vamos fazer um exercício de observação: com qual
delas nos identificamos e por quê.

Se você tem ou teve alguma experiência como professor(a), descreva


2 a seguir sua prática, as teorias com que ela se identifica e por quê.

Aula 8 Psicologia da Educação 131


Resumo
Na aula de hoje, conhecemos as mais importantes correntes teóricas sobre a
aprendizagem: o Behaviorismo, o Cognitivismo e o Humanismo. Cada uma delas
propõe uma maneira de conseguir a aprendizagem a partir do entendimento do
Homem. O Behaviorismo prioriza a observação dos comportamentos externos;
o Cognitivismo considera o sujeito consciente e suas relações sociais; e o
Humanismo considera o indivíduo e suas particularidades.

Autoavaliação
Destaque das três abordagens teóricas discutidas os seus principais conceitos.

Behaviorismo

Cognitivismo

Humanismo

132 Aula 8 Psicologia da Educação


Referências
BANDURA, A. Social learning theory. New Jersey: Pretince-Hall, 1977.

MOREIRA, M. A. Teorias de aprendizagem. São Paulo: Editora Pedagógica


Universitária, 1999.

PIAGET, J. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ROGERS, Carl. Liberdade de aprender em nossa década. 2. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1986.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Aula 8 Psicologia da Educação 133


Anotações

134 Aula 8 Psicologia da Educação


Anotações

Aula 8 Psicologia da Educação 135


Anotações

136 Aula 8 Psicologia da Educação


Estratégias e estilos
de aprendizagem: a
aprendizagem no adulto

Aula

9
Apresentação

D
iscutimos até agora as diversas teorias que tratam da aprendizagem de forma geral.
No entanto, em nossa prática docente, observamos que alguns alunos têm uma
melhor aprendizagem quando o conteúdo é apresentado de determinada maneira
ou quando organizam seu estudo dentro de alguns parâmetros, por exemplo. Isso acontece
porque cada um tem o seu estilo de aprender e de desenvolver suas próprias estratégias. São
esses pontos que discutiremos nesta aula.

Objetivos
Reconhecer os diferentes estilos de aprendizagem e
1 suas características.

Reconhecer as estratégias de aprendizagem construídas


2 pelos sujeitos aprendizes.

Identificar a importância dos estilos e estratégias de


3 aprendizagem para a organização da discussão dos
conteúdos a serem aprendidos.

Aula 9 Psicologia da Educação 139


Introdução

J
á há um grande entendimento de que cada pessoa aprende de uma maneira diferente.
Uns preferem estudar enquanto ouvem música, outros preferem o silêncio; uns
precisam de muita luz, outros preferem um ambiente com mais penumbra; uns, ainda,
organizam e limpam todo o seu espaço de estudo, enquanto outros podem estudar em
meio a pilhas de livros e papéis. Os estudos têm mostrado que as pessoas desenvolvem
estratégias que lhes permitam a melhor maneira de adquirir conhecimento, as quais podem
se constituir em estilos de aprendizagem.

Atividade 1
E você, como se organiza para estudar? Descreva a seguir os procedimentos
que adota nos momentos dedicados ao estudo.

140 Aula 9 Psicologia da Educação


Estilos de aprendizagem

P
odemos observar que em grupos de estudo compostos por mais de duas pessoas,
que partem do mesmo nível de conhecimento em determinada matéria, encontramos
grandes diferenças nos conhecimentos de cada membro, apesar de todos terem
recebido as mesmas explicações e feito as mesmas atividades. Cada uma das pessoas
aprenderá de maneira diferente, terá dúvidas diferentes e avançará mais em uma área do que
em outras. O que determina essas variações?

Vários são os fatores que podem influenciar na aprendizagem: a motivação, os


conhecimentos prévios, a idade. Mas, por que nos deparamos com turmas que têm a mesma
motivação, a mesma idade, a mesma bagagem cultural, e, no entanto, aprendem de maneira
distinta, de modo que enquanto uns preferem redigir os textos, outros se sentem melhor
corrigindo a parte gramatical e revendo o que foi escrito? Essas diferenças se devem a
maneiras distintas de aprender.

O conceito de estilo de aprendizagem está diretamente relacionado, por um lado,


com a concepção de aprendizagem como um processo ativo e, por outro lado, com as
novas concepções de inteligência, já discutidas na aula 2 (A inteligência). Ele tem sido
utilizado, sobretudo, pelos teóricos que desenham modelos de aprendizagem baseados
no processamento da informação e tem se mostrado útil na organização de estratégias de
ensino por parte dos professores.

Assim, as diversas teorias que discutem os estilos de aprendizagem podem ser


observadas em três momentos do processamento da informação: recepção, seleção e
organização e utilização, os quais serão discutidos a seguir.

A recepção da informação

E
stamos recebendo a cada momento, através dos nossos órgãos dos sentidos,
uma grande quantidade de informações. Nosso cérebro seleciona uma parte e
ignora o resto. Naturalmente, tendemos a selecionar aquelas informações que nos
interessam, mas, dependendo da forma como elas nos são apresentadas, as selecionamos
com maior ou menor facilidade.

Aula 9 Psicologia da Educação 141


Atividade 2
Quando você é apresentado a alguém, o que lhe é mais fácil recordar:
1 o nome, o rosto ou o jeito da pessoa?

Vamos fazer um pequeno exercício de memória: procure lembrar, da


2 maneira mais detalhada possível, alguma conversa recente que você
teve com alguém. Recorde os nomes, os rostos, o ambiente, a maneira
das pessoas falarem, o tom das vozes, os gestos, como você se sentiu.
O que foi mais fácil de lembrar? O que lhe veio primeiro à mente?

142 Aula 9 Psicologia da Educação


Os autores descrevem três grandes sistemas de representação mental da informação: o
sistema de representação visual, o sistema de representação auditivo e o sistema de representação
cinético. Utilizamos o sistema de representação visual quando recordamos imagens abstratas
e concretas. Por exemplo, quando nos recordamos de uma festa a que fomos, lembramos das
pessoas que estavam e lembramos também de como percebemos o estado de espírito delas.
Já o sistema auditivo nos possibilita trazer à nossa memória sons, músicas, vozes. Quando
recordamos informações associadas a nossas sensações e movimentos relacionados a nosso
corpo, estamos utilizando nosso sistema cinético, como, por exemplo, quando lembramos do
nosso sentimento ao ouvirmos determinada canção. Utilizamos esse sistema também quando
necessitamos recordar movimentos ou quando realizamos esses movimentos automaticamente,
como quando andamos de bicicleta ou digitamos algo no computador.

Figura 1 – A utilização de recursos de ensino usando o sistemas visual e auditivo.

A maioria de nós utiliza os sistemas de representação de maneira desigual,


potencializando uns e subutilizando outros. E por que isso acontece? Primeiro porque os
sistemas de representação se desenvolvem de acordo com sua frequência de uso; segundo,
porque eles têm características próprias.

Sistema de representação visual – Este sistema nos possibilita apreender a


mensagem através de imagens, o que facilita a absorção de um grande volume
de informação com rapidez. Visualizar ajuda a estabelecer relações mais
facilmente entre diferentes ideias e conceitos. Este sistema é acionado quando,
por exemplo, assistimos a uma aula na qual o professor faz apresentação de
mapas, figuras, esquemas.

Sistema de representação auditivo – Este sistema permite a apreensão de


informações através de sons, como quando ouvimos explicações ou mesmo
quando fornecemos informações a outras pessoas. Ouvir o som da própria voz
pode ser um mecanismo eficaz para internalizar a informação. Este sistema não

Aula 9 Psicologia da Educação 143


é muito eficaz para lidar com conceitos, mas é fundamental na aprendizagem
de idiomas e de músicas, por exemplo.

Sistema de representação cinético – Este sistema atua quando associamos a


informação a movimentos do nosso corpo ou à percepção do que nos ocorre
internamente. É o mecanismo que atua naturalmente quando aprendemos
um esporte, por exemplo, ou quando automatizamos um comportamento de
modo a poder executá-lo sem que pensemos como o estamos fazendo. Mesmo
sendo um sistema de aprendizagem mais lenta, esta é muito mais duradoura
e profunda do que a proveniente dos demais sistemas. Podemos esquecer
facilmente uma lista de palavras que visualizamos ou ouvimos, mas nunca
esquecemos, por exemplo, como andar de bicicleta.

Figura 2 – O uso de computadores no ensino pode mobilizar os três sistemas de representação.

A partir do maior desenvolvimento de um desses sistemas, vamos desenvolver


características no nosso estilo de aprendizagem, que estará em consonância com esse
desenvolvimento. Assim, se desenvolvemos mais o sistema de representação visual, vamos
aprender melhor quando visualizamos a explanação, uma vez que será complicado apenas
ouvir. Se, por outro lado, o nosso sistema de representação auditivo é o mais desenvolvido,
vamos aprender mais facilmente o que ouvimos e, mesmo quando estudamos sozinhos,
costumamos ler em voz alta para fixarmos a matéria na memória auditiva. Mas, se temos
o sistema de representação cinética mais desenvolvido, precisaremos experimentar, fazer,
tocar, para aprendermos com mais eficácia. A tabela a seguir nos mostra esses estilos de
aprendizagem de maneira mais detalhada.

144 Aula 9 Psicologia da Educação


Tabela 1 – Estilos de aprendizagem baseados nos sistemas de representação.

Visual Auditivo Cinético

Distrai-se mesmo
sozinho. Move os lábios
Responde às
Organizado, ordenado e ao ler. Tem facilidade
manifestações físicas de
tranquilo. Preocupado com as palavras.
carinho. Gosta de tocar
com seu aspecto. Sem preocupações
Conduta em tudo. Move-se e
Voz aguda e queixo com o aspecto físico.
gesticula muito. Fala alto.
empinado. As emoções Monopoliza a conversa.
Expressa suas emoções
se vêem na cara. Gosta de música.
com movimentos.
Expressa verbalmente
suas emoções.

Aprende o que ouve,


Aprende com o que
Aprende o que vê. geralmente repetindo
toca e com o que
Necessita de visão para si mesmo todo o
Aprendizagem faz. Necessita estar
detalhada e de saber processo. Perde-se ao
pessoalmente envolvido
para onde vai. esquecer de um passo.
em alguma atividade.
Não tem uma visão global.

Gosta dos diálogos e das


Gosta das descrições. As Gosta das histórias de
obras de teatro. Evita as
vezes, fica com o olhar ação. Movimenta-se ao
Leitura descrições longas. Move
perdido, imaginando um ler. Não é um grande
os lábios e não se fixa
cenário. leitor.
nas ilustrações.

Não comete erros. “Vê” Comete erros. “Fala” as Comete erros. Escreve as
Ortografia as palavras antes de palavras e as escreve de palavras e testa se estão
escrevê-las. acordo com o som. adequadas.

Recorda o que fez, ou a


Recorda o que vê, por Recorda o que ouve, por
impressão geral que isso
Memória exemplo, os rostos, mas exemplo, os nomes, mas
lhe causou, mas não os
não os nomes. não os rostos.
detalhes.

Pensa em imagens. As imagens são poucas


Pensa em sons. Não
Imaginação Visualiza de maneira e pouco detalhadas,
recorda os detalhes.
detalhada. sempre em movimento.

De maneira sequenciada
e por blocos. Perde-se se
Armazenamento da Rapidamente e em Mediante a “memória
indagado por aspectos
informação qualquer ordem. muscular”.
isolados ou fora da
ordem das perguntas.

Gosta de escutar, mas


Impacienta-se quando Gesticula ao falar. Não
tem que falar sempre.
Comunicação tem que escutar durante escuta bem a fala do
Faz longas e repetidas
muito tempo. outro.
descrições.

Extraída de: <http://www.galeon.com/aprenderaaprender/vak/vakcomport.htm>.

Aula 9 Psicologia da Educação 145


Atividade 3
A partir das informações contidas na Tabela 1, identifique em você o
1 seu estilo de aprendizagem predominante: visual, auditivo ou cinético.
Por quê?

Converse com seu grupo e veja se é possível identificar os estilos


2 de aprendizagem dos componentes. Em seguida, tente elaborar
planos de aulas de uma disciplina (a sua escolha), que atendam à
especificidade de cada um dos estilos estudados.

146 Aula 9 Psicologia da Educação


Seleção, organização e
utilização da informação

O
modo como as pessoas selecionam as informações, as organizam e as utilizam,
transformando-as em conhecimento, também varia de acordo com algumas
características pessoais, criando tipologias, que podem ser muito úteis para a maneira
como o professor planeja suas atividades de ensino. A seguir apresentamos dois modelos.

Modelo de Kolb
Este modelo classifica os estudantes a partir de dois parâmetros: a) a aquisição da
informação, que pode se dar na forma de uma experiência concreta ou de uma conceitualização
abstrata; e b) a internalização da informação, que pode se dar como uma experimentação
ativa ou observação reflexiva. Disso resultariam os tipos de aprendizes que seguem.

a) Tipo 1 – Concreto, reflexivo – Uma pergunta característica deste tipo é “Por que?”. Eles
respondem bem a explanações sobre temas relacionados a suas experiências, seus
interesses, sua carreira. O professor deve ter função de motivador, estimulando os
alunos a buscarem respostas para suas indagações.

b) Tipo 2 – Abstrato e reflexivo – Uma pergunta característica deste tipo é “O que?”. Eles
respondem bem a apresentações organizadas e lógicas, e se beneficiam delas quando
têm tempo para reflexões. O professor deve ter o papel do expert, aquele que provê o
aluno de informações atualizadas, que lhe permitam as reflexões.

c) Tipo 3 – Abstrato e ativo – Uma pergunta característica deste tipo é “Como?”. Eles
precisam ter oportunidades de trabalhar ativamente em tarefas bem definidas e
aprendem por ensaio e erro, em condições que lhes permitam errar, mas com suporte.
O professor deve atuar como um treinador, guiando e dando feedbacks. Feedback

Apesar de ser um
d) Tipo 4 – Concreto e ativo – Uma pergunta característica deste tipo é “E se?” Eles termo do idioma inglês,
gostam de aplicar o conhecimento em novas situações que lhes permitam a resolução feedback é uma palavra
que já aparece nos
de problemas reais. O professor deve atuar deixando livre o caminho para maximizar as dicionários da língua
oportunidades dos alunos, permitindo que descubram coisas por eles mesmos. portuguesa. Um dos seus
sentidos é o que está
sendo usado aqui: o de
realimentação.

Aula 9 Psicologia da Educação 147


Figura 3 – Alguns alunos aprendem melhor quando trabalham com modelos, como esses da Química.

Modelo de Felder-Silverman
Este modelo classifica os estudantes como:

a) sensoriais (concretos, práticos, orientados para fatos e procedimentos) e intuitivos


(conceituais, inovadores, orientados para teorias e significados);

b) visuais (preferem representações visuais, diagramas, fotos, gráficos) e verbais


(preferem explanações escritas ou faladas);

c) indutivos (preferem as apresentações que partem do específico para o geral) e dedutivos


(preferem apresentações que partem do geral para o específico);

d) ativos (aprendem experimentando ou trabalhando com os outros) e reflexivos


(aprendem pensando; trabalham sozinhos);

e) sequenciais (lineares, ordenados, aprendem por etapas) e holísticos (pensamentos


sistêmicos, globais, aprendem por círculos).

148 Aula 9 Psicologia da Educação


Importância dos
estilos de aprendizagem

C
onhecer os estilos de aprendizagem dos alunos pode ser de grande auxílio ao professor
na hora de planejar suas disciplinas, pois, ao considerar que as pessoas aprendem de
maneiras diferentes, a sua preocupação em conhecer os diversos estilos significa não
estabelecer uma aula padrão, com atividades iguais para todos.

Estratégias de aprendizagem
Estratégias de aprendizagem podem ser definidas como sequências de procedimentos
ou atividades que se escolhem com o propósito de facilitar a aquisição, o armazenamento
e/ou a utilização da informação. Podem ser consideradas como qualquer procedimento
adotado para a realização de uma determinada tarefa; são conscientes e intencionais.

Essas estratégias podem, ainda, ser cognitivas ou metacognitivas. As primeiras referem-


se a comportamentos e pensamentos que influenciam o processo de aprendizagem, de
maneira que a informação possa ser armazenada com mais eficiência. Elas auxiliam a retenção
e a utilização de novos conhecimentos; sua associação com conhecimentos prévios; o
desenvolvimento e a reconstrução desses novos conhecimentos; bem como sua transferência
para outros usos, situações e contextos. Um exemplo seriam as estratégias mnemônicas,
aquelas que otimizam a retenção do conhecimento, cujo princípio consiste basicamente em
estabelecer associações criativas entre as informações a serem memorizadas. Por exemplo,
quando associamos nomes que temos dificuldade de recordar com nomes semelhantes do
nosso cotidiano.

As estratégias metacognitivas são procedimentos que o indivíduo adota para planejar,


monitorar e regular o seu próprio pensamento. A metacognição é, em termos simples, a
consciência dos processos mentais que empregamos em um processo de aprendizagem,
a capacidade de identificar as estratégias que utilizamos para promover uma aprendizagem
mais duradoura e que leve a resultados mais eficazes. A consciência dessas estratégias e
seu uso são essenciais para a utilização eficaz das estratégias cognitivas, como também para
orientar e avaliar nosso progresso em relação aos objetivos traçados.

Quando nos deparamos com jogos como xadrez, War ou outros jogos de estratégia e
desafio, nos sentimos, em um primeiro momento, sem saber o que fazer. Mas, em seguida,
começamos a experimentar estratégias que já utilizamos antes e passamos a prová-las
para ver a sua adequação e eficácia nessa nova situação. Selecionamos, então, aquelas que
funcionam e passamos a utilizá-las para vencer o desafio. Esse processo de pensar sobre
como pensar é um processo metacognitivo.

Aula 9 Psicologia da Educação 149


Os autores identificam cinco tipos de estratégias de aprendizagem:

1) estratégias de ensaio – quando repetimos o que queremos aprender, verbalmente ou


através da escrita;

2) estratégias de elaboração – quando criamos relações entre o que já sabemos sobre


o assunto e as novas informações, criando analogias, fazendo resumos, elaborando
perguntas;

3) estratégias de organização – quando colocamos ordem na estrutura do material a ser


estudado, fazendo diagramas, mapas, estabelecendo tópicos prioritários;

4) estratégias de monitoramento da compreensão – quando tomamos consciência do


grau de compreensão do material, percebendo o que foi compreendido e o que não foi,
estabelecendo novas estratégias e questionamentos;

5) estratégias afetivas – quando mantemos a motivação, controlamos a ansiedade e a


frustração, mantemos também a atenção e o desempenho adequadamente.

Atividade 4
Retome os seus procedimentos descritos na atividade 1, e compare-os com esses
cinco tipos de estratégias descritos pelos autores. Como você as identifica?

Importância das estratégias de aprendizagem


Em educação a distância, como sabemos, um dos pontos mais importantes para o êxito
no desempenho e no aprendizado é a capacidade do aluno de organizar-se para o estudo.
A otimização do tempo disponível, a organização do espaço, a estruturação do conteúdo
a ser estudado são aspectos fundamentais para um bom resultado. Tais aspectos, sendo
fundamentais em cursos a distância, não são menos importantes em cursos presenciais.
Fornecer instrumentos que ajudem nossos alunos a estabelecer suas estratégias, respeitando
o estilo de aprendizagem de cada um, deve ser papel de um bom professor.

150 Aula 9 Psicologia da Educação


Resumo
Nesta aula, vimos as características de aprendizagem individuais do sujeito adulto
e como, para ter mais êxito no aprendizado, ele pode se organizar. Entendemos,
assim, que uma boa prática do professor é conceber seus alunos como seres
individuais, com características próprias, não sendo, portanto, conveniente
organizar planos de aula que não levem em conta essas características.

Autoavaliação
Quais os sistemas de representação mental da informação?
1
Compare os sistemas de representação com os estilos de aprendizagem.
2
Qual a diferença entre estilo e estratégia de aprendizagem?
3

Qual a importância de conhecer o estilo de aprendizagem dos nossos alunos?


4

Referências
BORDENAVE, J. E. Estratégias de ensino-aprendizagem. Rio de Janeiro, Editora Vozes,1993.

JOLY, M.C. R. A.; SANTOS, A. A. A.; SISTO, F. F. (Orgs.). O aluno universitário e suas
questões. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo, 2005.

POZO, J. I.; MONEREO, C.; CASTELLÓ, M. O uso estratégico do conhecimento. In:


Desenvolvimento psicológico e educação – 2: psicologia da educação escolar. Porto Alegre:
Artmed, 2004. p. 145.

Aula 9 Psicologia da Educação 151


Anotações

152 Aula 9 Psicologia da Educação


Anotações

Aula 9 Psicologia da Educação 153


Anotações

154 Aula 9 Psicologia da Educação


A dinâmica dos grupos
e o processo grupal

Aula

10
Apresentação

A
té agora, discutimos a forma como a Psicologia estuda e descreve o indivíduo. Mesmo
quando apresentamos e defendemos uma abordagem que trata desse indivíduo como
um ser sócio-histórico, é sempre do indivíduo que estamos falando. A partir desta
aula, vamos começar a discutir um conjunto de temas que analisa o comportamento das
pessoas na sua vida em grupos. Iniciaremos, então, conceituando os grupos sociais, como
eles se constituem e qual a sua dinâmica.

Objetivos
Conhecer os conceitos de instituição, de organização
1 e de grupo.

Distinguir os tipos de grupos.


2
Distinguir os fenômenos que ocorrem na dinâmica de
3 um grupo.

Conhecer os grupos operativos.


4
Conhecer algumas técnicas de trabalho em grupo para
5 uso em sala de aula.

Aula 10 Psicologia da Educação 157


Os estudos iniciais

P
assamos a maior parte das nossas vidas convivendo em grupos. Seja a nossa família,
seja o grupo de amigos, seja a turma do trabalho, estamos sempre compartilhando nosso
cotidiano com outras pessoas. Já em 1919, um estudioso chamado Trotter (1919-1953)
definia o instinto gregário como um dos quatro instintos básicos do homem, sendo os outros:
o instinto de autopreservação, o instinto de nutrição e o instinto sexual. O instinto gregário
seria aquele que nos faria procurar sempre viver em grupos, como uma forma – conforme
explicação darwiniana – de tornarmo-nos mais resistentes à seleção natural.

Para a Psicologia, o estudo dos grupos é um dos seus temas fundamentais, ao ponto
de existir um ramo chamado Psicologia Social. A preocupação da Psicologia com o estudo
dos grupos começa com os estudos da chamada Psicologia das Massas, que tentava
compreender fenômenos coletivos. Na verdade, o início dessas preocupações ocorreu
quando os psicólogos, ao se debruçarem sobre a Revolução Francesa, se perguntavam
como era possível uma multidão de pessoas ser levada por um líder a comportamentos
que muitas vezes colocavam em risco as suas próprias vidas. E assim buscavam saber que
fenômeno era aquele capaz de possibilitar a um enorme grupo agir com tamanha coesão.

Figura 1 – A tomada da Bastilha, marco da Revolução Francesa.

A referência clássica para essa discussão é o francês Gustave Le Bon (1841-1931), que
publicou em 1895 um livro chamado “Psicologia das Massas”, o qual é reeditado até os dias
atuais. Para Le Bom, havia uma ruptura profunda entre o fenômeno individual e o fenômeno
coletivo, ao ponto de se poder falar de uma “psicologia das multidões” e de uma psicologia do
indivíduo. A multidão é apresentada como uma espécie de ser unitário provido de características
psicológicas próprias, de modo que os indivíduos que a compõem perdem suas características
pessoais, sua autonomia, e passam a agir como uma espécie de “psiquismo coletivo”, muitas
vezes, com comportamentos que o sujeito, quando fora da multidão, jamais teria. Há, pois, a perda
da individualidade e a formação de um novo todo, que não é a soma das partes. Para Le Bom,
isso se daria por três fatores: o sentimento de poder, o contágio mental e a sugestibilidade.

158 Aula 10 Psicologia da Educação


Figura 2 – As manifestações nazistas: objeto de estudo da Psicologia das Massas.

Freud também preocupou-se em estudar a questão dos grupos a partir das idéias de
Le Bon. Em seu livro “A Psicologia das Massas e a análise do Eu” (1973), ele propõe que as
massas também não podem ser pensadas como tendo uma forma única. Existiriam, então,
as multidões efêmeras e as mais duradouras; as homogêneas, formadas por indivíduos
semelhantes, e as não homogêneas; as primitivas e aquelas que possuem um alto grau
de organização, que ele chama “massas artificiais”. Hoje, conhecemos esses grupamentos
organizados e estruturados como “instituições”, como veremos a seguir.

Para Freud, não haveria uma mente grupal ou um “psiquismo coletivo”, como
propunha Le Bon. Todos os comportamentos individuais dentro de uma multidão poderiam
ser compreendidos a partir do psiquismo dos indivíduos, na medida em que os processos
mentais se articulam desde cedo com a dimensão social da existência. As vinculações
se dariam em dois eixos: um vertical, no qual os indivíduos se ligariam aos líderes, que
encarnariam a figura primordial do chefe da tribo; e um eixo horizontal, no qual haveria
uma ligação dos membros uns com os outros, de modo que os indivíduos imersos em uma
multidão se sentiriam mais desenvoltos para assumir riscos.

Exemplos de atuações de massas podem ser observados historicamente, como o


Nazi-fascismo; mas também na vida cotidiana, como as torcidas organizadas em estádios
de futebol, ou mesmo protestos radicais, como as manifestações de “quebra-quebra”
em transportes coletivos.

Aula 10 Psicologia da Educação 159


Atividade 1
Procure recordar se você já participou de manifestações de massa. Se você não
vivenciou manifestações desse tipo, seguramente, já assistiu a algumma nos
jornais de TV ou em filmes. Descreva essa situação a seguir, relatando quais
foram os seus sentimentos nesse momento.

As instituições,
as organizações e os grupos

R
etomemos agora a questão inicial: nossa vida cotidiana é marcada pela vida em grupo.
Para que possamos viver em grupo, são necessárias certas regras, combinações e
acertos. Tomemos como exemplo a rotina do nosso trabalho. Saímos de casa em uma
determinada hora e vamos a um ponto de ônibus. Sabemos que este passará em uma certa
hora que nos permitirá estar no trabalho na hora precisa. Para que isso aconteça, ou seja, para

160 Aula 10 Psicologia da Educação


que nós tenhamos a tranquilidade de esperar o ônibus sabendo que ele virá, foram necessários
alguns acertos e combinações que, no caso, ocorreram sem que nós precisássemos intervir.
Chegando ao trabalho, esperamos encontrar a porta aberta e o espaço organizado para que
iniciemos nossas tarefas. Sabemos também que vamos encontrar os nossos colegas. Todos
esses eventos acontecem a partir desses acertos implícitos, dessa regularidade, dessas
normas, os quais nos permitem conviver em grupo. A isso chamamos institucionalização, ou
seja, o estabelecimento de regularidades comportamentais que possibilitam o viver coletivo.

A institucionalização começa como um processo em que as pessoas vão, aos poucos,


descobrindo qual a melhor forma, a mais rápida, a mais econômica, de desempenhar suas
tarefas. Quando essa forma se repete muitas vezes, torna-se um hábito. Com o passar do
tempo, com a transferência desse hábito para as gerações seguintes, começa a haver uma
tradição que não exige mais questionamentos e, então, impõe-se por ser uma herança
dos antepassados. Depois de muitas gerações, passamos a não nos dar conta do por que
continuamos a fazer daquela forma, perdemos a referência de que a herdamos de nossos
antepassados. Nesse momento, dizemos que a regra social foi institucionalizada.

A instituição é, pois, “um valor ou regra social reproduzida no cotidiano com estatuto
de verdade, que serve como guia básico de comportamento e padrão ético para as pessoas
em geral [...] é o que mais se reproduz e o que menos se percebe nas relações sociais”
(BOCK, 1999, p. 217).

Esse conjunto de regras e valores concretiza-se na sociedade em uma instância chamada


organização. A organização pode ser complexa, como as empresas, ou mais simples, como
um pequeno estabelecimento, uma entidade não governamental. De todas as maneiras, é
onde vão se manter e reproduzir as instituições sociais, ou seja, é na organização que vamos
dar vida ao conjunto de regras que estabelecemos para a convivência em grupo. Assim,
tanto as instituições quanto as organizações somente existem em função de um conjunto de
pessoas que reproduzem e, às vezes, reformulam as regras e os valores: o grupo.

Os autores definem grupo como sendo uma unidade que se dá quando os indivíduos
interagem entre si e compartilham normas e objetivos.

Figura 3 – Os grupos de idosos.

Aula 10 Psicologia da Educação 161


Atividade 2
Vamos tentar fazer a diferenciação entre institucionalização e organização. Tome
como referência alguma organização que você conheça. Cite essa organização
e liste alguns procedimentos institucionalizados que nela ocorrem.

Tipos de grupos

O
s grupos podem ser classificados como primários ou secundários. Os grupos
primários são aqueles constituídos para a satisfação das necessidades básicas da
pessoa e a formação de sua identidade. Caracterizam-se por fortes vínculos afetivos
interpessoais e uma hierarquização de poder. Um exemplo pode ser o grupo familiar.

Os grupos secundários são aqueles constituídos para a satisfação das necessidades


sistêmicas ou de interesses de grandes grupos e classes. Sua identidade é construída
pelo papel social que o indivíduo desempenha e o poder está centrado na capacidade e na
ocupação social dos seus membros. Um exemplo de grupo funcional pode ser o grêmio
estudantil ou os conselhos de classe de uma escola.

Assim, um conceito-síntese de grupo pode ser o proposto por Martín-Baró: “uma


estrutura de vínculos e relações entre pessoas que canaliza em cada circunstância suas
necessidades individuais e/ou interesses coletivos” (citado por MARTINS, 2003, p. 204).

162 Aula 10 Psicologia da Educação


A dinâmica dos grupos

U
m grupo é um todo dinâmico. Apesar de ser um conjunto de pessoas, não é
simplesmente a soma dos participantes, o que significa que qualquer mudança que
ocorra em um dos participantes vai interferir no estado do grupo como um todo. E por
estarmos sempre mudando é que o grupo é dinâmico.

Quando um grupo se estabelece, uma série de fenômenos passa a atuar sobre as


pessoas individualmente e, consequentemente, sobre o grupo. É o chamado processo
grupal. Vamos destacar alguns desses fenômenos:

1) Coesão – significa o resultado da aderência do indivíduo ao grupo, a fidelidade aos seus


objetivos e a unidade nas suas ações. Todo grupo só consegue sobreviver se mantiver
uma atração entre seus membros, assim, faz-se necessário uma certa pressão entre os
membros para que nele permaneçam. Um grupo, de acordo com suas características,
pode apresentar uma maior ou menor coesão. Uma maior coesão geralmente é obtida
quando o grupo observa que as finalidades estão sendo cumpridas e os resultados
estão sendo obtidos. Quanto maior a coesão maior a satisfação dos membros e maior a
produtividade. Isso pode ser claramente observado em um time de futebol. Quanto mais
ele se reveste do sentimento de equipe, melhores são os resultados obtidos. E vice-
versa: quanto melhores os resultados, mas aumenta a coesão do time.

2) Padrões grupais – são as expectativas de comportamentos partilhados por parte dos


membros do grupo. Esses padrões ou normas de comportamento são estabelecidos
com a especificação de atitudes ou comportamentos desejáveis por parte dos membros.
A partir disso, estabelece-se uma fiscalização por parte do grupo quanto ao cumprimento
dessas normas, aplicando-se sanções aos que não as cumprem. Esses padrões muitas
vezes não são explicitados, mas espera-se que o indivíduo ao ingressar no grupo os
perceba. Por exemplo, não é necessário ressaltar para um membro de um grupo de
jovens católico que ele deve comparecer à missa, pois isso está implícito.

3) Motivações individuais e objetivos do grupo – são os elementos que estão relacionados


com a escolha que cada indivíduo faz quando decide participar de um grupo e são
importantes para garantir a adesão. Uma pessoa geralmente escolhe participar de um
grupo a partir de suas motivações pessoais, sejam motivações referentes aos objetivos
do grupo, sejam atrações exercidas por membros daquele grupo. É importante observar
as respostas que o grupo dá a essas manifestações individuais, as quais até podem
ser admitidas, desde que não interfiram nos objetivos centrais do grupo, que sempre
prevalecerão. Quanto mais o grupo zela pela sua coesão, menos manifestações
individuais serão toleradas. Uma manifestação individual que atente contra os objetivos
do grupo serão punidas com a exclusão daquele membro.

Aula 10 Psicologia da Educação 163


4) Liderança – A habilidade do líder para motivar e influenciar o grupo produz efeitos na
atmosfera deste. O grupo pode desenvolver-se em um clima democrático, autoritário ou
relaxado, dependendo da vocação do grupo e de lideranças que viabilizem essa vocação.
Assim, por exemplo, um grupo cujos membros acreditam que a melhor forma de organizar
as relações é a autoritária, vai necessitar de um líder autoritário, que, por sua vez, reforçará a
atmosfera autoritária dentro do grupo. Um dos grandes estudiosos da questão da liderança
foi Kurt Lewin (1890-1974). Para ele, os grupos democráticos tinham mais eficiência a
longo prazo, enquanto os autoritários tinham uma eficiência imediata. Como as decisões
são centralizadas na figura do líder, os membros somente funcionam a partir de sua
demanda e são, geralmente, cumpridores de tarefas. Já os grupos democráticos exigem
maior participação de seus membros, que dividem as responsabilidades com a liderança.
Isso torna a realização dos objetivos mais demorada, entretanto, mais duradoura.

Figura 4 – Os grupos de trabalho funcionam com dinâmicas própria.

Atividade 3
Provavelmente, você faça parte de algum grupo. Se não, converse com alguém
que esteja vinculado a algum. Analise sua própria participação, ou a de outra
pessoa, e anote a seguir a avaliação que você fez do grupo com relação aos
quatro itens descritos anteriormente.

164 Aula 10 Psicologia da Educação


Os grupos operativos e a teoria
do vínculo de Pichon-Rivière

O
psiquiatra suíço-argentino Pichon Rivière (1907-1977) foi também um estudioso dos
grupos. Ele desenvolveu uma nova abordagem, que resultou nos chamados grupos
operativos. Para ele, o grupo é um conjunto restrito de pessoas, que, ligadas por
constantes de tempo e espaço e articuladas por sua mútua representação interna, propõe-
se, explícita ou implicitamente, a uma tarefa, que constitui sua finalidade. No entanto, não
basta que haja um objetivo comum ou que tenha como finalidade uma tarefa, é preciso que
essas pessoas façam parte de uma estrutura dinâmica chamada vínculo. Por exemplo, as
pessoas que estão em uma sala de espera de um cinema estão reunidas no mesmo espaço
durante o mesmo tempo, com o mesmo objetivo, mas não se constituem em um grupo. Há
a necessidade de se vincularem e interagirem na busca de um objetivo comum, por isso,
os princípios organizadores do grupo são o vínculo e a tarefa. A teoria do vínculo, portanto,
parte do pressuposto de que o homem se revela e se estrutura por meio da ação, ou seja, do
desempenho de papéis e do estabelecimento de vínculos.

Figura 5 – Pichon Rivière.

Para Pichon Rivière, vínculo é “[...] a maneira particular pela qual cada indivíduo
se relaciona com outro ou outros, criando uma estrutura particular a cada caso e a cada
momento” (PICHÓN-RIVIÉRE, 1998, p. 3). É, assim, uma estrutura dinâmica, movida por
motivações psicológicas, que rege todas as relações humanas.

Identificamos se o vínculo foi estabelecido, quando:

n Somos internalizados pelo outro e a internalizamos também.

n Ocorre uma mútua representação interna;

n A indiferença e o esquecimento deixam de existir na relação, passamos a pensar, a falar, a


nos referir, a lembrar, a nos identificar, a refletir, a nos interessar, a nos complementar, a nos
irritar, a competir, a discordar, a invejar, a admirar, a sonhar com o outro ou com o grupo.

Aula 10 Psicologia da Educação 165


Tarefa, outro princípio organizador de grupo é um conceito que diz respeito ao
modo pelo qual cada integrante do grupo interage a partir de suas próprias necessidades.
Necessidades, que para Pichon-Rivière constituem-se em um pólo norteador de conduta:
o processo de compartilhar necessidades em torno de objetivos comuns constitui a
tarefa grupal. Nesse processo, emergem obstáculos de diversas naturezas: diferenças e
necessidades pessoais e transferenciais, diferenças de conceitos e marcos referenciais e
do conhecimento formal propriamente dito.

Num primeiro momento do funcionamento do grupo, há um bloqueio da atividade


grupal em função das fantasias básicas universais do grupo as quais induzem à utilização
de posturas defensivas que dificultam as mudanças de opinião. Nos momentos iniciais,
quando o grupo parte para a execução da tarefa, é necessário que as ansiedades sejam
explicitadas e resolvidas para, a partir daí, ocorrer a identificação e o estabelecimento do
vínculo, configurando-se a relação grupal.

Para Pichon Rivière, um grupo opera melhor quando há em seu conjunto de pessoas
pertinência, afiliação, centramento na tarefa, empatia, comunicação, cooperação e
aprendizagem. A pertinência pode ser vista como a qualidade da intervenção de cada um no
grupo; a afiliação é a intensidade do envolvimento do indivíduo no grupo; o centramento
na tarefa é o eixo principal da cooperação, refere-se ao grau de interação com que um
participante mantém o vínculo com o trabalho a ser efetuado, e avalia a dispersão e a
realização de esforço útil do indivíduo; a empatia é o modo como o grupo pode ganhar
força para operar cada vez mais significativamente; a comunicação é essencial para que haja
entrosamento; a cooperação é o modo pelo qual o trabalho ganha qualidade e operatividade;
a aprendizagem é o resultado do trabalho e deve ser essencialmente colaborativa.

A teoria do vínculo aplicada ao contexto do ensino propõe a quebra da polaridade professor-


aluno. Ela introduz um terceiro elemento que deve ser considerado. O sujeito e o outro em
interação se dão conta de que há um mundo inteiro em cada um, em interação contínua, que
atinge também o nível inconsciente, produzindo imagens ilusórias e ansiedades que necessitam
de testes de realidade para a sua elaboração. As dúvidas são compartilhadas e uma representação
comum é construída criando condições para a solução surgir. Por exemplo, quando conheço
alguém, me vem à lembrança outras pessoas que conheci nas mesmas circunstâncias. Assim,
no encontro entre duas pessoas, sempre há um “terceiro”, que é esse outro que conheci, o
qual, mesmo não estando presente fisicamente, está na lembrança. E essa lembrança pode
ser perturbadora o suficiente para gerar na pessoa fantasias e ansiedades com relação a
quem ela está encontrando agora. Posso imaginar que aquele tipo de olhar que vejo em quem
encontro agora, me recordando o olhar daquele “outro”, é um olhar de hostilidade e, com isso,
fico ansioso. Mas, imediatamente depois me dou conta de que essa pessoa de agora não é a
mesma que conheci, ou seja, executo testes de realidade não tendo por que ter ansiedade. Se
compartilho esses meus sentimentos com o outro e ele, por sua vez, compartilha comigo as
suas ansiedades, criamos uma representação comum que estimula o vínculo.

Na aprendizagem centrada no estudante, os conceitos de papel e vínculo se entrecruzam


e por isso é importante abordar tanto a estrutura do vínculo como os diversos papéis, os quais

166 Aula 10 Psicologia da Educação


professor e aprendizes se atribuem. O papel é decisivo na situação do vínculo, é transitório e
possui uma função determinada, que pode aparecer de forma específica e particular em uma
determinada situação e em cada pessoa.

Observando-se como opera um grupo ao resolver uma determinada tarefa de


aprendizagem, é possível compreender que se trata de um grupo operativo centrado na
tarefa de dominar o problema e dar a ele uma solução.

Técnicas de trabalho em grupo

C
ompreender o funcionamento de um grupo também pode ser importante para
a realização de dinâmicas em sala de aula. Certas técnicas, também chamadas de
“dinâmicas de grupo”, são muitas vezes utilizadas para possibilitar a organização e a
criatividade na produção do conhecimento. Elas podem gerar um processo de aprendizagem
mais coletivo e mais rico. Inúmeras são essas técnicas e vários são os manuais (são alguns
deles: “Facilitando o trabalho com grupos”, de Eliane Poranga Costa (Editora Wak, 2003);
“Intervenções grupais na Educação”, organizado por Stela Regina de Souza Fava (Editora
Ágora, 2005); “Exercícios práticos de dinâmica de grupo”, de Silvio José Fritzen (Editora
Vozes, 2001)) que as descrevem, no entanto, sempre que o professor optar por uma deve
considerar alguns elementos, os quais descreveremos a seguir.

1) Objetivos – o professor deve ter clareza sobre o que quer com a técnica e deve pensá-la
respeitando esses objetivos.

2) Ambiente – o espaço onde se desenvolverá a técnica deve ser adequado e pensado de


modo a não inibir os participantes. Algumas técnicas podem ser percebidas
como constrangedoras, por isso devem ser pensadas para serem executadas
em ambientes fechados, por exemplo.

3) Duração – as técnicas devem ser pensadas com tempo determinado para seu início e fim.

4) Número de participantes – estar atento a quantas pessoas participarão é fundamental


para pensar a técnica mais adequada e para providenciar os
materiais necessários.

5) Materiais – os recursos necessários ao desenvolvimento da técnica podem ser os mais


variados, desde o papel, lápis, tinta, som, até equipamentos mais complexos,
como projetores multimídia, filmadoras, iluminação etc.

6) Perguntas e conclusões – o momento da síntese do que foi produzido permite resgatar a


experiência e os sentimentos de cada um, bem como chegar
a conclusões sobre o tema discutido.

Aula 10 Psicologia da Educação 167


As técnicas de grupo podem servir para desinibir e diminuir a tensão da turma, para
apresentação dos participantes, para integração do grupo, para capacitação e comunicação.
A quantidade de técnicas já descritas é muito grande e vários são os manuais que as
descrevem. A seguir, vamos apresentar exemplos de algumas técnicas.

1) Técnica do “método científico”

a) Apresentação do tema em uma palavra.

b) Divisão do quadro em partes iguais, com perguntas do tipo:

n O que queremos saber?

n O que pensamos?

n O que concluímos?

c) Apresentação e fixação, no quadro de giz, das questões chaves já preparadas


anteriormente sobre o que queremos saber.

d) Oralmente, os participantes vão respondendo à segunda questão (o que pensamos?)


e o professor as anota sinteticamente no quadro.

e) Faz-se a leitura de textos para comparar com as respostas dadas.

f) Oralmente, os participantes vão respondendo à terceira questão (o que concluímos?)


e o professor anota as conclusões no quadro de forma sintética.

g) Cada participante deverá registrar as conclusões finais e guardá-las consigo para


posteriores consultas.

2) Painel de Três

a) Dividir o grupo em três subgrupos: apresentador, opositor e assembléia.

b) O grupo apresentador expõe o tema, sem ser interrompido.

c) O grupo opositor anota aquilo com que não concorda e aquilo com que concorda, e,
após o apresentador, expõe suas anotações.

d) A assembléia, que tudo ouviu e anotou, apresenta seu depoimento.

e) O professor conclui. Os textos finais devem, então, ser afixados no quadro.

168 Aula 10 Psicologia da Educação


3) Brainstorm ou tempestade cerebral

a) Propõe-se um tema para discussão.

b) Solicita-se aos participantes que exponham todas as idéias, mesmo as aparentemente


mais descabidas e absurdas, sobre o tema. As idéias devem ser expostas rapidamente,
sem nenhuma censura.

c) O professor vai registrando no quadro todas as idéias que foram apresentadas, sem
nenhum juízo crítico, e estimula sugestões de outras novas ou associados com
alguma já apresentada, até que a turma sinta que não há mais nada a ser falado.

d) O professor convida a turma para fazer a seleção, a eliminação ou o aperfeiçoamento


das idéias até que se chegue a um conjunto de idéias adequado ao tema proposto.

Essas são, como dissemos, apenas alguns exemplos de técnicas de grupo. Você pode
e deve criar a sua de acordo com as necessidades de sua aula. Vamos experimentar?

Atividade 4
Vamos imaginar que você está com dificuldades de fazer sua turma avançar
de um conceito do senso comum para o conceito científico. Somente sua
explicação em sala de aula não está sendo suficiente. Nesse caso, que tipo de
técnica de grupo você poderia propor à turma? Explique-a a seguir.

Aula 10 Psicologia da Educação 169


Resumo
Nesta aula, discutimos como surge a preocupação da Psicologia com o
estudo de manifestações coletivas, resultando no que se conhece hoje como
Psicologia Social. Vimos os conceitos de instituição, de organização e de
grupo; e analisamos a dinâmica envolvida nesse último. Destacamos a teoria
do vínculo e os grupos operativos e, por fim, apresentamos algumas técnicas
das chamadas “dinâmicas de grupo”.

Autoavaliação
Analise uma escola como uma organização e destaque o que você pode observar
1 de comportamentos institucionalizados que nela ocorrem.

Identifique e descreva grupos que podem ocorrer em uma escola.


2
Descreva os fenômenos que ocorrem na dinâmica de um grupo.
3
O que é a teoria do vínculo?
4
O que caracteriza o grupo operativo?
5

170 Aula 10 Psicologia da Educação


Referências
BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo:
Saraiva, 1999.

FREUD, S. Psicologia de lãs masas y analisis del “yo”. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva,
1973. Tomo III. (Obras completas).

LANE, S. T. O processo grupal. In: LANE, S. T.; CODO, W. (Orgs.). Psicologia social: o
homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 18-98.

LEWIN, K. Problemas de dinâmica de grupo. São Paulo: Cultrix, 1978.

MARTINS, Sueli Terezinha Ferreira. Processo grupal e a questão do poder em Martín-Baró. Psicol.
Soc., Porto Alegre, v.15 n.1, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822003000100011&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>.
Acesso em: 02 ago. 2007.

PICHÓN-RIVIÉRE, Enrique. Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Aula 10 Psicologia da Educação 171


Anotações

172 Aula 10 Psicologia da Educação


A família

Aula

11
Apresentação

N
esta aula, vamos discutir um tipo de grupo social que é reconhecido como o
guardião dos processos de desenvolvimento psíquico: a família. Observaremos
a sua importância na formação do indivíduo e como se constitui em primeiro
espaço de socialização deste.

Objetivos
Conhecer como se forma historicamente o conceito
1 de família.

Reconhecer as funções do grupo familiar.


2

Identificar a dinâmica interna das famílias.


3
Discutir as situações de violência que podem ocorrer no
4 âmbito familiar.

Aula 11 Psicologia da Educação 175


O que é a família?

N
a disciplina “Educação e Realidade”, você já discutiu sobre a família na aula 13 (O
aluno). Viu que o grupo familiar se caracteriza por compartilhar espaço de moradia,
pela divisão de tarefas, pelas trocas afetivas, por compartilhar os hábitos, os bens
culturais e as tradições; mas, exatamente, qual seria o papel da família na estruturação
psíquica das pessoas? Quando nos debruçamos sobre essa questão, observamos que a
estrutura do grupo familiar tem mudado muito com o tempo. Assim, de que família estamos
falando? Temos ouvido falar, nos últimos tempos, que a família está se desintegrando, que
é preciso resgatar os valores familiares, que sem a família a sociedade se desorganiza. E,
nesse sentido, a pergunta nos volta: qual família? O que é, nos dias de hoje, a família?

Atividade 1
Vamos começar refletindo sobre a seguinte questão: para você, o que é
uma família?

Muito provavelmente você respondeu que é um grupo social composto de pai, mãe e filhos.
Entretanto, também poderá ter observado que hoje temos casais separados que tornam a se
casar e têm filhos desses novos casamentos, configurando, com isso, uma nova organização
familiar. Você também deve conhecer situações de casais do mesmo sexo que adotaram
crianças, o que é uma outra forma de família. Por outro lado, poderíamos ainda pensar em
como era a estrutura familiar em épocas mais remotas. Será que outras formas de organização,
diferentes da convencional e almejada tríade pai-mãe-filhos, estão se configurando somente
agora e, será que isso levará necessariamente à desintegração da sociedade?

176 Aula 11 Psicologia da Educação


Atividade 2
Vamos pensar um pouco sobre essa questão de “famílias alternativas”, ou seja,
fora dos padrões estabelecidos pela sociedade. A esse respeito, apresente e
justifique a sua opinião sobre a adoção de crianças por um casal homossexual.

Friedrich Engels (1820-1895), no seu livro “A origem da família, da propriedade privada e


do estado”, descreve as pesquisas do antropólogo americano L. H. Morgan que demonstram a
existência desde os primórdios da humanidade, de variadas formas de organização familiar:

1) A família consanguínea, na qual era possível o casamento entre irmãos e irmãs carnais
e entre pais e filhos;

2) A família punaluana, na qual havia os casamentos grupais, ou seja, grupos de homens


têm mulheres em comum, os quais podem ser irmãos ou irmãs;

3) A família sindiásmica, em que havia o casamento entre casais, mas sem a obrigação
de conviverem num mesmo espaço e com vínculos flexíveis, de modo que poderia ser
desfeito de acordo com o desejo de qualquer uma das partes;

4) A família patriarcal, caracterizada pelo casamento de um só homem com diversas mulheres;

5) A família monogâmica, caracterizada pelo casamento entre duas pessoas, mas com a
obrigação de coabitação exclusiva.

Aula 11 Psicologia da Educação 177


Para Engels, o surgimento do patriarcalismo e da monogamia é fundamentalmente
consequência do surgimento da propriedade privada. Com o surgimento do costume do
cercamento e da delimitação das terras, adotadas pelos homens vitoriosos em combates e
guerras, os homens passaram a exigir fidelidade sexual das mulheres porque não aceitavam
ter de legar os seus bens, obtidos com sangue e pela exploração do próximo, a um
descendente que não fosse seu filho legítimo, do seu próprio sangue. A idéia de propriedade
introduz, pois, essa nova forma de organização familiar.

Figura 1 – A família imperial brasileira, um exemplo de patriarcalismo.

Vemos, assim, que a família tal qual a concebemos hoje não é uma organização natural
nem uma determinação divina. Ela é o resultado de condições históricas e de mudanças
sociais, pois por estar inserida na base material da sociedade, a forma como a família irá
se organizar deve dar conta de sua função social. Isso significa dizer que na medida em
que muda a sociedade, muda também a função da família, ou seja, a organização familiar
transforma-se como resultado das mudanças sociais e não o contrário.

Família, célula mater


Visão de Mundo
da sociedade
Visão de mundo é a

A
função social atribuída à família funda-se principalmente na transmissão de valores,
perspectiva que cada
um de nós tem com que constituem a cultura, e das idéias dominantes; e na educação das novas gerações
relação ao mundo segundo os padrões dominantes, o que revela o seu caráter conservador e de
em que vivemos:
manutenção do status quo. À família é dada também a responsabilidade pela manutenção física
como entendemos
os problemas; como e psíquica das crianças, sendo por isso entendida como o primeiro espaço de socialização do
poderíamos indivíduo. É nela que ocorrem os primeiros aprendizados da língua, dos hábitos e costumes,
resolvê-los; qual o nosso
das primeiras noções de direitos e deveres, de certo e errado, do pode e não pode. Dessa
papel nesse mundo.
forma, ela interfere de modo fundamental na organização da visão de mundo dos indivíduos.

178 Aula 11 Psicologia da Educação


A importância da família é reconhecida pelo psicanalista Jacques Lacan (1901-1981),
que ressalta o seu papel primordial na transmissão da cultura, das tradições espirituais, na
repressão dos instintos, na conservação do patrimônio, na aquisição da língua. Por isso,
para ele, ela coordena todos os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico.

Figura 2 – O cuidado familiar com a criança favorece seu desenvolvimento psíquico.

Bock (1999) destaca três aspectos que demonstram a importância da família no


desenvolvimento da criança:

1) a primeira educação – processa-se de modo natural e espontâneo. Normalmente, os


pais não se dão conta de que já estão transmitindo valores para seus filhos quando, por
exemplo, escolhem seu nome ou a cor da decoração do quarto. Por que cor-de-rosa
para meninas e azul para meninos? Essas escolhas já revelam dados culturais que são
transmitidos sutil e naturalmente. Por outro lado, os pais são personagens importantes
para a identificação da criança. Eles são os modelos nos quais os filhos vão pautar
sua conduta, desde os comportamentos mais simples, como se portar na mesa, até as
condutas éticas e a postura frente a conflitos. Assim, a primeira educação é informal,
mas de fundamental importância para a formação da pessoa;

2) a repressão do desejo ou interdição social – termo psicanalítico que significa as proibições


dos desejos eróticos ou agressivos, como, por exemplo, o tabu do incesto em nossa
cultura: o filho não pode ter relações sexuais com a mãe nem a filha com o pai, embora,
como defende a Psicanálise, sejam os pais os primeiros objetos de desejo inconsciente.
Na vida familiar, a criança irá incorporar essa e outras proibições dessa área de sua
sexualidade. Se tocar nos órgãos sexuais, por exemplo, poderá ouvir um enérgico “não
pegue aí, que é feio!”;

3) a aquisição da linguagem – condição básica para a “entrada” no mundo, apropriando-se


dele. Como já vimos em outras aulas, a linguagem é quem realiza a dimensão social e hu-
mana da pessoa, permitindo a comunicação com o mundo e a compreensão da realidade.
É na família que esse processo se inicia, continuando em outros espaços de socialização
da criança.

Aula 11 Psicologia da Educação 179


Figura 3 – A relação mãe-filho é fundamental no desenvolvimento infantil.

A dinâmica familiar

D
e uma maneira geral, os estudos sobre a família baseiam-se em um tipo específico:
a família burguesa, de classe média. Mas, é preciso reconhecer que há vários tipos
de famílias, que os papéis maternos e paternos são multidimensionais e complexos
e que pais e mães desempenham papéis diferentes em contextos culturais diferentes. Para
compreender como a família funciona, é preciso, sobretudo, estudar as interações e relações
desenvolvidas entre os diferentes subsistemas familiares, os contextos histórico, cultural,
social e econômico nos quais as famílias estão inseridas.

Para a Psicologia, a família é como um sistema, ou agrupamento, sempre em


transformação, recebendo e emitindo mensagens para o mundo externo e adaptando-se às
mais diversas vicissitudes. E cada família desenvolve uma forma particular de ser; cada uma
tem sua forma particular de se comunicar, sua própria estratégia para resolver dificuldades,
uma determinada maneira de responder às necessidades afetivas de seus membros e uma
forma de lidar com perdas, mudanças e conflitos.

Entendida, assim, como um sistema social composto por um grupo de indivíduos, cada
um dos seus membros vai ter um papel que lhe é atribuído implicitamente, ou seja, cada
membro ocupa determinada posição, tem determinado status. O comportamento do pai, da
mãe, dos filhos e dos irmãos será orientado por esses papéis, que refletem as expectativas
de comportamento, de obrigações e de direitos. Assim, por exemplo, espera-se que os
adultos promovam o suporte à família, seja emocional seja financeiro, que se preocupem
com a manutenção da harmonia familiar, que se encarreguem dos assuntos domésticos.
Os irmãos, por sua vez, assumem o papel de receptores e ajudam a manter e promover as
normas familiares. Vale salientar que esses papéis são flexíveis, de modo que em alguns
momentos podem ocorrer trocas quando um não assume o papel que lhe é atribuído.

180 Aula 11 Psicologia da Educação


Atividade 3
Mais uma vez, vamos voltar o olhar para a nossa própria realidade. Observe a
sua família, a de origem ou a que você constituiu com o casamento. Descreva,
agora, os papéis atribuídos a cada um dos membros.

A violência familiar

A
té agora, falamos da família enquanto lugar que, pelos laços afetivos, promovia a
proteção e o cuidado dos seus membros. Entretanto, em muitos casos essa não é a
realidade. Existem situações em que, por motivos mais diversos, a harmonia familiar
é quebrada, gerando desestruturações que podem chegar a situações de violência, um tipo
de violência muitas vezes silenciosa e mascarada que acontece dentro dos lares. A violência
doméstica atinge mais frequentemente crianças e adolescentes, mas também mulheres
e idosos, dentro de um espaço familiar. Infelizmente, esse é um fenômeno universal, que
atinge ricos e pobres em todos os países.

No Brasil, o Ministério da Saúde publicou em 2002 um estudo intitulado “Violência


intrafamiliar. Orientações para a prática em serviço” (disponível na Biblioteca Virtual de
Saúde), no qual discute o tema com clareza, definindo basicamente quatro tipos de violência:

1) a violência física – ocorre quando alguém causa ou tenta causar dano por meio de
força física, de algum tipo de arma ou instrumento que possa levar a lesões internas,
externas ou ambas;

2) a violência psicológica –inclui toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à
auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa;

Aula 11 Psicologia da Educação 181


3) a negligência – é a omissão de responsabilidade de um ou mais membros da família
em relação a outro, sobretudo àqueles que precisam de ajuda por questões de idade ou
condição física, permanente ou temporária;

4) a violência sexual – é toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga uma
outra à realização de práticas sexuais, utilizando força física, influência psicológica ou
uso de armas ou de drogas.

Figura 4 – Maria da Penha, vítima de violência familiar, cujo nome foi dado a lei de proteção à mulher.

Este último é um tipo de violência para o qual nós, enquanto professores, precisamos
estar muito atentos. Em primeiro lugar, porque infelizmente ainda é acobertado pelo
sentimento de vergonha por parte dos membros da família. Em segundo lugar, por ocorrer
justamente em um espaço onde se espera cuidados, ocasiona profundas marcas emocionais
nas vítimas, sendo quase sempre necessário tratamento psicológico. Felizmente, a legislação
brasileira tem avançado bastante. O Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Maria da
Penha, que protege a mulher da violência, têm propiciado a punição desses crimes. Mas,
ainda há muito o que avançar no que diz respeito às mudanças culturais, sobretudo nas
regiões mais interioranas do nosso país.

Resumo
Nesta aula, discutimos a origem do conceito de família bem como a sua
relação com o surgimento da propriedade privada e a necessidade de definição
na transmissão dos bens. Vimos como na nossa sociedade a família tem a
função de transmissora da cultura e dos valores, sendo, portanto, fundamental
no desenvolvimento psíquico dos indivíduos. Avaliamos as dinâmicas que
se estabelecem no interior das famílias, mostrando que não há um modelo
único. Por último, destacamos a complexa questão da violência familiar e suas
consequências em relação àqueles que a sofrem.

182 Aula 11 Psicologia da Educação


Autoavaliação
Descreva as formas de organização familiar ao longo da história.
1

Aponte as principais funções da família.


2

Descreva a típica dinâmica familiar.


3
Descreva as principais formas da violência intrafamiliar.
4

Referências
BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999.

BRASIL. Ministério da Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para a prática em serviço.


Brasília: Editora MS, 2002. (Caderno de Atenção Básica; n. 8. Série A. Normas e Manuais
Técnicos; n. 131). Disponível em: <http://bvms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_19.
pdf>. Acesso em: 6 ago. 2007.

ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do estado. São Paulo: Bertrand


Brasil, 1995.

Aula 11 Psicologia da Educação 183


Anotações

184 Aula 11 Psicologia da Educação


Anotações

Aula 11 Psicologia da Educação 185


Anotações

186 Aula 11 Psicologia da Educação


A escola como espaço de
socialização

Aula

12
Apresentação

E
m disciplinas anteriores você já discutiu o tema escola. Por exemplo, em Educação e
Realidade, foram analisados os desafios da escola nos dias de hoje e, nessa discussão,
você visitou uma escola de seu município; e em Fundamentos da Educação, acompanhou
um extenso estudo sobre a educação brasileira no que diz respeito ao espaço institucional
da escola. A perspectiva de estudo desta aula aqui é discutir a escola enquanto espaço de
socialização dos indivíduos, contribuindo, assim, para o seu desenvolvimento psíquico; e
enquanto instituição, na qual vão estar presentes as características de grupos sociais.

Objetivos
Conhecer o conceito de socialização e como ela ocorre.
1
Reconhecer a escola como importante espaço de
2 socialização.

Discutir as funções da escola.


3
Conhecer como ocorrem as relações de poder dentro
4 da escola.

Aula 12 Psicologia da Educação 189


Atividade 1
Vamos, mais uma vez, começar nossa aula com uma pergunta cuja resposta
é fácil e óbvia: para que serve a escola? Reflita um pouco sobre isso e liste a
seguir alguns dos papéis da escola que lhe pareçam mais importantes.

O processo de
socialização secundária

E
m aulas anteriores, vimos que quando a criança nasce já pertence a um grupo social
familiar, que lhe provê suporte e lhe transmite valores, hábitos e comportamentos da
sua cultura. A família é, pois, o primeiro espaço de socialização do indivíduo. A escola,
por sua vez, exerce um papel fundamental na consolidação desse processo. Vamos entender
um pouco mais o que é socialização.

Chama-se socialização o processo interativo, fundamental para o desenvolvi-


mento, através do qual o indivíduo assimila a cultura do seu grupo social, ao
mesmo tempo em que perpetua esse grupo.

De acordo com Colls (2004), a socialização ocorre através de três processos:

1. os processos mentais de socialização – correspondem ao conhecimento dos valores,


normas, costumes, instituições, aquisição da linguagem e dos conhecimentos
transmitidos pela escola;

190 Aula 12 Psicologia da Educação


2. os processos afetivos de socialização – manifestam-se por meio da empatia, do apego
e da amizade;

3. os processos condutuais de socialização – envolvem a aquisição de condutas consideradas Empatia


socialmente aceitáveis, evitando-se as não aceitas.
Empatia é uma
resposta afetiva
Um dos objetivos principais dos processos de socialização é fazer com que a criança apropriada à situação
aprenda o que é correto e o que não é correto dentro de seu meio social, ou seja, que adquira de outra pessoa e não
à própria situação, ou
um conjunto de valores morais que regem a sociedade da qual faz parte. A interiorização seja, quando o sujeito
desses valores permite desenvolver na criança mecanismos reguladores de sua conduta. responde afetivamente,
Quando os pais dizem aos seus filhos, por exemplo que não devem bater em crianças colocando-se na
situação vivida pelo
menores, que não podem tomar o brinquedo dos coleguinhas, ou que devem respeitar os outro. A empatia
mais velhos, estão transmitindo normas que com o tempo ficam interiorizadas, de modo que predispõe as pessoas
a criança passa a regular sua própria conduta. a tomarem atitudes
altruístas.
A forma como a criança lida com essas normas e regras vai variar de acordo com o seu
desenvolvimento e, com isso, não se pode esperar que uma criança muito pequena já consiga
interiorizá-las. Para Piaget (1977), o indivíduo desenvolve suas próprias crenças, através
da interação com o meio, a partir da formação de um juízo moral que passa por uma fase
que ele chama de heteronomia (quando não concebe as regras como um contrato firmado
entre as pessoas), até uma fase de autonomia (quando já compreende as regras como
esse contrato). Essas fases seguiriam as mesmas etapas do seu desenvolvimento cognitivo,
demonstrando que o desenvolvimento das atitudes morais pressupõe uma reorganização
sequencial relacionada com a idade da criança.

E é somente a partir dos 7 anos de idade, portanto na idade escolar, que a criança
começa a evoluir para uma autonomia moral. Na escola, em contato com outras de mesma
faixa etárias, a criança descobre que é necessária a reciprocidade para agir conforme as
regras, na medida em que essas regras somente são efetivas se as pessoas concordarem
com elas. A escola é, pois, o espaço no qual as crianças: produzem seus conhecimentos
sociais; começam a compreender as características dos outros e de si mesmas; estabelecem
diferentes graus de relacionamentos; necessitam absorver novas regras de funcionamento
diferentes do seu espaço familiar.

Figura 1 – A escola, um importante espaço de socialização.

Aula 12 Psicologia da Educação 191


Nesse sentido, a escola é concebida como o lugar onde ocorre o processo de socialização
secundária, conforme os três aspectos descritos por Colls: mental, com a aquisição de
conhecimentos; afetivo, com o estabelecimento de relações de apego e amizade; condutural,
desenvolvendo novas condutas. Ao chegar à escola, a criança traz consigo os aspectos
vivenciais familiares, mas o ambiente escolar será peça fundamental no seu desenvolvimento.

As funções da escola
Já vimos, então, que a escola contribui decisivamente para o processo de socialização
das crianças. Outras funções, porém, podem ser listadas, como as provavelmente enumeradas
por você na atividade 1. Vejamos algumas delas.

Se analisarmos as propostas pedagógicas de todas as escolas, é muito provável que


encontremos como sua principal missão a transmissão do conhecimento acumulado pela
humanidade, a fim de levar as pessoas a assumirem posições de destaque na sociedade.
Assim, o lugar que o indivíduo ocupará na sociedade vai depender do seu grau de cultura,
atestado por diplomas e certificados conferidos pela escola.

Se, por um lado, isso é verdade, por outro, podemos questionar o fato de que o grau de
cultura adquirido pelo indivíduo depende significativamente do lugar social que sua família
ocupa. Nesse sentido, um jovem que provenha das camadas populares terá muito mais
dificuldade em ocupar uma posição de destaque na sociedade, por mais que se esforce para
obter títulos e diplomas. Por outro lado, um jovem de família rica, mesmo que não queira
estudar, não sofrerá mudanças quanto ao seu padrão social.

Outra função bastante destacada da escola é a de preparar o indivíduo para a vida, de formar
o cidadão, de construir a cidadania. E ela apareceria como o espaço privilegiado para isso, uma
vez que trabalha com o saber, mas também com valores, crenças e atitudes. Ocorre, porém,
que a escola, na qualidade de instituição social, defronta-se com um dilema: de um lado, por ser
parte de uma sociedade, tem a tarefa de formar indivíduos que zelem pela preservação dessa
sociedade; e de outro, deve também cuidar do desenvolvimento da sociedade, necessitando,
portanto, formar cidadãos capazes de inovar, de inventar, de transformar. Nessa ambiguidade,
a escola pode se desenvolver como uma instituição conservadora, mas que também abre
espaço para o surgimento de instituições criativas e transformadoras.

Uma outra função da escola é capacitar o profissional para, através do trabalho,


sustentar a si mesmo e contribuir com o desenvolvimento da sociedade.

A crítica feita a essa função em particular diz respeito ao caráter de instituição fechada que
a escola vem assumindo, quando as teorias pedagógicas a concebem como isolada do cotidiano
da sociedade. Esse isolamento pode ser notado pela observação dos seguintes aspectos:
ensino de conteúdos que nada têm a ver com a realidade dos alunos; adoção de uniformes

192 Aula 12 Psicologia da Educação


que pretensamente iguala a todos; tipo de avaliação de aprendizagem que valoriza apenas o
trabalho desenvolvido dentro da escola e não leva em conta o aprendizado cotidiano.

Um dos críticos mais contundentes da escola foi o pensador vienense Ivan Illich (1926-
2002), com o seu livro “Sociedade sem escolas”, lançado no início dos anos 70 do século
passado. Illich propõe “desinstalar” a escola porque

Ela escolariza para confundir processo com substância. Alcançando isso, uma nova
lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores resultados; ou, então,
a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo, ‘escolarizado’ a confundir ensino
com aprendizagem, obtenção de grau com educação, diploma com competência,
fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é ‘escolarizada’ a
aceitar serviço em vez de valor (ILLICH, 1973, p. 21, grifos do autor)

Para Illich, a escola tem a finalidade de reproduzir a mão de obra submissa e a


ideologia dominante. Essa ideia é ratificada por outros estudiosos do papel da escola,
como Bourdieu e Passeron (1975), que propõem uma estreita relação entre reprodução
cultural e reprodução social, e o sociólogo francês Durkheim (1858-1917), que afirma:
“longe de a educação ter por objeto único e principal o indivíduo e seus interesses, ela é
antes de tudo o meio pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições de sua
própria existência”. (DURKHEIM, 1973. p. 52).

Atividade 2
Vamos retomar a atividade 1, na qual você listou o que julgava serem as
funções da escola. À luz do que discutimos até então, reveja sua lista e faça
uma apreciação crítica sumarizada.

Aula 12 Psicologia da Educação 193


As relações de poder na escola

Atividade 3
Como vimos, a escola é uma instituição social na qual convivem grupos sociais,
que podemos caracterizar como grupos secundários. Baseado em sua própria
experiência, nos pontos discutidos na aula 10 e nas observações que você fez
na disciplina Educação e Realidade, descreva a seguir a sua percepção das
dinâmicas estabelecidas na escola.

Para além da dinâmica estabelecida entre e dentro dos grupos sociais que existem na
instituição escolar, vamos agora discutir como se estabelecem as relações de poder dentro
da escola. Porque se a escola é um espaço reprodutor das redes de relações existentes na
sociedade, é interessante conhecer como essas relações se estabelecem e qual o contexto
que lhes permite acontecerem.

O filósofo francês Michel Foucault (1977), estudioso das relações de poder nas
instituições, descreveu os conceitos de sociedades disciplinares e sociedade de controle.
Para ele, as relações que se estabelecem em instituições como a família, a escola, os quartéis
e as prisões são marcadas pela disciplina, com o objetivo de produzir corpos dóceis, eficazes
e submissos política e economicamente.

194 Aula 12 Psicologia da Educação


Figura 2 – Michel Foucault (1926-1984).

Para caracterizar suas ideias, Foucault tomou como exemplo o Panóptico, um edifício em
forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel dividia-se em
pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas
pequenas celas, havia, segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever,
um operário a trabalhar, um prisioneiro a ser corrigido, um louco tentando corrigir a sua loucura
etc. Na torre, havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para
o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nenhum ponto de sombra
e, por conseguinte, tudo o que o indivíduo fazia estava exposto ao olhar de um vigilante que
observava através de persianas, de postigos semi-cerrados, de modo a poder ver tudo sem
que ninguém, ao contrário, pudesse vê-lo. O panoptismo corresponde à observação total, é a
tomada integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo. Ele é vigiado durante
todo o tempo, sem que veja o seu observador, nem que saiba em que momento está a ser
vigiado.

Figura 3 – Panóptico.

Para Foucault, o Panóptico poderia servir de modelo, uma maneira de definir as


relações de poder com a vida cotidiana, com sua essência centrada na situação de
inspeção, ou na construção, de uma espécie de “inspetor central”, onipotente, onipresente
e, principalmente, onividente. Não há mais necessidade de punir porque o ato de vigiar já
é suficiente para manter a ordem.

Aula 12 Psicologia da Educação 195


Do século XVIII até a Segunda Guerra Mundial, prevalecia o modelo de sociedades
disciplinares, cujo objetivo eram as relações de disciplina observadas no panoptismo. A partir
daí, começa a surgir outro modelo, com novos mecanismos de vigilância, em que a disciplina
passa a ser interiorizada, sem a necessidade de aparatos explícitos de vigilância: é o modelo
de sociedades de controle. Agora há um processo de vigilância constante, intensificada pela
disseminação de dispositivos tecnológicos de vigilância presentes até mesmo “ao ar livre”.
Todos podem e querem espiar todos. E o exemplo mais atual desse modelo é o programa de
televisão Big Brother, que surgiu em 1999 na Holanda e teve o seu formato disseminado em
vários países, inclusive e infelizmente, também no nosso.

Figura 4 – Câmaras de vigilância substituem hoje o Panóptico.

Para Foucault, a escola é o espaço no qual o poder disciplinar produz o saber. Na


escola, ser observado, olhado, contado detalhadamente passa a ser um meio de controle, de
dominação, um método para documentar individualidades. Ao dividir os alunos e os saberes
em séries, a escola reforça as diferenças, recompensando os que se submetem ao sistema
escolar e punindo com “reprovação” os que não se submetem. O modelo pedagógico permite
vigilância constante, tornando a escola um espaço de controle constante de sua população
através da burocracia acadêmica, do orientador educacional, do professor e dos alunos.

Observemos a disposição de uma sala de aula: um estrado mais elevado onde se situa
o professor, cadeiras linearmente dispostas colocadas abaixo para os alunos. Fica evidente
a relação saber/poder.

Figura 5 – A organização da sala de aula: evidência do poder.

196 Aula 12 Psicologia da Educação


O professor, por sua vez, subordina-se às autoridades superiores e essa submissão
leva-o a desenvolver uma dominação compensadora junto aos alunos. Ele assume como
papel a imposição da ordem e da obediência. Outro momento em que esse poder professoral
se manifesta é por meio do sistema de avaliação com provas e exames, o que lhe retira o
caráter de instrumento, passando a ser um fim em si mesma.

Todos esses aspectos das relações de poder apontadas por Foucault devem ser um
ponto de partida para uma reflexão das nossas práticas enquanto professores ou futuros
professores, porque não se pode negar que a escola é – ou deveria ser – um importante
espaço de troca, de aprendizado, de obtenção de informação. O necessário é que a escola
seja transformada, e definir essa transformação é o grande desafio que enfrentamos.

Por outro lado, a escola é apenas uma entre tantas outras instituições na nossa sociedade,
não podendo ser a única responsabilizada pela reprodução dos valores dominantes. As
transformações sociais ocorrem de maneira mais ampla e abrangem outras instituições como
a família, como já vimos, e os meios de comunicação, como veremos em uma aula próxima.

Resumo
Nesta aula, começamos analisando o conceito de socialização para situarmos
a escola como o espaço no qual se dá a socialização secundária. Em seguida,
discutimos e elaboramos algumas críticas às funções da escola. Por fim,
estudamos as relações de poder dentro da escola, a partir dos conceitos
foucaultianos de sociedade disciplinar e sociedade de controle.

Aula 12 Psicologia da Educação 197


Autoavaliação
O que é socialização e como ela ocorre?
1
Quais os processos envolvidos na socialização, segundo Coll?
2
Descreva criticamente as funções da escola.
3
O que é o Panóptico e qual relação pode ser feita entre este e a relação de poder
4 na escola?

Descreva dois aspectos da escola que representem a estrutura de poder.


5

Referências
BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de
ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

COLLS, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação. Porto


Alegre: Artmed, 2004. (Psicologia evolutiva, v. 1).

DURKHEIM, E. Educación y sociología. Buenos Aires: Editorial Shapire, 1973.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

ILLICH, I. Sociedade sem escolas. Petrópolis: Vozes, 1973.

PIAGET, J. O julgamento moral da criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

198 Aula 12 Psicologia da Educação


Anotações

Aula 12 Psicologia da Educação 199


Anotações

200 Aula 12 Psicologia da Educação


Sexualidade

Aula

13
Apresentação

A
partir desta aula, iremos discutir alguns temas que, se não são específicos da
Psicologia, podem ser também estudados sob o ponto de vista de sua abordagem.
São temas que estarão presentes em nossas salas de aula, ainda que não seja de uma
forma clara e explícita. Iniciaremos com esta aula sobre sexualidade e seguiremos nas aulas
14 e 15 com uma discussão sobre a questão das drogas e sobre a influência dos meios de
comunicação no comportamento, respectivamente.

Objetivos
Distinguir os conceitos de sexo e sexualidade.
1
Analisar como ocorre o desenvolvimento da sexualidade
2 humana.

Discutir a moral sexual da sociedade contemporânea.


3

Aula 13 Psicologia da Educação 203


A Psicologia estuda
a sexualidade?
Antes de analisarmos o papel da Psicologia no estudo da sexualidade seria interessante
observarmos a diferença entre esse conceito e o de sexo. Qual seria, então, essa diferença?

Atividade 1
Faça a distinção entre os conceitos de sexo e sexualidade elaborando uma lista
de comportamentos que caracterizam um e outro.

No nosso idioma, a palavra sexo tem muitos significados. Sexo pode ser uma palavra que
designa o gênero masculino ou feminino, servindo para uma distinção biológica entre homens
e mulheres, a partir da qual se definem papéis e atribuições sociais, que variam conforme a
cultura. Mas também pode referir-se a qualquer atividade que resulte em sensação de prazer no
corpo ou, mais especificamente, nos órgãos genitais do homem ou da mulher. Pode significar,
ainda, o ato sexual em si, “fazer sexo” significando manter relações sexuais.

No ser humano, no entanto, o ato sexual não é, como em outros animais, um ato
puramente biológico. Ele envolve sentimentos, experiências anteriores, história familiar,
orientação sexual, características físicas e até espiritualidade; todos esses aspectos influenciam
a percepção sexual das pessoas e sua maneira de envolvimento com o ato sexual.

204 Aula 13 Psicologia da Educação


Em 2002, um grupo de consultores técnicos da Organização Mundial de Saúde, com
a intenção de contribuir para a discussão a respeito da saúde sexual, definiu sexualidade da
seguinte maneira:

Sexualidade é um aspecto central do ser humano durante toda sua vida e abrange
o sexo, as identidades e os papéis de gênero, orientação sexual, erotismo,
prazer, intimidade e reprodução. A sexualidade é experimentada e expressada
nos pensamentos, nas fantasias, nos desejos, na opinião, nas atitudes, nos
valores, nos comportamentos, nas práticas, nos papéis e nos relacionamentos.
Embora a sexualidade possa incluir todas estas dimensões, nem todas são
sempre experimentadas ou expressadas. A sexualidade é influenciada pela
interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos,
cultural, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais. (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2007, tradução minha)

Assim, como vemos, o conceito de sexualidade é muito mais amplo e, por suas
características, restringe-se ao ser humano. É esse conceito amplo que lhe permite ser
tema de interesse multidisciplinar, em que a Biologia e a Medicina dão conta dos aspectos
anatômicos e fisiológicos, a História e a Sociologia discutem os comportamentos sexuais e
suas origens, a Antropologia observa a sua evolução cultural, a Psicologia, por sua vez, tem se
interessado em analisar os sentimentos envolvidos e como ela se desenvolve no indivíduo.

O conceito de sexualidade também nos remete à compreensão de que o sexo não


pode ser encarado como um ato de puro instinto, pois, como já vimos, o instinto é um
comportamento inato que serve a uma necessidade. O sexo poderia ser encarado dessa
forma, na medida em que serve à reprodução da espécie, como acontece entre animais. No
entanto, como também já discutimos, o homem distingue-se dos animais pela consciência
de existir e por suas características de ser histórico. Portanto, nele os aspectos instintivos
são mitigados e transformados. Na questão sexual, a escolha do parceiro é feita muito mais
pelo prazer que o objeto da escolha nos proporciona do que pela pressão da necessidade
instintiva de reprodução. No homem, o prazer refina o instinto de reprodução, passando a
ser mais determinante e fundamental na sexualidade.

Aula 13 Psicologia da Educação 205


O desenvolvimento
da sexualidade

J
á vimos na aula sobre adolescência que é nessa fase do desenvolvimento que o
organismo do ser humano começa a se preparar para a reprodução sendo as mudanças
biológicas acompanhadas de modificações também no psiquismo. Mas, seria somente
nessa fase que se manifestaria a sexualidade?

Freud foi um pioneiro no estudo da sexualidade humana. Em 1905, ele publicou um


livro, chamado “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, que causou grande impacto
na sociedade da época. Nele, defende a manifestação da sexualidade em fases muito
mais precoces do desenvolvimento: está presente na criança desde o seu nascimento.
É interessante observar a idéia que se tinha sobre o assunto no início do século XX e a
concepção defendida por Freud, porque ainda hoje esse tipo de afirmação pode causar
inquietação em algumas pessoas.

Em primeiro lugar, a concepção vigente era de que a sexualidade tinha como objetivo
a reprodução, logo, ela somente poderia se manifestar a partir da puberdade, momento
em que o indivíduo começa a se preparar biologicamente para tal tarefa. A idéia era de que
o sexo antes dessa fase estava inativo e que sua ativação se daria com o surgimento dos
hormônios sexuais responsáveis por ativar a puberdade. Sendo assim, como imaginar que
um bebê recém-nascido pudesse ter vida sexual?

Freud observou que logo ao nascer a criança apresenta o reflexo da sucção, fundamental
para sua alimentação e conseqüente sobrevivência. Para ele, esse reflexo é acompanhado
do prazer do contato da sua mucosa bucal com o seio materno, e isso era óbvio porque se
fosse uma experiência desagradável, o reflexo não se fixaria. Diz ele:

Vendo uma criança que tenha saciado seu apetite e que se retira do peito da mãe com
as bochechas ruborizadas e um sorriso de bem-aventurança, para cair em seguida em
um sono profundo, temos que reconhecer neste quadro o modelo e a expressão da
satisfação sexual que o sujeito conhecerá mais tarde. (FREUD, 1973, p. 1200)

206 Aula 13 Psicologia da Educação


Figura 1 – O reflexo da sucção acompanha-se de prazer.

Com o tempo, a criança passa a perceber que o contato da boca com o seu próprio dedo
também lhe dá prazer. Nesse caso, trata-se não mais de uma necessidade biológica, mas
somente de prazer. Esse tipo de prazer pelo prazer Freud chamou erotismo, e o considerou
como o primeiro indicativo de sexualidade a aparecer em uma pessoa.

Figura 2 – O chupar o dedo é a primeira forma de erotismo.

É possível perceber, então, que o conceito de sexualidade de Freud era muito mais amplo
do que o vigente na época. Ele a definia muito mais pelo prazer do que pela necessidade
de reprodução, conforme o que vimos anteriormente. Nessa perspectiva, é compreensível
que tinha descrito a sexualidade do recém-nascido. Porém, não podemos confundir essa
compreensão da sexualidade com genitalidade, que é, a busca do contato genital, que vai se
desenvolver na vida adulta.

Outro conceito que Freud desenvolve com relação à sexualidade é o de libido, palavra
que deriva do latim e significa desejo, anseio. Refere-se, segundo a Psicanálise, à “energia”
que move os impulsos da vida, dentre os quais o mais importante é o impulso sexual. A
libido pode ser aumentada, diminuída e tem como característica importante a mobilidade,
localizando-se em várias partes do corpo alternadamente.

Aula 13 Psicologia da Educação 207


Como vimos, em um primeiro momento do desenvolvimento da sexualidade, a libido
vai estar localizada na mucosa da boca, constituindo a fase oral, definida por Freud como
o primeiro estágio. À proporção que a criança amadurece, a libido vai se deslocando para
outras partes do corpo, criando novas zonas erógenas. O segundo estágio, por exemplo,
inicia-se por volta dos dois anos de idade, quando a criança começa a ter o controle dos
Esfíncteres esfíncteres. Essa possibilidade de controle sobre o próprio corpo dá à criança o sentimento
Esfíncter é um termo de poder produzir coisas suas, simbolizado pela liberação ou contenção das fezes. Nesse
usado pela Medicina para caso, estamos nos referindo à fase anal. A terceira fase é a fálica, que ocorre por volta
designar uma estrutura
dos quatro anos e caracteriza-se pela localização da libido nos órgãos genitais. Nesta, há a
muscular presente em
órgãos do nosso corpo, “descoberta” da genitália e a preocupação com a diferença entre os sexos.
que controla a abertura
de um determinado É importante salientar que essa fase, apesar de expressar uma preocupação da criança
orifício. Estão sob controle com os órgãos genitais, ainda não representa a sexualidade adulta. É ainda uma fase
voluntário basicamente
exploratória e de curiosidade. A criança toca seu próprio sexo, procura conhecer como é o
o esfíncter da uretra e o
esfíncter anal. sexo do coleguinha, preocupa-se em saber como é o corpo de um adulto.

Após fase que Freud chama de latência, que vai dos 6 aos 11 anos, caracterizada
por uma relativa inatividade do impulso sexual, inicia-se, na adolescência, a fase genital.
Concomitante com a maturação biológica, ocorre a partir daí a retomada do impulso
sexual, que, com a busca do objeto de amor fora do grupo familiar, o indivíduo assume as
características da sexualidade adulta.

Essa descrição do desenvolvimento psicossexual demonstra dois aspectos importantes:


a) a sexualidade aparece muito cedo no ser humano e b) o impulso sexual amadurece
paralelamente ao crescimento e ao desenvolvimento do indivíduo.

A moral sexual

S
e a sexualidade é um aspecto inerente ao ser humano, por que é tão complicado
conversar sobre sexo? Por mais que se pressuponha que essas discussões devam
começar no âmbito familiar, na família esse é um assunto sobre o qual não se
conversa. E na escola, que deveria ser o espaço para uma discussão mais qualificada,
o debate sobre sexo estaria acontecendo? Recentemente, os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental estabeleceram a Orientação Sexual como um dos
temas transversais, mesmo assim as escolas parecem relutar em incluí-la como uma das
suas preocupações pedagógicas. Os professores ainda acham o assunto incômodo ou se
sentem sem preparo para abordá-lo.

Então, por que será tão difícil discutir esse assunto?

208 Aula 13 Psicologia da Educação


Atividade 2
Descreva a seguir as dificuldades e/ou facilidade encontradas por você ao
discutir esse tema com pessoas de uma faixa etária menor que a sua, sejam seus
filhos, irmãos ou alunos. Se não teve essas experiências, imagine e descreva
quais seriam as dificuldades e facilidades na abordagem desse tema.

Essas dificuldades não se restringem somente às conversas e orientações, mas


também à própria maneira como a nossa sociedade encara a sexualidade, como estabelece
normas e proibições, como impõe restrições a uma expressão sexual mais livre. Por que
será que isso acontece?

Vamos analisar essa questão por dois ângulos: pela História e pela Psicanálise.

Se nos reportamos à época da Antigüidade Clássica, vamos observar na Grécia ou em


Roma a percepção do sexo como algo positivo e às vezes mesmo revestido de um cunho
religioso. O culto a Dionísio ou a Baco, por exemplo, eram verdadeiros rituais de amor.
Os gregos e romanos educavam seus filhos com o conhecimento das funções sexuais,
as práticas homossexuais eram comuns, sobretudo nas classes mais abastadas e se
revestiam de caráter educativo.

Com o surgimento da família patriarcal, acontece uma série de dualidades no campo da


sexualidade, as quais estão descritas a seguir.

Aula 13 Psicologia da Educação 209


1) No plano social, a aparição de uma esfera privada, restrita ao âmbito da mulher, que tinha
ao seu encargo a reprodução e a educação, e uma esfera pública, a cargo dos homens.
A norma é: permissividade para os homens e repressão para as mulheres, das quais vai
se exigir fidelidade ao marido ou virgindade.

2) Surgimento da dupla imagem da mulher, dependendo das necessidades e exigências


sociais: a mulher “boa”, a dona de casa, a mãe, a virgem; e a mulher “má”, a pública,
dedicada ao prazer.

3) A sexualidade adquire um duplo significado: é reprodutiva, lícita, socialmente aceita e


vinculada ao casamento e à família, ou é a sexualidade geradora de prazer, que é uma
prática válida apenas para os homens.

Na Idade Média, a Igreja consolida seu poder com tal intensidade que a teologia
se equipara à lei civil. Nessa época, aparecem os famosos cinturões de castidade e
a Igreja declara que o instinto sexual é algo demoníaco, gerando várias situações de
julgamento pela Santa Inquisição.

Figura 3 – Cinto da castidade.

Durante os séculos XVIII e XIX, determinadas condutas sexuais como, por exemplo,
a masturbação, eram consideradas inapropriadas e causadoras de enfermidades como a
epilepsia. Por volta de 1880, o psiquiatra alemão Kraft-Ebing (1840-1902) publica o primeiro
livro sobre sexualidade – Psychopatias Sexualis – no qual rotula como patológicos os
comportamentos sexuais que não tivessem finalidade reprodutiva, considerando-os como
“anormalidades sexuais”. Nessa época, o pensamento religioso dava grande importância à
família e entendia o sexo como uma infeliz necessidade e não como algo que proporcionasse
prazer. Então, a partir do pensamento médico e da religião, surgem mitos como o de que

210 Aula 13 Psicologia da Educação


o excesso de relações sexuais tornava o homem idiotizado ou as mulheres que sentissem
prazer morreriam muito jovens.

Dessa forma, não é de se estranhar que as idéias de Freud causassem tanto impacto na
sociedade da época, com seu conceito de sexualidade infantil e de libido. Para a Psicanálise,
a energia sexual é a energia que utilizamos para todas as nossas atividades: trabalho,
diversão, relacionamento com as pessoas, produção de conhecimento, enfim, é a energia
responsável pelo que conhecemos como civilização. No entanto, para que a civilização se
concretize é necessário que a energia sexual seja deslocada para outros fins que não o
estritamente sexual. Isso é feito através da criação de normas e proibições, como o casamento
monogâmico, a restrição na escolha dos parceiros, as restrições sexuais às crianças. Para
Freud, o homem, para garantir o processo de civilização, abriu mão do prazer pela segurança.
Esse mecanismo de desvio da energia sexual para fins não sexuais e socialmente aceitáveis
é chamado de sublimação. A sublimação, pois, é um mecanismo útil na medida em que nos
permite conviver em sociedade, mas, por outro lado, ao reprimir a libido, torna a questão da
sexualidade uma questão difícil de se lidar livremente.

Essas idéias originais de Freud foram ratificadas por estudiosos contemporâneos,


como Herbert Marcuse, filósofo alemão que viveu entre 1898 e 1979. Marcuse escreveu
um livro chamado Eros e a Civilização, no qual, fundamentado nas idéias de Freud, diz que
a repressão da sexualidade na sociedade capitalista é utilizada para a produção de riquezas
de acordo com os interesses do grupo dominante. Assim, a repressão sexual e a repressão
social são dois lados de uma mesma moeda e, portanto, a luta pelas liberdades sociais deve
envolver a luta pelas liberdades sexuais. Não por acaso Marcuse foi um dos inspiradores do
movimento estudantil de protesto que eclodiu na França no ano de 1968.

A importância do tema
sexualidade na Educação

Q
uando assistimos às novelas e a outros programas de televisão exibindo cenas
que mostram uma possível “excessiva permissividade” sexual, podemos imaginar
que as idéias de Freud e Marcuse estão superadas. Mas, haverá mesmo maior
liberdade sexual nos dias de hoje? Para o filósofo francês Michel Foucault (1984), o que
ocorre hoje é muito mais um discurso sobre a sexualidade do que uma nova moral sexual;
é um discurso permitido, uma outra forma de poder. O que se tem é uma fala sobre a
sexualidade, mas ela continua tão reprimida quanto antes, tão conservadora quanto no
século XIX. E a prova disso são reportagens também mostradas pela televisão, como
as cenas de agressão a mulheres. O “ficar” dos jovens, antes de revolução sexual, é

Aula 13 Psicologia da Educação 211


a reprodução dos mesmos valores antigos, da desvalorização do papel da mulher, da
imaturidade e do descompromisso. Como lembra Bock (1999),

“a possibilidade de uma sexualidade que corresponda aos nossos desejos [...] dependerá
de uma luta que o jovem deve enfrentar por uma nova moral sexual, que supere o poder
castrador e passe para uma fase de encontro entre o prazer e a responsabilidade”
(BOCK, 1999, p. 239).

Para nós, educadores, resta-nos a tarefa de enfrentar junto com os jovens o desafio
de estimular a discussão, superando o discurso permitido e trazendo para análise as causas
determinantes do modelo de sexualidade que temos. Na atualidade, dois temas ligados à
questão sexual surgem como fundamentais: o aparecimento da AIDS e a gravidez precoce.
Ambas as situações são indicativos daquela permissividade oficial que, se por um lado
admite a liberdade sexual, por outro não fornece as informações básicas necessárias nem
estimula o diálogo franco e aberto com os jovens.

É preciso trazer à discussão o papel da sexualidade, do significado das regras sociais


com relação a ela, somente assim poderemos avançar para uma nova ordem sexual, que
entenda a sexualidade como parte da personalidade dos sujeitos e como fundamental para o
bem-estar individual e interpessoal.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), através de seus peritos, divulgou o que


considera como direitos sexuais. Assim, são direitos de todas as pessoas, livres de coerção,
discriminação e violência:

n ter o mais alto nível de saúde sexual, incluindo o acesso aos serviços de saúde
reprodutiva e sexual;

n buscar, receber e compartilhar informações relacionadas à sexualidade;

n receber educação sexual;

n respeitar a integridade do corpo;

n escolher os parceiros;

n decidir ser ou não sexualmente ativo;

n ter relações sexuais consensuais;

n contrair união consensual;

n decidir se quer e quando quer ter filhos;

n lutar por uma vida sexual satisfatória, segura e prazerosa.

212 Aula 13 Psicologia da Educação


Resumo
Nesta aula, discutimos os conceitos de sexualidade e como ela se desenvolve no
ser humano, sob uma perspectiva psicanalítica. Analisamos as dificuldades na
discussão deste tema, observando a sua evolução histórica e a interpretação de
Freud. Por fim, enfatizamos o papel dos educadores na discussão desse tema.

Autoavaliação
Diferencie os conceitos de sexo e sexualidade.
1
Descreva sumariamente as fases do desenvolvimento da sexualidade segundo
2 Freud.

O que é libido?
3
Por que se diz que a teoria da sexualidade de Freud causou impacto na sociedade?
4
Qual o papel da sublimação no processo civilizatório, segundo Freud?
5

Aula 13 Psicologia da Educação 213


Referências
BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo:
Saraiva, 1999.

FOUCAULT, M. História da sexualidade. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

FREUD, S. Tres ensayos para uma teoria sexual. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 1973.
Tomo II. (Obras completas).

______. El mal estar de la cultura. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 1973. Tomo III.
(Obras completas).

MARCUSE, H. Eros e a civilização. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Sexual health. Switzerland: WHO, 2007. Disponível


em: <http://www.who.int/reproductive-health/gender/sexual_health.html#2>. Acesso em:
9 ago. 2007.

Fontes e créditos de imagens


n Direitos Sexuais - Disponível em: <http://www.who.int/reproductive-health/gender/
sexual_health.html#2>

214 Aula 13 Psicologia da Educação


Anotações

Aula 13 Psicologia da Educação 215


Anotações

216 Aula 13 Psicologia da Educação


A questão das drogas

Aula

14
Apresentação

O
uso de drogas é outro tema multidisciplinar para o qual a Psicologia pode contribuir
com uma leitura particular do problema. Nesta aula, vamos entender alguns dos
conceitos associados a esse tema e conhecer como as drogas chamadas psicoativas
atuam nos indivíduos. Vamos também analisar alguns fatores de risco para a juventude e
quais os modelos de prevenção que podem ser utilizados.

Objetivos

Conhecer os principais conceitos relacionados ao uso


1 de drogas.

Conhecer a classificação dos tipos de drogas de acordo


2 com sua atuação no cérebro.

Compreender como ocorre o envolvimento dos jovens


3 com as drogas.

Conhecer os fatores de risco e prevenção no uso de


4 drogas pelos jovens.

Aula 14 Psicologia da Educação 219


Alguns conceitos iniciais

A
utilização de substâncias psicoativas é um fenômeno antigo na história da humanidade.
O uso em rituais culturais e religiosos sempre foi tolerado. Nas últimas décadas,
entretanto, em razão do aumento significativo do uso de drogas lícitas e ilícitas fora
desses rituais, transformou-se em um verdadeiro problema de saúde pública, criando a
necessidade de estudos epidemiológicos que subsidiassem o estabelecimento de políticas de
prevenção. Em 2004, o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID)
fez um extenso levantamento entre estudantes de escolas públicas do Ensino Fundamental e
Médio das 27 capitais brasileiras e observou que, de um total de mais de 48.000 estudantes,
cerca de 23% dos meninos e 21% das meninas já haviam utilizado algum tipo de droga
(excetuando-se álcool e tabaco) em algum momento de suas vidas, sendo que, destes, 12,7%
estavam na faixa etária de 10 a 12 anos de idade. Esses são, de fato, números preocupantes.

Figura 1 – O álcool é a droga de maior uso entre adolescentes.

Mas, o que são drogas psicotrópicas? De onde vem esse termo?

Sabemos que a palavra droga significa medicamento, ou seja, substância que quando
utilizada provoca modificações no comportamento ou na fisiologia do corpo. Psicotrópico

220 Aula 14 Psicologia da Educação


é uma palavra composta: psico + trópico, em que trópico está relacionado a tropismo, cujo
significado é ter atração por. Assim, drogas psicotrópicas são aquelas que têm atração pelo
psiquismo, ou seja, são aquelas que atuam no cérebro, modificando o psiquismo. Podemos
encontrar também o termo substância psicoativa como sinônimo de psicotrópica.

Dependendo do tipo, a droga pode atuar aumentando ou diminuindo a atividade do


cérebro ou mesmo provocando mudanças qualitativas, ao fazer o cérebro funcionar de maneira
diferente do normal. Portanto, as drogas psicotrópicas podem ser classificadas em:

a) depressoras da atividade do sistema nervoso central, também chamadas psicolépticas,


tais como: o álcool; os hipnóticos, que provocam o sono; os ansiolíticos, que diminuem
a ansiedade; os narcóticos, que bloqueiam a dor, como a morfina; os inalantes ou
solventes, como as colas e as tintas;

b) estimulantes da atividade do sistema nervoso central, também chamadas


psicoanalépticas, tais como: a cocaína e as drogas anorexígenas, aquelas usadas para
diminuir o apetite;

c) perturbadoras da atividade do sistema nervoso central, também chamadas


psicodislépticas ou alucinógenas, tais como: a maconha; o ecstasy; e o LSD.

Figura 2 – O ecstasy é uma substância sintética que perturba a atividade cerebral.

No citado estudo feito pelo CEBRID em 2004, as substâncias mais utilizadas pelos
estudantes foram, pela ordem, os solventes (15,5%), a maconha (5,9%) e os ansiolíticos
(4,1%). No entanto, quando se inclui o álcool, vamos observar taxas de 65%, um indicativo
de que essa é a droga mais preocupante, sobretudo porque, apesar de provocar evidentes
modificações no comportamento, ela é uma substância lícita, ou seja, tem o seu consumo
admitido e até estimulado pela sociedade. Apesar de sua ampla aceitação, o álcool pode
provocar o alcoolismo, principal causa de internação em hospitais psiquiátricos no Brasil.

Aula 14 Psicologia da Educação 221


Atividade 1
Todos nós conhecemos alguém que tem “problemas com o álcool”. Algumas
dessas pessoas nós consideramos “alcoólatras”, outras consideramos apenas
que têm problemas com a bebida. Como você caracterizaria um alcoólatra?

À medida que a pessoa vai consumindo drogas, o seu organismo começa a sofrer
modificações que podem fazer com que ela tenha necessidade de voltar a consumi-
las. Antigamente, o termo para isso era vício, sendo tachado de viciado aquele que não
conseguia deixar de utilizar uma determinada droga. Aquele que usava, mas conseguia
deixar, tinha apenas um hábito. Hábito e vício eram dois termos usados para designar o grau
de envolvimento do indivíduo com a droga.

Atualmente, entende-se que em qualquer uma das duas circunstâncias o indivíduo tem
um transtorno de dependência. A dependência é o impulso que leva a pessoa a usar uma
droga, mesmo tendo, com esse uso, problemas fisiológicos, comportamentais ou cognitivos
significativos. A dependência pode ser psicológica, quando a interrupção da droga resulta
em problemas fisiológicos, como mal-estar e ansiedade, ou cognitivos, como dificuldades de
concentração; e física, quando a interrupção da droga resulta em síndrome de abstinência.

A síndrome de abstinência é um conjunto de sintomas físicos e comportamentais


que aparece quando o uso da droga é interrompido. Esses sintomas podem ser mais ou
menos graves dependendo do tipo de substância que esteja sendo utilizada. A síndrome de
abstinência resultante da cessação do uso de hipnóticos, por exemplo, pode ser tão grave ao
ponto de levar o indivíduo ao coma e até à morte.

222 Aula 14 Psicologia da Educação


Algumas substâncias podem levar a situações em que o indivíduo precise aumentar a
quantidade ingerida para obter o mesmo efeito. Por exemplo, se se conseguia uma situação
de euforia com um comprimido de ecstasy, depois de algum tempo serão necessários dois
comprimidos para que a euforia aconteça. Nesses casos, diz-se que foi desenvolvido um
quadro de tolerância.

Atividade 2
Depois de conhecer esses conceitos, tente agora identificar na caracterização
que você fez na atividade 1 se se trata de situação de dependência – psicológica
ou física –, de tolerância ou de síndrome de abstinência.

O adolescente e o uso de drogas

N
a aula 5 (A psicologia da adolescência), discutimos a adolescência e vimos como se
trata de uma fase muito especial na vida dos indivíduos, sobretudo por ser uma fase de
fragilidades emocionais, de busca de identificações, de experimentação da vida adulta e da
tentativa de firmar a própria identidade. Por tudo isso, é um momento de grande vulnerabilidade,
o que expõe o adolescente a maiores riscos ao entrar em contato com as drogas.

Aula 14 Psicologia da Educação 223


Estudos psicológicos tentam entender o porquê da busca do adolescente pelas drogas.
Para Grynberg e Kalina (2002), o uso destas pode significar uma forma de confronto com o
meio social em que vivem, pois os jovens acreditam estar dando provas de sua autonomia
e auto-suficiência, sendo capazes de alcançar seus objetivos, que muitas vezes não estão
muito claros. Para Caldeira (1999), as causas podem estar no desafio da transgressão
às normas adultas, na curiosidade pelo novo e pelo proibido, na pressão do grupo para
assumir determinados comportamentos.

Como vimos na discussão sobre adolescência, o grupo é um espaço de identificação e


busca de segurança; sendo assim, é comum que seja o espaço no qual ocorrem as primeiras
experimentações. Scivoletto (2004) afirma que o adolescente busca no grupo encontrar sua
própria identidade, e olhar o outro facilita o processo. O uso das drogas aparece como
experimentação de novas atividades e situações, a onipotência oferece a sensação de que
nada de errado acontecerá, expondo-o a grandes perigos.

Por outro lado, a dimensão que hoje atinge o consumo de drogas, não só nos grandes
centros urbanos, mas também nas cidades de pequeno e médio porte, faz com que as
famílias se sintam inseguras e impotentes diante da possibilidade de seus jovens vivenciarem
tal situação. Sabemos que o comportamento individual e a formação do juízo moral são
moldados por meio dos valores sociais, transmitidos principalmente pela família e pela
escola. Assim, o papel dessas duas instâncias socializadoras é fundamental na prevenção e
na atuação concreta, sobretudo em situações de risco.

Com relação à família, os estudos indicam que a ocorrência de conflitos e de


relacionamentos insatisfatórios entre os membros seria um fator de risco, enquanto o
sentimento de apoio agiria como fator de proteção. Num estudo realizado por Silva et al.
(2006), no qual foram investigados os temores e a reação dos pais diante do uso de drogas,
observou-se que a maioria deles conversa com os filhos sobre o assunto, mas as conversas
têm caráter meramente informativo ou restringem-se ao compartilhamento dos temores
pelas conseqüências do uso de drogas. Outro dado interessante do estudo é a reação dos
pais diante do uso de drogas lícitas ou ilícitas. Quando sabiam que seus filhos usavam
drogas lícitas, como o álcool ou o tabaco, a reação dos pais era de indiferença, enquanto ao
saber do uso de drogas ilícitas, como a maconha era a cocaína, a reação era de descrença na
informação ou de brigas, acompanhada de sentimento de tristeza, impotência e medo.

A análise dos sentimentos dos pais possibilita uma reflexão do paradoxo sobre drogas
existente na nossa sociedade em relação às drogas. Por um lado, através dos meios de
comunicação e em reuniões sociais, o uso de bebidas alcoólicas é apresentado como
símbolo de sucesso, prazer ou como uma ferramenta útil no enfrentamento de problemas
ou para redução da ansiedade. De outro lado, há uma condenação ou “demonização”
do uso das drogas ilícitas, às quais só são atribuídos efeitos prejudiciais, como se fosse
a legalidade que determinasse a periculosidade do uso. (SILVA et al, 2006, p. 8).

224 Aula 14 Psicologia da Educação


De todas as maneiras, identificar o que leva um adolescente ao uso das drogas não é
uma tarefa simples. Muitas vezes, vemos casos de famílias claramente desajustadas que não
apresentam nenhum registro de consumo de drogas entre os filhos, e de outras, nas quais
isso acontece aparentemente sem nenhuma justificativa familiar. É preciso levar em conta
não só a família, mas também o próprio indivíduo e o meio social em que ele se encontra.
A enorme quantidade de variáveis implicadas nesse consumo permite um número infindável
de configurações possíveis para o uso de substâncias psicoativas.

Figura 3 – A indiferença familiar diante do uso de drogas lícitas pode prejudicar o jovem.

De um modo geral, pode-se dizer que o que leva os jovens a usarem drogas é um
conjunto de fatores denominados “fatores de risco”. A combinação destes ou a junção de
alguns torna uma pessoa mais ou menos propensa a esse uso.

Quem se encontra em
situação de risco?
São considerados fatores de risco para o uso de drogas algumas características ou
atributos de um indivíduo, grupo ou ambiente de convívio social que contribuem, em maior
ou menor grau, para aumentar a probabilidade desse uso.

Conceição e Sudbrack (2004) fizeram uma síntese sobre tais fatores a partir do que
denominaram áreas da vida ou, como afirmam as autoras, “domínios da vida”, que seriam:
o domínio individual, o domínio de pares, o domínio familiar, o domínio comunitário e o
domínio escolar. Elas identificam que não há um único fator de risco determinante para o
uso de drogas e que cada um desses domínios comporta fatores de risco e de proteção.
Vejamos quais são eles.

Aula 14 Psicologia da Educação 225


1) Domínio individual – diz respeito às predisposições genéticas e psicológicas, à presença
ou não de transtornos ou perturbações mentais. Nesse domínio, teríamos:

Fatores de risco Fatores de proteção

Baixa auto-estima Apresentação de habilidades sociais

Flexibilidade, facilidade de cooperar, responsabilidade


Falta de autocontrole e assertividade
e comunicabilidade
Habilidade em resolver problemas e tomar decisões,
Comportamento anti-social precoce
autonomia
Doenças preexistentes (ex.: transtorno de deficit de
Presença de um projeto de vida
atenção e hiperatividade)
Relação de confiança com os pais, professores e
Vulnerabilidade psicossocial
colegas

2) Domínio dos pares – diz respeito aos amigos e pessoas de convívio mais próximo. Aqui,
temos:

Fatores de risco Fatores de proteção

Pares que usam drogas ou aprovam e/ou valorizam Pares que não usam drogas e não aprovam ou não
seu uso valorizam seu uso
Dificuldade de participação em grupos que
Participação junto com seu grupo em atividades
desenvolvem atividades recreativas, esportivas e
recreativas, esportivas ou laborais saudáveis
laborais tidas como saudáveis

Dificuldade de pertencimento a um grupo de iguais Pertencimento a grupos de iguais na escola ou na


na escola ou na comunidade comunidade

Dificuldade em aceitar autoridade que não compartilhe Aceitação de autoridade vinda de fora do grupo de
de determinações de seu grupo pares, na escola, na comunidade, na família

Participação em grupos de objetivos sociais e


Não participação em grupos de objetivos altruísticos
comunitários

226 Aula 14 Psicologia da Educação


3) Domínio familiar – refere-se à forma como a família está estruturada, ao seu funcionamento
e à definição de suas regras e papéis.

Fatores de risco Fatores de proteção

Uso de álcool e drogas pelos pais Valorização do padrão de vida saudável

Isolamento social entre membros da família Existência de vinculação familiar

Existência de fortes vínculos afetivos entre os


Laços afetivos frágeis entre os membros da família
membros da família
Relações conflituosas, excessivamente autoritárias Predomínio do estilo compreensivo de vida, sem
ou permissivas entre os membros da família autoritarismo ou permissividade
Diálogo constante e comunicação eficiente entre pais
Falta de diálogo e de comunicação entre pais e filhos
e filhos
Ausência e descontinuidade de critérios na aplicação Presença e constância de critérios na aplicação das
das regras familiares regras disciplinares
Falta de interesse dos pais pelas conquistas dos filhos, Demonstração de interesse pela vida dos filhos e
não participação nos seus sucessos ou fracassos participação nos seus sucessos ou fracassos
Incongruência ou incoerência dos pais quanto ao Coerência e congruência quanto ao padrão
padrão educacional a ser adotado para os filhos educacional a ser adotado para os filhos

Expectativas negativas em relação aos filhos Expectativas positivas em relação aos filhos

Pais que não fornecem um bom modelo, não sabendo


Presença de pais como modelo positivo quanto às
transmitir as normas e os valores morais e sociais
questões sócio-morais
aceitáveis
Postura repressora e reflexiva quanto ao uso de
Tolerância com relação ao uso de drogas pelos jovens
drogas pelos jovens

Ausência da função paterna Presença da função paterna

4) Domínio comunitário – diz respeito à facilidade ou não de acesso às drogas, à falta de


fiscalização das leis. Os fatores de risco e proteção são:

Fatores de risco Fatores de proteção

Existência de oportunidades de estudo, trabalho e de


Falta de oportunidade socioeconômica para a
inserção social que possibilitem ao jovem concretizar
construção de um projeto de vida
seu projeto de vida

Fácil acesso às drogas lícitas e ilícitas Controle efetivo do comércio de drogas legais e ilegais

Repressão e reflexão quanto ao uso de drogas legais


Permissividade em relação a algumas drogas
e ilegais
Inexistência de incentivo para que o jovem se envolva Incentivo ao envolvimento dos jovens em serviços
em serviços comunitários comunitários
Realização de campanhas e ações que ajudem o
Negligência no cumprimento de normas e leis que
cumprimento das normas e leis que regulam o uso
regulam o uso de drogas pelos jovens
de drogas pelos jovens

Aula 14 Psicologia da Educação 227


5) Domínio da escola – neste domínio, temos o entrecruzamento de fatores de risco e
proteção de todos os outros domínios:

Fatores de risco Fatores de proteção

Indefinição ou falta de comunicação e negociação de Definição, comunicação e negociação de normas,


normas, regras e limites regras e limites
Incoerência e incongruência entre os agentes Coerência e congruência entre agentes educativos na
educativos na prática de normas aplicação de normas e regras escolares
Relação desrespeitosa e falta de responsabilidade e Relação de respeito mútuo, compromisso e
compromisso entre os agentes educativos cooperação entre os agentes educativos
Relações amistosas de cooperação entre família e
Ausência da relação entre família e escola
escola

Falta de estímulo às práticas escolares Estímulo à prática das atividades escolares

Ausência de expectativas positivas em relação ao Verbalização das expectativas positivas com relação
desempenho dos alunos ao desempenho dos alunos

Ausência de atividades criativas e estimulantes que


Promoção de práticas criativas e estimulantes
ajudem na criação de vínculos entre o aluno e a escola

Relações preconceituosas em relação aos alunos,


Relações abertas, honestas, sem atitudes negativas,
com a utilização de rótulos como forma de punição
punitivas ou preconceituosas
e exclusão
Ausência de afetividade e confiança na relação Fortes vínculos afetivos e de confiança entre alunos e
professor-aluno e no ambiente escolar professores e dentro do ambiente escolar
Relações professor-aluno baseadas no autoritarismo Relações professor-aluno baseadas no respeito
ou no excesso de permissividade mútuo
Falta de estímulo às práticas educativas de Estímulo e exercício dos princípios da cooperação e
cooperação e solidariedade da solidariedade
Falta de controle quanto à presença de drogas na
Controle da presença de drogas
escola

Como podemos ver, o problema não é simples nem pode ser encarado com valorações
moralistas. Qualquer atuação que vise enfrentar o problema das drogas precisa estar atenta
para evitar posturas que induzam à estigmatização e à marginalização.

Vale destacar aqui as recomendações, em caso do uso de drogas pelo adolescente, de


Conceição e Sudbrack (2004, p. 5), que se aplicam sobretudo aos educadores:

1) Não confrontar diretamente.

2) Não acusar ou procurar culpados.

3) Mostrar-se ao lado do adolescente, sem compactuar com o uso, na busca de uma


resolução para o problema.

228 Aula 14 Psicologia da Educação


4) Ajudar o adolescente a perceber o benefício que ele terá com a abstinência ou com o
tratamento. Se ele acha que precisa parar por imposição social, ou para agradar este ou
aquele, a tentativa pode falhar.

5) Não usar da culpa como arma para convencimento - isso pode até funcionar durante um
período, mas não se sustenta. Aliás, fuja do mecanismo da culpa, no qual se estabelece
uma troca de acusações para se determinar o mais culpado e o mais atingido: o problema
continua sem solução.

6) Jamais esquecer que se trata de uma dificuldade e não um defeito. Lembrar, que,
para lidar com dificuldades como essa existem equipes de educadores, psicólogos,
enfermeiros, assistentes sociais, médicos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais etc. Não
tente resolver tudo sozinho. Procure ajuda - todo cidadão tem direito de ser assistido em
caso de doenças biológicas, psíquicas etc. (CONCEIÇÃO; SUDBRACK, 2004, p. 5).

Atividade 3
Agora que vimos os aspectos envolvidos na busca da droga por parte dos
adolescentes, vamos fazer um exercício reflexivo acerca dos pontos que
elencaríamos para compor uma proposta de programa de prevenção às drogas
em uma escola. Descreva-os a seguir.

Aula 14 Psicologia da Educação 229


Resumo
Nesta aula, conhecemos os principais conceitos utilizados, sobretudo, pela
Medicina quanto ao uso de drogas. Conhecemos também uma maneira de
classificar as drogas psicoativas quanto à forma como elas atuam no sistema
nervoso central. Analisamos os fatores psicológicos que fazem os adolescentes
se envolverem com o consumo de drogas e conhecemos os fatores de risco e
de proteção que envolvem esse uso.

Autoavaliação
Que são substâncias psicotrópicas?
1

Como se classificam essas substâncias?


2

Qual a diferença entre dependência física e dependência psicológica?


3

Que fatores levam o adolescente ao uso das drogas?


4
Destaque a importância dos domínios da vida enquanto fatores de risco para o
5 consumo de drogas.

230 Aula 14 Psicologia da Educação


Referências
CALDEIRA, Zelia Freire. Drogas, indivíduo e família: um estudo de relações singulares.
1999. Dissertação (Mestrado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública,
Rio de Janeiro, 1999.

CONCEIÇÃO, M. I. G.; SUDBRACK, M. F. O. Fatores de risco e de proteção no envolvimento


de adolescentes com drogas. In: SUDBRACK, M. F. O. Debate: adolescentes e drogas no
contexto da escola. (Programa Salto para o Futuro, programa 3). Disponível em: <http://
www.tvebrasil.com.br/SALTO/boletins2004/dad/tetxt3.htm>. Acesso em: 09 ago. 2007.

GALDURÓZ, José Carlos F. et al. V levantamento nacional sobre o consumo de drogas


psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino
nas 27 capitais brasileiras. São Paulo: CEBRID, 2004. Disponível em: <http://www.unifesp.
br/dpsicobio/cebrid/levantamento_brasil2/index.htm>. Acesso em: 13 ago. 2007.

GRYNBERG, Halina; KALINA, Eduardo. Aos pais de adolescentes: viver sem drogas. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, 1999.

SCIVOLETTO, S.; ANDRADE, E. R. A cocaína e o adolescente. In: LEITE, M. C.; ANDRADE, A.


G. (Orgs.). Cocaína e crack: dos fundamentos ao tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas,
1999. cap. 8. p.137-153.

SILVA, Eroy Aparecida da et al. Drogas en la adolescencia: temores y reacciones de los padres.
Psicol. teor. prat., São Paulo, v. 8, n.1, p.41-54, 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.
org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872006000100004&lng=es&nrm=iso>.
Acesso em: 09 ago. 2007.

Aula 14 Psicologia da Educação 231


Anotações

232 Aula 14 Psicologia da Educação


Anotações

Aula 14 Psicologia da Educação 233


Anotações

234 Aula 14 Psicologia da Educação


Os meios de comunicação
de massa

Aula

15
Apresentação

O
s meios de comunicação de massa estão cada vez mais presentes na nossa vida
cotidiana. Com a melhoria das condições de vida dos brasileiros, a televisão, por
exemplo, está praticamente em todas as casas e, muitas vezes, ligada a maior parte do
dia. Nesse contexto, algumas questões como: de que forma esses meios interferem em nossos
comportamentos e por que nos deixamos influenciar por eles serão que discutidas nesta aula.

Objetivos
Conhecer a evolução dos meios de comunicação e sua
1 influência na cultura.

Discutir a interferência dos meios de comunicação na


2 subjetividade dos sujeitos.

Discutir o papel da propaganda e seus mecanismos de


3 manipulação.

Discutir a relação entre Educação e meios de comuni-


4 cação de massa.

Aula 15 Psicologia da Educação 237


Da tradição oral ao
“ciberespaço”

N
o final dos anos 60 do século XX, o filósofo canadense Marshall McLuhan (1911-
1980) lançou um livro chamado A galáxia de Gutemberg, do qual uma ideia ficou
famosa até hoje: a ideia de que o mundo estava se transformando em uma aldeia
global. Para McLuhan (1977), o progresso tecnológico estava reduzindo o planeta a uma
situação semelhante ao que ocorre em uma aldeia, onde qualquer pessoa pode se comunicar
com outra diretamente e as mensagens são passadas quase instantaneamente. O modelo
de progresso tecnológico era a televisão que, naquela época, começava a se interligar por
satélite e fazer transmissões simultâneas para todo o mundo.

As ideias de McLuhan ajudaram a trazer para a ordem do dia a discussão sobre os meios
de comunicação e sua interferência na vida das pessoas. Para ele, a análise da evolução
midiática mostra como ela foi determinante na transformação das culturas. Nesse sentido,
afirma que é possível distinguir três culturas nessa evolução:

1. a cultura oral – própria das sociedades não alfabetizadas, utiliza a palavra falada como o
principal meio de comunicação. Nesta cultura, o homem estaria mais próximo das coisas
e, pela riqueza das modulações da palavra oral, conseguiria transmitir e receber as sutis
variações dos estados afetivos dos envolvidos na comunicação. A experiência seria rica e
variada, suscitando a criatividade de quem fala e de quem ouve, deixando o ouvinte livre
para imaginar ao seu modo a realidade e os acontecimentos. A cultura oral – por implicar
um falante e um ouvinte – também estimula a proximidade entre as pessoas, favorecendo
o estabelecimento de fortes vínculos grupais. Essa cultura ainda persiste entre nós na
figura dos contadores de histórias. Aqueles dentre nós que não são tão jovens devem
recordar as histórias contadas pelas nossas avós, nos fazendo “viajar” na imaginação;

238 Aula 15 Psicologia da Educação


2. a cultura tipográfica – caracteriza as sociedades alfabetizadas, privilegia a palavra escrita
e, consequentemente, a leitura, valorizando mais a visão do que a fala. A palavra escrita
comunica em um sentido único, diminuindo a capacidade expressiva e comunicativa da
experiência subjetiva do mundo, determinando uma consciência linear e um modo de
vida repetitivo e uniformizante entre indivíduos singulares. Por outro lado, ela propicia a
ordenação lógica do discurso permitindo a construção de saberes racionais e, pela sua
capacidade de reprodução, favorece a permanência no tempo e no espaço, possibilitando
a construção de coletividades nacionais e do registro de memórias. A palavra escrita
criou condições de democratização da instrução e vulgarização do saber;

3. a cultura eletrônica – decorrente do surgimento dos meios eletrônicos de comunicação,


define-se pela comunicação rápida e instantânea. Pelo caráter massivo de sua difusão,
ela permite compartilhar experiências entre pessoas muito distantes, promovendo um
novo tipo de aproximação social em larga escala. Os meios eletrônicos, por atuarem
no campo auditivo e visual, atingem de forma múltipla a sensibilidade, permitindo uma
apreensão pluridimensional e polimórfica da mensagem. Assim, a cultura eletrônica,
de certa forma, resgata a riqueza expressiva da comunicação oral, com a vantagem de
manter o registro típico da comunicação tipográfica. Vale lembrar que quando McLuhan
difundiu essas suas ideias, a Internet ainda estava longe de ser desenvolvida. O modelo
de comunicação eletrônica que ele utiliza é a televisão, como dissemos anteriormente.
Nesse sentido, podemos dizer que ele foi um visionário.

Outro autor que também estuda a interferência dos meios nos comportamentos
humanos é Manuel Castells (1999). Em sua obra A Era da Informação: Economia, Sociedade
e Cultura, identifica o surgimento de uma nova estrutura social – a sociedade em rede – como
fato, sobretudo, da revolução da informática. De certa forma, essa nova sociedade já havia
sido antecipada por McLuhan, quando distinguiu a cultura eletrônica. No entanto, a análise
de Castells observa dois outros fenômenos que surgem concomitantemente à sociedade em
rede e que vão atuar em conjunto, fortalecendo as características da nova estrutura social: a
economia globalizada e a cultura da virtualidade do real.

Essa nova cultura foi chamada por Pierre Levy (1999) de “cibercultura”, definindo-a
como o conjunto de atitudes, valores, práticas e modos de pensamento que se desenvolve com
o novo meio de comunicação surgido a partir da interconexão mundial dos computadores. É
a internet – ou “ciberespaço” – que favorece o surgimento da “cibercultura”.

Assim, as novas tecnologias de informação e comunicação fizeram surgir uma nova forma
de difusão da informação, novas formas de relações sociais e práticas comunicacionais entre
as pessoas, uma nova ética e até mesmo uma nova forma de arte. No entanto, essas novas
subjetividades ainda convivem com as anteriores. Sabemos que a exclusão digital é uma
realidade presente em países como o nosso, sobretudo, em regiões menos desenvolvidas
economicamente. Nessas regiões, ainda estamos na cultura eletrônica da televisão, do
rádio e, em menor escala, da imprensa. É, portanto, mais especificamente nesses meios de
comunicação de massa que vamos focalizar a nossa discussão.

Aula 15 Psicologia da Educação 239


Os meios de comunicação
e a subjetividade

O
s meios de comunicação de massa, também chamados mídia (em referência ao
termo inglês mass media), ou meios de massa, têm ganhado nos últimos tempos uma
importância enorme, ao ponto de ser chamado de “quarto poder”. E são chamados
assim pela sua grande influência na formação da opinião das pessoas, na aquisição de atitudes
e comportamentos, sobretudo devido à penetração, particularmente, da televisão em todas
as regiões do nosso país. Exemplos disso não faltam: as novelas moldam a maneira das
pessoas se vestirem; programas como o Big Brother são temas de conversas e discussões
sobre o comportamento de seus participantes; as notícias divulgadas nos telejornais passam
a ter força de verdade absoluta. Podemos considerar que adquirimos a cultura de nosso
grupo social também por esses meios. Eles são veículos de informação e de valores que
nos constituem como sujeitos em nossa sociedade. Assim, podemos dizer que a mídia tem
grande importância na construção da subjetividade das pessoas e por isso uma importante
discussão que se coloca hoje em dia é a questão da ética nos meios de comunicação.

Um filme bastante interessante que discute o


papel da imprensa na perspectiva de um “quarto
poder” é Wag the dog, cuja tradução brasileira é
Mera Coincidência. Trata-se da manipulação da
informação para desviar a atenção do público de
um grande escândalo envolvendo o presidente
norte-americano.

240 Aula 15 Psicologia da Educação


Atividade 1

Você considera que essa influência da mídia tem efeito positivo ou negativo na
formação da consciência das pessoas? Por quê?

Sabemos que a mídia, à semelhança de outras instituições sociais, tem a ambivalência


de ter que preservar os valores sociais e ao mesmo tempo ser inovadora, porque a novidade
é o elemento fundamental para um aumento de público. Mas ela tem um aspecto particular:
no nosso país, a maioria dos veículos de comunicação é formada por empresa privada e,
como tal, defende os interesses econômicos dos grupos que controlam o capital. Portanto,
essas empresas não são transparentes nem inocentes, e o compromisso com a verdade,
apesar de fazer parte do slogan de algumas delas, não pode ser considerado de uma forma
absoluta. Isso fica mais evidente nos períodos de campanha eleitoral, quando os jornais
e/ou as emissoras de televisão que pertencem a um determinado grupo político destacam as
mazelas dos candidatos adversários e amenizam as dos seus próprios candidatos.

Aula 15 Psicologia da Educação 241


Quando se questiona a mídia sobre a ética na maneira de abordar determinadas
questões, uma argumentação frequente é que a de imprensa precisa ser livre para torna os
cidadãos bem informados. Sem dúvida. Nosso país viveu anos sob uma ditadura militar,
convivendo com a censura à imprensa, na forma de censura prévia, de proibição de citação
de determinados nomes de pessoas ou de assuntos. Foram anos negros que provocaram
uma triste lembrança. No entanto, após todo esse tempo de imprensa livre, volta à tona a
discussão da ética na mídia.

A imprensa hoje, mais do que em qualquer época, está sendo pautada pelas informações
em off vazadas e pelas declarações em off. Informações que visam apenas denegrir a imagem de
outros políticos são publicadas baseadas em declarações cuja veracidade não é verificada
Termo que faz parte
do jargão jornalístico, pelosjornalistas. É o jornalismo baseado no denuncismo, que só se explica pela guerra em
significa informações busca da audiência, por quantas primeiras capas as revistas conseguirem publicar. Sobram
não gravadas, ou seja,
acusações, mas faltam investigações e análises isentas das denúncias.
sua fonte não pode ser
divulgada.
Compreender os fatores que determinam a existência de uma mídia não isenta, atrelada
aos interesses dos seus proprietários é fundamental para que se faça uma leitura crítica do
conteúdo divulgado e que seja possível ter informação que nos constitua como verdadeiros
cidadãos. Por outro lado, sabemos que uma mentira repetida por muito tempo não se torna
verdade. Atribui-se a Abraham Lincoln a frase: “É possível enganar todas as pessoas por
algum tempo, ou enganar algumas pessoas por todo o tempo, mas não é possível enganar a
todas as pessoas por todo o tempo”. De uma maneira geral, as pessoas sabem que, quando
se trata de tema polêmico, elas não devem acreditar integralmente na notícia veiculada
pelos meios de comunicação.

O trabalho de Lins e Silva (apud BOCK, 1999) sobre a audiência do Jornal Nacional, da
Rede Globo, entre trabalhadores paulistas, reforça essa afirmação. Na época em que a pesquisa
foi feita (anos 1980), havia o mito de que a grande audiência desse telejornal dava às noticias que
ele veiculava a força da verdade, ao ponto de nenhuma outra emissora contestar as informações.
O estudo, no entanto, mostrou que os trabalhadores, o assistirem o noticiário sobre greves,
faziam uma releitura da informação e a reconstruíam de acordo com a visão sindical da cultura
operária. Eles tinham fontes alternativas de informação para avaliarem o material veiculado pela
televisão, que era a imprensa sindical, e, sobretudo, as suas próprias vivências.

242 Aula 15 Psicologia da Educação


Atividade 2
Observe o noticiário dos principais canais de televisão. Assista ao que é
transmitido por um deles e anote as principais notícias. Assista aos demais e
compare as notícias quanto ao seu tipo de abordagem. Anote a seguir as suas
observações e consequentes conclusões.

a) Observações

b) Conclusões

Aula 15 Psicologia da Educação 243


A propaganda e o controle da
subjetividade

N
o campo da comunicação, a publicidade vem cada vez mais desempenhando papel
fundamental. Para vender um produto, ela se utiliza de um mecanismo psicológico
chamado persuasão, que é o mecanismo de convencimento utilizado por uma pessoa
sobre outra, de modo a induzi-la a tomar determinadas atitudes. Inúmeros exemplos poderiam ser
citados. Observe um comercial de alguma marca de margarina: a representação é de um mundo
perfeito, com uma família harmoniosa, filhos encantadores e a mulher no seu papel de dona
de casa feliz. De uma maneira sutil, somos convencidos de que aquele produto nos propiciará
aquele ambiente. Neste instante, temos a nossa subjetividade capturada pela propaganda de
uma maneira tal que se torna difícil impormos alguma resistência: fomos persuadidos.

Atividade 3
Vamos prestar atenção aos intervalos comerciais. Observe as propagandas
veiculadas. Se possível, observe-as em diferentes momentos do dia. Escolha
uma delas, analise que tipo de persuasão está implícito na mensagem e anote
suas observações a seguir.

244 Aula 15 Psicologia da Educação


Muitas vezes, a persuasão ocorre com base em informações concretas e objetivas, ou
seja, o convencimento tenta atingir a nossa esfera cognitiva, nos abordando com argumentos
racionais. É o caso, por exemplo, de uma peça publicitária que descreve as características
de um produto. Posso decidir pela compra de uma geladeira porque a propaganda diz que
ela consome menos energia; ou posso escolher estudar em determinada escola porque a
publicidade indica que nela estão os professores mais qualificados. Outras vezes, no entanto, a
propaganda nos atinge pelo lado das emoções, associando estas ao conteúdo das mensagens.
Nesse caso, a persuasão atinge mais profundamente o campo da nossa subjetividade.

Figura 1 – A lógica nem sempre motiva a compra de um produto.

Você já deve ter observado exemplos de propagandas do tipo: uma marca de carro cuja
sua imagem é associada à de um jovem aventureiro, criando a ideia de que quem compra
aquele carro viverá as mesmas aventuras; um determinado xampu associado a lindas
mulheres; um banco que substitui o seu nome pelo do cliente, tentando criar a imagem de
um banco pessoal. A mensagem é subliminar e funciona porque, por um lado, é repetida
várias vezes e, por outro, atinge o nosso subconsciente.

Funciona mais ou menos assim: no nosso cotidiano, temos que enfrentar a rotina da nossa
vida, que nos exige atitudes, comportamentos, nos faz seguir regras e normas, tornando-a,
a maior parte do tempo, uma “vida sem graça”. Essa rotina é suportada porque temos,
no nosso psiquismo, mecanismos de defesa contra frustrações e que nos preparam para
suportar as restrições sociais, criando em nós um padrão de comportamento conformista. A
propaganda nos desperta desse conformismo, acenando com objetos de desejo imaginários,
que estavam “recolhidos” no nosso subconsciente, e os associa aos produtos anunciados.
Assim, criamos em nós, inconscientemente, a ideia de que se comprarmos o produto, nossos
desejos se realizarão e sairemos da mesmice cotidiana. Voltamos a afirmar que todo esse
processo não ocorre de forma consciente, ou seja, não nos damos conta de que estamos
comprando o produto por esses motivos, pois mesmo se formos questionados em relação
à compra, daremos todos os argumentos racionais possíveis.

Aula 15 Psicologia da Educação 245


Atividade 4
Retome a atividade 3. O que você observou teria relação com o conceito
de persuasão que mobiliza nossas fantasias inconscientes? Comente a
respeito disso.

Como vimos, a propaganda nos atinge por meio nossas funções cognitivas, como também
por nossas funções afetivas, usando argumentos racionais ou emocionais, respectivamente.
No entanto, existe um tipo particular de propaganda que nos envolve pelo aspecto cognitivo,
propaganda mas tem o objetivo de mudar nossas crenças e valores: é a propaganda ideológica. Ela
ideológica tem a função de mudar as ideias e convicções dos indivíduos e, com isso, orientar seu
Chauí (1984, p.92-3) comportamento social. Quando uma pessoa é impedida de se orientar segundo suas crenças,
salienta que “a ideologia ou faz resistência a essa mudança e tenta evitar as situações de controle, ou muda seu modo de
é o processo pelo qual
pensar. A propaganda ideológica aposta nessa segunda possibilidade e para isso muitas vezes
as ideias da classe
dominante se tornam manipula a informação ou não a divulga de maneira clara e objetiva, passando, no entanto,
ideias de todas as classes a impressão de que está sendo o mais imparcial possível. Há um exemplo histórico desse
sociais, se tornam ideias
tipo de propaganda: aquela criada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, que difundia a
dominantes”.
supremacia da raça ariana e a caracterização do povo judeu como raça inferior.

Assim, a propaganda ideológica não vende um produto,


mas uma ideia. As mensagens apresentam uma versão da
realidade que visa manter a sociedade na situação em que
se encontra ou têm o objetivo de transformar aspectos da
estrutura social, econômica, política ou cultural, para atender
aos interesses de classe. As informações são fragmentadas
e descontextualizadas, de modo a criar condições para que
o entendimento ocorra dentro da perspectiva do produtor
da propaganda. Mecanismos ideológicos são criados
diariamente para impedir que tenhamos um olhar crítico
sobre a realidade e que busquemos informações diferentes
das veiculadas nos meios de comunicação de massa.

246 Aula 15 Psicologia da Educação


Atividade 5
Observe a imagem a seguir. Trata-se da foto de um outdoor na cidade de São Paulo,
em outubro de 2006. Anote o que você observa como tentativa de vender uma
ideia. Faça outras observações que considera pertinentes ao tema aqui discutido.

Aula 15 Psicologia da Educação 247


Os meios de comunicação
e a escola: a importância
da leitura crítica

P
ara o pedagogo brasileiro Paulo Freire (2005), a Educação ocorre quando permite
ao sujeito transitar de uma consciência ingênua para uma consciência crítica. O
professor tem papel fundamental nesse processo, quando, através do diálogo, ajuda
a desvelar as verdadeiras causas da opressão. Como vimos, os meios de comunicação de
massa podem atuar como veículos de propaganda ideológica, portanto, o professor tem um
papel a desempenhar, ajudando os alunos a desenvolverem uma leitura crítica.

Um dos estudiosos dos meios de comunicação e sua relação com a escola, Juan Manoel
Moran (1994), relata como é complexo analisar os meios de comunicação, uma vez que
para a maioria das pessoas eles representam a modernidade, a novidade, o fascínio, o lazer,
ou seja, apresentam uma dimensão positiva e representam um modo de vida desejável. Em
consequência disso, propor uma leitura crítica pode gerar resistência. Para ele, então, é preciso
“problematizar o que não é visto como problema e desideologizar o que só é visto como
ideologia” (MORAN, 1994, p. 16). É preciso, assim, educar para a comunicação porque essa
formação ajuda a “compreender as novas codificações, as sutilezas da imagem, da música, da
articulação entre o verbal, o visual, o escrito, permite entender [...] as articulações comerciais,
empresariais, financeiras e políticas do complexo de comunicação” (MORAN, 1994, p. 16).

Resumo
Nesta última aula da nossa disciplina, discutimos o papel da mídia na formação
das culturas. Vimos como as informações podem ser manipuladas para atender
os interesses patronais. Analisamos o papel da propaganda na manipulação de
nossas subjetividades e, por último, buscamos entender a importância do papel do
educador enquanto facilitador de uma leitura crítica dos meios de comunicação.

248 Aula 15 Psicologia da Educação


Autoavaliação
Resuma os períodos de evolução da cultura quanto aos meios de comunicação,
1 segundo McLuhan.

Em que pontos Castells avança em relação às ideias de McLuhan?


2

O que é persuasão e de que forma ela pode ocorrer?


3
Do ponto de vista psicológico, como atua a propaganda nas nossas mentes?
4

O que é propaganda ideológica?


5

Referências
BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias. São Paulo: Saraiva, 1999.

CASTELLS, M. O poder da identidade. In: CASTELLS, M. A era da informação: economia,


sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v 2.

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Anotações

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Anotações

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Anotações

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Anotações

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Anotações

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Esta edição foi produzida em setembro de 2014 no Rio Grande do Norte, pela Secretaria
de Educação a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SEDIS/UFRN),
sobre papel offset 90 g/m2.

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