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Psicologia da Educação
Interdisciplinar
Psicologia da Educação
2ª Edição
Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Ministro da Educação
Henrique Paim
Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes
FICHA TÉCNICA
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS
Marcos Aurélio Felipe
COORDENAÇÃO DE REVISÃO
Maria da Penha Casado Alves
Todos as imagens utilizadas nesta publicação tiveram suas informações cromáticas originais alteradas a fim de adaptarem-se
aos parâmetros do projeto gráfico © Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – EDUFRN. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educação – MEC
Sumário
Apresentação Institucional 5
Aula 2 A inteligência 25
A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a SEDIS tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra ao grupo de instituições que assumiram o
desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda-
lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o
acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente
em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de
graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino
Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e transformar o
conhecimento em uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLE-
TE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.
5
A Psicologia e sua
importância para a Educação
Aula
1
Apresentação
A
partir desta aula, iniciaremos nosso percurso pelo mundo da subjetividade. Nesta
disciplina, iremos discutir temas da Psicologia que tenham interesse para o educador
e para a Educação. Vamos conhecer o que é o homem, como ele se constitui, como
ele aprende e se relaciona com os outros. Para tando, selecionamos temas interessantes
como a inteligência, as emoções, o crescimento e o desenvolvimento do ser humano, e, em
especial, a aprendizagem, para a qual dedicamos um conjunto de aulas.
Outro bloco de temas diz respeito à chamada Psicologia Social: os grupos sociais,
os processos de socialização na família e na escola, a questão das drogas e a sexualidade.
Todos esses temas vão nos ajudar a compreender melhor nossos alunos e como podemos
interagir com eles.
Nesta aula, discutiremos um tema que, por mais que possa parecer óbvio, quase nunca
paramos para questioná-lo: quem é o homem? O que caracteriza o humano?
Objetivos
Conceituar Psicologia, dentro das diversas perspectivas.
1
Entender de que maneira a Psicologia está presente nas
2 mais diversas áreas do conhecimento.
E
sta é uma pergunta que você deve estar se fazendo agora. Qual a finalidade de se
estudar esse tema em um curso de licenciatura, que deveria estar abordando temas
mais específicos? Será necessário estudar assuntos sobre os quais se pode ler em
qualquer revista não especializada?
Em primeiro lugar, atente para o fato de que você está sendo formado para ser um
professor. Que vai lidar com gente (e gente é uma coisa reconhecidamente complicada!).
Um bom professor é aquele que tem um conhecimento profundo do conteúdo que deve
ministrar, mas também sabe lidar com sua turma, de modo a envolvê-la no processo
de aprendizagem. E, com certeza, os conhecimentos específicos de sua área, apesar de
extremamente importantes para sua formação, não lhe ensinam a lidar com gente. Em
segundo lugar, será que o que se lê em revistas não especializadas são, de fato, Psicologia?
As matérias veiculadas pelo Fantástico e por outros programas da TV do mesmo tipo são
suficientemente sérias e/ou científicas, ou ficam apenas no nível do senso comum? Os livros
de auto-ajuda ajudam a alguém mais, além dos seus próprios autores?
Poderíamos dizer que o objeto de estudo da Psicologia é o Homem. Mas, esse também
é o objeto de estudo de outras Ciências, como a Antropologia, a Sociologia e todas as demais
Ciências Humanas. Se perguntarmos a um psicólogo qual o objeto específico da Psicologia,
ele pode nos dar pelo menos dois tipos de respostas.
Respostas tão divergentes como essas vão nos mostrar que a Psicologia é ainda uma
Ciência em construção, ao ponto de alguns autores preferirem falar em Psicologias, no plural.
Atividade 2
Como você se descreveria? Como é o seu “jeito”, a sua maneira de ser?
Atividade 3
Observe um grupo de pessoas: seus colegas, seus irmãos, seus alunos. Tente
descrever o “jeito” deles, observando as particularidades de cada um. O que os
distingue dos outros quanto a suas atitudes, maneiras de ser?
O que você acabou de descrever em relação você e às pessoas do grupo que observou
foi justamente a subjetividade, sua e dos outros. Por mais que tenhamos alguma característica
que se pareça com a de uma outra pessoa, sempre seremos, no conjunto, uma pessoa
diferente e singular. E mesmo quando observamos características de um grupo, quando
vemos que temos características semelhantes ao nosso grupo, mesmo assim, podemos
observar particularidades que são somente nossas. São essas características que nos confere
identidade. Por exemplo, podemos dizer que o povo nordestino, de uma maneira geral, tem
uma forte religiosidade. No entanto, esse traço cultural vai se apresentar de uma forma
particular em cada um de nós. Parece, então, que os aspectos da cultura são importantes na
formação da subjetividade particular, como veremos a seguir (Veja a representação artística
da diversidade do povo brasileiro no quadro de Tarsila do Amaral).
Figura 2 – Operários.
Se somos tão diferentes, mesmo estando entre iguais, o que gerou essas diferenças?
S
e entendemos que a subjetividade engloba todas as peculiaridades imanentes à
condição de ser sujeito, ela envolve as capacidades sensoriais, afetivas, imaginativas
e racionais de uma determinada pessoa, o que chamamos de seu “mundo interno”. E
como é que se forma esse meu “mundo interno”? Será que já nascemos com ele?
É na relação com o mundo que o sujeito se constitui como tal, que se desenvolvem as
possibilidades humanas. É inserido nesse “mundo externo” que o homem vai organizar o seu
universo de valores e significados, que por sua vez vão moldar suas capacidades imaginativas,
racionais e afetivas. Assim, toda pessoa é uma complexa unidade natural e cultural.
A subjetividade, então, também não pode ser um conceito explicável apenas a partir da
Psicologia. Ela está inserida em um corpo com funções biológicas e psicológicas, mas é um
corpo de um sujeito que interage com o seu ambiente, familiar e social, que transforma esse
ambiente e é transformado por meio dessa interação.
Atividade 6
Há um filme muito interessante chamado
“O Homem Bicentenário (1999)”, baseado
em um livro de Isaac Asimov (1976). Nele,
um robô, por um defeito de fabricação, é
capaz de ter sentimentos e emoções, além
de paulatinamente ir tomando consciência
de sua condição não-humana. Ao longo
de 200 anos, utilizando a tecnologia das
diferentes épocas, ele vai conseguindo
modificar sua aparência física, para tornar-
se mais e mais parecido com um homem.
Após ter sua aparência, suas atividades, sua vida social e familiar em
tudo igual as das outras pessoas, ele passa a lutar para ser reconhecido
oficialmente como humano. O Conselho que governa o mundo nessa época
nega sistematicamente tal reivindicação.
Como você justificaria a posição do Conselho? Por que não considerá-lo humano?
Pelo que já vimos sobre a constituição da subjetividade dos sujeitos, o homem não pode
ser concebido como um ser natural, mas sim como o produto de sua história, da sua cultura. E
é por isso que, por exemplo, o seu modo de vida interfere na manifestação de suas doenças.
Afirmar que o homem é um ser sócio-histórico não significa recusar a sua condição
biológica. O homem pertence a uma espécie animal e todos nós recebemos de nossos ancestrais
uma herança de genes que determina nosso corpo e as características de nossa espécie. Duas
evidências científicas relativamente recentes, no entanto, nos mostram a importância do meio
na constituição desse indivíduo: por um lado, os estudos da Genética nos ensinam que os
genes se manifestam de diferentes maneiras, dependendo das condições ambientais. Por outro
lado, a recente Neurociência aponta a plasticidade cerebral, mostrando que os neurônios se
organizam e desenvolvem suas conexões, dependendo de estímulos e vivências ambientais.
Alguns autores afirmam que “o homem aprende a ser homem”. Isso significa que ao
nascer a criança ainda deve desenvolver sua humanidade, o que somente pode se dar em
contato com outras pessoas, com seu meio, com sua cultura. Compreender o homem dessa
forma é admiti-lo como um sujeito multideterminado.
Um exemplo disso pode ser observado no filme “O Enigma de Kaspar Hauser (1974)”,
no qual um homem que é mantido encarcerado até os 18 anos apresenta imensas dificuldades
de adaptação social.
Podemos dizer que outros animais executam tarefas, às vezes até bastante complexas,
como as colméias das abelhas e as teias das aranhas, mas a execução dessas tarefas não
envolve o planejamento e a noção de finalidade da mesma. O trabalho para o homem depende
de sua vontade, de seu pensamento, da consciência da tarefa que executa. Mesmo quando faz
algum trabalho forçado, escravo, o homem tem a consciência de que seu trabalho é assim.
Alguns animais são capazes de manipular instrumentos e podem ser treinados para
utilizá-los, no entanto, são também utilizações mecânicas, sem conhecimento do conceito
do objeto que manipulam.
Por outro lado, vários estudos com chipanzés discutem a ocorrência de rudimentos
de um comportamento intelectual semelhante ao do homem. Koehler (um dos principais
teóricos da Psicologia, responsável pela fundação de um dos seus ramos, a Psicologia da
Gestalt), em seus clássicos estudos, conclui que a ausência da fala e a pobreza de imagens
dos chipanzés são fatores decisivos na sua incapacidade de desenvolvimento cultural. Para
Vygotsky (1999), a estreita relação entre pensamento e fala seria característica dos humanos
e estaria ausente nos antropóides.
Quando observamos determinada cena ao nosso redor, somos capazes de refletir sobre
o que está ocorrendo, analisar o fato, tomar decisões com relação a ele. Isso significa que
compreendemos o que ocorre na nossa realidade, mas, mais do que isso, fazemos relações,
juntamos fatos, projetamos as consequências futuras. Além disso, somente o homem é
capaz de se questionar sobre si mesmo, de se perguntar “quem eu sou?” e “de onde vim?”,
ou seja, ter consciência de si mesmo. E é justamente essa consciência de si e do mundo em
que vive, juntamente com suas emoções e sentimentos, que constituem sua subjetividade.
Q
uando pensamos em educação nos vêm à mente coisas como as atividades que
desenvolvemos na escola, a aquisição de conhecimento, o adestramento de
habilidades. No entanto, estamos aqui pensando em um conceito mais amplo da
palavra: Educação como um processo de desenvolvimento do homem. Em primeiro lugar, é
preciso destacar a palavra “processo” dessa definição, a qual significa estar em movimento,
inacabado. Em segundo lugar, se pensarmos nos aspectos que envolvem o desenvolvimento
do homem, vamos entender que Educação envolve um acúmulo histórico de valores e cultura
de uma sociedade. A Educação, então, é uma prática social.
Assim, uma conceituação que responde à questão inicial é dada por Coll (2004, p. vii)
Autoavaliação
Duas conhecidas frases refletem bem o que acabamos de discutir. Uma é o
1 provérbio popular “pau que nasce torto não tem jeito, morre torto”; a outra é de
J. J. Rousseau: “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Discuta essas
frases, comparando-as.
Referências
AMARAL, Tarsila do. Operários. 1933. 1 quadro, óleo sobre tela, 150 x 205cm. Coleção do
Governo do Estado de São Paulo. Disponível em <http://www.tarsiladoamaral.com.br/index_
frame.htm> Acesso em: 30 jul. 2007
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. vT. Psicologias: uma introdução ao estudo
de psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
Aula
2
Apresentação
N
esta aula, vamos discutir um assunto que muitas vezes interfere na maneira como
valorizamos nossos alunos: a inteligência. Como surge a inteligência? Por que alguns
são mais inteligentes do que outros? Inteligência é o mesmo que esperteza? São
algumas das interrogações que vamos abordar ao longo da aula.
Objetivos
Conhecer os conceitos de inteligência, observando sua
1 importância para o professor.
D
efinir inteligência nunca foi uma tarefa fácil, apesar de intuitivamente podermos
identificar comportamentos isolados ou mesmo classificar uma pessoa como muito
ou pouco inteligente. Seguramente, você já ouviu alguém dizer que o seu cachorro é
muito inteligente, ou que fulano é muito inteligente porque tira notas boas nas provas. Então,
o que será mesmo inteligência? É dessa questão que vamos tratar a partir de agora.
Atividade 1
Quociente de inteligência
No início do século XX, dois psicólogos e pedagogos, Binet e Simon, receberam a solicitação (abreviado para QI, de
do governo francês de elaborarem um método capaz de identificar as crianças com deficiência uso geral) é um termo
proposto por William
intelectual, ou seja, que tinham dificuldade para aprender e apresentavam baixo rendimento
Stern que significa o
escolar. Eles estruturaram uma escala métrica para a inteligência. Partiam da concepção de resultado da divisão da
que seria possível prever o desempenho escolar de uma criança, independentemente de sua idade mental pela idade
cronológica multiplicado
condição social ou econômica e, com isso, criaram o primeiro teste de QI, conceituando
por 100. A idade mental é
inteligência como um conjunto de processos de pensamento que constituem a adaptação obtida por meio de testes
mental, isto é, os processos cognitivos racionais como promotores da adaptação. desenvolvidos para avaliar
as capacidades cognitivas
de um sujeito, em
comparação ao seu grupo
etário. Assim, uma criança
com idade cronológica de
10 anos e nível mental de
8 anos teria QI 80, porque
(8/10) x 100 = 80.
Coluna A Coluna B
N
os últimos 50 anos, o termo inteligência vem assumindo concepções distintas e
variadas. Ao lado de termos como “testes de inteligência”, “inteligência brilhante”,
“pouco inteligente”, temos ouvido e visto aparecer “inteligência artificial”, “sistemas
inteligentes”, “inteligência emocional”. Na verdade, mesmo os psicólogos estão cada vez mais
reticentes quanto à possibilidade de mensuração da inteligência, questionando os famosos
testes de QI. A própria concepção de inteligência como uma competência individual, como a
capacidade de raciocinar, de compreender, desprezando-se aspectos outros da subjetividade
dos indivíduos, parece hoje questionável. Cada vez mais ganha força uma concepção de que
a inteligência tem aspectos múltiplos e variados na sua avaliação, e, sobretudo, questiona-se
a relação entre inteligência e bom desempenho escolar.
São mais do que conhecidos os sofríveis resultados obtidos na escola por algumas
pessoas que vieram a se revelar verdadeiros gênios da Ciência. O exemplo mais divulgado é
o de Einstein, que assim se referia ao seu processo de aprendizagem:
As palavras ou a língua, escrita ou falada, não creio que desempenhem nenhum papel
no mecanismo de meu pensamento. Os entes físicos que parecem servir de elementos
ao pensamento são certos signos e certas imagens mais ou menos claras que podem
ser ‘voluntariamente’ reproduzidas e combinadas. (HADAMARD, 1945, p. 131).
Veja as palavras de outro gênio, este da Psicologia, Carl Jung, sobre sua
experiência na escola:
O colégio me aborrecia. Tomava muito tempo que eu teria preferido consagrar aos
desenhos de batalhas ou a brincar com fogo. O ensino religioso era terrivelmente
enfadonho e as aulas de matemática me angustiavam. A álgebra parecia tão óbvia
para o professor, enquanto que para mim os próprios números nada significavam:
não eram flores, nem animais, nem fósseis, nada que se pudesse representar, mas
apenas quantidades que se produziam contando... Para minha surpresa, os outros
alunos compreendiam tudo isso com facilidade. Ninguém podia me dizer o que
os números significavam e eu mesmo não era capaz de formular a pergunta. Com
grande espanto descobri que ninguém entendia a minha dificuldade... O fato de nunca
ter conseguido encontrar um ponto de contato com as matemáticas (embora não
duvidasse que era possível calcular validamente) permaneceu um enigma por toda a
minha vida. O mais incompreensível era a minha dívida moral quanto à matemática...
As aulas de matemática tornaram se o meu horror e o meu tormento. mas como
tinha facilidade nas outras matérias, que me pareciam fáceis, e graças a uma boa
memória visual, conseguia desembaraçar-me também no tocante à matemática: meu
boletim geralmente era bom, mas a angústia de poder fracassar e a insignificância
da minha existência diante da grandeza do mundo provocavam em mim não apenas
mal-estar, mas também uma espécie de desalento mudo que acabou por me indispor
profundamente com a escola. (PORTAL..., [200-?])
As inteligências múltiplas
N
os anos 80, surge o primeiro trabalho de Howard Gardner propondo uma teoria de
inteligências múltiplas. Gardner discorda que a inteligência possa existir como uma
capacidade inata, geral e única, capaz de permitir ao sujeito uma performance maior
ou menor em qualquer área de atuação. Ao definir inteligência como a habilidade para resolver
problemas ou criar produtos que sejam significativos em um ou mais ambientes culturais,
ele defende que o indivíduo vai desenvolver determinadas habilidades mais que outras, em
função das necessidades de resolver problemas próprios da cultura em que vive. Sugere,
ainda, que alguns talentos somente são desenvolvidos porque são valorizados culturalmente.
Gardner identificou sete tipos de inteligências: linguística, lógico-matemática, espacial,
corporal-cinética, musical, interpessoal e intrapessoal, das quais trataremos a seguir.
Figura 3
Assim, os indivíduos tidos como normais possuem os estágios mais básicos de todas as
inteligências, em um processo de desenvolvimento que se iniciaria ao nascer e se completaria
no início da idade adulta. A partir daí, eles teriam adquirido os estágios mais sofisticados.
n espacial: “Como eu utilizo ajuda visual, cor, arte, metáforas ou organizadores visuais?”
n musical: “Como eu posso usar música e sons ambientais, ou destacar pontos chaves
em forma de ritmo ou melodia?”
Atividade 4
Imagine que você tenha que elaborar uma aula para uma turma de Ensino
Médio, de uma disciplina a sua escolha. Dentro dessa disciplina, escolha o tema
da aula e, em seguida, tente descrever como você ministraria essa aula levando
em conta pelo menos 3 das dimensões (inteligências) propostas por Gardner.
inteligência emocional caracteriza a maneira como as pessoas lidam com suas emoções e
com as das pessoas ao seu redor. Isso implica autoconsciência, motivação, persistência,
empatia, entendimento e características sociais como persuasão, cooperação, negociações
e liderança. Essa é uma maneira alternativa de ser esperto, não em termos de QI, mas em
termos de qualidades humanas do coração. (ABRAE, <http://www.abrae.com.br/>).
A idéia básica na proposição de Goleman é que não seria possível pensar a inteligência
somente por meio de seu componente racional, mas que seria de fundamental importância
considerar também as questões emocionais envolvidas na tomada de decisões. Assim, nas
decisões, seria importante não somente “ser racional”, mas também “pensar com o coração”
e levar em conta aspectos da intuição.
Alcançar esse tipo de inteligência exigiria treinamento, persistência e esforço, uma vez
que ela não é herdada, não é genética. Tal treinamento envolveria cinco habilidades:
Inteligência ou criatividade?
Q
uando elaboramos uma avaliação para os nossos alunos, geralmente temos em
mente uma chave de respostas, com respostas esperadas e/ou desejadas. Com isso,
muitas vezes, nos surpreendemos com respostas que estão longe do previsto e que,
no entanto, estão corretas. São alunos mais inteligentes ou são alunos criativos? Ou ambos?
A internet está cheia de historinhas que podemos usar para entender o que é o
pensamento criativo. Vamos ver algumas delas.
Certo dia, quando voltava do trabalho depois de um dia daqueles, notei que havia
pessoas assaltando minha casa. Imediatamente liguei para a polícia e me disseram que não
havia nenhuma viatura por perto para ajudar naquele momento, e que iriam enviar assim que
fosse possível. Desliguei o celular e um minuto depois liguei de novo: Olá, disse, eu liguei
há pouco porque havia pessoas roubando minha casa. Não é preciso chegar tão depressa,
porque eu matei todos eles. Em alguns minutos, chegavam à minha porta meia dúzia de
carros da polícia, helicóptero e uma ambulância. Eles pegaram os ladrões em flagrante.
Um dos policiais disse: — Pensei que tivesse dito que tinha matado todos.
Eu respondi: — Pensei que tivessem dito que não havia ninguém disponível.
O fazendeiro responde: — Eu não vim aqui para espiar vocês, eu só vim alimentar
os jacarés!
Tanto o mercador quanto a filha ficaram horrorizados com essa proposta. Então, o
esperto agiota propôs que deixassem a sorte decidir a questão. Disse-lhes que colocaria duas
pedrinhas, uma preta e outra branca, em uma bolsa vazia, e a jovem teria de pegar uma das
pedrinhas. Se pegasse a preta, tornar-se-ia sua esposa e a dívida do pai seria cancelada; se
pegasse a branca, permaneceria com o pai e a dívida também seria cancelada. Mas se a jovem
se recusasse a tirar uma das pedrinhas, o pai seria posto na cadeia e ela morreria de fome.
A moça enfiou a mão na bolsa, retirou uma pedra e, sem mostrar a pedra a ninguém,
fingiu uma tonteira e deixou a pedrinha cair na rua, em meio de todas as outras. “Oh, como
sou desastrada!”, disse, então. “Mas não tem importância. Se o senhor olhar na bolsa,
poderá saber qual foi a pedrinha que peguei, pela cor da que ficou aí. Certo?”
Como você vê, cada uma das soluções propostas foi fruto de um tipo de pensamento
que passou ao largo do pensamento lógico convencional. Os autores costumam chamar a
esse tipo de pensamento de “pensamento lateral” ou “pensamento divergente”.
Resumo
Nesta aula, discutimos a evolução do conceito de inteligência, dos clássicos aos
mais atuais. Vimos o que significa QI e quais as críticas a esse conceito. Discutimos
as inteligências múltiplas de Gardner e a inteligência emocional de Goleman.
Vimos, por fim, a importância desses conceitos mais amplos e da criatividade.
Autoavaliação
Faça uma síntese das inteligências múltiplas, relacionando-as com o conceito de
1 criatividade, dentro da proposição de pensamento divergente.
HADAMARD, Jacques. Psychology of invention in the mathematical fiel. New York: Dover
publications, 1945.
JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
Aula
3
Apresentação
C
omo vimos na aula anterior, as concepções mais atuais de inteligência recomendam que
se leve em conta as emoções ao avaliar essa função classicamente compreendida como
sendo unicamente racional. Nesta aula, vamos aprofundar a investigação sobre o que são
as emoções e como elas se diferenciam de outro conceito bastante próximo: os sentimentos.
Objetivos
Entender a vida afetiva como uma parte importante para
1 conhecer o homem e sua subjetividade.
O
estudo da vida afetiva vem tomando cada dia mais vulto na área da Educação. Não só
pelas novas concepções de inteligência, mas também quando se observa que esse
é um aspecto da mente humana definidor de vários comportamentos e atitudes. São
nossos afetos, por exemplo, que vão, em muito, determinar uma maior ou menor motivação
para estudar esse ou aquele tema.
Em primeiro lugar, vamos ver o que é isso que chamamos “vida afetiva”, ou afetividade.
E vamos começar pedindo que nos diga a sua opinião sobre o tema.
Atividade 1
Para você, neste instante, como se manifestaria a afetividade?
É muito provável que você tenha descrito como manifestações afetivas coisas como:
comportamento amoroso, atitudes delicadas, bom humor. Ou seja, quando pensamos na palavra
afetividade, o que nos ocorre são atitudes e comportamentos que chamaremos de “positivos”.
Nunca podemos imaginar como afetividade sentimentos como ódio, raiva, medo. No entanto,
a Psicologia nos informa que nossa vida afetiva ou nossa afetividade é o conjunto de todos os
nossos sentimentos, emoções, humores, paixões, sejam eles “positivos” ou “negativos”.
As funções cognitivas são aquelas que nos possibilitam conhecer o mundo, tanto o
mundo externo quanto o próprio mundo do sujeito ou mundo interior. Como exemplo dessas
funções, temos: a memória, o pensamento, o raciocínio, as percepções.
Finalmente, as funções volitivas são aquelas que dizem respeito aos comportamentos
exteriorizáveis, objetivos, que resultam em movimentos corporais, gestos, mímica, expressões
faciais. Claro que essa “partição” da mente é um recurso meramente didático; cada um dos
componentes das funções interage e se liga uns com os outros. Assim, por exemplo, se me
ocorre uma lembrança triste (função cognitiva), passa a surgir dentro de mim um sentimento
de tristeza (função afetiva), que pode vir a se traduzir por expressões faciais como o choro
(função volitiva). Nunca é demais lembrar que corpo e mente são partes indivisíveis.
Durante toda nossa vida, os fatos ou acontecimentos vividos por nós serão nossas
experiências de vida e passarão a fazer parte de nossa consciência. Mas, quando vivemos
algum fato de nossa vida, ele raramente ocorre desprovido de uma condição muito especial
que dá um certo “colorido”, um certo “tempero” a esse fato. Eles são acompanhados de uma
susceptibilidade que muitas vezes é sentida no próprio organismo.
Atividade 2
Nesta atividade, descrevemos algumas situações que você provavelmente viveu; se
não as viveu, imagine como teria sido. Para cada uma anote como você experimentou
(experimentaria) essa susceptibilidade da qual falamos anteriormente, ou seja, o
que se passou (passaria) dentro de você, como você se sentiu (se sentiria).
Atividade 3
Observe a figura a seguir. Tente descrever que tipo de afeto cada uma das
faces expressa.
1 2 3 4
5 6 7 8
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Veja como esse verso traduz exatamente a emoção. É o fato de ver o(a) outro(a) que
desperta na pessoa a emoção da alegria e a reação orgânica do aumento dos batimentos
cardíacos. E perceba também como na nossa cultura ligamos as emoções ao coração.
Outras reações orgânicas que podem acompanhar as emoções são: riso, choro,
lágrimas, tremor, expressões faciais. As reações emocionais geralmente fogem ao nosso
controle. Muitas vezes, podemos “segurar” um pouco, mas alguma alteração orgânica vai
ocorrer conosco internamente. Quando “seguramos o choro”, sentimos a garganta apertada,
por exemplo. O importante é entender que as emoções são descargas de tensão do organismo
que precisam ser liberadas, uma vez que significam a necessidade de adaptação, do retorno
ao equilíbrio e a homeostase. Infelizmente, nossa cultura estimula a repressão delas. É mais
do que comum aprendermos, por exemplo, que “homem que é homem não chora”.
Os estudiosos dessa área concordam que existe um conjunto de emoções que são
primárias, ou seja, são observáveis praticamente desde o nascimento, e que parecem estar
ligadas às necessidades instintivas de sobrevivência. São elas: o medo, a cólera e a alegria.
Por outro lado, algumas outras emoções são aprendidas ao longo da vida: o amor, a tristeza,
a paixão, o desprezo, a vergonha, a surpresa.
Os sentimentos diferem das emoções por serem menos intensos, mais duradouros e
não serem acompanhados de manifestações orgânicas intensas. Mas, os mesmos nomes que
usamos para designar as emoções podemos usar também para os sentimentos. Por exemplo,
o amor pode começar como uma forte emoção e ao longo do tempo ir se transformando em
sentimento mais estável e duradouro. Um exemplo interessante de sentimento é a amizade,
uma vez que é um estado que vai se construindo ao longo do tempo, numa intensidade que
não é refletida fortemente no organismo.
Atividade 4
Vamos retomar agora aquelas reações de susceptibilidade que você anotou na
atividade 2, frente às situações que colocamos. Tente identificar qual delas seria
emoção e qual seria sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta para os outros.
Vergonha é um pano preto que você quer para se cobrir naquela hora.
A importância do
estudo das emoções
A
lém de serem uma função homeostática, como já descrevemos, as emoções também
são importantes como adaptação a nossa vida social. Dessa forma, elas ajudam a
avaliar as situações, servem de critério de valoração positiva ou negativa para as
situações de nossa vida, preparam nossas ações e nos motivam.
Atividade 5
Pense em quantas vezes você se planejou para atuar de uma maneira diante
de uma determinada situação, e, chegado o momento, você apresenta um
comportamento completamente diferente. Descreva uma dessas situações.
Uma das grandes discussões teóricas atuais é a relação entre razão e emoção, cognição
e afetos. Um dos primeiros estudiosos a se preocupar com esse tema foi o biólogo suíço
Jean Piaget (1896-1980). Para ele, a afetividade e a cognição são aspectos inseparáveis.
Apesar de serem de naturezas diferentes, toda ação e pensamento comportam um aspecto
cognitivo, representado pelas estruturas mentais, e um aspecto afetivo, representado por
uma “energia”, que é a afetividade. De acordo com Piaget, não existem estados afetivos sem
elementos cognitivos, assim como não existem comportamentos puramente cognitivos. E ele
constrói uma metáfora interessante quando diz que a afetividade é a gasolina que impulsiona
o motor da cognição; um não funciona sem o outro. Isso confirma que sem afetos não há
motivação, não há interesse e, portanto, não há aprendizagem.
O médico e psicólogo francês Henri Wallon (1879-1962) foi outro teórico que se dedicou
ao estudo da dimensão afetiva dos sujeitos. Ele criticava as teorias clássicas que concebiam as
emoções como reações incoerentes, com efeito perturbador no raciocínio, ou aquelas que as
entendiam como tendo uma ação ativadora e energética. Wallon busca compreendê-las como
um fenômeno psíquico e social, atribuindo-lhes um papel central na evolução da consciência.
Na ótica da Psicanálise, o ser humano nasce como um sujeito psíquico pronto, mas
Ego
irá constituí-lo a partir de si mesmo, das relações familiares e sociais. Os pais que investem
O Ego é uma das três seu afeto na criança servem de ligação entre seu psiquismo e o meio social que o rodeia,
instâncias que compõem
a personalidade, na
proporcionando a ela auto-estima e desenvolvendo seu prazer de ouvir e pensar. O ego se
proposição de Freud. estrutura, então, pelo discurso social, pela fala dos pais sobre a criança e pelos seus próprios
As outras são: o Id e o desejos. Assim, prazer, amor e reconhecimento pessoal e profissional são indispensáveis
Superego.
para a construção da identidade, para investir em si mesmo e no outro.
Resumo
Nesta aula, discutimos aspectos da vida afetiva dos seres humanos, ressaltando
o estudo das emoções e dos sentimentos. Vimos as principais conceituações,
a compreensão desses conceitos por parte de alguns teóricos e a importância
desse estudo para a formação de professores.
Autoavaliação
Faça uma síntese dos aspectos que você considera fundamentais, relacionando
1 esta aula com a aula 2.
Referências
BRENELLI, R. P. Piaget e a Afetividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
Aula
4
Apresentação
N
a nossa prática docente, iremos lidar com sujeitos já crescidos e desenvolvidos, no
entanto, precisamos compreender os fatores que influenciaram o seu crescimento
e o seu desenvolvimento para que eles se tornassem o que são hoje. Por isso,
apesar da Educação Infantil não ser o nosso foco principal, é importante compreender que
os fenômenos ocorridos na infância são muitas vezes definidores do tipo de adulto que
resultará desse processo. Nesta aula, vamos discutir tais aspectos, o que, de certa maneira,
nos leva também a olhar para o nosso próprio passado.
Objetivos
Conhecer o processo de crescimento e desenvolvimento
1 humano, diferenciando esses dois conceitos.
T
odos sabemos que nascemos incompletos. O homem é um dos animais que nasce e
se mantém por alguns anos quase totalmente dependente dos cuidados dos outros.
Não sabemos nos locomover, nossa comunicação é ainda muito precária e todas
as nossas necessidades são supridas de modo instintivo. Somos, então, ao nascer, seres
quase puramente biológicos. Por outro lado, nascemos já inseridos em uma classe social,
fazendo parte de um grupo social, em uma comunidade linguística, e isso, seguramente, será
determinante no processo do nosso crescimento e do nosso desenvolvimento. Assim, desde
o nosso nascimento, estamos determinados pelas circunstâncias culturais e sociais. Vamos
esclarecer a partir de agora esses conceitos básicos de crescimento e desenvolvimento.
Crescimento e desenvolvimento
D
urante muito tempo, os termos crescimento e desenvolvimento foram considerados
como conceitos separados; o primeiro contemplava os aspectos físicos, e o segundo,
os aspectos mentais. Era mais uma demonstração da dicotomia mente e corpo,
herdada das ideias de Descartes, como vimos na aula anterior. Atualmente, tende-se a
considerar ambos os aspectos como fazendo parte do desenvolvimento, que abrangeria o
crescimento orgânico e o desenvolvimento mental.
Extraído de: SPYRIDES, Maria Helena Constantino et al. Efeito das práticas alimentares sobre o crescimento infantil. Rev. Bras. Saude Mater.
Atividade 2
Se o desenvolvimento mental está intrinsecamente vinculado ao crescimento
orgânico, que consequências mentais você imagina que podem decorrer da
baixa estatura do povo nordestino?
A
Psicologia do Desenvolvimento cuida do estudo das mudanças de comportamento
relacionadas à idade durante a vida de uma pessoa. Esse campo do conhecimento propõe
questões como: as crianças são qualitativamente diferentes dos adultos ou apenas têm
menos experiência? As crianças nascem com comportamentos inatos ou os moldam de acordo
com o que experienciam? O que direciona o desenvolvimento do ser humano?
Basicamente, dois modelos advindos das ciências naturais dominam a cena nessa
discussão: o modelo mecanicista-ambientalista e o modelo organicista-individualista.
Já o modelo organicista não considera a criança como máquina, mas sim como um
“ser vivo”, um organismo biológico, no qual a herança genética e a maturação do organismo
comandam o processo de desenvolvimento. O pedagogo alemão com forte traços religiosos
Friedrich Fröbel (1782-1852), criador da ideia do “jardim de infância”, é um exemplo desse
pensamento. Ele propunha que as crianças fossem educadas respeitando-se as suas naturezas,
de modo a desenvolver suas potencialidades de acordo com sua condição – a de ser filho de
Deus. Para ele, como Deus está presente na natureza, ela é sempre boa por ser obra divina.
Atividade 4
Se você já tem filho ou se convive com parentes pequenos (crianças), liste a seguir
qual (quais) das atitudes descritas anteriormente procurou transmitir para eles.
n Período sensório-motor (do nascimento até os 2 anos de idade) – Este período inicia-se
com uma vida mental reduzida aos reflexos e aos instintos, os quais também vão se
aperfeiçoando com o passar do tempo. A partir daí, a criança vai adquirindo cada vez
mais autonomia motora e sensitiva: por volta dos cinco meses, já consegue coordenar
os movimentos das mãos e pegar objetos. Nesta fase, o crescimento orgânico acelerado
é o suporte para o surgimento das novas habilidades, já que é o crescimento ósseo e
muscular que dá sustentação aos novos comportamentos. Ao final dos dois anos, a
criança evolui de uma completa passividade para uma atitude ativa e participativa em
relação ao ambiente: já se locomove, reconhece as pessoas, demonstra e reconhece os
afetos, e em alguns casos já consegue esboçar as primeiras palavras.
n Período pré-operatório (dos 2 aos 7 anos) – Este período é marcado pelo aparecimento
da linguagem, o que acelera a comunicação e faz surgir o pensamento. No início, a criança
ainda é completamente anímica, ou seja, transforma a realidade em função de suas fantasias
e desejos. Este é o período em que os pais observam seus filhos inventando diálogos com
seus brinquedos, “transformando”, na sua imaginação, uma velha caixa em um fabuloso
brinquedo, criando amigos imaginários. O final dessa fase é a famosa fase dos “porquês”,
quando o pensamento começa a se adaptar ao real e a criança precisa de explicações, às
vezes até com questões que não sabemos responder.
n Período das operações concretas (dos 7 aos 11 anos) – Nesta fase, surge a capacidade
de executar operações, ou seja, a criança é capaz de realizar uma operação física com
um objetivo e revertê-la ao seu início. Assim, por exemplo, se em meio a um jogo
descobre que ocorreu um erro, é capaz de desmanchá-lo e refazer a partir de onde
errou. Vale lembrar que essas operações ainda só são possíveis quando relacionadas a
objetos concretos e reais, ainda não há a capacidade de abstração. Por exemplo, se lhes
é pedida uma definição de um conceito abstrato como Deus, elas tendem a responder
com a imagem, a figura de um santo. Nesta fase, são capazes ainda de trabalhar com
ideias a partir de dois pontos de vista diferentes, de estabelecer relações de causa e
efeito e de adquir o conceito de número.
n Período das operações formais (dos 11 anos em diante) – Nesta fase, ocorre a passagem
do pensamento concreto para o pensamento abstrato, e desenvolve-se a capacidade de
generalização própria do pensamento adulto. Já são capazes de lidar com conceitos como
justiça e liberdade, de criar teorias a respeito do mundo e têm a tendência a ler a realidade de
acordo com seus próprios sistemas de interpretação. Na Figura 2, apresentamos como se
configura o pensamento do adolescente, assunto que aprofundaremos na aula seguinte.
1 2 3 4
Sensório-motor
(do nascimento Pré-operatório Operações concretas Operações formais
aos 2 anos) ( 2 - 7 anos ) ( 7 - 11 anos ) ( 11 anos em diante)
Atividade 5
Vamos voltar a observar a(s) criança(s) com quem convivemos (filhos ou
parentes) e tentar descrever que comportamentos poderiam ser incluídos nas
fases descritas por Piaget.
Autoavaliação
O que é o desenvolvimento humano?
1
Descreva dois motivos pelos quais você considera importante estudar o
2 desenvolvimento.
Referências
BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo:
Saraiva, 1999.
SPYRIDES, Maria Helena Constantino et al. Efeito das práticas alimentares sobre o
crescimento infantil. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant., v. 5, n. 2, p. 145-153, jun. 2005.
Aula
5
Apresentação
D
ando continuidade à discussão sobre o desenvolvimento humano, nesta aula, vamos
observar o indivíduo no estágio em que geralmente o encontramos no Ensino Médio:
a adolescência. Vamos fazer um breve passeio pela história para ver como surge esse
conceito e vamos conhecer suas características físicas e comportamentais.
Objetivos
Conhecer o conceito de adolescência, diferenciando-o
1 de puberdade.
N
a aula 4 (Crescimento e desenvolvimento), vimos que Piaget propõe como a última
das fases do desenvolvimento, o período das operações formais, que se inicia por
volta dos 12 anos de idade. Nesta fase, o pensamento atingiu a maturidade do seu
desenvolvimento, o indivíduo torna-se capaz de operar a partir de conceitos abstratos, sendo,
assim, capaz de abstrair e generalizar idéias. Concomitantemente a esse desenvolvimento
no plano mental, há também um crescimento orgânico acentuado, com modificações
fisiológicas, sobretudo dos órgãos da reprodução e dos caracteres sexuais secundários.
Pela idade, pelas características físicas e mentais, fica claro para nós que estamos nos
referindo a uma fase do desenvolvimento que costumamos chamar adolescência. Mas, será
que a adolescência é somente isso?
Atividade 1
Para você, o que é o adolescente? Cite a seguir 5 características que
1 você considera típicas do adolescente.
N
o início dos anos 60 do século XX, Phillippe Ariès, historiador francês, lança na
França o livro “A história social da infância e da família”, um marco no estudo
do conceito de infância e adolescência. Para ele, até o final do século XVIII não
havia uma concepção de infância como uma etapa distinta na evolução das pessoas;
uma criança era apenas um adulto em miniatura. Assim, elas participavam normalmente
de todas as atividades familiares, fosse o nascimento de uma criança, a morte de um
parente, fossem as atividades cotidianas.
A partir do início do século XIV, com todas as mudanças sociais trazidas pela Revolução
Industrial, começa também a ocorrer uma mudança nessa concepção. A instituição de leis
que reguladoras do trabalho e a responsabilização dos pais pela escolarização dos filhos
foram fatores importantes para a constituição de uma nova mentalidade sobre a família. As
crianças passaram a ser excluídas do mundo do trabalho e das responsabilidades e, com
isso, foram se separando do mundo dos adultos, surgindo o conceito de infância como um
período do desenvolvimento com características próprias.
Os conceitos de adolescência
e puberdade
S
egundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência é um período da vida no
qual acontecem diversas mudanças físicas, psicológicas e comportamentais, que começa
aos 10 e vai até os 19 anos. No Brasil, para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
ela começa aos 12 e vai até os 18 anos, provavelmente para coincidir com a maioridade penal
brasileira. Mas, que mudanças físicas, psicológicas e comportamentais seriam essas?
Essa pode ser, então, uma fase marcada por perdas: ele perde seu corpo infantil e
tem que passar a conviver com um “corpo novo” que ele ainda não sabe manejar muito
bem; perde dos pais a proteção e o amparo dispensados na infância; perde a identidade e o
papel dentro da família na qual mantinha uma relação de dependência natural. Essas perdas,
dependendo do suporte dado pela estrutura social e familiar, podem ser vivenciadas como
uma grande crise, que os autores costumam chamar de “crise da adolescência”.
As características
psicológicas da adolescência
M
auricio Knobel é um dos estudiosos dessa questão. Ele definiu uma síndrome normal Síndrome
da adolescência, como uma representação esquemática do fenômeno. A definição
Síndrome é um termo
de uma “normal anormalidade”, para ele, não significa que está identificando algo usado na Medicina para
patológico, mas serve somente para facilitar a compreensão desse período da vida. Vamos definir um conjunto de
sintomas que caracterizam
analisar agora as suas características psicológicas.
uma doença.
O contraditório na definição
de Knobel é ele usar o
termo para caracterizar algo
normal e não patológico.
2. Tendência grupal – A busca da identidade no adolescente faz com que ele recorra,
como comportamento defensivo, à busca pela uniformidade, que pode lhe fornecer
segurança e auto-estima. A partir daí surge o espírito de grupo. No grupo, há
um processo massivo de identificação coletiva. Basta olhar para um grupo de
adolescentes: as vestimentas são semelhantes, o modo de falar (às vezes, criando
um “idioma” próprio), os lugares freqüentados, os interesses, tudo é absolutamente
semelhante. Neste momento, o jovem se identifica muito mais com seu grupo do que
com os familiares. No grupo, ele sente-se reforçado e apoiado em suas ansiedades.
Daí porque a vivência grupal é de fundamental importância. O grupo se constitui na
transição necessária entre o mundo familiar e o mundo adulto.
9. Separação progressiva dos pais – Esta é uma das perdas fundamentais que o adolescente
necessita assumir internamente e que pode gerar uma ansiedade muito intensa. Muitas
vezes, os pais não aceitam e negam o crescimento dos filhos, dificultando mais
ainda a resolução dessa ansiedade. Daí a importância da internalização por parte dos
adolescentes de boas imagens parentais, com papéis bem definidos, sem ambigüidades
ou encobrimentos. Algumas vezes, os pais transmitem uma imagem de personalidades
pouco consistentes, forçando o adolescente a buscar identificação com outras imagens
adultas, como ídolos do esporte ou do cinema, ou mesmo com figuras negativas que
prejudicam mais ainda sua formação. Um exemplo disso é a organização criminosa do
tráfico de drogas, que alicia jovens e até crianças para o mundo da criminalidade.
N
a atividade 1 perguntamos se você considerava as características que citou como
comuns a todos os adolescentes. O que estávamos querendo saber era a sua opinião
sobre a universalidade do “acontecer” adolescente. Agora que você leu sobre a
caracterização da adolescência feita por Mauricio Knobel, sua opinião continua a mesma?
Atividade 2
Reflita um pouco sobre os adolescentes que você conhece, observe-
1 os por alguns dias, converse com alguns deles. Em seguida, tente
listar quais das características descritas por Knobel você conseguiu
observar nesses adolescentes.
Ana Bock (1999) realizou um estudo interessante com psicólogos da cidade de São
Paulo, observando o significado que eles dão ao fenômeno psicológico de uma maneira
geral. Para ela, a visão desses psicólogos sobre o homem é a seguinte:
Com relação à adolescência, Bock (2004) fez um outro estudo observando textos publicados
sobre esse tema, os quais visavam orientar pais e professores na “difícil” tarefa de educar os
jovens. O objetivo era analisar o conceito de adolescência subjacente a essas publicações. Ela
conclui que a adolescência, tal como apresentado nesses textos, não tem gênese social, ou seja,
nenhuma de suas características é constituída nas relações sociais e culturais.
Atividade 3
Baseando-se na sua resposta à atividade 1, que tipo de comparação você pode
fazer entre o que você entendia por adolescência e o que você passou a entender
acerca desse período da vida, destacando os diversos aspectos envolvidos no
crescimento do ser humano, como o meio ambiente, a família e as questões
biológicas do indivíduo?
Autoavaliação
Retome a atividade 2 e, à luz das concepções apresentadas por Ana Bock, faça
uma análise das observações dessa autora sobre a universalidade do conceito
de adolescência.
Referências
ARIÈS, P. História social da infância e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
Aula
6
Apresentação
N
esta aula, vamos discutir como temos consciência de que nós somos nós mesmos,
ou seja, como construímos a nossa própria identidade. Vamos analisar quais os
fatores importantes nessa construção e como, em determinadas fases da vida,
percebemos que mudamos, apesar de continuarmos os mesmos.
Objetivos
Atividade 1
Vamos começar analisando as imagens a seguir. Mesmo sem conhecer
as pessoas retratadas, você seria capaz de dizer que tipo de pessoas
elas são? Considere aspectos como: que idade têm, a que classe social
pertencem, em que trabalham.
Atividade 2
Escolha alguns de seus amigos e faça a eles uma pergunta
1 incrivelmente simples: quem é você? Anote a seguir as respostas.
A construção da identidade
O
conceito de identidade agrupa uma série de noções, como a de permanência, de
manutenção de referências que não mudam com o tempo, por exemplo, seu nome,
suas relações de parentesco, sua nacionalidade. Apesar de saber que mudei com o
passar do tempo, sei que sou o mesmo que era ontem, ou seja, tenho dentro de mim um
auto-reconhecimento a partir de aspectos fundamentais de minha história de vida. Assim,
quando penso em quem eu sou, esse meu “eu” tem uma constância ao longo do tempo.
Tem também uma unidade, ou seja, sei que sou uma única pessoa e que mesmo mudando
não me transformei em outra. A identidade, então, é essa consciência do reconhecimento
individual que permite a distinção do “eu”.
Mas, essa distinção do “eu” permite também que possamos distinguir o “outro”. No
momento em que delimito a minha identidade, estou também admitindo que existem as
identidades das outras pessoas. É, pois, em relação a esse outro que nos constituímos e nos
tornamos únicos. A identidade é definida pela relação do indivíduo, na relação com outros
indivíduos, isto é, cada indivíduo se completa e se efetiva no relacionamento com os que
estão à sua volta, em seu convívio. “Eu passo a ser alguém quando descubro o outro e a falta
de tal reconhecimento não me permitiria saber quem eu sou, pois não teria elementos de
comparação que permitissem ao meu eu destacar-se dos outros eus” (BOCK, 1999, p. 204).
Esse processo de diferenciação do meu “eu” com os outros “eus” se inicia na relação
mãe-filho. Num primeiro momento, a criança não consegue fazer essa diferenciação, mas
com o tempo começa a compreender que não é uma extensão de sua mãe. A partir daí, os
valores vão sendo construídos conforme a relação mãe-filho, daí a importância dessa fase
da vida na constituição do sujeito.
Atividade 3
Vamos fazer um exercício de retorno ao passado. Ainda que você não duvide
de que sempre foi o mesmo, procure lembrar-se de todas as mudanças que
ocorreram em você até agora. Liste as mais importantes.
A
identidade, como estamos vendo, não é algo fixo, mas está em permanente
construção e transição. Nesse processo permanente de mudança, vamos
incorporando os aspectos de nossas vivências para formar o que somos em um
dado momento. Isso constitui nossa história.
Ocorre que em alguns momentos esse processo de mudança não é vivenciado com
tranquilidade. Algumas vezes, ele pode ser angustiante, doloroso e confuso. São as chamadas
crises de identidade, momentos importantes do desenvolvimento, quando a pessoa pode
redefinir seu modo de ser e de estar no mundo.
Mas, existem outros momentos que se caracterizam também por mudanças de postura
frente à vida, os quais podem ser vividos como crise. O momento em que se conclui um curso
superior, por exemplo, marca para o sujeito a necessidade de assumir uma profissão e cuidar
de si próprio do ponto de vista financeiro. É também o momento de assumir a constituição
de uma nova família, com a escolha do(a) parceiro(a) e o planejamento de filhos. Todas essas
mudanças podem ser vividas com ansiedade e, assim, caracterizar uma crise.
Outro momento muitas vezes vivido com dificuldades ocorre por volta dos 40 anos
de idade, desencadeado não por mudanças fisiológicas ou cognitivas, mas por um novo
conjunto de mudanças que vão depender se a pessoa casou-se e teve ou não filhos; se a
carreira estagnou ou decolou; se ainda vive com os pais ou se sente algum declínio físico.
Para muitos adultos, o acúmulo dessas e de outras mudanças leva a um novo período de
dúvidas: a percepção do envelhecimento, da proximidade da fase adulta dos filhos (quando
for o caso) e a competição com pessoas mais jovens no mercado do trabalho, o que pode
deflagrar a chamada “crise da meia-idade”.
Laing (1986, p.78) ratifica essa posição quando diz: “não podemos fazer o relato fiel de
‘uma pessoa’ sem falar do seu relacionamento com os outros.” Então, a forma como vemos
e nos relacionamos com o outro é também importante.
O conceito de alteridade foi formulado por Emanuel Lévinas (1906-1995). Para ele, a
alteridade baseia-se na constante constatação das diferenças que estabeleço entre eu e o outro
e consiste em conferir ao outro uma existência como sujeito, de modo que ele não se constitua
num objeto para mim. A partir do momento em que atribuo esse significado ao outro, que lhe
confiro alteridade, será possível conviver com o diferente, reconhecendo que ele tem direitos
iguais aos meus, através da constatação e do respeito às diferenças individuais, culturais, sociais,
resultando em uma convivência harmônica e na cooperação para o bem-estar comum.
Uma pessoa que constitua a sua identidade desrespeitando o direito do outro, sendo
intolerante e incapaz de manter uma convivência, passando por cima da máxima “tratar
o outro como gostaria de ser tratado”, cria um confronto com a alteridade, gerando
preconceitos, discriminação, segregacionismo e estigmas.
Assim, alteridade é ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos
seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações
pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem. Infelizmente, ainda é relativamente comum na
relação professor-aluno a postura colonizadora, que parte do princípio de que o professor
tem o conhecimento e o aluno nada sabe. Essa é a grande crítica do pedagogo brasileiro
Paulo Freire, quando repudia a chamada “educação bancária” e a postura anti-dialógica
de muitos dos educadores brasileiros, que desprezam todo o saber prévio dosalunos
e ensinam “depositando” informações.
E
m parágrafos anteriores falamos sobre como a falta de alteridade nas relações geram
preconceito e estigma. O que é estigma? Esta é uma palavra de origem grega, que
significava os sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de
extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Para Goffman (1982,
p. 11), “os sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era
um escravo, criminoso ou traidor – uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser
evitada, especialmente em lugares públicos.” Na Era Cristã, o estigma se expressa através
de sinais corporais os quais indicam que o indivíduo tem a graça divina, ou simplesmente
identificava um distúrbio físico.
Atividade 4
Esta pode ser uma provocação, mas responda com toda a sinceridade:
você contrataria como empregado um ex-presidiário ou um egresso
de um hospital psiquiátrico?
Vale salientar que a pressão cultural e social pode ser tão forte, constante e marcante
para os sujeitos estigmatizados que o atributo negativo pode vir a ser internalizado, ao ponto
de constituir-se em aspecto importante de sua auto-imagem e de sua auto-estima. Bock
(1999) chama atenção para situações semelhantes ao processo de estigmatização que podem
acontecer ao longo da vida, como, por exemplo, professores que repetem para o aluno que ele
não vai aprender, que é “cabeça-dura”, que é “burro”. Tais comentários, muitas vezes feitos
sem que se note o que se está dizendo, podem ser internalizados como uma experiência
marcante para o aluno, que passará a ver a si próprio como possuidor daqueles atributos.
Resumo
Nesta aula, discutimos o conceito de identidade e como ela se constrói ao longo
da vida. Observamos que essa construção nem sempre se dá com tranquilidade
e que algumas vezes pode ser vivida como uma crise. Vimos como a alteridade
é importante no relacionamento interpessoal e na organização da sociedade.
Por último, vimos o conceito de estigma, como uma perda da alteridade, e as
consequências da estigmatização.
Autoavaliação
Defina identidade e cite os fatores que interferem em sua construção.
1
Aula
7
Apresentação
N
esta aula, vamos começar a discutir um tema fundamental para os futuros
professores: como o indivíduo aprende. É a partir do entendimento desse fenômeno
que poderemos planejar nossas estratégias de ensino, as atividades para os nossos
alunos e fazermos uma apreciação de suas novas aprendizagens.
Na primeira parte dessa discussão, vamos começar por compreender qual o papel e a
importância do nosso cérebro na aquisição do conhecimento.
Objetivos
Compreender como se organiza biologicamente nosso
1 equipamento cerebral para as funções da aprendizagem.
C
ompreender o homem é também compreender o que ele sabe. Bem mais do que isso,
trata-se de compreender o que significa esse saber, como se deu a sua apropriação e
quais os seus efeitos nas ações do sujeito. O modo como o sujeito se apropria de um
saber significa dizer como ele aprende.
Aprender é uma ação que desenvolvemos desde o início de nossa vida. Ainda muito
cedo, aprendemos a andar, a falar; aprendemos a nos relacionar com a família, com amigos,
com pessoas estranhas; aprendemos a respeitar pessoas e instituições; aprendemos a nos
comportar de acordo com as circunstâncias. E aprendemos de maneira formal na escola.
Outros comportamentos e atitudes, entretanto, não precisamos aprender. É como se já
nascêssemos sabendo. Por exemplo, não precisamos aprender a comer ou ninguém nunca
nos ensinou que nosso corpo precisa de descanso. Há, ainda, um conjunto de conhecimentos
dos quais não temos muita idéia de como, quando ou onde aprendemos. Por exemplo,
quando olhamos para o céu e vemos nuvens escuras e pesadas, logo inferimos que irá
chover. Quando aprendemos isso?
Atividade 1
Quantas vezes já ouvimos dizer que “depois de velho não se aprende mais nada”.
Essa afirmação é fruto da idéia de que nosso cérebro nasce pronto e com o passar do
tempo só temos a perder. Ora, se perdemos neurônios à proporção que envelhecemos,
como podemos aprender?
Nada mais equivocado. As atuais pesquisas na área das Neurociências mostram que
novos neurônios estão nascendo a cada dia em nossos cérebros. E o que é mais interessante:
esses novos neurônios nascem justamente em áreas responsáveis pela aprendizagem, o que
significa dizer que temos condições neurológicas de estarmos sempre aprendendo.
Mas, como isso ocorre? Que áreas são essas? O que o cérebro tem a ver com o que
aprendo? Vamos discutir isso de uma maneira mais detalhada.
A neurobiologia da
aprendizagem
D
e uma maneira geral, a anatomia dos cérebros humanos é extremamente semelhante:
nascemos praticamente com a quantidade de neurônios já completa. Até pouco tempo
atrás, além de se ter conhecimento desse fato, também imaginava-se que as perdas
Gliócitos
e degenerações de neurônio que viessem a ocorrer ao longo da vida eram irremediáveis.
Gliócitos ou células da glia Estudos recentes, no entanto, indicam que algo mais ocorre na intimidade de nosso
compõem, juntamente com
os neurônios, as células do
sistema nervoso: células que até então eram vistas como tendo apenas função de nutrição
Sistema Nervoso. e sustentação para os neurônios – os gliócitos –, hoje se tornam o foco das atenções pela
Atividade 2
Numa criança que nasça com uma lesão cerebral decorrente, por
1 exemplo, de um parto difícil, como você imagina que se desenvolverá
sua aprendizagem?
P
ara os neurocientistas, o conceito de aprendizagem está fortemente vinculado ao de
memória. Entendendo aprendizagem como “[...] o processo de aquisição de novas
informações que vão ser retidas na memória [...] através do qual nos tornamos
capazes de orientar o comportamento e o pensamento” (LENT, 2001, p.594), esse autor
deixa claro que a memória é o processo de arquivamento seletivo dessas informações,
de modo que ela pode ser considerada como o conjunto de processos neurológicos e
psicológicos que possibilitam a aprendizagem.
C
oncentrar-se, ou seja, focalizar a atenção em algo, é, no nível biológico, o esforço
despendido na busca de uma conexão neural, dentre os múltiplos circuitos, de um que
“faça sentido”. Por outro lado, esse esforço de concentração, em alguns momentos,
mostra-se difícil, enquanto em outros é, praticamente automático. O que dirige nossa
atenção? Que fatores influenciam nessa concentração? O que seria assim tão motivador?
Um desses fatores é a resposta afetiva que o estímulo nos desperta.
Talvez isso explique por que nos dedicamos com tanta facilidade a atividades das quais
gostamos e tenhamos tanta dificuldade em prendermos nossa atenção, por exemplo, em um
tema que nos pareça tedioso e irritante.
A atenção pode ser, também, estimulada por outro fator: a motivação, mais um conceito
amplamente difundido nos estudos sobre aprendizagem. Utilizado, na maior parte das vezes,
em um sentido amplo, referindo-se a uma variedade de fatores neuronais e fisiológicos
que iniciam, sustentam e dirigem um comportamento, o conceito de motivação vincula-
se, tradicionalmente, a aspectos não cognitivos do comportamento, refletindo não o que o
indivíduo sabe, mas o que necessitaria organicamente.
Reconhece-se hoje que tais “condições mobilizadoras” são apenas uma parte dos
estados motivacionais que dirigem o comportamento; mesmo a função homeostática da
motivação não necessariamente advém de necessidades orgânicas. Hábitos aprendidos e
Por outro lado, as aspirações pessoais ou sociais adquiridas pela experiência constituem,
talvez, uma complexa inter-relação entre forças fisiológicas e sociais, entre processos
mentais conscientes e inconscientes. Infelizmente, os estudos sobre esses aspectos são,
ainda, muito incipientes, o que faz com que sua aplicação mais significativa às investigações
sobre aprendizagem ainda não possa ter resultados observáveis.
De tudo que foi discutido nesta aula, podemos concluir que as Neurociências vieram
trazer comprovações para alguns aspectos já entendidos e observados como importantes na
aprendizagem, tais como:
1) a experiência do sujeito, o contato com o meio social em que vive, tem mostrado que
é fundamental para o estabelecimento de conexões sinápticas estáveis. Na verdade, a
experiência modifica mesmo a estrutura da organização cerebral, evidenciando a sua
plasticidade. A importância desta aspecto foi apontada por Vygotsky;
3) uma vez estabelecida a conexão, com seu uso freqüente, ela torna-se estável, acomoda-
se, equilibra-se. O conceito de acomodação e equilibração já estava colocado por Piaget;
Resumo
Nesta aula, estudamos o papel do cérebro para a compreensão de como os
indivíduos aprendem. Vimos, em primeiro lugar, como se organiza o nosso cérebro,
observando as estruturas fundamentais no estudo da aprendizagem, com destaque
para o hipocampo e seu papel no armazenamento da memória, o lobo frontal e o
córtex de associação. Vimos, por fim, a importância dos afetos na capacidade de
prender a atenção e a motivação, fatores importantes no aprendizado.
Referências
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de
Psicologia. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.
HOUZEL, S. H. O cérebro nosso de cada dia. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2002.
Aula
8
Apresentação
N
esta aula, continuaremos a discutir os mecanismos e estratégias que auxiliam na
aprendizagem do indivíduo. Veremos, então, os conceitos trazidos por alguns dos
grandes teóricos da Educação, suas concepções de aprendizagem e mecanismos
que interferem nesse processo.
Objetivos
Conhecer os conceitos de aprendizagem de alguns
1 teóricos da Educação.
C
omo vimos na aula 7 (Como se aprende: o papel do cérebro), os avanços da
Ciência permitiram o estudo do cérebro e a formulação de teorias biológicas sobre
aprendizagem. No entanto, muito antes disso, psicólogos dedicaram-se a compreender
o processo pelo qual os homens aprendem, desenvolvendo, para tanto, teorias.
Antes de aprofundarmos o estudo de cada uma dessas teorias, vamos fazer um exercício
de identificar como estas se apresentam em situações de sala de aula.
Atividade 1
João terminou sua aula de Geografia e na lanchonete se encontra com Dulce
e Raimundo, outros dois professores da escola. Está super contente porque
considera que hoje deu uma aula fantástica.
– Pessoal, vocês não sabem como hoje foi incrível. Não tinha jeito de fazer
meus alunos se interessarem pela discussão do clima. Eu ia lá, falava direitinho
sobre clima tropical, clima equatorial, clima temperado, e nada deles “entrarem
no clima”. Hoje resolvi fazer o contrário. Comecei comentando com eles a
notícia do Jornal Nacional de que estava nevando no sul do país. “E aqui é esse
- E aí, pergunta Dulce, você acha que eles aprenderam? Que nada, vão sair
dizendo que você não dá aula, que fica comentando os programas de televisão.
Pois comigo é diferente. Bolei um joguinho com eles. Cada vez que um deles
lê o texto com a pronúncia do inglês perfeitinha, ganha o direito de usar meu
computador no recreio. Precisa ver como agora todo mundo quer ler. E estão
lendo direitinho, os danados. Parece que treinam em casa.
O
Behaviorismo, na sua vertente mais clássica, propôs definir a Psicologia como um
ramo objetivo e experimental das ciências naturais, a qual tinha como objetivo a
possibilidade de prever e controlar os comportamentos. A idéia era de que se eu
obtenho sempre uma determinada resposta a um determinado estímulo, eu já posso prever
qual será a resposta e, assim, controlá-la. Os conceitos básicos de estímulo e resposta se
constituiriam, pois, em eventos observáveis e, por isso, relevantes. Os eventos internos,
como os estados da consciência, seriam irrelevantes porque não produziriam efeitos sociais
observáveis e não seriam passíveis de predição e controle.
John Watson (1878-1958) é reconhecido como o fundador do Behaviorismo (ou
Comportamentalismo) e para ele o objetivo maior era chegar a leis que relacionassem
determinados estímulos a determinadas consequências comportamentais.
É nesse sentido que o Behaviorismo entende a aprendizagem como uma mudança no
comportamento, que resulta da prática do fazer, do experimentar. A experiência de Pavlov
com cães tornou-se clássica: ele apresentava a um cachorro um pedaço de carne, que,
pelo olfato e visão, provocava a salivação. Após isso, ele passou a tocar uma campainha e,
em seguida, apresentar a carne. Depois de várias repetições, o cachorro passava a salivar
somente por ouvir a campainha, sem a necessidade de se apresentar a carne. Assim, um
estímulo que nada tem a ver com alimentação passou a desencadear reações fisiológicas
típicas da digestão. Trata-se do conceito do reflexo condicionado, ou condicionamento
clássico, que vai influenciar bastante a compreensão da aprendizagem. Para Watson, toda
aprendizagem é um condicionamento desse tipo.
É também Skinner quem lança as bases do ensino programado, cujo suporte se faz
basicamente por quatro postulados: a) um comportamento novo é mais facilmente adquirido
se o sujeito emite respostas a ele, e não simplesmente se se expõe a estímulos; b) um
comportamento novo é mais facilmente adquirido se reforços apropriados são promovidos;
Mapas cognitivos
c) no ensino, a matéria deve ser apresentada fragmentadas, de acordo com dificuldades
Mapas cognitivos,
progressivas; d) o ensino deve contemplar as diferenças individuais.
originalmente, foram
definidos como
Outra distinção feita pelo Behaviorismo é entre aprendizagem e desempenho. A
representações mentais
aprendizagem refere-se ao desempenho, mas não se confunde com ele. O organismo pode de indícios visuais, táteis,
adquirir capacidade para executar certos atos pela aprendizagem, mas o ato pode não ocorrer. auditivos, que configuram
o ambiente e permitem
É a chamada aprendizagem latente, de Tolman (1948), a qual ocorre quando o cérebro organiza-
a localização do sujeito
se em “mapas cognitivos”. Desse modo, conteúdos aprendidos produzidos pela prática no espaço. Atualmente,
seriam aqueles que propiciassem mudanças permanentes no organismo; o desempenho seria tende-se a utilizar um
conceito mais amplo, que
a tradução da aprendizagem em comportamentos. Assim, aprendizagem seria orgânica, neural;
envolva os conceitos e
e o desempenho seria o evento exteriorizável das modificações orgânicas. relações entre conceitos
utilizados pelos sujeitos
Essa distinção, que considera a aprendizagem como não tendo uma face exteriorizável, para compreender o seu
já aponta uma modificação nas idéias iniciais do Behaviorismo e se constitui na corrente ambiente e dar-lhe sentido.
O Cognitivismo
P
reocupado em entender o processo de conhecimento do mundo pelo homem,
o Cognitivismo, ao contrário do Behaviorismo, envolve-se com a análise
dos processos mentais superiores, com o ato do conhecer, com a cognição.
Preocupa-se em analisar como o ser humano conhece o mundo. Preocupa-se, assim,
com os fenômenos da consciência.
O termo parece vir da teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget (1999), que é mais
uma teoria do desenvolvimento mental do que uma teoria de aprendizagem. O Cognitivismo
também é conhecido como Construtivismo, porque o verdadeiro conhecimento – aquele
que é utilizável – é fruto de uma elaboração (construção) pessoal, resultado de um processo
interno de pensamento durante o qual o sujeito coordena diferentes noções entre si,
atribuindo-lhes um significado, organizando-as e relacionando-as com outras anteriores.
Esse processo é inalienável e intransferível: ninguém pode realizá-lo por outra pessoa.
Por outro lado, o termo “cognitivismo” pode ser utilizado como uma conceituação mais
ampla: “se ocupa da atribuição de significados, da compreensão, transformação, armazenamento
e uso da informação envolvida na cognição” (MOREIRA, 1999, p. 15). Nesse sentido, uma das
principais tarefas dessa abordagem do cognitivismo é a construção de modelos matemáticos
e axiomáticos em diferentes campos da investigação, como a inteligência artificial, a formação
de conceitos, a memória semântica, a resolução de problemas. Essa nova ciência cognitiva
vem se constituir na resposta a uma demanda pelo estudo interdisciplinar da mente humana,
abrangendo áreas como as Neurociências, a Informática, a Psicologia.
Vamos discutir melhor essa abordagem a partir de dois dos seus maiores expoentes:
Jean Piaget e Lev Vygotsky.
Vygotsky
Para Vygotsky (1896-1934), os mecanismos de desenvolvimento cognitivo têm
origem e natureza sociais e não são frutos exclusivos do desenvolvimento mental. O
desenvolvimento das funções mentais superiores somente ocorrem nas interações
sociais, as quais são o produto das relações sociais, mediadas por instrumentos e signos,
dos quais o mais importante é a linguagem.
Uma vez que o desenvolvimento das funções mentais exige a internalização de signos, a
aprendizagem passa a ser a condição para que isso ocorra. Um dos conceitos mais importantes
Zona de de Vygotsky é o de “zona de desenvolvimento proximal”. É a interação social que vai propiciar
Desenvolvimento a aprendizagem, que deve ocorrer dentro dos limites dessa zona. O ensino, portanto, deve
Proximal
se caracterizar por uma interação social, na qual o professor é aquele que já internalizou
Zona de desenvolvimento significados socialmente aceitos e partilhados; o aluno, por sua vez, deve sempre verificar se
proximal é a distância
entre o nível cognitivo
os significados que internalizou são também compartilhados socialmente dentro da área do
real do indivíduo, medido conhecimento. O ensino se consuma quando professor e aluno compartilham significados.
por sua capacidade
de resolver problemas As idéias de Vygotsky foram incorporadas por outros estudiosos, dentre eles Novak,
independentemente,
para quem o evento educativo é uma ação para trocar sentimentos e significados que
e o seu nível de
desenvolvimento sejam aceitos e partilhados socialmente entre professor e alunos. No entanto, o aluno pode
potencial, medido por aprender significativamente conceitos “errados”, que não são partilhados socialmente Com
meio da solução de
o professor, mas sim com seu grupo social de origem.
problemas sob orientação
ou em colaboração com
Vygotsky não concebe os processos cognitivos isolados da totalidade dinâmica da
companheiros capazes.
consciência. Para ele, o pensamento humano só pode ser compreendido quando se entende
a sua base afetivo-volitiva. Uma das principais limitações da Psicologia tradicional é a
separação entre processos cognitivos de um lado e afetivo-volitivos de outro, como se o
pensamento fosse “[...] um fluxo autônomo de ‘pensamentos que pensam por si próprios’,
dissociados da plenitude da vida, das necessidades e interesses pessoais, das inclinações e
dos impulsos daquele que pensa” (VYGOTSKY, 1998, p. 6).
a aprendizagem construtivista é a que mais se parece com uma aventura intelectual. Mas
necessita – pelo menos a princípio – da presença de um guia que não seja impaciente e que
permita que o pensamento de quem aprende siga o curso imprescindível para converter
os conhecimentos em algo próprio, precisa de um guia que respeite os processos, que
não se empenhe em substituir a pessoa que está aprendendo, antecipando-lhe resultados
e respostas já conhecidos por ela, como esses amigos bem-intencionados que sempre
insistem em contar o final do filme. Uma das falsas ilusões do ensino é que os estudantes
podem passar de um estado de ignorância para um estado de conhecimento, sobre um
tema concreto, no curto intervalo de tempo de uma sessão de aula. Esta crença, que
simplifica a existência de processos inerentes a toda aprendizagem, é uma fonte de mal-
estar e frustração tanto para o professor quanto para alunos e alunas, fundamentalmente
porque não coincide com a realidade. A negação da realidade leva facilmente ao fracasso
e provoca um sentimento pessimista de impossibilidade.
Extraído de: TEIXEIRA, Gilberto. Por que o construtivismo. Disponível em: <http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ur.php?modulo=98texto=469>.
Acesso em: 26 jul. 2007.
A
perspectiva da junção de todos os elementos da consciência no ato de aprender vai estar
presente nas correntes teóricas chamadas Humanismo. Surgido a partir dos trabalhos de
Abraham Maslow (1908-1970), o Humanismo caracteriza-se, basicamente, por centrar-
se no conceito de pessoa; não no de comportamento. Enfatiza, ainda, a condição de liberdade
contra o determinismo e objetiva a compreensão e o bem-estar humanos.
Para o Humanismo, há uma tendência natural do ser humano para aprender, aumentar
seus conhecimentos; contudo, a aprendizagem somente se torna significativa quando
contribui para a auto-realização do sujeito. Por compreender o sujeito aprendiz como uma
totalidade, entende o ato de aprender como envolvendo não somente a cognição, mas
também os aspectos afetivos e as ações, já que influem nas ações e escolhas do indivíduo.
O maior expoente dessa visão é Carl Rogers (1902-1987), que propõe um aprendizado
centrado no aluno. Para ele, uma aprendizagem adequada é aquela que leva o aluno a “aprender
a aprender”, ou seja, para além da importância dos conteúdos, o mais significativo para Rogers
é a capacidade do indivíduo interiorizar o processo constante de aprendizagem. O professor
precisa tornar-se um facilitador da aprendizagem para tanto, é essencial que tenha segurança e
acredite na pessoa do aluno, na sua capacidade de aprender e pensar por si próprio.
Rogers propõe algumas qualidades que o professor precisa ter para ser um facilitador:
a primeira é a autenticidade do facilitador, que significa a capacidade de ser autêntico e
real na relação com o aluno; a segunda é aceitar a pessoa do aluno, seus sentimentos,
Atividade 2
Agora que vimos como se colocam as diversas teorias da
1 aprendizagem, vamos fazer um exercício de observação: com qual
delas nos identificamos e por quê.
Autoavaliação
Destaque das três abordagens teóricas discutidas os seus principais conceitos.
Behaviorismo
Cognitivismo
Humanismo
ROGERS, Carl. Liberdade de aprender em nossa década. 2. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1986.
Aula
9
Apresentação
D
iscutimos até agora as diversas teorias que tratam da aprendizagem de forma geral.
No entanto, em nossa prática docente, observamos que alguns alunos têm uma
melhor aprendizagem quando o conteúdo é apresentado de determinada maneira
ou quando organizam seu estudo dentro de alguns parâmetros, por exemplo. Isso acontece
porque cada um tem o seu estilo de aprender e de desenvolver suas próprias estratégias. São
esses pontos que discutiremos nesta aula.
Objetivos
Reconhecer os diferentes estilos de aprendizagem e
1 suas características.
J
á há um grande entendimento de que cada pessoa aprende de uma maneira diferente.
Uns preferem estudar enquanto ouvem música, outros preferem o silêncio; uns
precisam de muita luz, outros preferem um ambiente com mais penumbra; uns, ainda,
organizam e limpam todo o seu espaço de estudo, enquanto outros podem estudar em
meio a pilhas de livros e papéis. Os estudos têm mostrado que as pessoas desenvolvem
estratégias que lhes permitam a melhor maneira de adquirir conhecimento, as quais podem
se constituir em estilos de aprendizagem.
Atividade 1
E você, como se organiza para estudar? Descreva a seguir os procedimentos
que adota nos momentos dedicados ao estudo.
P
odemos observar que em grupos de estudo compostos por mais de duas pessoas,
que partem do mesmo nível de conhecimento em determinada matéria, encontramos
grandes diferenças nos conhecimentos de cada membro, apesar de todos terem
recebido as mesmas explicações e feito as mesmas atividades. Cada uma das pessoas
aprenderá de maneira diferente, terá dúvidas diferentes e avançará mais em uma área do que
em outras. O que determina essas variações?
A recepção da informação
E
stamos recebendo a cada momento, através dos nossos órgãos dos sentidos,
uma grande quantidade de informações. Nosso cérebro seleciona uma parte e
ignora o resto. Naturalmente, tendemos a selecionar aquelas informações que nos
interessam, mas, dependendo da forma como elas nos são apresentadas, as selecionamos
com maior ou menor facilidade.
Distrai-se mesmo
sozinho. Move os lábios
Responde às
Organizado, ordenado e ao ler. Tem facilidade
manifestações físicas de
tranquilo. Preocupado com as palavras.
carinho. Gosta de tocar
com seu aspecto. Sem preocupações
Conduta em tudo. Move-se e
Voz aguda e queixo com o aspecto físico.
gesticula muito. Fala alto.
empinado. As emoções Monopoliza a conversa.
Expressa suas emoções
se vêem na cara. Gosta de música.
com movimentos.
Expressa verbalmente
suas emoções.
Não comete erros. “Vê” Comete erros. “Fala” as Comete erros. Escreve as
Ortografia as palavras antes de palavras e as escreve de palavras e testa se estão
escrevê-las. acordo com o som. adequadas.
De maneira sequenciada
e por blocos. Perde-se se
Armazenamento da Rapidamente e em Mediante a “memória
indagado por aspectos
informação qualquer ordem. muscular”.
isolados ou fora da
ordem das perguntas.
O
modo como as pessoas selecionam as informações, as organizam e as utilizam,
transformando-as em conhecimento, também varia de acordo com algumas
características pessoais, criando tipologias, que podem ser muito úteis para a maneira
como o professor planeja suas atividades de ensino. A seguir apresentamos dois modelos.
Modelo de Kolb
Este modelo classifica os estudantes a partir de dois parâmetros: a) a aquisição da
informação, que pode se dar na forma de uma experiência concreta ou de uma conceitualização
abstrata; e b) a internalização da informação, que pode se dar como uma experimentação
ativa ou observação reflexiva. Disso resultariam os tipos de aprendizes que seguem.
a) Tipo 1 – Concreto, reflexivo – Uma pergunta característica deste tipo é “Por que?”. Eles
respondem bem a explanações sobre temas relacionados a suas experiências, seus
interesses, sua carreira. O professor deve ter função de motivador, estimulando os
alunos a buscarem respostas para suas indagações.
b) Tipo 2 – Abstrato e reflexivo – Uma pergunta característica deste tipo é “O que?”. Eles
respondem bem a apresentações organizadas e lógicas, e se beneficiam delas quando
têm tempo para reflexões. O professor deve ter o papel do expert, aquele que provê o
aluno de informações atualizadas, que lhe permitam as reflexões.
c) Tipo 3 – Abstrato e ativo – Uma pergunta característica deste tipo é “Como?”. Eles
precisam ter oportunidades de trabalhar ativamente em tarefas bem definidas e
aprendem por ensaio e erro, em condições que lhes permitam errar, mas com suporte.
O professor deve atuar como um treinador, guiando e dando feedbacks. Feedback
Apesar de ser um
d) Tipo 4 – Concreto e ativo – Uma pergunta característica deste tipo é “E se?” Eles termo do idioma inglês,
gostam de aplicar o conhecimento em novas situações que lhes permitam a resolução feedback é uma palavra
que já aparece nos
de problemas reais. O professor deve atuar deixando livre o caminho para maximizar as dicionários da língua
oportunidades dos alunos, permitindo que descubram coisas por eles mesmos. portuguesa. Um dos seus
sentidos é o que está
sendo usado aqui: o de
realimentação.
Modelo de Felder-Silverman
Este modelo classifica os estudantes como:
C
onhecer os estilos de aprendizagem dos alunos pode ser de grande auxílio ao professor
na hora de planejar suas disciplinas, pois, ao considerar que as pessoas aprendem de
maneiras diferentes, a sua preocupação em conhecer os diversos estilos significa não
estabelecer uma aula padrão, com atividades iguais para todos.
Estratégias de aprendizagem
Estratégias de aprendizagem podem ser definidas como sequências de procedimentos
ou atividades que se escolhem com o propósito de facilitar a aquisição, o armazenamento
e/ou a utilização da informação. Podem ser consideradas como qualquer procedimento
adotado para a realização de uma determinada tarefa; são conscientes e intencionais.
Quando nos deparamos com jogos como xadrez, War ou outros jogos de estratégia e
desafio, nos sentimos, em um primeiro momento, sem saber o que fazer. Mas, em seguida,
começamos a experimentar estratégias que já utilizamos antes e passamos a prová-las
para ver a sua adequação e eficácia nessa nova situação. Selecionamos, então, aquelas que
funcionam e passamos a utilizá-las para vencer o desafio. Esse processo de pensar sobre
como pensar é um processo metacognitivo.
Atividade 4
Retome os seus procedimentos descritos na atividade 1, e compare-os com esses
cinco tipos de estratégias descritos pelos autores. Como você as identifica?
Autoavaliação
Quais os sistemas de representação mental da informação?
1
Compare os sistemas de representação com os estilos de aprendizagem.
2
Qual a diferença entre estilo e estratégia de aprendizagem?
3
Referências
BORDENAVE, J. E. Estratégias de ensino-aprendizagem. Rio de Janeiro, Editora Vozes,1993.
JOLY, M.C. R. A.; SANTOS, A. A. A.; SISTO, F. F. (Orgs.). O aluno universitário e suas
questões. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo, 2005.
Aula
10
Apresentação
A
té agora, discutimos a forma como a Psicologia estuda e descreve o indivíduo. Mesmo
quando apresentamos e defendemos uma abordagem que trata desse indivíduo como
um ser sócio-histórico, é sempre do indivíduo que estamos falando. A partir desta
aula, vamos começar a discutir um conjunto de temas que analisa o comportamento das
pessoas na sua vida em grupos. Iniciaremos, então, conceituando os grupos sociais, como
eles se constituem e qual a sua dinâmica.
Objetivos
Conhecer os conceitos de instituição, de organização
1 e de grupo.
P
assamos a maior parte das nossas vidas convivendo em grupos. Seja a nossa família,
seja o grupo de amigos, seja a turma do trabalho, estamos sempre compartilhando nosso
cotidiano com outras pessoas. Já em 1919, um estudioso chamado Trotter (1919-1953)
definia o instinto gregário como um dos quatro instintos básicos do homem, sendo os outros:
o instinto de autopreservação, o instinto de nutrição e o instinto sexual. O instinto gregário
seria aquele que nos faria procurar sempre viver em grupos, como uma forma – conforme
explicação darwiniana – de tornarmo-nos mais resistentes à seleção natural.
Para a Psicologia, o estudo dos grupos é um dos seus temas fundamentais, ao ponto
de existir um ramo chamado Psicologia Social. A preocupação da Psicologia com o estudo
dos grupos começa com os estudos da chamada Psicologia das Massas, que tentava
compreender fenômenos coletivos. Na verdade, o início dessas preocupações ocorreu
quando os psicólogos, ao se debruçarem sobre a Revolução Francesa, se perguntavam
como era possível uma multidão de pessoas ser levada por um líder a comportamentos
que muitas vezes colocavam em risco as suas próprias vidas. E assim buscavam saber que
fenômeno era aquele capaz de possibilitar a um enorme grupo agir com tamanha coesão.
A referência clássica para essa discussão é o francês Gustave Le Bon (1841-1931), que
publicou em 1895 um livro chamado “Psicologia das Massas”, o qual é reeditado até os dias
atuais. Para Le Bom, havia uma ruptura profunda entre o fenômeno individual e o fenômeno
coletivo, ao ponto de se poder falar de uma “psicologia das multidões” e de uma psicologia do
indivíduo. A multidão é apresentada como uma espécie de ser unitário provido de características
psicológicas próprias, de modo que os indivíduos que a compõem perdem suas características
pessoais, sua autonomia, e passam a agir como uma espécie de “psiquismo coletivo”, muitas
vezes, com comportamentos que o sujeito, quando fora da multidão, jamais teria. Há, pois, a perda
da individualidade e a formação de um novo todo, que não é a soma das partes. Para Le Bom,
isso se daria por três fatores: o sentimento de poder, o contágio mental e a sugestibilidade.
Freud também preocupou-se em estudar a questão dos grupos a partir das idéias de
Le Bon. Em seu livro “A Psicologia das Massas e a análise do Eu” (1973), ele propõe que as
massas também não podem ser pensadas como tendo uma forma única. Existiriam, então,
as multidões efêmeras e as mais duradouras; as homogêneas, formadas por indivíduos
semelhantes, e as não homogêneas; as primitivas e aquelas que possuem um alto grau
de organização, que ele chama “massas artificiais”. Hoje, conhecemos esses grupamentos
organizados e estruturados como “instituições”, como veremos a seguir.
Para Freud, não haveria uma mente grupal ou um “psiquismo coletivo”, como
propunha Le Bon. Todos os comportamentos individuais dentro de uma multidão poderiam
ser compreendidos a partir do psiquismo dos indivíduos, na medida em que os processos
mentais se articulam desde cedo com a dimensão social da existência. As vinculações
se dariam em dois eixos: um vertical, no qual os indivíduos se ligariam aos líderes, que
encarnariam a figura primordial do chefe da tribo; e um eixo horizontal, no qual haveria
uma ligação dos membros uns com os outros, de modo que os indivíduos imersos em uma
multidão se sentiriam mais desenvoltos para assumir riscos.
As instituições,
as organizações e os grupos
R
etomemos agora a questão inicial: nossa vida cotidiana é marcada pela vida em grupo.
Para que possamos viver em grupo, são necessárias certas regras, combinações e
acertos. Tomemos como exemplo a rotina do nosso trabalho. Saímos de casa em uma
determinada hora e vamos a um ponto de ônibus. Sabemos que este passará em uma certa
hora que nos permitirá estar no trabalho na hora precisa. Para que isso aconteça, ou seja, para
A instituição é, pois, “um valor ou regra social reproduzida no cotidiano com estatuto
de verdade, que serve como guia básico de comportamento e padrão ético para as pessoas
em geral [...] é o que mais se reproduz e o que menos se percebe nas relações sociais”
(BOCK, 1999, p. 217).
Os autores definem grupo como sendo uma unidade que se dá quando os indivíduos
interagem entre si e compartilham normas e objetivos.
Tipos de grupos
O
s grupos podem ser classificados como primários ou secundários. Os grupos
primários são aqueles constituídos para a satisfação das necessidades básicas da
pessoa e a formação de sua identidade. Caracterizam-se por fortes vínculos afetivos
interpessoais e uma hierarquização de poder. Um exemplo pode ser o grupo familiar.
U
m grupo é um todo dinâmico. Apesar de ser um conjunto de pessoas, não é
simplesmente a soma dos participantes, o que significa que qualquer mudança que
ocorra em um dos participantes vai interferir no estado do grupo como um todo. E por
estarmos sempre mudando é que o grupo é dinâmico.
Atividade 3
Provavelmente, você faça parte de algum grupo. Se não, converse com alguém
que esteja vinculado a algum. Analise sua própria participação, ou a de outra
pessoa, e anote a seguir a avaliação que você fez do grupo com relação aos
quatro itens descritos anteriormente.
O
psiquiatra suíço-argentino Pichon Rivière (1907-1977) foi também um estudioso dos
grupos. Ele desenvolveu uma nova abordagem, que resultou nos chamados grupos
operativos. Para ele, o grupo é um conjunto restrito de pessoas, que, ligadas por
constantes de tempo e espaço e articuladas por sua mútua representação interna, propõe-
se, explícita ou implicitamente, a uma tarefa, que constitui sua finalidade. No entanto, não
basta que haja um objetivo comum ou que tenha como finalidade uma tarefa, é preciso que
essas pessoas façam parte de uma estrutura dinâmica chamada vínculo. Por exemplo, as
pessoas que estão em uma sala de espera de um cinema estão reunidas no mesmo espaço
durante o mesmo tempo, com o mesmo objetivo, mas não se constituem em um grupo. Há
a necessidade de se vincularem e interagirem na busca de um objetivo comum, por isso,
os princípios organizadores do grupo são o vínculo e a tarefa. A teoria do vínculo, portanto,
parte do pressuposto de que o homem se revela e se estrutura por meio da ação, ou seja, do
desempenho de papéis e do estabelecimento de vínculos.
Para Pichon Rivière, vínculo é “[...] a maneira particular pela qual cada indivíduo
se relaciona com outro ou outros, criando uma estrutura particular a cada caso e a cada
momento” (PICHÓN-RIVIÉRE, 1998, p. 3). É, assim, uma estrutura dinâmica, movida por
motivações psicológicas, que rege todas as relações humanas.
Para Pichon Rivière, um grupo opera melhor quando há em seu conjunto de pessoas
pertinência, afiliação, centramento na tarefa, empatia, comunicação, cooperação e
aprendizagem. A pertinência pode ser vista como a qualidade da intervenção de cada um no
grupo; a afiliação é a intensidade do envolvimento do indivíduo no grupo; o centramento
na tarefa é o eixo principal da cooperação, refere-se ao grau de interação com que um
participante mantém o vínculo com o trabalho a ser efetuado, e avalia a dispersão e a
realização de esforço útil do indivíduo; a empatia é o modo como o grupo pode ganhar
força para operar cada vez mais significativamente; a comunicação é essencial para que haja
entrosamento; a cooperação é o modo pelo qual o trabalho ganha qualidade e operatividade;
a aprendizagem é o resultado do trabalho e deve ser essencialmente colaborativa.
C
ompreender o funcionamento de um grupo também pode ser importante para
a realização de dinâmicas em sala de aula. Certas técnicas, também chamadas de
“dinâmicas de grupo”, são muitas vezes utilizadas para possibilitar a organização e a
criatividade na produção do conhecimento. Elas podem gerar um processo de aprendizagem
mais coletivo e mais rico. Inúmeras são essas técnicas e vários são os manuais (são alguns
deles: “Facilitando o trabalho com grupos”, de Eliane Poranga Costa (Editora Wak, 2003);
“Intervenções grupais na Educação”, organizado por Stela Regina de Souza Fava (Editora
Ágora, 2005); “Exercícios práticos de dinâmica de grupo”, de Silvio José Fritzen (Editora
Vozes, 2001)) que as descrevem, no entanto, sempre que o professor optar por uma deve
considerar alguns elementos, os quais descreveremos a seguir.
1) Objetivos – o professor deve ter clareza sobre o que quer com a técnica e deve pensá-la
respeitando esses objetivos.
3) Duração – as técnicas devem ser pensadas com tempo determinado para seu início e fim.
n O que pensamos?
n O que concluímos?
2) Painel de Três
c) O grupo opositor anota aquilo com que não concorda e aquilo com que concorda, e,
após o apresentador, expõe suas anotações.
c) O professor vai registrando no quadro todas as idéias que foram apresentadas, sem
nenhum juízo crítico, e estimula sugestões de outras novas ou associados com
alguma já apresentada, até que a turma sinta que não há mais nada a ser falado.
Essas são, como dissemos, apenas alguns exemplos de técnicas de grupo. Você pode
e deve criar a sua de acordo com as necessidades de sua aula. Vamos experimentar?
Atividade 4
Vamos imaginar que você está com dificuldades de fazer sua turma avançar
de um conceito do senso comum para o conceito científico. Somente sua
explicação em sala de aula não está sendo suficiente. Nesse caso, que tipo de
técnica de grupo você poderia propor à turma? Explique-a a seguir.
Autoavaliação
Analise uma escola como uma organização e destaque o que você pode observar
1 de comportamentos institucionalizados que nela ocorrem.
FREUD, S. Psicologia de lãs masas y analisis del “yo”. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva,
1973. Tomo III. (Obras completas).
LANE, S. T. O processo grupal. In: LANE, S. T.; CODO, W. (Orgs.). Psicologia social: o
homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 18-98.
MARTINS, Sueli Terezinha Ferreira. Processo grupal e a questão do poder em Martín-Baró. Psicol.
Soc., Porto Alegre, v.15 n.1, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822003000100011&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>.
Acesso em: 02 ago. 2007.
Aula
11
Apresentação
N
esta aula, vamos discutir um tipo de grupo social que é reconhecido como o
guardião dos processos de desenvolvimento psíquico: a família. Observaremos
a sua importância na formação do indivíduo e como se constitui em primeiro
espaço de socialização deste.
Objetivos
Conhecer como se forma historicamente o conceito
1 de família.
N
a disciplina “Educação e Realidade”, você já discutiu sobre a família na aula 13 (O
aluno). Viu que o grupo familiar se caracteriza por compartilhar espaço de moradia,
pela divisão de tarefas, pelas trocas afetivas, por compartilhar os hábitos, os bens
culturais e as tradições; mas, exatamente, qual seria o papel da família na estruturação
psíquica das pessoas? Quando nos debruçamos sobre essa questão, observamos que a
estrutura do grupo familiar tem mudado muito com o tempo. Assim, de que família estamos
falando? Temos ouvido falar, nos últimos tempos, que a família está se desintegrando, que
é preciso resgatar os valores familiares, que sem a família a sociedade se desorganiza. E,
nesse sentido, a pergunta nos volta: qual família? O que é, nos dias de hoje, a família?
Atividade 1
Vamos começar refletindo sobre a seguinte questão: para você, o que é
uma família?
Muito provavelmente você respondeu que é um grupo social composto de pai, mãe e filhos.
Entretanto, também poderá ter observado que hoje temos casais separados que tornam a se
casar e têm filhos desses novos casamentos, configurando, com isso, uma nova organização
familiar. Você também deve conhecer situações de casais do mesmo sexo que adotaram
crianças, o que é uma outra forma de família. Por outro lado, poderíamos ainda pensar em
como era a estrutura familiar em épocas mais remotas. Será que outras formas de organização,
diferentes da convencional e almejada tríade pai-mãe-filhos, estão se configurando somente
agora e, será que isso levará necessariamente à desintegração da sociedade?
1) A família consanguínea, na qual era possível o casamento entre irmãos e irmãs carnais
e entre pais e filhos;
3) A família sindiásmica, em que havia o casamento entre casais, mas sem a obrigação
de conviverem num mesmo espaço e com vínculos flexíveis, de modo que poderia ser
desfeito de acordo com o desejo de qualquer uma das partes;
5) A família monogâmica, caracterizada pelo casamento entre duas pessoas, mas com a
obrigação de coabitação exclusiva.
Vemos, assim, que a família tal qual a concebemos hoje não é uma organização natural
nem uma determinação divina. Ela é o resultado de condições históricas e de mudanças
sociais, pois por estar inserida na base material da sociedade, a forma como a família irá
se organizar deve dar conta de sua função social. Isso significa dizer que na medida em
que muda a sociedade, muda também a função da família, ou seja, a organização familiar
transforma-se como resultado das mudanças sociais e não o contrário.
A
função social atribuída à família funda-se principalmente na transmissão de valores,
perspectiva que cada
um de nós tem com que constituem a cultura, e das idéias dominantes; e na educação das novas gerações
relação ao mundo segundo os padrões dominantes, o que revela o seu caráter conservador e de
em que vivemos:
manutenção do status quo. À família é dada também a responsabilidade pela manutenção física
como entendemos
os problemas; como e psíquica das crianças, sendo por isso entendida como o primeiro espaço de socialização do
poderíamos indivíduo. É nela que ocorrem os primeiros aprendizados da língua, dos hábitos e costumes,
resolvê-los; qual o nosso
das primeiras noções de direitos e deveres, de certo e errado, do pode e não pode. Dessa
papel nesse mundo.
forma, ela interfere de modo fundamental na organização da visão de mundo dos indivíduos.
A dinâmica familiar
D
e uma maneira geral, os estudos sobre a família baseiam-se em um tipo específico:
a família burguesa, de classe média. Mas, é preciso reconhecer que há vários tipos
de famílias, que os papéis maternos e paternos são multidimensionais e complexos
e que pais e mães desempenham papéis diferentes em contextos culturais diferentes. Para
compreender como a família funciona, é preciso, sobretudo, estudar as interações e relações
desenvolvidas entre os diferentes subsistemas familiares, os contextos histórico, cultural,
social e econômico nos quais as famílias estão inseridas.
Entendida, assim, como um sistema social composto por um grupo de indivíduos, cada
um dos seus membros vai ter um papel que lhe é atribuído implicitamente, ou seja, cada
membro ocupa determinada posição, tem determinado status. O comportamento do pai, da
mãe, dos filhos e dos irmãos será orientado por esses papéis, que refletem as expectativas
de comportamento, de obrigações e de direitos. Assim, por exemplo, espera-se que os
adultos promovam o suporte à família, seja emocional seja financeiro, que se preocupem
com a manutenção da harmonia familiar, que se encarreguem dos assuntos domésticos.
Os irmãos, por sua vez, assumem o papel de receptores e ajudam a manter e promover as
normas familiares. Vale salientar que esses papéis são flexíveis, de modo que em alguns
momentos podem ocorrer trocas quando um não assume o papel que lhe é atribuído.
A violência familiar
A
té agora, falamos da família enquanto lugar que, pelos laços afetivos, promovia a
proteção e o cuidado dos seus membros. Entretanto, em muitos casos essa não é a
realidade. Existem situações em que, por motivos mais diversos, a harmonia familiar
é quebrada, gerando desestruturações que podem chegar a situações de violência, um tipo
de violência muitas vezes silenciosa e mascarada que acontece dentro dos lares. A violência
doméstica atinge mais frequentemente crianças e adolescentes, mas também mulheres
e idosos, dentro de um espaço familiar. Infelizmente, esse é um fenômeno universal, que
atinge ricos e pobres em todos os países.
1) a violência física – ocorre quando alguém causa ou tenta causar dano por meio de
força física, de algum tipo de arma ou instrumento que possa levar a lesões internas,
externas ou ambas;
2) a violência psicológica –inclui toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à
auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa;
4) a violência sexual – é toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga uma
outra à realização de práticas sexuais, utilizando força física, influência psicológica ou
uso de armas ou de drogas.
Figura 4 – Maria da Penha, vítima de violência familiar, cujo nome foi dado a lei de proteção à mulher.
Este último é um tipo de violência para o qual nós, enquanto professores, precisamos
estar muito atentos. Em primeiro lugar, porque infelizmente ainda é acobertado pelo
sentimento de vergonha por parte dos membros da família. Em segundo lugar, por ocorrer
justamente em um espaço onde se espera cuidados, ocasiona profundas marcas emocionais
nas vítimas, sendo quase sempre necessário tratamento psicológico. Felizmente, a legislação
brasileira tem avançado bastante. O Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Maria da
Penha, que protege a mulher da violência, têm propiciado a punição desses crimes. Mas,
ainda há muito o que avançar no que diz respeito às mudanças culturais, sobretudo nas
regiões mais interioranas do nosso país.
Resumo
Nesta aula, discutimos a origem do conceito de família bem como a sua
relação com o surgimento da propriedade privada e a necessidade de definição
na transmissão dos bens. Vimos como na nossa sociedade a família tem a
função de transmissora da cultura e dos valores, sendo, portanto, fundamental
no desenvolvimento psíquico dos indivíduos. Avaliamos as dinâmicas que
se estabelecem no interior das famílias, mostrando que não há um modelo
único. Por último, destacamos a complexa questão da violência familiar e suas
consequências em relação àqueles que a sofrem.
Referências
BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999.
Aula
12
Apresentação
E
m disciplinas anteriores você já discutiu o tema escola. Por exemplo, em Educação e
Realidade, foram analisados os desafios da escola nos dias de hoje e, nessa discussão,
você visitou uma escola de seu município; e em Fundamentos da Educação, acompanhou
um extenso estudo sobre a educação brasileira no que diz respeito ao espaço institucional
da escola. A perspectiva de estudo desta aula aqui é discutir a escola enquanto espaço de
socialização dos indivíduos, contribuindo, assim, para o seu desenvolvimento psíquico; e
enquanto instituição, na qual vão estar presentes as características de grupos sociais.
Objetivos
Conhecer o conceito de socialização e como ela ocorre.
1
Reconhecer a escola como importante espaço de
2 socialização.
O processo de
socialização secundária
E
m aulas anteriores, vimos que quando a criança nasce já pertence a um grupo social
familiar, que lhe provê suporte e lhe transmite valores, hábitos e comportamentos da
sua cultura. A família é, pois, o primeiro espaço de socialização do indivíduo. A escola,
por sua vez, exerce um papel fundamental na consolidação desse processo. Vamos entender
um pouco mais o que é socialização.
E é somente a partir dos 7 anos de idade, portanto na idade escolar, que a criança
começa a evoluir para uma autonomia moral. Na escola, em contato com outras de mesma
faixa etárias, a criança descobre que é necessária a reciprocidade para agir conforme as
regras, na medida em que essas regras somente são efetivas se as pessoas concordarem
com elas. A escola é, pois, o espaço no qual as crianças: produzem seus conhecimentos
sociais; começam a compreender as características dos outros e de si mesmas; estabelecem
diferentes graus de relacionamentos; necessitam absorver novas regras de funcionamento
diferentes do seu espaço familiar.
As funções da escola
Já vimos, então, que a escola contribui decisivamente para o processo de socialização
das crianças. Outras funções, porém, podem ser listadas, como as provavelmente enumeradas
por você na atividade 1. Vejamos algumas delas.
Se, por um lado, isso é verdade, por outro, podemos questionar o fato de que o grau de
cultura adquirido pelo indivíduo depende significativamente do lugar social que sua família
ocupa. Nesse sentido, um jovem que provenha das camadas populares terá muito mais
dificuldade em ocupar uma posição de destaque na sociedade, por mais que se esforce para
obter títulos e diplomas. Por outro lado, um jovem de família rica, mesmo que não queira
estudar, não sofrerá mudanças quanto ao seu padrão social.
Outra função bastante destacada da escola é a de preparar o indivíduo para a vida, de formar
o cidadão, de construir a cidadania. E ela apareceria como o espaço privilegiado para isso, uma
vez que trabalha com o saber, mas também com valores, crenças e atitudes. Ocorre, porém,
que a escola, na qualidade de instituição social, defronta-se com um dilema: de um lado, por ser
parte de uma sociedade, tem a tarefa de formar indivíduos que zelem pela preservação dessa
sociedade; e de outro, deve também cuidar do desenvolvimento da sociedade, necessitando,
portanto, formar cidadãos capazes de inovar, de inventar, de transformar. Nessa ambiguidade,
a escola pode se desenvolver como uma instituição conservadora, mas que também abre
espaço para o surgimento de instituições criativas e transformadoras.
A crítica feita a essa função em particular diz respeito ao caráter de instituição fechada que
a escola vem assumindo, quando as teorias pedagógicas a concebem como isolada do cotidiano
da sociedade. Esse isolamento pode ser notado pela observação dos seguintes aspectos:
ensino de conteúdos que nada têm a ver com a realidade dos alunos; adoção de uniformes
Um dos críticos mais contundentes da escola foi o pensador vienense Ivan Illich (1926-
2002), com o seu livro “Sociedade sem escolas”, lançado no início dos anos 70 do século
passado. Illich propõe “desinstalar” a escola porque
Ela escolariza para confundir processo com substância. Alcançando isso, uma nova
lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores resultados; ou, então,
a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo, ‘escolarizado’ a confundir ensino
com aprendizagem, obtenção de grau com educação, diploma com competência,
fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é ‘escolarizada’ a
aceitar serviço em vez de valor (ILLICH, 1973, p. 21, grifos do autor)
Atividade 2
Vamos retomar a atividade 1, na qual você listou o que julgava serem as
funções da escola. À luz do que discutimos até então, reveja sua lista e faça
uma apreciação crítica sumarizada.
Atividade 3
Como vimos, a escola é uma instituição social na qual convivem grupos sociais,
que podemos caracterizar como grupos secundários. Baseado em sua própria
experiência, nos pontos discutidos na aula 10 e nas observações que você fez
na disciplina Educação e Realidade, descreva a seguir a sua percepção das
dinâmicas estabelecidas na escola.
Para além da dinâmica estabelecida entre e dentro dos grupos sociais que existem na
instituição escolar, vamos agora discutir como se estabelecem as relações de poder dentro
da escola. Porque se a escola é um espaço reprodutor das redes de relações existentes na
sociedade, é interessante conhecer como essas relações se estabelecem e qual o contexto
que lhes permite acontecerem.
O filósofo francês Michel Foucault (1977), estudioso das relações de poder nas
instituições, descreveu os conceitos de sociedades disciplinares e sociedade de controle.
Para ele, as relações que se estabelecem em instituições como a família, a escola, os quartéis
e as prisões são marcadas pela disciplina, com o objetivo de produzir corpos dóceis, eficazes
e submissos política e economicamente.
Para caracterizar suas ideias, Foucault tomou como exemplo o Panóptico, um edifício em
forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel dividia-se em
pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas
pequenas celas, havia, segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever,
um operário a trabalhar, um prisioneiro a ser corrigido, um louco tentando corrigir a sua loucura
etc. Na torre, havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para
o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nenhum ponto de sombra
e, por conseguinte, tudo o que o indivíduo fazia estava exposto ao olhar de um vigilante que
observava através de persianas, de postigos semi-cerrados, de modo a poder ver tudo sem
que ninguém, ao contrário, pudesse vê-lo. O panoptismo corresponde à observação total, é a
tomada integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo. Ele é vigiado durante
todo o tempo, sem que veja o seu observador, nem que saiba em que momento está a ser
vigiado.
Figura 3 – Panóptico.
Observemos a disposição de uma sala de aula: um estrado mais elevado onde se situa
o professor, cadeiras linearmente dispostas colocadas abaixo para os alunos. Fica evidente
a relação saber/poder.
Todos esses aspectos das relações de poder apontadas por Foucault devem ser um
ponto de partida para uma reflexão das nossas práticas enquanto professores ou futuros
professores, porque não se pode negar que a escola é – ou deveria ser – um importante
espaço de troca, de aprendizado, de obtenção de informação. O necessário é que a escola
seja transformada, e definir essa transformação é o grande desafio que enfrentamos.
Por outro lado, a escola é apenas uma entre tantas outras instituições na nossa sociedade,
não podendo ser a única responsabilizada pela reprodução dos valores dominantes. As
transformações sociais ocorrem de maneira mais ampla e abrangem outras instituições como
a família, como já vimos, e os meios de comunicação, como veremos em uma aula próxima.
Resumo
Nesta aula, começamos analisando o conceito de socialização para situarmos
a escola como o espaço no qual se dá a socialização secundária. Em seguida,
discutimos e elaboramos algumas críticas às funções da escola. Por fim,
estudamos as relações de poder dentro da escola, a partir dos conceitos
foucaultianos de sociedade disciplinar e sociedade de controle.
Referências
BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de
ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
Aula
13
Apresentação
A
partir desta aula, iremos discutir alguns temas que, se não são específicos da
Psicologia, podem ser também estudados sob o ponto de vista de sua abordagem.
São temas que estarão presentes em nossas salas de aula, ainda que não seja de uma
forma clara e explícita. Iniciaremos com esta aula sobre sexualidade e seguiremos nas aulas
14 e 15 com uma discussão sobre a questão das drogas e sobre a influência dos meios de
comunicação no comportamento, respectivamente.
Objetivos
Distinguir os conceitos de sexo e sexualidade.
1
Analisar como ocorre o desenvolvimento da sexualidade
2 humana.
Atividade 1
Faça a distinção entre os conceitos de sexo e sexualidade elaborando uma lista
de comportamentos que caracterizam um e outro.
No nosso idioma, a palavra sexo tem muitos significados. Sexo pode ser uma palavra que
designa o gênero masculino ou feminino, servindo para uma distinção biológica entre homens
e mulheres, a partir da qual se definem papéis e atribuições sociais, que variam conforme a
cultura. Mas também pode referir-se a qualquer atividade que resulte em sensação de prazer no
corpo ou, mais especificamente, nos órgãos genitais do homem ou da mulher. Pode significar,
ainda, o ato sexual em si, “fazer sexo” significando manter relações sexuais.
No ser humano, no entanto, o ato sexual não é, como em outros animais, um ato
puramente biológico. Ele envolve sentimentos, experiências anteriores, história familiar,
orientação sexual, características físicas e até espiritualidade; todos esses aspectos influenciam
a percepção sexual das pessoas e sua maneira de envolvimento com o ato sexual.
Sexualidade é um aspecto central do ser humano durante toda sua vida e abrange
o sexo, as identidades e os papéis de gênero, orientação sexual, erotismo,
prazer, intimidade e reprodução. A sexualidade é experimentada e expressada
nos pensamentos, nas fantasias, nos desejos, na opinião, nas atitudes, nos
valores, nos comportamentos, nas práticas, nos papéis e nos relacionamentos.
Embora a sexualidade possa incluir todas estas dimensões, nem todas são
sempre experimentadas ou expressadas. A sexualidade é influenciada pela
interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos,
cultural, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais. (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2007, tradução minha)
Assim, como vemos, o conceito de sexualidade é muito mais amplo e, por suas
características, restringe-se ao ser humano. É esse conceito amplo que lhe permite ser
tema de interesse multidisciplinar, em que a Biologia e a Medicina dão conta dos aspectos
anatômicos e fisiológicos, a História e a Sociologia discutem os comportamentos sexuais e
suas origens, a Antropologia observa a sua evolução cultural, a Psicologia, por sua vez, tem se
interessado em analisar os sentimentos envolvidos e como ela se desenvolve no indivíduo.
J
á vimos na aula sobre adolescência que é nessa fase do desenvolvimento que o
organismo do ser humano começa a se preparar para a reprodução sendo as mudanças
biológicas acompanhadas de modificações também no psiquismo. Mas, seria somente
nessa fase que se manifestaria a sexualidade?
Em primeiro lugar, a concepção vigente era de que a sexualidade tinha como objetivo
a reprodução, logo, ela somente poderia se manifestar a partir da puberdade, momento
em que o indivíduo começa a se preparar biologicamente para tal tarefa. A idéia era de que
o sexo antes dessa fase estava inativo e que sua ativação se daria com o surgimento dos
hormônios sexuais responsáveis por ativar a puberdade. Sendo assim, como imaginar que
um bebê recém-nascido pudesse ter vida sexual?
Freud observou que logo ao nascer a criança apresenta o reflexo da sucção, fundamental
para sua alimentação e conseqüente sobrevivência. Para ele, esse reflexo é acompanhado
do prazer do contato da sua mucosa bucal com o seio materno, e isso era óbvio porque se
fosse uma experiência desagradável, o reflexo não se fixaria. Diz ele:
Vendo uma criança que tenha saciado seu apetite e que se retira do peito da mãe com
as bochechas ruborizadas e um sorriso de bem-aventurança, para cair em seguida em
um sono profundo, temos que reconhecer neste quadro o modelo e a expressão da
satisfação sexual que o sujeito conhecerá mais tarde. (FREUD, 1973, p. 1200)
Com o tempo, a criança passa a perceber que o contato da boca com o seu próprio dedo
também lhe dá prazer. Nesse caso, trata-se não mais de uma necessidade biológica, mas
somente de prazer. Esse tipo de prazer pelo prazer Freud chamou erotismo, e o considerou
como o primeiro indicativo de sexualidade a aparecer em uma pessoa.
É possível perceber, então, que o conceito de sexualidade de Freud era muito mais amplo
do que o vigente na época. Ele a definia muito mais pelo prazer do que pela necessidade
de reprodução, conforme o que vimos anteriormente. Nessa perspectiva, é compreensível
que tinha descrito a sexualidade do recém-nascido. Porém, não podemos confundir essa
compreensão da sexualidade com genitalidade, que é, a busca do contato genital, que vai se
desenvolver na vida adulta.
Outro conceito que Freud desenvolve com relação à sexualidade é o de libido, palavra
que deriva do latim e significa desejo, anseio. Refere-se, segundo a Psicanálise, à “energia”
que move os impulsos da vida, dentre os quais o mais importante é o impulso sexual. A
libido pode ser aumentada, diminuída e tem como característica importante a mobilidade,
localizando-se em várias partes do corpo alternadamente.
Após fase que Freud chama de latência, que vai dos 6 aos 11 anos, caracterizada
por uma relativa inatividade do impulso sexual, inicia-se, na adolescência, a fase genital.
Concomitante com a maturação biológica, ocorre a partir daí a retomada do impulso
sexual, que, com a busca do objeto de amor fora do grupo familiar, o indivíduo assume as
características da sexualidade adulta.
A moral sexual
S
e a sexualidade é um aspecto inerente ao ser humano, por que é tão complicado
conversar sobre sexo? Por mais que se pressuponha que essas discussões devam
começar no âmbito familiar, na família esse é um assunto sobre o qual não se
conversa. E na escola, que deveria ser o espaço para uma discussão mais qualificada,
o debate sobre sexo estaria acontecendo? Recentemente, os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental estabeleceram a Orientação Sexual como um dos
temas transversais, mesmo assim as escolas parecem relutar em incluí-la como uma das
suas preocupações pedagógicas. Os professores ainda acham o assunto incômodo ou se
sentem sem preparo para abordá-lo.
Vamos analisar essa questão por dois ângulos: pela História e pela Psicanálise.
Na Idade Média, a Igreja consolida seu poder com tal intensidade que a teologia
se equipara à lei civil. Nessa época, aparecem os famosos cinturões de castidade e
a Igreja declara que o instinto sexual é algo demoníaco, gerando várias situações de
julgamento pela Santa Inquisição.
Durante os séculos XVIII e XIX, determinadas condutas sexuais como, por exemplo,
a masturbação, eram consideradas inapropriadas e causadoras de enfermidades como a
epilepsia. Por volta de 1880, o psiquiatra alemão Kraft-Ebing (1840-1902) publica o primeiro
livro sobre sexualidade – Psychopatias Sexualis – no qual rotula como patológicos os
comportamentos sexuais que não tivessem finalidade reprodutiva, considerando-os como
“anormalidades sexuais”. Nessa época, o pensamento religioso dava grande importância à
família e entendia o sexo como uma infeliz necessidade e não como algo que proporcionasse
prazer. Então, a partir do pensamento médico e da religião, surgem mitos como o de que
Dessa forma, não é de se estranhar que as idéias de Freud causassem tanto impacto na
sociedade da época, com seu conceito de sexualidade infantil e de libido. Para a Psicanálise,
a energia sexual é a energia que utilizamos para todas as nossas atividades: trabalho,
diversão, relacionamento com as pessoas, produção de conhecimento, enfim, é a energia
responsável pelo que conhecemos como civilização. No entanto, para que a civilização se
concretize é necessário que a energia sexual seja deslocada para outros fins que não o
estritamente sexual. Isso é feito através da criação de normas e proibições, como o casamento
monogâmico, a restrição na escolha dos parceiros, as restrições sexuais às crianças. Para
Freud, o homem, para garantir o processo de civilização, abriu mão do prazer pela segurança.
Esse mecanismo de desvio da energia sexual para fins não sexuais e socialmente aceitáveis
é chamado de sublimação. A sublimação, pois, é um mecanismo útil na medida em que nos
permite conviver em sociedade, mas, por outro lado, ao reprimir a libido, torna a questão da
sexualidade uma questão difícil de se lidar livremente.
A importância do tema
sexualidade na Educação
Q
uando assistimos às novelas e a outros programas de televisão exibindo cenas
que mostram uma possível “excessiva permissividade” sexual, podemos imaginar
que as idéias de Freud e Marcuse estão superadas. Mas, haverá mesmo maior
liberdade sexual nos dias de hoje? Para o filósofo francês Michel Foucault (1984), o que
ocorre hoje é muito mais um discurso sobre a sexualidade do que uma nova moral sexual;
é um discurso permitido, uma outra forma de poder. O que se tem é uma fala sobre a
sexualidade, mas ela continua tão reprimida quanto antes, tão conservadora quanto no
século XIX. E a prova disso são reportagens também mostradas pela televisão, como
as cenas de agressão a mulheres. O “ficar” dos jovens, antes de revolução sexual, é
“a possibilidade de uma sexualidade que corresponda aos nossos desejos [...] dependerá
de uma luta que o jovem deve enfrentar por uma nova moral sexual, que supere o poder
castrador e passe para uma fase de encontro entre o prazer e a responsabilidade”
(BOCK, 1999, p. 239).
Para nós, educadores, resta-nos a tarefa de enfrentar junto com os jovens o desafio
de estimular a discussão, superando o discurso permitido e trazendo para análise as causas
determinantes do modelo de sexualidade que temos. Na atualidade, dois temas ligados à
questão sexual surgem como fundamentais: o aparecimento da AIDS e a gravidez precoce.
Ambas as situações são indicativos daquela permissividade oficial que, se por um lado
admite a liberdade sexual, por outro não fornece as informações básicas necessárias nem
estimula o diálogo franco e aberto com os jovens.
n ter o mais alto nível de saúde sexual, incluindo o acesso aos serviços de saúde
reprodutiva e sexual;
n escolher os parceiros;
Autoavaliação
Diferencie os conceitos de sexo e sexualidade.
1
Descreva sumariamente as fases do desenvolvimento da sexualidade segundo
2 Freud.
O que é libido?
3
Por que se diz que a teoria da sexualidade de Freud causou impacto na sociedade?
4
Qual o papel da sublimação no processo civilizatório, segundo Freud?
5
FREUD, S. Tres ensayos para uma teoria sexual. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 1973.
Tomo II. (Obras completas).
______. El mal estar de la cultura. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 1973. Tomo III.
(Obras completas).
Aula
14
Apresentação
O
uso de drogas é outro tema multidisciplinar para o qual a Psicologia pode contribuir
com uma leitura particular do problema. Nesta aula, vamos entender alguns dos
conceitos associados a esse tema e conhecer como as drogas chamadas psicoativas
atuam nos indivíduos. Vamos também analisar alguns fatores de risco para a juventude e
quais os modelos de prevenção que podem ser utilizados.
Objetivos
A
utilização de substâncias psicoativas é um fenômeno antigo na história da humanidade.
O uso em rituais culturais e religiosos sempre foi tolerado. Nas últimas décadas,
entretanto, em razão do aumento significativo do uso de drogas lícitas e ilícitas fora
desses rituais, transformou-se em um verdadeiro problema de saúde pública, criando a
necessidade de estudos epidemiológicos que subsidiassem o estabelecimento de políticas de
prevenção. Em 2004, o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID)
fez um extenso levantamento entre estudantes de escolas públicas do Ensino Fundamental e
Médio das 27 capitais brasileiras e observou que, de um total de mais de 48.000 estudantes,
cerca de 23% dos meninos e 21% das meninas já haviam utilizado algum tipo de droga
(excetuando-se álcool e tabaco) em algum momento de suas vidas, sendo que, destes, 12,7%
estavam na faixa etária de 10 a 12 anos de idade. Esses são, de fato, números preocupantes.
Sabemos que a palavra droga significa medicamento, ou seja, substância que quando
utilizada provoca modificações no comportamento ou na fisiologia do corpo. Psicotrópico
No citado estudo feito pelo CEBRID em 2004, as substâncias mais utilizadas pelos
estudantes foram, pela ordem, os solventes (15,5%), a maconha (5,9%) e os ansiolíticos
(4,1%). No entanto, quando se inclui o álcool, vamos observar taxas de 65%, um indicativo
de que essa é a droga mais preocupante, sobretudo porque, apesar de provocar evidentes
modificações no comportamento, ela é uma substância lícita, ou seja, tem o seu consumo
admitido e até estimulado pela sociedade. Apesar de sua ampla aceitação, o álcool pode
provocar o alcoolismo, principal causa de internação em hospitais psiquiátricos no Brasil.
À medida que a pessoa vai consumindo drogas, o seu organismo começa a sofrer
modificações que podem fazer com que ela tenha necessidade de voltar a consumi-
las. Antigamente, o termo para isso era vício, sendo tachado de viciado aquele que não
conseguia deixar de utilizar uma determinada droga. Aquele que usava, mas conseguia
deixar, tinha apenas um hábito. Hábito e vício eram dois termos usados para designar o grau
de envolvimento do indivíduo com a droga.
Atualmente, entende-se que em qualquer uma das duas circunstâncias o indivíduo tem
um transtorno de dependência. A dependência é o impulso que leva a pessoa a usar uma
droga, mesmo tendo, com esse uso, problemas fisiológicos, comportamentais ou cognitivos
significativos. A dependência pode ser psicológica, quando a interrupção da droga resulta
em problemas fisiológicos, como mal-estar e ansiedade, ou cognitivos, como dificuldades de
concentração; e física, quando a interrupção da droga resulta em síndrome de abstinência.
Atividade 2
Depois de conhecer esses conceitos, tente agora identificar na caracterização
que você fez na atividade 1 se se trata de situação de dependência – psicológica
ou física –, de tolerância ou de síndrome de abstinência.
N
a aula 5 (A psicologia da adolescência), discutimos a adolescência e vimos como se
trata de uma fase muito especial na vida dos indivíduos, sobretudo por ser uma fase de
fragilidades emocionais, de busca de identificações, de experimentação da vida adulta e da
tentativa de firmar a própria identidade. Por tudo isso, é um momento de grande vulnerabilidade,
o que expõe o adolescente a maiores riscos ao entrar em contato com as drogas.
Por outro lado, a dimensão que hoje atinge o consumo de drogas, não só nos grandes
centros urbanos, mas também nas cidades de pequeno e médio porte, faz com que as
famílias se sintam inseguras e impotentes diante da possibilidade de seus jovens vivenciarem
tal situação. Sabemos que o comportamento individual e a formação do juízo moral são
moldados por meio dos valores sociais, transmitidos principalmente pela família e pela
escola. Assim, o papel dessas duas instâncias socializadoras é fundamental na prevenção e
na atuação concreta, sobretudo em situações de risco.
A análise dos sentimentos dos pais possibilita uma reflexão do paradoxo sobre drogas
existente na nossa sociedade em relação às drogas. Por um lado, através dos meios de
comunicação e em reuniões sociais, o uso de bebidas alcoólicas é apresentado como
símbolo de sucesso, prazer ou como uma ferramenta útil no enfrentamento de problemas
ou para redução da ansiedade. De outro lado, há uma condenação ou “demonização”
do uso das drogas ilícitas, às quais só são atribuídos efeitos prejudiciais, como se fosse
a legalidade que determinasse a periculosidade do uso. (SILVA et al, 2006, p. 8).
Figura 3 – A indiferença familiar diante do uso de drogas lícitas pode prejudicar o jovem.
De um modo geral, pode-se dizer que o que leva os jovens a usarem drogas é um
conjunto de fatores denominados “fatores de risco”. A combinação destes ou a junção de
alguns torna uma pessoa mais ou menos propensa a esse uso.
Quem se encontra em
situação de risco?
São considerados fatores de risco para o uso de drogas algumas características ou
atributos de um indivíduo, grupo ou ambiente de convívio social que contribuem, em maior
ou menor grau, para aumentar a probabilidade desse uso.
Conceição e Sudbrack (2004) fizeram uma síntese sobre tais fatores a partir do que
denominaram áreas da vida ou, como afirmam as autoras, “domínios da vida”, que seriam:
o domínio individual, o domínio de pares, o domínio familiar, o domínio comunitário e o
domínio escolar. Elas identificam que não há um único fator de risco determinante para o
uso de drogas e que cada um desses domínios comporta fatores de risco e de proteção.
Vejamos quais são eles.
2) Domínio dos pares – diz respeito aos amigos e pessoas de convívio mais próximo. Aqui,
temos:
Pares que usam drogas ou aprovam e/ou valorizam Pares que não usam drogas e não aprovam ou não
seu uso valorizam seu uso
Dificuldade de participação em grupos que
Participação junto com seu grupo em atividades
desenvolvem atividades recreativas, esportivas e
recreativas, esportivas ou laborais saudáveis
laborais tidas como saudáveis
Dificuldade em aceitar autoridade que não compartilhe Aceitação de autoridade vinda de fora do grupo de
de determinações de seu grupo pares, na escola, na comunidade, na família
Expectativas negativas em relação aos filhos Expectativas positivas em relação aos filhos
Fácil acesso às drogas lícitas e ilícitas Controle efetivo do comércio de drogas legais e ilegais
Ausência de expectativas positivas em relação ao Verbalização das expectativas positivas com relação
desempenho dos alunos ao desempenho dos alunos
Como podemos ver, o problema não é simples nem pode ser encarado com valorações
moralistas. Qualquer atuação que vise enfrentar o problema das drogas precisa estar atenta
para evitar posturas que induzam à estigmatização e à marginalização.
5) Não usar da culpa como arma para convencimento - isso pode até funcionar durante um
período, mas não se sustenta. Aliás, fuja do mecanismo da culpa, no qual se estabelece
uma troca de acusações para se determinar o mais culpado e o mais atingido: o problema
continua sem solução.
6) Jamais esquecer que se trata de uma dificuldade e não um defeito. Lembrar, que,
para lidar com dificuldades como essa existem equipes de educadores, psicólogos,
enfermeiros, assistentes sociais, médicos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais etc. Não
tente resolver tudo sozinho. Procure ajuda - todo cidadão tem direito de ser assistido em
caso de doenças biológicas, psíquicas etc. (CONCEIÇÃO; SUDBRACK, 2004, p. 5).
Atividade 3
Agora que vimos os aspectos envolvidos na busca da droga por parte dos
adolescentes, vamos fazer um exercício reflexivo acerca dos pontos que
elencaríamos para compor uma proposta de programa de prevenção às drogas
em uma escola. Descreva-os a seguir.
Autoavaliação
Que são substâncias psicotrópicas?
1
GRYNBERG, Halina; KALINA, Eduardo. Aos pais de adolescentes: viver sem drogas. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, 1999.
SILVA, Eroy Aparecida da et al. Drogas en la adolescencia: temores y reacciones de los padres.
Psicol. teor. prat., São Paulo, v. 8, n.1, p.41-54, 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.
org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872006000100004&lng=es&nrm=iso>.
Acesso em: 09 ago. 2007.
Aula
15
Apresentação
O
s meios de comunicação de massa estão cada vez mais presentes na nossa vida
cotidiana. Com a melhoria das condições de vida dos brasileiros, a televisão, por
exemplo, está praticamente em todas as casas e, muitas vezes, ligada a maior parte do
dia. Nesse contexto, algumas questões como: de que forma esses meios interferem em nossos
comportamentos e por que nos deixamos influenciar por eles serão que discutidas nesta aula.
Objetivos
Conhecer a evolução dos meios de comunicação e sua
1 influência na cultura.
N
o final dos anos 60 do século XX, o filósofo canadense Marshall McLuhan (1911-
1980) lançou um livro chamado A galáxia de Gutemberg, do qual uma ideia ficou
famosa até hoje: a ideia de que o mundo estava se transformando em uma aldeia
global. Para McLuhan (1977), o progresso tecnológico estava reduzindo o planeta a uma
situação semelhante ao que ocorre em uma aldeia, onde qualquer pessoa pode se comunicar
com outra diretamente e as mensagens são passadas quase instantaneamente. O modelo
de progresso tecnológico era a televisão que, naquela época, começava a se interligar por
satélite e fazer transmissões simultâneas para todo o mundo.
As ideias de McLuhan ajudaram a trazer para a ordem do dia a discussão sobre os meios
de comunicação e sua interferência na vida das pessoas. Para ele, a análise da evolução
midiática mostra como ela foi determinante na transformação das culturas. Nesse sentido,
afirma que é possível distinguir três culturas nessa evolução:
1. a cultura oral – própria das sociedades não alfabetizadas, utiliza a palavra falada como o
principal meio de comunicação. Nesta cultura, o homem estaria mais próximo das coisas
e, pela riqueza das modulações da palavra oral, conseguiria transmitir e receber as sutis
variações dos estados afetivos dos envolvidos na comunicação. A experiência seria rica e
variada, suscitando a criatividade de quem fala e de quem ouve, deixando o ouvinte livre
para imaginar ao seu modo a realidade e os acontecimentos. A cultura oral – por implicar
um falante e um ouvinte – também estimula a proximidade entre as pessoas, favorecendo
o estabelecimento de fortes vínculos grupais. Essa cultura ainda persiste entre nós na
figura dos contadores de histórias. Aqueles dentre nós que não são tão jovens devem
recordar as histórias contadas pelas nossas avós, nos fazendo “viajar” na imaginação;
Outro autor que também estuda a interferência dos meios nos comportamentos
humanos é Manuel Castells (1999). Em sua obra A Era da Informação: Economia, Sociedade
e Cultura, identifica o surgimento de uma nova estrutura social – a sociedade em rede – como
fato, sobretudo, da revolução da informática. De certa forma, essa nova sociedade já havia
sido antecipada por McLuhan, quando distinguiu a cultura eletrônica. No entanto, a análise
de Castells observa dois outros fenômenos que surgem concomitantemente à sociedade em
rede e que vão atuar em conjunto, fortalecendo as características da nova estrutura social: a
economia globalizada e a cultura da virtualidade do real.
Essa nova cultura foi chamada por Pierre Levy (1999) de “cibercultura”, definindo-a
como o conjunto de atitudes, valores, práticas e modos de pensamento que se desenvolve com
o novo meio de comunicação surgido a partir da interconexão mundial dos computadores. É
a internet – ou “ciberespaço” – que favorece o surgimento da “cibercultura”.
Assim, as novas tecnologias de informação e comunicação fizeram surgir uma nova forma
de difusão da informação, novas formas de relações sociais e práticas comunicacionais entre
as pessoas, uma nova ética e até mesmo uma nova forma de arte. No entanto, essas novas
subjetividades ainda convivem com as anteriores. Sabemos que a exclusão digital é uma
realidade presente em países como o nosso, sobretudo, em regiões menos desenvolvidas
economicamente. Nessas regiões, ainda estamos na cultura eletrônica da televisão, do
rádio e, em menor escala, da imprensa. É, portanto, mais especificamente nesses meios de
comunicação de massa que vamos focalizar a nossa discussão.
O
s meios de comunicação de massa, também chamados mídia (em referência ao
termo inglês mass media), ou meios de massa, têm ganhado nos últimos tempos uma
importância enorme, ao ponto de ser chamado de “quarto poder”. E são chamados
assim pela sua grande influência na formação da opinião das pessoas, na aquisição de atitudes
e comportamentos, sobretudo devido à penetração, particularmente, da televisão em todas
as regiões do nosso país. Exemplos disso não faltam: as novelas moldam a maneira das
pessoas se vestirem; programas como o Big Brother são temas de conversas e discussões
sobre o comportamento de seus participantes; as notícias divulgadas nos telejornais passam
a ter força de verdade absoluta. Podemos considerar que adquirimos a cultura de nosso
grupo social também por esses meios. Eles são veículos de informação e de valores que
nos constituem como sujeitos em nossa sociedade. Assim, podemos dizer que a mídia tem
grande importância na construção da subjetividade das pessoas e por isso uma importante
discussão que se coloca hoje em dia é a questão da ética nos meios de comunicação.
Você considera que essa influência da mídia tem efeito positivo ou negativo na
formação da consciência das pessoas? Por quê?
A imprensa hoje, mais do que em qualquer época, está sendo pautada pelas informações
em off vazadas e pelas declarações em off. Informações que visam apenas denegrir a imagem de
outros políticos são publicadas baseadas em declarações cuja veracidade não é verificada
Termo que faz parte
do jargão jornalístico, pelosjornalistas. É o jornalismo baseado no denuncismo, que só se explica pela guerra em
significa informações busca da audiência, por quantas primeiras capas as revistas conseguirem publicar. Sobram
não gravadas, ou seja,
acusações, mas faltam investigações e análises isentas das denúncias.
sua fonte não pode ser
divulgada.
Compreender os fatores que determinam a existência de uma mídia não isenta, atrelada
aos interesses dos seus proprietários é fundamental para que se faça uma leitura crítica do
conteúdo divulgado e que seja possível ter informação que nos constitua como verdadeiros
cidadãos. Por outro lado, sabemos que uma mentira repetida por muito tempo não se torna
verdade. Atribui-se a Abraham Lincoln a frase: “É possível enganar todas as pessoas por
algum tempo, ou enganar algumas pessoas por todo o tempo, mas não é possível enganar a
todas as pessoas por todo o tempo”. De uma maneira geral, as pessoas sabem que, quando
se trata de tema polêmico, elas não devem acreditar integralmente na notícia veiculada
pelos meios de comunicação.
O trabalho de Lins e Silva (apud BOCK, 1999) sobre a audiência do Jornal Nacional, da
Rede Globo, entre trabalhadores paulistas, reforça essa afirmação. Na época em que a pesquisa
foi feita (anos 1980), havia o mito de que a grande audiência desse telejornal dava às noticias que
ele veiculava a força da verdade, ao ponto de nenhuma outra emissora contestar as informações.
O estudo, no entanto, mostrou que os trabalhadores, o assistirem o noticiário sobre greves,
faziam uma releitura da informação e a reconstruíam de acordo com a visão sindical da cultura
operária. Eles tinham fontes alternativas de informação para avaliarem o material veiculado pela
televisão, que era a imprensa sindical, e, sobretudo, as suas próprias vivências.
a) Observações
b) Conclusões
N
o campo da comunicação, a publicidade vem cada vez mais desempenhando papel
fundamental. Para vender um produto, ela se utiliza de um mecanismo psicológico
chamado persuasão, que é o mecanismo de convencimento utilizado por uma pessoa
sobre outra, de modo a induzi-la a tomar determinadas atitudes. Inúmeros exemplos poderiam ser
citados. Observe um comercial de alguma marca de margarina: a representação é de um mundo
perfeito, com uma família harmoniosa, filhos encantadores e a mulher no seu papel de dona
de casa feliz. De uma maneira sutil, somos convencidos de que aquele produto nos propiciará
aquele ambiente. Neste instante, temos a nossa subjetividade capturada pela propaganda de
uma maneira tal que se torna difícil impormos alguma resistência: fomos persuadidos.
Atividade 3
Vamos prestar atenção aos intervalos comerciais. Observe as propagandas
veiculadas. Se possível, observe-as em diferentes momentos do dia. Escolha
uma delas, analise que tipo de persuasão está implícito na mensagem e anote
suas observações a seguir.
Você já deve ter observado exemplos de propagandas do tipo: uma marca de carro cuja
sua imagem é associada à de um jovem aventureiro, criando a ideia de que quem compra
aquele carro viverá as mesmas aventuras; um determinado xampu associado a lindas
mulheres; um banco que substitui o seu nome pelo do cliente, tentando criar a imagem de
um banco pessoal. A mensagem é subliminar e funciona porque, por um lado, é repetida
várias vezes e, por outro, atinge o nosso subconsciente.
Funciona mais ou menos assim: no nosso cotidiano, temos que enfrentar a rotina da nossa
vida, que nos exige atitudes, comportamentos, nos faz seguir regras e normas, tornando-a,
a maior parte do tempo, uma “vida sem graça”. Essa rotina é suportada porque temos,
no nosso psiquismo, mecanismos de defesa contra frustrações e que nos preparam para
suportar as restrições sociais, criando em nós um padrão de comportamento conformista. A
propaganda nos desperta desse conformismo, acenando com objetos de desejo imaginários,
que estavam “recolhidos” no nosso subconsciente, e os associa aos produtos anunciados.
Assim, criamos em nós, inconscientemente, a ideia de que se comprarmos o produto, nossos
desejos se realizarão e sairemos da mesmice cotidiana. Voltamos a afirmar que todo esse
processo não ocorre de forma consciente, ou seja, não nos damos conta de que estamos
comprando o produto por esses motivos, pois mesmo se formos questionados em relação
à compra, daremos todos os argumentos racionais possíveis.
Como vimos, a propaganda nos atinge por meio nossas funções cognitivas, como também
por nossas funções afetivas, usando argumentos racionais ou emocionais, respectivamente.
No entanto, existe um tipo particular de propaganda que nos envolve pelo aspecto cognitivo,
propaganda mas tem o objetivo de mudar nossas crenças e valores: é a propaganda ideológica. Ela
ideológica tem a função de mudar as ideias e convicções dos indivíduos e, com isso, orientar seu
Chauí (1984, p.92-3) comportamento social. Quando uma pessoa é impedida de se orientar segundo suas crenças,
salienta que “a ideologia ou faz resistência a essa mudança e tenta evitar as situações de controle, ou muda seu modo de
é o processo pelo qual
pensar. A propaganda ideológica aposta nessa segunda possibilidade e para isso muitas vezes
as ideias da classe
dominante se tornam manipula a informação ou não a divulga de maneira clara e objetiva, passando, no entanto,
ideias de todas as classes a impressão de que está sendo o mais imparcial possível. Há um exemplo histórico desse
sociais, se tornam ideias
tipo de propaganda: aquela criada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, que difundia a
dominantes”.
supremacia da raça ariana e a caracterização do povo judeu como raça inferior.
P
ara o pedagogo brasileiro Paulo Freire (2005), a Educação ocorre quando permite
ao sujeito transitar de uma consciência ingênua para uma consciência crítica. O
professor tem papel fundamental nesse processo, quando, através do diálogo, ajuda
a desvelar as verdadeiras causas da opressão. Como vimos, os meios de comunicação de
massa podem atuar como veículos de propaganda ideológica, portanto, o professor tem um
papel a desempenhar, ajudando os alunos a desenvolverem uma leitura crítica.
Um dos estudiosos dos meios de comunicação e sua relação com a escola, Juan Manoel
Moran (1994), relata como é complexo analisar os meios de comunicação, uma vez que
para a maioria das pessoas eles representam a modernidade, a novidade, o fascínio, o lazer,
ou seja, apresentam uma dimensão positiva e representam um modo de vida desejável. Em
consequência disso, propor uma leitura crítica pode gerar resistência. Para ele, então, é preciso
“problematizar o que não é visto como problema e desideologizar o que só é visto como
ideologia” (MORAN, 1994, p. 16). É preciso, assim, educar para a comunicação porque essa
formação ajuda a “compreender as novas codificações, as sutilezas da imagem, da música, da
articulação entre o verbal, o visual, o escrito, permite entender [...] as articulações comerciais,
empresariais, financeiras e políticas do complexo de comunicação” (MORAN, 1994, p. 16).
Resumo
Nesta última aula da nossa disciplina, discutimos o papel da mídia na formação
das culturas. Vimos como as informações podem ser manipuladas para atender
os interesses patronais. Analisamos o papel da propaganda na manipulação de
nossas subjetividades e, por último, buscamos entender a importância do papel do
educador enquanto facilitador de uma leitura crítica dos meios de comunicação.
Referências
BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias. São Paulo: Saraiva, 1999.
CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1984.