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possivel a parte viva dela e gastar um mfnimo de tempo com itens ‘obsoletos. A poesia € uma farnilia dispersa de néufragos bracejando no tempo e no espago. Tento reunir aqui alguns dos seus raros sobreviven- tes, dos que me falam mais de perto: 6s que lutaram sob uma bandeira cum lema radicais — a invengdo e o rigor. Os intraduzidos e 0s intraduziveis. Os que alargaram 0 verso eo fizeram eontroverso, para chegar 20 reverso. Se disserem que isso no tem nada com o presente, direi que € nientira, Ezra Pound aprendeu muito com muitos deles, E quem no aprendeu com EP merece mais a nossa piedade que a nossa repro- vagio, como disse Hemingway. Os concretos aprenderam muito com essa gente. Os futurocratas passadéfobos, que dividem a historia em antes € depois de si préprios, nto passam de mediocres narcisistas que Ji vio ser enterrados no préximo passado do futuro. A poesia, por definigdo, no tem patria. Ou melhor, tem uma patria maior. “Um Oriente ao oriente do oriente.”” Mas se disserem que tudo isso nao tem nada a ver com “as nossas raizes”, € outra mentira. Um dia, um dedo, um dado dizem 0 contrério. £ isso. Ovo novo no velho. “Fuio outrora agora.” AUGUSTO DE CAMPOS Cam Pos, Hagar de Vewso, exreiso, enbaoverse. Sée Faulo Edulera Fe va, 1988. PRESENGA DE PROVENGA 1. Introdugao © redescobrimento da poesia provengal, a consciéncia da sua modernidade, a sua incorporago, em suma, a0 acervo da “coisa viva” em matéria lteréria, so fatos novos no campo da poesia. E claro que Provenga sempre existiu para os provencalistas, como © pterodéctilo para os paieontélogos, mas a sua projer30 no mundo efetivo e auante da criagdo é outra coisa. S6 comesou a existir, propriamente, a partir da primeira década deste século, nos estudos, tradugdes e recriegSes de Ezra Pound, recolhidos em The Spirit of Romance (1910), Make it New (1934), The Translations of Ezra Pound (1953), Literary Essays of Ezra Pound (1954), ¢ nas freqiientes homenagens poéticas que sto tributadas aos trovadores provengais em Personae © nos Cantos, ‘Qualquer estudo da poesia européia serd falho se nlo comecar por um estudo da arte de Provenga”, proclamava Pound em 1913, E se isso € verdadeiro para a poesia européia e passou a sé-lo, depois ¢e EP, até para a poesia norte-americana, quanto mais para a poesia de iingua portuguesa, ela propria possuidora de uma notével tradicdo trovado- resca, descendente da matriz provengal e como esta objeto de similar obscurecimento, Pode parecer estranho que se acene com o olvido propésito dos nossos trovadores, aparentemente nao de todo desconhe- cidos (“Ai flores”, D. Dinis, ete). Mas & que a divulgagao pifia ¢ policiada dos textos trovadorescos, atingindo especialmente a poderosa vertente satirica, ao lado dos poemas mais elaborados formalriente, crion dessa poesia uma imagem pélida e descarnada. Era preciso — € ainda 0 & € sera por muito tempo — tirar-lhe a mascara de santidade, desmistificé-Ia, para retirar-Ihe a fama de jogo cortés ¢ floral, de inconseqdente passatempo palaciano. Pense-se na recente edi¢S0 das Cantigas D’Escarnho e Maldizer (mais de 4001) reveladas por Rodr- gues Lapa, quase todas ignoradas até pelos especialistes em literatura, © ainda sem uma edigao acessivel, E medite-se na amarga experiéncia da Antologia da Poesia Portuguesa Erética e Sattrica de Natélia Correia, submetida em Portugal a processo-crime pelo delito de haver divulgado, entre outros, os poemas escarninhos de Martim Soares, 10 Afonso Eanes de Cotton, Pero da Ponte, Joio Garcia de Guilhade, Pero Garcia, Martin Moxa... Mas o que hé de novo na possia de Provence, a justificar a sua presenga em plena era tecnolégica? Ha, em primeiro lugar, precisa- mente, a tecnologia poética, o trabalho de estruturagdo ¢ de ajuste das pecas do poema, em termos de artesanato, ¢ evidente, mas que assinalam um dos mais altos momentos da poesia no sentido da apropriagdo do instrumento verbal e de sua adequagdo ao dizer pot- tico, $6 isso ja bastaria para justificar a sua revivescéncia. Mas ha muito mais fa rica e diversificada, embora néo numerosa, mina poética provencal (muitos dos seus melhores representantes no deixa- ram mais que algumas dezenas de cangdes: de Guilhem de Peitieu s6 nos restam 11 ¢ de Jaufre Rudel apenas 7 cu 8). ‘Afirmava Eliot, em 1929, acentuando o caréter de auténtica recriagio das verses de poemas chineses ‘eitas por Ezra Pound, que este era "o inventor da poesia chinesa para a nossa época"”'. Nao seré demais concluir, em sentido anélogo, que foi Pound também o “inven tor” da poesia provengal em nossos dias. Em seu livro The Spirit of Romance (1910), princigalmente nos capitulos intitulados “Il Miglior Fabbro” e 'Proenga”, e em ensaios posteriores, como “Troubadours — ‘Their Sorts and Conditions”, publicado pela primeira yea. na Quarterly Review, em 1913, e ‘Arnaut Daniel”, apareeido em Instigations, em 19202, Pound chamou a atengao para a importancia estética da poesia provencal, especialmente enquanto consicerada “uma afte entre a literatura e a mésiea”, e para a versatilidace das obras ¢ das vidas dos trovadores, j6 assinalada nas razos, pequenos relatos critico-biograficos que precediam os poemas nos cancioneiros provengais, nas quais ele entrevia “as sementes da critica fiterdria”, Mas nio fez apenas isso. Verieu ele proprio para a lingua inglesa, com aquela singular habili- dade que o credencia como o maior tradutor-criador contemporaneo, alguns dos mais significativos exemplos da arte do trovar. E, em mais, de uma oportunidade, se encarnow na persona de algum trovador, para recriar a poesia provengal, com inteira liberdade, em linguagem moder na. Gragas a instigagZo de seus trabalhos pioneiros péde-se ver sob novas luzes aquele esquecido periodo literdrio que teve lugar no sul da Franca, entre o final do século XI e o século XIII, e nele discernir varias, linhas de forga que convergem para o Ambito de interesses da poética de hoje. ‘Assim, se a poesia contemporfinea se define essencialmente pela 1. Segundo H.G. Porteus em “Ezra Pound and the Chinese Character: a Radical Examination”, 1980, estudo integramte da coletinea de ensaios An Examination of Exre ‘Pound, organizada por Poter Russel, New Directions, Norfolk, Conn., 1950. 2. Os dos estudos foram reapreseatados em Make it New (Faber & Faber, Yal ‘University Press, 1954) e Literary Essays of Esra Pound. (Faber & aber, 1954). sintese, pela condensaciio (Poesia = Dichten = Condensare, na i6r- mula poundiana)®, nao pode deixar de ser atualissimo o trobar clus, a poesia densa e concisa de um Marcabru ov de um Arnaut Daniel, que neste assume, ademais, 0 cariter de trobar ric, pela complera ela- Doragdo formal. Também a vertente realista, com inicio nas cangbes eréticas de Guilhem de Peitiew — tio distantes da idealizagdo amorosa que se julga caracterizar a poesia provengal — ¢ desenvolvimento na desabusada sétira social de um Matcabru ou de um Peire Cardenal, presenta outra faixa de interesse, sob o Angulo da poesia como participasdo, como visto desmitificadora e desmistificadora dos eoncei- {os ou preconceitos da sociedade medieval, muitos dos quais, lamenta- velmente, ainda em vigor. O propésito desta série de estudos é oferecer um trailler do trovar de Provenca com o exemplo vivo da poesia de alguns dos seus melhores cultores: Guilhem de Peitieu, Marcabru, Arnaut Daniel, Bertran de Born, Bernart de Ventadora, Peire Cardenal. : 2. Amor & Humor nas cancdes de Guilherme IX Guithem de Peitieu, 72 Conde de Poitiers, 9° Duque de Aquité- nia, nasceu em 1071. As 15 anos herdou de seu pai, Guilherme VI, dominios mais extensos que os do préprio Rei de Franga, Mormu em, 1127, excomungado, provavelmente por causa de suas disputas com a Igreja sobre direitos territoriais, ¢ deixando atrés de si uma vasta crbnica de insucessos guerreiros. Avé de Eleonora de Aquitfnia, bisav6 de Ricardo Coragao de Leto, é 0 mais antigo poeta provengal de que se tem noticia, De sua obra, restam apenas 11 poomas, segundo a excelente edigio de Alfred Jeanroy, recentemente.reimpressa. Reza a razo (biogratia) do poeta _“‘Lo coms de Peitieus si fo ung dels majors cortes del mon, e dels majors trichadors de dompnas; ¢ bos cavaliers d'armas, e lates de dompnejar. E saup ben trobar ¢ cantar; et anet lone temps per lo mon per enganar las domnas. Et ac un fill que ac per moiller la duquessa de Normandia, don ac une filla que fo moiller del rei Enric d’Englster maire del rei jove, e d’en Richart, ¢ del comte Jaufre de Bretaingn: (O Conde de Poitiers foi um dos maiores galanteadores do mundo e um dos maiores enganadores de mulheres ¢ bom cavaleiro de armas © magnifico na arte de cortejar. E soube trovar e cantar bem e andou muito tempo pelo mundo a enganar as mulheres. E teve um fill que ‘eve por mulher a Duquesa de Normandia, da qual teve uma filha que 3, Tal como o verbo dichten, em slemto, epresenta dois nivis sematices (potar ce condensar), também o verbo provenraltrobar, com que se exprimi 0 poctat de 6pocs, odin signifiar ainda a alo de inventar. Condensagao einvenglo, hoje em da, mais do ‘que nonce, so atributos essencals da poesia, 4, Les Chansons de Guillaume IX. Pars, eitadas por Alfred Yeantoy, Libraire Honoré Chempian, 1964, pag. 1% 2 foi mulher do Rei Henrique da Inglaterra, e mie do Rei Jovem, e de Sire Ricardo, e do Conde Jaufre da Bretanita). Guilherme IX gabavarse de set maiesire certa, mestre infalivel na arte de conquistar o belo sexo: assim o diz uma de suas mais ousadas cangdes que traduzi sob o titulo de (Mallarmé me perdoe a irreve réncial) "O lance de dados”, e onde o poeta joga com o duplo sentido da palavra taulier (tabuleiro de damas ou de xadrez ¢ também avental, como o francés rablier) ¢ outras ambigiidades para proclamar sua destreza no jogo amoroso. Em outra'de svas cangées eréticas — que denominei de “O teste do gato” — o “fatuus et Iubricus” Guilherme narra, com delicioso humor, uma incrivel peripécia amorosa de que participam 0 poeta (fingindo-se de mudo), duas mulheres ¢ um gato bravo, e cujas linhas mais atrevidas, assinalando um fantastico recorde de virilidade que faria inveja ao “‘surmile de Alfred Jarry, aparece citadas, como imagem da prépria fertilidads humana, num dos primei ros “Cantos” — o den. 6 — de Ezra Pound, que incorpora, ademais, um fragmento da biografia do trovador: What you have done, Odysseus, We know what you have done... And that Guillaume sold out his ground ‘rents (Seventh of Poitiers, Ninth of Aquitain). “Tant las fotei com auzirets "Con e quatre vingt et veit vetz... The stone is alive in my hand, the crops will be thick in my death-year. Till Louis is wed with Eleanor And had (He, Guillawme) a son that had to wife The Duchess of Normandia whose daughter Was wife to King Henry e maire del ret jove... O que fizeste, Odisseu, Sabemos 0 que fizeste... E que Guillaume liquidou as rendas de suas terras (Sétimo de Poitiers, Nono de Aquiténia) “"Tant las fotei com auzirets “Cen e quatre vingt et veit vetz...” A pedra 6 viva em minha mao. Fartas colheitas no ano de minha morte... Até que Louis desposou Eleonora E teve (Ele, Guillaume) um filho que despesou ‘A Duguesa de Normandia cuja filha Foi mulher do rei Henrique ¢ maire del rei ove. 5, Teadugto conjunta de A. eH. de Campos e D. Pignatai, dos Cantares de Bura Pound, Rio de Janeiro, ed. do Servigo de Documentasto do Ministrio de Edueasko Cultura, 1960. Alfred Jeanroy omitiu, em sua edigdo bilingtie, a traducio de varias estrofes daqueles dois poemas (a tiltima ¢ mais a “coda” do “Teste do Gato” ¢ as trés derradeiras do ‘Lance de Dados”), além de uma cangio inteira, dando apenas 0 seu texto original. O que ievou André Berry a indager, entte surpreso e decepcionado: “Mais, quel excés de vertu a empéché notre cher professeur de traduire tous les passagens réslistes?’”*Ao contrério do que supunha o douto provenca- lista, quando afirmava, a guisa de justificativa, no prefcio & segunda edigdo das Chansons (datado de 1926): “‘on comprendra aisément pourquoi je n'ai pas (raduit certains passages”, & dificitmente com- preensivel, e chega a ser deplorivel, essa manifestagio de prudéncia t2o sensitiva ¢ 80 pouco sensivel, ainda mais em matéria erudita e espe- cializada, ‘A equagio verbal com que Oswald de Andrade armou um dos ais curtos, seno 0 mais curto poema que se conhece — amor (titulo), ‘humor (poema) — bem poderia definir 0 tonus da mais representativa poesia de Guilherme IX, “esse Villon coroado”, como o chamou André Berry. Mas Guilherme é capaz também do refinamento cort®8, de fazer verses sobre o puro nada (""Farai un vers de dreyt nien:”) e de cantar até, como Jaufre Rudel, ses vezer, a mulher desconhecida: “Amigu'ai feu, no sai qui s’es, / Qu’an non 1a vi, si m'ajut fes;” (Tenho uma ‘amiga, ndo sei quem €, /Pois nunca a vi, por minha f&;"); "... Ane non la vi et am la fort, / Ane no n’aic dreyt ni no'm fes torts” (""Mesmo sem ver, amo demais / Quem nfo me fez nem bem’ mem mal Porém, como anota Jeanroy, “Guilherme jamais se apresenta como indigno da mulher amada e’nto se derrama nunca em protesos de hhumilhago. Nao somente o amor néo assume cardter plat6nico, mas @ expresso do desejo sensual reveste formas muito russ, por vezes guase bratais”, Guilherme IX 6 0 inaugurador da linha realista na poesia trova- doresca, onde vio entroncar as “Cantigas d'escarnho e de mal dizer” dos cancioneiros galego-portugueses dos séculos XIII e XIV, recém- -exumadas do esquecimento por Rodrigues Lapa. A partir dessa poesia cortés do amor descortés pode-se rastrear toda uma grande tradigao cuidadosamente amordagada ¢ amortecida pelos rituais do bom tom litesario, e que cumpre recuperar para a satide ¢ a vitalidade das artes. De Guilherme IX aos “'poetss malditos” do mal dizer. Destes — para ficarmos por ora em lingua portuguesa. — a Greg6rio de Matos. De Gregério a Oswald. Amor e frumor?. 6, Andcé Berry. Horitége des Troubadour Pars, Firmin-Didot, 1930, 17. Nota para esta edigdo: Em 1969, surpreendentemente, apareceu a primeira ‘edigto completa, inexpurgads, das potas de Gregério de Matos. James Amado ler pelo srande balano o que Rodrigues Lapa fizera pelos trovadores do mal dizer. E Osvald j& ‘ihe e ern vinda, Oswaldo. 8 4 GUILHEM DE PEITIEU (1071-1127) VERS En Alvernhe, part Lemozi, ‘Men aniey tote sols a tapi: Trobei fa moller d’en Guati E d’en Bernart; Saluderon mi simplemente Par sant Launart. La una'm diz en son latin: “E Dieus vos saif, don pelerin; Mout mi semblatz de bel aizin, ‘Mon escient: ‘Mas trop vezem anar pel mon De folla gent”. Ar auzires qu'ai respondut; ‘Ane no fi diz ni bat ni but, Ni fer ni fust no af mentaugut, ‘Mas sof sitar “Baberiol, babariol, Babarian”. So diz n’Agnes a n'Ermessen: “Trobat avem que anam queren. Sor, per amor Deu, Valberguem, Que ben es mutz, E ja per lui nostre conselh ‘Non er soubutz”. GUILHEM DE PEITIEU (1071-1127) 0 TESTE DO GATO Em Auverne, apés Lemosi, Eu andava 86, quando vi Duas mulheres, a de Guari Ea de Bernardo; Saudaram-me gentilmente Por So Leonardo. E uma me disse om sou latin: “Deus vos salve, dom peregrino; Pateceis ser um moso fino E educado; Mas a aparéncia engana, hé tolos Por todo lado”, Sabeis 0 que Ihe respondi? Eu ndo disse nem 6a nem bi, Nem pau nem pao. $6 devoivi Alto bom som: “Babariol, babariol, Babarion”. “Disse Agnes para Ermessén: “ir, esta & 0 que nos convém. Pelo amor de Deus, 0 detém. © homem @ mudo. Estamos garantidas. Ele Calaré tudo”. 6 La una'm pres sotz son mantel, Menet m’en sa cambra; al fornel. Sapchatz qu’a mi fo bon e bel, E1 focs fo bos, Et eu calfei me volenters ‘Als gros carbos. A manjar mi deron capos, E sapchatz ac i mais de dos, E no’i ac cog ni cogastros, ‘Mas sol nos tres, E/ pans fo blancs e't vins fo bos Ei pebr’ ospes. “Sor, aquest hom es enginhos, Elaissa lo parler per nos: ‘Nos aportem nostre gat ros De mentement, (Que'l fara parlar az estros, ‘Si de re'nz mont”, Agnes anet per Ienujos, E fo granz et ag loncz guinhos: Ft eu, can lo vientre nos, Alig n’espavent, Qu’s paue non perdei la valor EVardiment. ‘A outra cobriu-me com seu manto, E ao seu quarto me foi levando. Boa lareira, fogo brando, ‘Que bela casal E eu no calor daqueles grandes Carvies em bras Deram-me de comer, depois, Capées: nada mais que dois. Nao vi ninguém. Eramos, pois, $6 trés 2 mesa, Po branico @ vinho do melhor, Pimenta a bessa. “lnm, e s@ ele 6 algum gaiato Que banca o mudo pelo prato? Fagamos 0 teste do gato, ‘Assim somente Veremos se ele 6 mudo mesmo ‘Ou se ele mente”, Vai daf, Agnes sai da mesa E volta com uma surpresa 0 gato ruivo, sobremesa. ‘Senti tal frio Que pensei perder mesmo a fala E todo 0 brio. v 8 Quant aguem begut e manjat, Eu mi despoilei a lor grat. Daetras m’aporteron fo gat Mal e felon; La una't tira del costat Tro af talon. Per la coa de mantenen Tira’l gat et el escoissen: Plajas mi feron mais de cen ‘Aquelle ves; Mas eu nom magra ges enguers, ‘Qui m’susizes. “Sor, diz n’Agnes a n‘Ermessen, Mutz @s, ge ben es conoissen; Sor, def banh nos apareillem E det sojorn”. Ueit jorns ez encar mais este! En aquel fora. Tant las fotei com auzirets: Cen e quatre vint et ueit vetz, Qa pauc novi rompei mos corretz E mos arnes; E novus puese dir lo malaveg, Tan gran m’en pres. Ges novus sai dir lo malaveg, Tan gran m’en pres. Depois de comido e bebicio Eu me despi, a seu pedido. . Pois me jogaram o maldito Gato na pele. Do alto da espinha ao calcanhar Uma o impele, Pela cauda ambas 0 sustém. Feridas, me fez mais de cem, Com suas garras me deixou sem Carne quase. Mas aguentei a mao, de medo Que me matassem, “Irma, (ouvi, por fim) “oremus, E mudo, tal como queremos.. ‘Ao amor, entiio, Preparemos Um banho momo”, Fiquei por mais de uma semana Naquele forno. Tanto trepel, quanto ouvires: Cento ¢ citenta ¢ vito vezes. Quase que rompo rinhas brages E meu arnés, Nom sei dizer, tamanho o estrago Que isso me fez. Mal sei dizer, tamanho 0 estago 9 Que isso me fez. VERS Ben vuelh que sapchon Ii pluzor D’est vers s’s de bona color, Qutieu ai trag de mon obrador: Quieu port a’ayseth mestier la flor, Etes vertaz, E puesc ne trairel vers auctor Quant er lassatz. Jeu conosc ben sen e folhor; E conose anta et honor, Et ai ardimen e paor; E si'm partetz un juec d'amor No suy tan fatz No'n sapcha triar lo melhor Dentre'ls malvatz. Jeu conose ben selh qui be'm di, E selh qui'm vol mal atressi, E-conose ben selhuy qui'm ri, E si pro s‘azauton de mi, Conose aseatz Qu’atressi dey voler tor fi E lor solatz. Mas ben aya sel qui'm noyri, Que tan bo mestier m’eschari Que anc a negu non falhi; Qu’ieu sai jogar sobre coyssi A totz tocatz; Mais en say de nuth mo vezi, ‘Qual que'm vejatz, er (© LANCE DE DADOS Quero que saibam o valor Da cancdo, se de boa cor, ‘Que elaborei com meu calor: Neste mister eu levo a flor, Ninguém me bate, Irei prova-lo assim que for Dado 0 remate, Conhego bem senso e loucura, Conhego honra e desventura, J4 senti pavor e bravura; Mas se prop&em jogo de amor Néo fico atrés; Escolho sempre o que 6 melhor Do que me apraz. Conhego bem quem me quer bem E sei quem me quer mal também, ‘Quem ri de mim, quem me convém, E ge de mim se achega alguém ‘Sel multo mals: Como saber prezar a quem Prazer the faz. Bem heja aquele de onde vin, Pois que soube fazer de mim Alguém tao bom para esse fim; ‘Que eu sei jogar sobre coxim De qualquer lado; Nao hé ninguém que o faa assim, n Por mais dotado, Dieu en lau @ Sanh Jolie: Tant ai apres def juec doussa Que sobre totz n’ai bona ma, E selh qui cosselh mi querra Non Ver vedatz, Ni us de mi noa tomara Descosselhatz. Quiieu ai nom “maiestre certa”’ Ja m’amigu’ anueg no m’aura Que nom vuelh‘aver lendema; Qu’ieu suy d'aquest mestier, so7m va, Tan ensenhatz Qye be'n sai quazenhar mon pa En totz mercatz. Pero no m’auzetz tan guabier Qu‘iew non fos rahusate Vauir‘er, Que jogav’a un joc grossier, Que'm fon trop bos af cap primior Tro fuy ‘ntaulatz; Ouan guardiey, no mec plus mester, ‘Sim fon camjate. ‘Mas elha'm dis un reprovier: “Don, vostre dat son menudler, Et leu revit vos a doblier”. Fis meu: “Qui'm dava Monpestier, Non er leissate”. E leviey un pauc son taulier, ‘Ab ams mos bratz. Bondigo 4 Deus @ 4 So Julio Por to bem cumprir a missio E jogar com tdo boa mao. Se alguém precisa de li¢do Que venha logo: ‘As que vierem voltaro Sabendo o jogo. Chamam-me “o mestie sem defeito’ ‘Toda mulher com quem me deito ‘Quer amanhd rever meu leito; Neste mister sou to perfeito, Tenho tal arte, ‘Que tenho pio e pouso feito Por toda a parte, E no me digam que isto é prosa. Ainda outro dia tive a prova, Jogando uma partida nova. Sal-me bem no meu primeiro Lance de dados; Niio vi as de nenhum parceire Tao bem jogados. Mas ela disse, com desprezo: 15 vossos dados no tém peso, Vos desafio a uma outra vez". E eu: “Montpelier no vale 0 prego Destes pedacos”. E ergui-the o avental xadrez Com os dois bragos. 23 24 Et quant V'aic levat lo tautier, Empois los datz, Fill duy foron cairavalier 1 tere plombatz, E fils fort ferir al tautier E fon joguatz Depois de erguer 0 tabuleiro, Joguei os dados: Dois foram cair colados, Eo terceiro Feriu no meio o tabuleiro, E estdo langados, 2s Marcabru 3. Mareabru, contra 0 Amor O trobar clus, excur ou cobert, a poesia fechada (oclusa), obscura ou encoberta, teve chire os sous maiores praticantes Mareabru, Raim: aut d'Aurenga e Arnaut Daniel, Nestes diltimos adquiriu, ainda, as caracteristicas de trobar ric, ou poesia rica, feita de rimas raras ("rimas escarsas"}, palavras inventadas ¢ ritmos novos. Mareabru, 0 mais velho, escreveu na primeira metade do século XII, entre 1129 e 1150 (datas provaveis). Poesia sintética, antidiscursiva, produto de elipses e associagdes bruscas, 0 trobar clus era fechado para os ouvidos acostumados rel6rica palavrosa, e oposto ao trobar plan ou plat, plano ou simples (ou chato, quem sabe). Hoje, a sintese € um dos parametros fundamen fais do texto poético. “Concisio e precisio”, disse Maiakévski, presere- vendo esses atributos das ‘'f6rmulas mateméticas” como tiniea iorma admissivel para a poesia. Dichten = Condensare, escreveu Pound, para quem a poesia seria também uma espécie de “matematica inspirada”’ Mareabru esta vivo. Em lingua portuguesa praticaram essa modalidade de poesia, por exemplo, um Sé de Miranda em seus sonetos (“Ah vaidade, /ricas areias deste Teja e Douro!") ou em trovas como "Nao vejo 0 rosto & ninguém”, um Sousindrade no happening epigramético do seu “Infer- no de Wail Street", Desses postas se pode dizer, deixando de lado a periodologia literéria, o que disse Rodrigues Lapa de Sé de Miranda: “Estamos habituados aos eseritores fécels e chamamos obseuridade 0 aque é muitas vezes uma estranha e maravilhosa operasio de sintese. Si de Miranda, a0 invés de outros escrtores, procura dizer 0 méximo com um minimo de palavras; a expressio adquire assim valor eliptco, sugerindo muito mais do que diz. Esta contorsio ascética dos meios expressivos ndo esti nos moldes da nossa tradicio de tagareas afigura-se-nos como obscuridade e desarticulagdo do pensamento”. Os esxcritores do érobar clus no procuravam a obscuridade pela obseuri- Gade, afirma Pound, com afirmaria Rodrigues Lapa: “Conyém notar que Sé de Miranda, como bom clissico, era amigo da clareza, segundo se diz no prélogo da comédia Os Estrangeiros: ‘A mim nunca me aprouveram escurid®es, nem falo se nfo para que me entendam. Quem tal quiser, nfo fale, e tirard de trabalho @ sie a ouirem”*, © que hi, pois, essencialmente, no trobar elus, & para ainda lembrar uma formulagio de Rodrigues Lapa sobre Sé de Miranda, 8, Si de Miranda — Poes Lisboa, 1942, pgs. XIF-KIT. Selegto, petcio ¢ notes de Rodtigues Lapa, a “uma notével economia dos elémentos do discurso”. Nao ha, dévida que 0 trobar clus por vezes leva a sintese « um ponto tio extremado que pode confundir-se com uma certa imprecisio de idéias. Mas, como acentua Henri Davenson?, “o trobar clus, e sua variante ou decorrén- cia, 0 trobar ric, 0 estilo ‘artista’, provém de uma estética de tipo mallarmeano ¢ no @ la Rimbaud: a obscuridade é conquistada volun- tariamente, laboriosamente e serve para revestir de ornamentos esplén- didos ou inesperados uma proposigo que se poderia exprimir clara- mente” Ao contririo do que se poderia supor, 0 trobar clus nao implica necessariamente no confinamento ou na introspecgio. Marcabru, por exemplo, foi uma espécie de “boca do inferno” provengal, Sua poesia € violenta e virulenta e, segundo uma de suas biografias (razos), ele “foi muito famoso e andou pelo mundo e foi temido por sua Iingua e foi tio maldizente que finalmente o mataram of castelées de Guyenne, dos quais havia dito muito mal”. Essa mesma razo afirma que Marcabru depois de nascer, “foi langado a porta de um homem rico e ninguém “. soube quem era ou de onde vinha”. Uma outra biografia informa que o poeta era ‘lho de uma pobre mulher chamada Maria Bruna” (0 que é confirmado por Mareabru no poema que acompanha este estudo) e que ole fez “tristes versos ¢ tristes serventeses,e falou mal das mulheres e do amor”, Define-o bem André Berry, ro seu Florilége des Trouba- dours: “Espirito poderoso, bizarro, conciso e tenebroso, poeta quase biblico, dotado de uma invengzo ritmica prodigiosa, ele abre, desde a primeira metade do século XII, com gritos de édio e enormes impre~ cagdes, a inarcha dos grandes trovadores". Marcabru segue a linha realista do mais antigo poeta provengal, Guithem de Peitieu, o maiestre certa, mesire perfeito nos jogos do amor 2 do humor. Mas ao passo que este se notabilizou pelas bravatas de sua lirica donjuanesca, Marcabru é — segundo Anglade — um dos raros trovadores, com Peire Cardenal, cuja obrasse revela, no conjunto, hostil as mulheres. Isso no o impediu de escrever pastorelas em que narra o assédio apaixonado a uma alded, ou os “‘estorninhos” em que manda 0 seu passaro mensageizo dizer & amads qu: nfo terd paz enquanto nfo souber onde ela jaz, “nua ou vestida”. Sto terriveis as suas diatribes contra as prostitutas. Bis duas estrofes de sua mais renomada cangio versando esse tema: 9. Hensi Davenson, Les Troubadours, Seu, Pars, 1961. Na 24 edigao do lio (197%), se revela que Heat! Daveason 6 pseudBnimo de Honr-Ininée Marrou, Pg, 73, 38 28 cdg, Salomao dizie sustenta: E doce como pimenta Que partida € mais pungente, Amarga e mé como serpente. ‘Tem feitigaria Essa maldita, Quem com ela se alia Cai em desdita, A Quimera é semelhante, Serpente atris, ledo adiante, Boi no meio, sem ter bastante Do cavalo ou do elefante. “Quem de pixe fervente A revestisse Veria como é por dentro ‘A meretriz. © trovador compara as mulheres de vida facil a um monstro hbcido em cuja composigao predomina a ferocidade das bestas selvagens sobre 4 nobreza dos animais estimados como o cavalo ¢ o elefante. Estou certo de que ninguém hé de aceitar as adverténsias de ‘Mareabru na sua curiosa cangdo “Escoutatz” (Cuidadol), que é, apesar de tudo, uma homenagem irada as dolicias das torturas do amor. A sonoridade bizarra das rimas, que procurei preservar na treduglo, reforga 0 tom grotesco que é uma das caracteristicas do “humor negro” de Marcabru, Filho enjeitado de Marcabruna, engendrado numa Ina estranha, Marcabru, 0 moralista imoral (pois os nossos codigos. de moral mal suportam 0 seu verbo violento), prega sozinho contra mulher e contra o amor. Do século XII ao séewlo XX sua vo emarga verbera e reverbera até nbs. MARCABRU (c. 1130-1150) ESCOUTATZI Dirai vos senes duptansa D’aquest vers la comensansa; Li mot fan de ver semblansa; Escoutatzl — Qui ves Proeza balansa Sembiansa fai de matvatz. ovens fall traing e bisa, Et Amors es d'sital guisa De-totz cessals a ces prisa, = Escoutatz! — Chascus en pren sa devise, a pois no’n sera cuitetz. ‘Amors vai com fa belluja ‘Que coa’l fuec en la suja Art lo fust e la festuja, = Escoutatz! — Enon sap vas quel part fuja Cel qui det fuec es gastatz. Dirai vos d’Amor com signa; De sai guarde, de lai guigne, Sai baiza, de la rechigna, = Escoutatel = Plus sera dreicha que ligna ‘Quand jeu serai sos privatz. MARCABRU {c. 1130-1150) CUIDADO! Direi togo sem tardanga, Para doer na lembranga, ‘Meu verso que ndo se cansa: = Cuidadol — ‘Quem diante do Amor balanga Cansard de andar errado. A velhice enruga 0 rosto, Mas o Amor, sempre disposto, A todos cobra 0 seu gosto: = Cuidado! — Todos pagam esse imposto ‘Que nunca seré quitado, ‘Amor & como a fagulha ‘Adormecida na huiha, Que 0 fogo desembrutha: — Cuidado! — Nao pode fugir 0 pulha Que pelo fogo ¢ fisgado. Direi do Amor como isca, ‘Que ora olha e ora pisca, Ora belja, ora mordisca: — Cuidado! — Soré mais reto que risca Se eu estiver a seu lado. Amors soli’ esser drecha, ‘Mas er’ es torta @ brecha Eta coillida tal decha ~ Escoutatz! — Lai ou non pot mordre, lecha Plus aspramens no fai chatz. Greu sera mais Amors vera Pos del mel triet fa cere ‘Anz sap si pelar fa pera; — Escoutatzt — Doussa’ us er com chans de lera Si sol la coa’l troncatz. Ab diables pren barata Qui fais’ Amor acoata, No°il cal c’autra verga't bata; — Excoutatz! — Plus non sent que cel qui's grate Tro que s’es vius escorjatz. Amors es mout de mal avi; Mil homes a mortz ses giavi, Dieus non fetz tant for gramavi; = Escoutatz! — 4 Que tot nesci del plus savi Non fassa, sil ten al latz, Qutrora o Amor ora honesto, Agora & torto ¢ funesto, — Cuidado! — ‘Ou te morde ou lambe, lesto, Com lingua de lixa armado. Sua lei & treigoeira, Toma o mel @ dsixa a cera, 6 para si pela a pera: = Cuidadot — Para té-lo na colei Melhor 8 vé-lo castrado. Quem ao falso Amor se ata, Com 0 diabo contrata, Quem muito se esgaravata, Acaba sendo escorchado. © Amor nada tem de belo, Mata a gente sem cutelo, Deus néo fez pior flagelo; — Cuidado! — Ao fero faré farelo © Amor, 82 néo for domado. Amors a uzaige d’ega Que tot jorn vol c’om la sega ‘Amor faz 20 modo de égua: E dite que no’! dara te Todo 0 dia te carrega = Bcoutatel = E nunca mais te dé trégue; ‘Mas que puej de leg’ en lega, — Cuidadol — Sia dejus 0 aisnate. | ‘Que Ié vai de légua em légua } Correndo desenfreado, Cujate vos qu’ieu non conosca D’Amor s’es orba 0 losce? Eis como o Amor se aparelha: Sos digz aplan’ et entosca Ele 6 cego e olha de esquelha, — Escoutatz! — + Leve lingua, atenta orelha; Plus suau poing qu'une mosca = Cuidado! — ‘Mas plus greu n’es hom senatz, Morde mais doce que abelha, i Porém custa a ser cured. Qui per sen de fernna reigna Dreitz es que mals lin aveigna, ‘Quem de mulheres & amigo Si cum la lotra'ns enseigne; Com raza safre castigo, ~ Escoutata! — A Escritura diz comigo: Mlaventura-us en veigna i = Cuidado! — Si tuich no vos en gardatz! Ficarés ao desabrigo i Se no fores avisado. Marcabrus, fils Marcabruna, Fo engenratz en tal luna Marcabru, de Marcabru’a, Qu’e! sap d’Amor cum degruna, } Foi engendrado em tal lua = Escoutatel — ‘Que sabe 0 Amor como atua: Quez anc non amet neguna, | Cuidado! — ‘Ni d’autra non fo amet ‘Ainda que do Amor néo frua, Nao ame nem seja amado. 4, Arnaut Daniel, o Inventor ( Os provencais desenvolveram, como disse Ezra Pound, “uma arte entre a literatura e @ mésica”, uma técnica de alta preciso no ajuste demote ‘e1 son (palavra_ao 'som)-, Arte complexa, que nio visava apenas a encantar com agradéveis efeitos melopaicos mas, muitas vezes, a instigar ¢ provocat o ouvido com dissonancias, com entrecho- ues das palavras, do som ¢ da linguagem (“desacordar los mot e1 50s el lenguatges"), EP fez justica aquele gue 6, nesse sentido, o maior dos poetas proveneais: Arnaut Daniel (1180-12102), “il miglior fabbro del parlar materno” (o melhor artifice da lingua matemna), segundo 0 juizo de Dante Alighieri (Purgarério, XXVI, 140). Colocou-o exemplarmente entre 0s “inventores” — 0 mais alto posto da sua classifieacdo dos eseritores, Traduziu-Ihe os melhores e mais difice's poemas, dedicando- -Ihe dois estudos especiais — “II Miglior Fabbro” e “Arnaut Daniel Arnaut foi, por assim dizer, recuperado para a poétiea modema por Pound. E verdade que foi muito estimado pelos poetas da Idade Média como hébil artestio do verso. Além de Dante, também Petrarca depés nos Trionfé (II 40-42): “Fra tutti il primo Arnaldo Daniello, / Gran maestro d'amor, ch’alla sua terra / Ancor fa onor col suo dir strano e bello". Mas, como observa Sigismundo Spina, “a posteridade julgou de maneira diferente, a partir da critica romfintica, ¢ para alguns, como Raynouard e Alfred Jeanroy, o poeta cinzelador do verso néo altra- passou @ aridez marmérea do sentimento nem nunea se distanciou {tanto do ideal romantico © da poesia da natureza, muito menos conseguiu ter uma grande originalidade”. Para o provencalista Alfred Jeanroy — diz Spina — Arnaut Daniel nfo ulttapassou a frivola ‘tivialidade e a esquisitice pueril; nega-the originalidade de pensamen- to, chegando mesmo a falar numa "insignificdncia total do pensa- mento" arnaldiano, depois de analisar as peripécias ¢ © malabarismo verbal do trovador Pound, no entanto, com seu furore — a expressao & dele — sobre ‘Amant, subsereve ¢ revalida a opiniao de Dante, interrompendo os Fituais académicos que haviam condenade as colegdes de antiqualias e excentricidades a obra do trovador proveagal. Em “How to Read”, 10. Sigismundo Spina, Apresentapéo da Lica Trovadoresea, Livrtia Acadé ‘ica, RJ, 1986, pigs. 66 e 206. O proprio Spina, embora se recuse a eslocer Daniel acima de fodos, por entender que pelo conteddo ters navegado “nas mesmas iguas ce sadas em que deixaram correr seus bercor of outros troradores", eonsdera-o "0 maior peta barroco do seu tempo", afastando-se, com ess jutz, dos que negain maior sigak fieagio 8 obra do poet. 11, Publicado pete pei tado em diterary Bsajs of EP. ita vex no Now York Herald, 1927 ou 28, ¢ reapresen- 20 dar a suajelassificagdo dos escritores (os inventores, os mestres, os diluidores, os que escrevem no estilo da época, os belles leitres, os langadores de manias), inclui Arnaut entre 0s primeires: “Os invento res, descobridores de um processo particular ou de mais de um modo ou processo. Algumas vezes essa gente & conhecida, ou pode ser descoberta; por exemplo, sabemos, com razofvel certeza, que Amaut Daniel introduziu certos métodos de rimas, e sabemos que certas sutilezas de pereepgio apareceram primeito em tal ou qual trorador ou em G, Cavaleanti”. E na monografia sobre Arnaut, subtitulada razé e eserita no estilo desses relatos, com superabundancia de conectivos, diz textualmente: "E En Arnaut foi o melhor artista entre os prevengais, experimentando a linguagem em novos estilos, e trazendo novas pala- vras para as composigdes ¢ realizando novas combinagdes com as palavras, de sorte que ele ensinow muito a Messire Dante Alighieri como se pode ver estudando En Amaut e 0 De Vulgari Eloguio; quando Dante j4 era velho e tinha meditado bastante sobre 0 asgunto, disse simplesmente: ‘il miglior fabbro’.” Depois de Pound, estudiosos como André Berry ¢ Robert Brif- fault alinharam-se entre os defensores de Arnaut. Escreve Berry: “Arnaut Daniel é 0 primeiro, em valor e em data, de nossos grandes versifica- res; nossa poesia nao conheceu mais s&bio artesio. Puro cérebro dotado de uma genial extravagéncia, esse mistico da rima, esse devoto do estilo, esse devaneador cheio de virtuosismo, sabe também encerrar em poderosos simbolos as alegrias e as vaidades do amor. Digno precursor dos dois ilustresitalianos que o celebraram como mestte, ensinou-Ihes no somente @ escrever, mas a pensar. Endo é ele em Franca 0 verdadeiro criador da poesia hermétice?'”"? Esta Gltima afirmagio, descontada a nebulosidade do termo “hermética” ¢ suas equivocas conotagbes, nio. deixa de ser pertinente e sugestiva. Pois, realmente, seria preciso esperar que se passassem 7 séculos (Arnaut escreveu, a0 que se supe, entre 1180 e 1200) para que um Mallarmé, com Seus “abolis bibelots d'inanité sonore”, pudesse retomar e desenvolver 0 fio dessa poesia de condensagdes semfnticas e complexidades melopaices, langado, “contra a maré”, pelo inventor de “L’Aura Amara”. Eu sou Amaut que amasso o ar (que amo Laura) / E cago a lebie com 0 boi / E nado contra a maté. (leu sui Arnautz qu‘amas aura 7E chatz la lebre ab lo bou / E nadi contra suberna.). Eis como se definia a si proprio 0 poeta, exprimindo num terceto condensado, de uma sintese digna da tradigto dos haicais, através da enumeragio de trés impossibilidades — a que se vem somar, por via do trocadilho, a 0 seu amor por Laura — 0 seu inconformismo de poeta e de amante. 12. André Bery, ob. cit, pigs. 186.187, a 2 Participando ao mesmo tempo do trobar clus e do trabar ric, isto & praticando wma poesia que se caractericava, simultanedmente, pela extremada condensacao do pensamentoe pela invengao formal, Armaut Daniel foi, por muito tempo, tido come: poeta dbscuro e ‘afetado. Contudo, 0 trobar elus mlo repele uma semantics de cunho reste adequendo-se tanto as virulentas invectivas ‘de Marcabra como a escatologiaerstice de certas peas de Armatt Daniel, em que o trovagor no dizer de Robert Briffault — no hesita em fazer uso de uma linguagem que ultrapassa o jargio do Conde de Poitiers, Segundo assinala o mesmo Brffault, “Arnaut Daniel, o grande protagonista do trobar clus, recusava a banalidade, a palavra consagrada, a frase feita, descolorida pela elogiiéncia rotineira. Suz Procura do inusitado, do Inesperado, nada tem a ver com o precicsismo florida em que: mor gulharé a virtuosidade italiana, nem com a esfumada nebulosiiade ors gue, na perseguigto do mistério, sogobrara grande patte da poesia moderna. Bem ao contrério: uma conéiséo que penetra até a medula, uma elipse ousada, nada de termos intitels, nada de exotismo ou de palavra nobre; antes, quando a perifrase € eviteda, a pelavra, ¢ fraseado vulgar, grosseiro mesmo. Estas slo as caracteistions de Arnaut e serfo as de Dante". Mas é, acima de*tudo, para o inventor de inéditas melopéias, para 0 construtor de uma poesia cujo maior mérito estaria “numa arte entre a literatura ¢ a misica™ que Pound prefere chamar a atengao, Nenhum dentre os provengais, nem Dante depois —afirma 0 poeta norte-amerieaio — chegaram a pensar, como Amaut, numa estcrice do som; sons laros e sons opacos, como em Sols sui gue sai lo sobrafen que'n sorte / Al cor, d'amor sojren per sobramar (Somente eu soo Sobraft que sente /'O coragéo sofrente a sobramai); ¢ em "Deuts brais” © “Laura amara’, um som claro, com staccato; ou batidas pesadas € batidas ligeiras ¢ corridas, como em “Can chai la fueilla”” (Quando cai a folha)"*. Eis ouiro exemplo tipico das melopéias de Amaut: En breu brisaral temps braus, / Eil bisa busina ele Bronce, Na ‘mesma pauta aliterativa, encontramos: Er vei vermels, verte, blans lanes, gruces / Vergiers, plans, plais, tertrese vans; (Vejo vermelhon, verdes, blaus, hrancos, cobaltos / Vergeia, plainen, planciton, money vales;) ~ estrofe que termina com uma alisdo ciptica 4 divore 00 amor © cuja altima palavra (nojgandres) chegou eset considerada indecifrével pelo grande provencalista slemio Emil Levy: Som met en or qu'iew eolore mon chan / D'un aital flor don lo fruits sia amor, 413. Robert Brillalt. Les Troubadours et le Sertiment Romanesque. Pais, Les Euitions du Chéne, 194, pigs, 16 ¢ 101. 14, Bara Pound, “Arnaut Daniel", em Ziterory Egy of E.P. Londtes, Faber & Faber, 1954, pig. 114. jois lo grans, e Volors de noigandres. (entio meu coray Go clos cate? De ma Tok cup ruta €6 de amor, © gto ie alegris lor de noigandres)* . ” . Tee ee ate had Hey cms "sma prodigioso esforgo da virtuosidade provencal”'S, om aust, segunc Se ets ie sim ms Pound oO eden, tem EESUNS PALAVRAS”", é talvez aquele em que methor se manifestou 0 génio ern composi¢&o merece ser analisada com detalhe em : ae tura. Trata-se, em principio, de 6 estaincias com 7 versos de be f es cada uma (deixando-se de lado a coda ou tornada, dedicatérie. ing em trés versos de 10 pés). Além das 7 rimas terminais, ha, em oe la cn oe i dt Mona clarion a se Bete cae ecm Co se eg cl hn sar eto So ee na ne a de et a Sur em nin Hie, ence cae te ina he pg ee one ie das demais, ctc., embora as ae son om ° ‘ae fins sete eP uaeaar inm'bo adn ee Te Fee ons Bq cr Soy ee ee eee ac ae fala Pound, pois que, de 8-8-8-8-8-10-10-10 pés, as linhas passam a com- Jat: eon etn nin a Yoe zNasranh ania wears cain de jetta eh Pah as al ve Pignatari, Haroldo de Campos ¢ eu passamos a put ‘nessos Ree wut meptret hte. isan cate ru capresato proveagel como snibolo da inven » lema de paris «experimen otc, Note para presen eo: Recenteent oa Hogh Keane, interpre wa Ercan mene petite ietitea siete [rah sega pre Ge NOTSANORES st Guta rio onde To, na ein forma cogueta dn moderna pales fanceta evn, Portanto, um dot dol eee omnia at sage “dio (Concur Hugh Kenoer, The Pound Er, Londo, Faber nd abe, 1971, hp te aa iat i Daren at coco Sh ee tek es ry por-se em 3-4-2.6-2.1-5 2-4-6-4-5 pés, uma polisritmia talvez spirada também no canto dos péssaros. Por isso mesmo, embora alguns estudiosos, como André Berry, mantenham a apresentagao grafica do poema em estancias de 7 versos, limitando-se a salientar as rimas internas com a interpolagao de pequenos espagos em branco ‘entre estas © as palavras seguintes, outros, como Lavaud, preferem dispor.o poema em tantas linhas quantas as rimas, estruturagio que me parece muito mais funcional e que Ihe d4 um aspecto modernissimo de verso-livre. Esta, igualmente, a apresentagdo preferida por Ezra Pound, que ousou empreender a tradugio do poema para o inglés, logrando preservar-the 0 arranjo rimico e ritmico, embora afirme, modestamente, que nfo foi capaz de fazer “mais que um mapa das pposigées relativas da cangio"8. Na primeira estrofe, além do jogo entre L'aura (o ar) ¢ Laura (nome da amada do poeta), mais tarde vulgarizado por Petrarca, julgo ver ainda um outro artificio: a sucessio de palavras em ordem alfabética, de @ a f (aura amara... bruoils brancutz... clarzir.... doutz... espeissa... fuoills) Eis af, em linhas gerais, a rica problematica formal desse poema. Cabe acrescentar que, muito embora haja em Arnaut diversos exemplos de uma concepgio menos idealista da mulher, como o demonstra Robert Briffault, para quem “no existe, em sua, na obra de nenhum trovador do século XII ambigiidade, quanto ao cardter sensual das emogSes amorosas que compdem o tema", este poems é dos que maior tributo pagam A “feminolatria” do seu tempo. Nao ha, pelo menos, aqui, “aquela crueza que, a bem dizer, ado tem simile em nenhuma outra literatura, ¢ que nos desconcerta, postos de lado quaisquer falsos pudores, por sua ingenuidade" 9, O que nio impede, por certo, que seja esta uma das mais belas paginas da literatura amorosa provencal. Em minha versio do poema, tratei de observar o principal esque- ma das rimas, assim como um ritmo aproximado, tanto quanto pos- sivel, do original, com algumas liberdades que se justificam ante a ndo pequena dificuldade da empresa, N&o me foi possivel manter o jogo Laura, Laura; em compensagio, preservel a ordem de abecedario na primeira estrofe. Adotando a apresentagdo gréfica de Lavaud-Pound, pelos motives j4 apontados, pareceu-me interessante acrascentar-Ihe @ disposigdo das estrofes em: seqiiéncia jtorizontal, o que facilita a visualizagio do esquema rimico, Para o melhor entendimento do provencal, utilizei-me principalmente das tradugdes de André Berry € ‘Segismundo Spina. Nio se trata, porém, no meu caso, de uma verséo 18, As tradugtes poundianas de Arnaut Danis, que acompanham o estudo a este edicado, encontrem-se reproduaidas também no volume The Translations of Exra ‘Pound, Londres, Faber & Faber, 1953. 19. Robert Britfoult, ob. cit, pg. 105. literal, Que omeu objetivo 6, essencialmente, o de recriar em porsugués alguma parcela que seja da poesia e da técnica poética do texto, Valha, ‘20 menos, como homenagem hd muito devida pelo grupo “noigandres™ 20 inventor Arnaut. “L’Aura Amara”, com suas 6 ¢ meia estrofes de 17 rimas, sew complicado ritmo “staccato” sua sonoridade agressiva — sua “esté- tica de ruidos” —, “Sols sui que sai”, com suas doces aliteragdes © assondincias, © 0 enigmatico “En cest'sonet coind’ ¢ leri” (que tem também algo de arte poética) sto alguns dos poemas que escolti para itustrar a extraordinéria arte arnaldiana, Além deles, niais dois frag- ‘mentos significativos. As primeiras estrofes da cangio "Doutz brais critz”, uma das mais belas de Arnaut, a que contém o verso-touchstone sobre 0 corpo da amada: E que'l remir contra:l lum de a lampa (E que © remire contra a luz do lume). E a Gnica estrofe que Pound traduziu da cangio “Er vei vermeil2", onde aparece, numa alegoria da criaglo pottica que funde som e cor, a palavra noigandres, Atente-se ara 0 complexo sistema rimico de Arnaut: o poeta rima de estrofe a estrofe ¢ nio (necessariamente) dentro da mesma estrofe; sua técnica leva-o a usar 98 rimas em 17 cangées, indice mais elevado que o de Raimbaut d'Aurenga (129 rimas em 34 poemas), 0 seu maior émulo no “trobar rie", @ poesia rica em valores formals. ‘Acessas cang6es acrescentel, por dltimo, a "Séxtina’”. Inventada por Arnaut e mais tarde adotada por Dante (“Al poco giorno e al gran cerchio d'ombra")*? a sextina é composta de 6 estrofes de 6 linhas (€ tuma coda de 3), ebjas 6 palavras terminais (intra-ongla-armaverga oncle-cambra) se alternam, segundo uma ordem permutativa mate- titica, de tal sorte que ao se chegar a 7? estrofe tals palavras texiam de suceder-se obrigatoriamente na ordem inicial. A diltima palavra da linha de cada estrofe 6 sempre a 13da seguinte (estrofes capfinidas). Na coda as palavras reaparecem, duas @ duas, em cada uma das trés linhas. Embora no constituam rimas perfeitas, as palavras-chave se inter-relacionam fonicamente, em especial nos casos da assoniincia ‘arma-cambra ¢ da paronomésia ongla-oncle, que Arnaut sublinha na coda, A sextina de Arnaut me desafiou anos a fio por causa da aretha ongla-oncle: em portugués, traduzida literalmente, daria “unha-tio" rompendo a tenséo paronomistica, “Ongla, oncle” saith Amaut", ecoava Pound nos meus ouvides (Canto WD, como que reiterando o desafio, Por fim, depois de ter-me encharcado até’ alma do poema, cheguei & conclusio de que a perda de um parente préximo nfo deveria, 20, Haroldo de Campos traduziu »senti de Dante no seu estado “Petrografia Dantes". V. Traduzir Trovar, de Augusto e Haroldo de Campos, Ed, Papyrus Lida, S$. Paulo, 1966, ples. 77-73. impedir a recriagto desse maravilhoso poema de amor‘obsessivo em nossa lingua. Livrei-me do pesadelo, montando a parelhe ““unha- sonho”, sem perder de vista o tio, quase sempre por perto, para atrapalhar o trovador e o tradutor.. ““A arte de Arnaut Daniel nfo é literatura — diz Pound —, 6 a arte de combinar palavras ¢ misica numa seqliéncia onde as rimas caem com precisio e os sons se fundem ov se alongam. Arnaut tentou criar quase uma nova fingua, ou pelo menos ampliar a lingua existente ¢ renové-la.” “O Século XII, ou mais exatamente, o século cujo centro € 0 ano 1200, deixou-nos duas dédivas perfeitas:.a igreja de San Zeno em Verona e as cangées de Arnaut Daniel.” HA mais que aprender nos 18 poemas que dele restam do que em muitos macicas volumes de obras compleias dos que vieram antes ou depois. DOUTZ BRAIS E CRITZ Doutz brais e crite, Lais e cantars e voutas- Aug dels auzels qu’en tur latins fant precs Quees ab sa par, atressi cum nos fam A las amigas en’ cui entendem; E-doncas ieu qu’en la genssor entendi Dei far chansson sobre totz de bel!” obra Que no°i aia mot fats ni rima estrampa. Non fui marrite Ni non presi destoutas Al prim qu’ intel el chastel dine los decs, Lal’ estai midonz, don ai gran fam ane non I ac tal lo nebots Sain Guiler; i! vete lo jarn en badsill em n’ estendl Perla ella que totas autras sora Tant cant val mals fis gauge qu’ ira ni rampa. Ben tui grazite mas peraulas coutes, Por so que jes al chausir no fui pecs, ‘Anz volgui mais prendre fin aur que rar, Lo jorn quez iew @ midonz nos baizem Em fetz escut de son bel mantel end? Que fausengier fals, lenge de colobra, ‘Non 0 visson, don tan mals motz escampa. DOCES AIS, GRITOS Doces ais, gritos, Arias, cantares, juras ‘Ougo das aves que pelo ar afora Voam aos pares, como qualquer homer Enamorado faz & amiga que ama, Mas eu, ante a mais bela a que me rendo, Devo cantar de amor maior em obra ‘Sem fala falsa ou rima de costume. N30 houve atritos Nem padeci torturas ‘Ao penetrar nas torres onde mora ‘A dama a quem desejo com mais fone Do que nenhum mortat que o amor inflama, Pois todo o dia gemo e me distendo Pola dama melhor quo as demaie dobra Como a beleza faz a ira ou cide, Foram benditos Meus votos pelas puras Mos dessa que proclamo por senhora, Ouro diante do qual o bronze some. Beljemo-nos e a dama, em doce trams, 0 seu manto estendou, me defendendo Do vil bajulador, tingua de cobra, Que lana fel sob a fala de gume. il Dieus lo chauzite, - Deus dos aflitos, Per cui foron assoutas Que vistes com brandura Las faillidas que fetz Longis lo cecs, 0 cago Longus ina mais dura hora, Voitla, si platz, qu’ieu @ midonz jassam Permiti que este amor que me consome En la chambra on amdui nos mandem Uns rics convens don ten gran joi atendl, Que’! seu bet cors baisan rizen descobra E que? remir contra‘! lum de la lampa. Se consume, afinal, em minha dama E que eu, em sua camara jazendo, Seu belo corpo aos beijos rindo abra E que o remire contra a luz do lume. 50 5 NOIGANDRES & vel vermelis, vertz, bleus, blones, graces _, Vergiers, plans, pals, tertres @ vaus; Ei vote del auzels Sona e tint Ab doutz acort matin e tart. So°m met en cor qu'ieu calore mon chan D'un’ aital for don lo fruitz sia amors, E j0i8 lo grans, e oars de noigendires. NOIGANDRES \Vejo vermelhos, verdes, blaus, brancos, cobaltos Vergéis, plainos, planattos, montes, vales; ‘A voz dos passarinhos vos e soa Em doces notas, manha, tarde, noite, Ento todo 0 meu ser quer que eu colora 0 canto De uma flor cuja fruto & s6 de amor, O gro s6 de alegria e 0 olor de n ndres 4 1. O grio sb de alegria o olor ls de tei. canzo . Sols sui qui sai lo sobratan que'm sorte Al cor, d’amor sofren per sobramar, Car mas volers es tant ferms et entiers C’anc no s’esduis de celliei ni s‘estors . Cui encubie al prim vezer e puois; Qu’ades ses lieis dic a lieis cochos motz, Pois quan (a vei non sai, — tant I'ai — que dire. Diautras vezer sui secs @ d‘auzir sortz, Qu’en sola lieis vei et aug et esgar; E jes d'aisso no’ill sui fals plazentiers Que mai ta vol non ditz la boca’! cors; Qu’ew no vau tent chams, vauz ni plans ni puois Qu’en un so! cors trob aissi bos ais totz: u'en fieis las vole Dieus triar et assire. Ben ai estat a maintes bonas cortz ‘Mos sai ab lieis trob pro mais que lauzer: ‘Mesura e sen et autres bos mestiers, Beutat, joven, bos faitz @ bels demors, Gen Fenselgnet Cortesia e /a suots; Tant a de si totz faitz desplazens rotz De tieis no cre rens de ben sia a dire. ‘Nails jauzimens nom fora breus ni corte De licis, cui prec qu’o vuoilla devinar, Que ja per mi non 0 sabra estiers Si cors, ses dligz, no's presenta de fors; Que jes Rozers, por aiga que l'engrots, ‘Non 2 tol briv cal cor plus larga dote No'm fassa estanc d’amor, quand la remire. CANCAO, Somente eu sei sentir 0 sobraf® que sente © corag3o de amor sofrente 8 sobramar, Pois meu desejo & to sincero e to certeiro Que nela se fixou e no se vai embora Desde a primeira vez que a vi com esta vista, De longe a sei chamar com frases sensuais, Mas perto, @ tanto 0 amor, que eu perco a vor e a vez, Surdo e cego as demais, eu vivo aqui, somente Para ouvir sua voz e olhar sou olhar. Dela no falo bem para ser lisonjeiro, Que & fala falta cor e o som se descolora Sem conseguir louver o que a paixSo avista: Montes, vales ou rios, nada me satisfaz, Pois nela a perfeicéo de tudo se perfez. Cortes j6 trequentei, conheci multe gente, Mas nela ha sempre mals valor para louvar: Beleza juvenil em rosto sobranceiro, Gentileza ¢ altivez, tudo af se aprimora, A Cortesia, enfim, esaotou sua lista E tanto a desproveu do que nos desapraz Que & dificil dizer onde ela 6 mais cortés, Eis a mulher methor que no me sai da mente, Mas rogo a ela que me saiba decifrar: Por mim nao saberd de quem sou prisioneiro, ‘A menos que me traia 0 amor que mie devora, Pois nem o Reno e nem toda a égua que exista, Nem a reunio de todos os caudais EstancarSo 0 ardor que em meu peito se fez. ois e solatz d’autra'm par fals © bortz, Cluna de pretz ab lieis novis pot egar, Que’! sieus sofatz es dels autres sobriers. Ail si no I'2i, las! tant mal m’a comors! Pero 'aten m’es deportz, ris e jois, Car en pensan sui de leis lec © glote: Ai Dieus, si ja‘n serai estiers jauzirel Ane mais, so'us pli, nom plac tant reps ni bortz, ‘Ni res al cor tant de joi nom poc dar Cum fetz aquel, don anc feinz fausengiers No s‘esbrugic, qu’a mi sol s0°s tresors. Die trop? Eu non, sol leis non sia enoi Belle, per Dieu, lo parlar @ fa vorz Vuoill perdre enans que diga ren que-us tire, Me chansos prec que novus sia enois, Car si voletz grazit lo son e's mote Paue preza Arnautz cul que plassa o que tre. oe . ‘ ‘Quem noutras proclamar maior beleza mente Porque nenhuma s6 se pode comparar ‘Acessa cujo valor eu tenho por primeiro, E se 0 amor arde ou r6i onde a meméria mora, A dor ja no me déi e o mal no me contrista, Pois s6 de a recordar meu ser encontra paz. ‘Que seria de mim sem essa insensatez? Nenhum jogo ou prazer meu corpo se consente, Nenhum torneio, esporte ou arte posso amar Se a ela no tenho, mas no hé no mundo inteiro ‘Quem tenha esse tesouro que eu possuo agor Falei demais? Por Deus, nao quero ser artista, Quero perder a fala @ a voz nem quero mais, Bela, se 0 mou cantar vos ofendeu talvez. Que esta cangdo de amor por vés seja benquista, Pois se a palavra @ o som no me desaprovais, Pouco interessa a Armaut se apraz a dois ou trés. or

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