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4. A CIDADE LIVRE NA GRECIA Fig. 176, Uma excultura grega arcaice, no Museu Nacional de Ale Na Idade do Bronze, a Grécia se encontra na periferia do mundo civil; a regido montanhosa e desi gual nao se presta a formacao de um grande Estado, e é dividida num grande nimero de pequenos principa dos independentes. Em cada um deles, uma familia guerreira, a partir de uma fortaleza empoleirada num ponto elevado, domina um pequeno territério aberto para o mar. Estes Estados permanecem bastante ricos en quanto participam do intenso comércio maritimodo II milénio, e cultivam varias espécies de indistria; os tesouros encontrados nas tumbas reais de Micenas e de Tirinto documentam 0 modesto excedente acumula- do por uma classe dominante restrita. Mas 0 colapso da economia do bronze eas invasdes dos barbaros pelo norte, no inicio da Idade do Ferro, truncam esta civil zagdo e fazem regredir as cidades, por alguns séculos, quase ao nivel da autarcia nevlitica O desenvolvimento subseqiiente tira proveito das inovacées tipicas da nova economia: o ferro, 0 alfabeto, a moeda cunhada; a posicdo geografica favo- ravel ao trafico maritimo e a falta de instituigdes pro- venientes da Idade do Bronze permitem desenvolver as possibilidades destes instrumentos numa direcao original. A cidade principesca se transforma na polis aristocratica ou democratica; a economia hierérquica tradicional se torna a nova economia monetaria que, apés o século IV, ira estender-se a toda a bacia oriental do Mediterraneo. Neste ambiente se forma uma nova cultura, que ainda hoje permanece base da nossa tradi- sao intelectual necessario recordar sucintamente a organiza- co da polis, a cidade-Estado, que tornou possiveis os extraordinarios resultados da literatura, da ciéncia e da arte. A origem é uma colina, onde se refugiam os habi- tantes do campo para defender-se dos inimigos; mais tarde, 0 povoado se estende pela planicie vizinha, e geralmente é fortificado por um cinturao de muros, Distingue-se entao a cidade alta (a acrépole, onde f- cam os templos dos deuses, e onde os habitantes da cidade ainda podem refugiar-se para uma iltima defe sa), e a cidade baixa ( a astu, onde se desenvolvem os comércios e as relagdes civis); mas ambas 40 partes de um dinico organismo, pois a comunidade citadina funciona como um todo dinico, qualquer que seja seu regime politico. Os érgaos necessérios a este funcionamento sao: 1) Olar comum, consagrado ao deus protetor da cidade, onde se oferecem os sacrificios, se realizam os banquetes rituais e se recebem os héspedes estrangei ros. Na origem era o lar do palacio do rei, depois torna- se um lugar simbélico, anexo ao edificio onde residem 08 primeiros dignitarios da cidade (os pritanes/ e se chama pritaneu. Compreende um altar com um fosso cheio de brasas, uma cozinha e uma ou mais salas de refeicao. O fogo deve ser mantido sempre aceso, € quando os emigrantes partem para fundar uma nova colénia, tomam do lar da patria o fogo que deve arder no pritaneu da nova cidade. 2) O conselho (bulé) dos nobres ou dos funciond- ios que representam a assembléia dos cidadaos, e mandam seus representantes ao pritaneu. Retine-se numa sala coberta que se chama buleutérion. 3) A assembleia dos cidadaos (égora) que se re ‘ine para ouvir as decisdes dos chefes ou para delibe- rar. O local de reunido é usualmente a praga do merca- do (que também se chama dgora), ou ento, nas cida- des maiores, um local ao ar livre expressamente apres: tado para tal (em Atenas, a colina de Pnice). Nas cidades democraticas 0 pritaneu e 0 buleutérion se encontram nas préximas da dgora. Cada cidade domina um territério mais ou me- nos grande, do qual retira seus meios de vida. Aqui podem existir centros habitados menores, que man- tém uma certa autonomia e suas proprias aseem- bléias, mas um Gnico pritaneu e um dnico buleutérion na cidade capital. O territério é limitado pelas monta- nhas, e compreende quase sempre um porto (a certa distancia da cidade, porque esta geralmente se encon- tra longe da costa, para nao se expor ao ataque dos, piratas); as comunicagdes com o mundo exterior se realizam principalmente por via maritima. Este territério pode ser aumentado pelasconquis- tas, ou pelos acordos entre cidades limitrofes. Esparta chega a dominar quase a metade do Peloponeso, isto é, 8.400 km? Atenas possui a Atica ea IIhadeSalamina, a0 todo 2.650 km?. Entre as coldnias sicilianas, Siracu- sa chega a ter 4.700 km’ e Agrigento, 4.300. Mas as outras cidades tém um territério muito menor, e por vezes bastante pequeno: Tebas tem cerca de 1,000 km? Corinto, 880 km’. Entre as ilhas, algumas menores tém uma tnica cidade (Egina, 85 km*; Nasso e Samos, cerca de 450 km’). Mas entre as maiores somente Ro- des (1.460 km‘) chega a unificar suas trés cidades no fim do século V; Lesbos (1.740 km*) esta dividida em cinco cidades; Creta (8,600 km*) compreende mais de cingienta. A populacao (excluidos os escravos e os estran- geiros) € sempre reduzida, no s6 pela pobreza dos Fecursos mas por uma opcio politica: quando cresce além de certo limite, organiza-se uma expedicao para formar uma coldnia longinqua. Atenas no tempo de Péricles tem cerca de 40,000 habitantes, e somente trés outras cidades, Siracusa, Agrigento e Argos, superam ‘95 20.000, Siracusa, no século IV, concentra forgada- mente as populagdes das cidades conquistadas, e che ga entdo a cerca de 50.000 habitantes (Fig. 278). As cidades com cerca de 10,000 habitantes (este ntimero é considerado normal para uma grande cidade, e os tedricos aconselham nao superd-lo) ndo passam de Fig, 177, 0 mundo exeu. Fug. 178. Uma moede do cidade de Nass, com as iqurasde Bionisoe de Sileno, Fig, 179, Uma escultura do século V a.C,, no Museu Nosional de Atenas quinze; Esparta, na época das Guerras Per cerca de 8.000 habitantes; Egina, rica e famosa, tem apenas 2,000. Esta medida nao ¢ considerada um obstaculo, mas, antes, a condicdo necesséria para um organiza- do desenvolvimento da vida civil. A populacdo deve ser suficientemente numerosa para formar um exérc- to na guerra, mas ndo tanto que impeca o funciona- mento da assembléia, isto é, que permita aos cidadaos conhecerem-se entre si e escolherem seus magistrados. Se ficar por demais reduzida, é de temer a caréncia de homens, se crescer demais, nao é mais uma comunida- de ordenada, mas uma massa inerte, que nao pode governar-se por si mesma. Os gregos se distinguem dos barbaros do Oriente porque vivem como homens em cidades proporcionadas, nao como escravos em enormes multidées. Tem consciéncia de eua comum civilizacdo, porém ndo aspiram a unificagao politica porque eua superioridade depende justamente do con. ceito da polis, onde se realiza a liberdade coletiva do corpo aocial (pode existir a liberdade individual, mae ndo é indispensavel). ‘A ptria — como diz a palavra, que herdamos doa gregos — ¢ a habitacdo comum dos decendentes de um linico chefe de familia, de um mesmo pai. O patriotis mo é um sentimento tao intenso porque seu objeto é limitado e conereto: ‘Um pequeno ternitéria, nas encostas de uma montanha, ata: uessedo por um nacho, esravods por alguna bola. De todos os Todos, « poucos quilémetroe de distancia, uma elevae do do terreno serve de limite. Basta subir eerpale para abared-lo por ineiro ‘com um olhar Bo terra sogroda da piri’ orecinto da fori, at tumbas dos aniepassados. os campos cujos proprietanos oCodos se cumhecem.a montanha onde se vai cortar lonha. x levar reba rrhas @ pastar ou se apanha o mel, os Cemplos onde se assiste aos sacrifieos, a aerépole aunde se vai em provssdo. Meso a menor cidade # aquela pela qual Hetor corre ae encontro da morte, 08 espartanos eonsideram honroso “eair na primeira fla”. os comba tentes de Salamina se lancam @ abordagem cantando 0 ped ¢ Sécrates bebe a cicuta para néodesobedecer ali (G.Glote, Introd 408 8 Cidade Grga 828), raductotaliona, Purim. 1855 par Analisemos agora 0 organismo da cidade. O no- vo carter da convivencia civil se revela por quatro fatos: UMA cidade é um todo iinico, onde nao existem zonaé féchadas e independentes. Pode ser circundada Por muros, mas nao subdividida em recintos secundé- rios, como as cidades orientais j examinadas. As ca- sas de moradia so todas do mesmo tipo, e sao diferen- tes pelo tamanho, nao pela estrutura arquitetonica; sao distribuidas livremente na cidade, e nao formam. bairros reservados a classes ou a estirpes diversas. Em algumas areas adrede aparelhadas — a dgora, © teatro — toda a populagao ou grande parte dela pode reunir-se € reconhecer-se como uma comunidade or- Anica. Fig. 140. Um templodo século Va.C. (0 templo de Netunoem Pesto) ( 2) O espaco da cidade se divideem trés zonas: as reas ptivadas ocupadas pelas casas de moradia, as reas sagradas — os recintos com os templos dos deuses —e as éreas piblicas, destinadas as reunides politicas, a0 comércio, ao teatro, aos jogos desportivos ete. O Estado, que personifica os intereases gerais da comu- nidade, administra diretamente as areas pablicas, in tervém nas reas sagradase nas particulares. As dife- rencas de fungao entre estes trés tipos de areas predominam nitidamente sobre qualquer outra dife- renca tradicional ou de fato. No panorama da cidade os templos se sobressaem sobre tudo o mais, porém mais pela qualidade do que por seu tamanho. Surgem ‘em posicéo dominante, afastados dos outros edificios, eseguem alguns modelos simples erigorosos —aordem dérica, a ordem jonica — aperfeigoados em muitasrepe- tigdes sucessivas; sdo realizados com um sistema cons- trutivo propositadamente simples — muros e colunas de pedra, que sustentam as arquitraves e as traves de cobertura (Fig. 182) — de modo que asexigéncias técni- cas impecam o menos possivel o controle da forma (outros sistemas construtivos mais complicados, como ig. 181. Acestrutura em arco da possagem inferior para entrar no Estadio de Olimpia. Figs. 182.183. A 98 arcos — Fig. 181 importantes) ( 3)A cidade, no seu conjunto, forma um organis- mo artificial inserido no ambiente natural, e ligado a este ambiente por uma relacdo delicada; respeita as linhas gerais da paisagem natural, que em muitos pontos significativos ¢ deixada intacta, interpreta.a e integra-a com os manufaturados arquiteténicos. A re- gularidade dos templos (que tém uma planta perfeita- mente simétrica, e tem um acabamento igual de todos 08 lados devido a sucesso das colunas) é quase sem- pre compensada pela irregularidade dos arranjos cir- cunstantes, que se reduz depois na desordem da paisa- — sao reservados aos edificios menos Fig. 384. Planta do recinto sagrodo de Olimpia, no fim da idade ldsica Justamente por estes quatro caracteres — a uni- dade, a articulagdo, 0 equilibrio com a natureza, 0 limite de crescimento — a cidade grega vale doravante ‘como modelo universal; da a idéia da convivencia hu- mana uma Gsionomia precisa e duradoura no tempo. gem natural (Fig. 184191). A medida deste equilibrio entre natureza e arte dé a cada cidade um carater individual e reconhectvel. (4) organismo da cidade se desenvolve no tent po, mas aleanca, de certo momento em diante, uma disposigao estével, que é preferivel nao perturbar com modificagées parciais. O crescimento da populacdo produz uma ampliacao gradativa, mas a adicao de um outro organismo equivalente ou mesmo maior que 0 primitivo (chama-se paledpole, a cidade velha; nedpole, a cidade nova; Fig. 250), ou ent&o a partida de uma colénia para uma regido longinqua. 1. muroe greg do Ati: 2: mire romanoe do Alin: 3. povoudo heidi: eplo de Here eZ 8 les de Hero he rag ds thevaur: wh als ©) Meguro) alosaiatn 98 endo Narcan do atoms

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