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Excelentíssimo Senhor Presidente.

Senhores Componentes da Mesa.


Senhores e Senhoras

Gostaria de iniciar o meu discurso falando do ser


feminino. A mulher profissional, fêmea, a mãe, avó... Mas é
preciso abrir a voz do coração para tecer-lhes algumas palavras,
neste momento, em que assumo esta Tribuna, sempre a Tribuna
das lutas pela Liberdade Humana do nosso IAB.

Peço desculpas, por estar lendo estas palavras que, em


verdade, brotam do fundo de minh’alma. Entretanto, pensei
que a emoção deste momento pudesse trair esta oradora, pela
honra ao aceitar a este convite tão especial para falar sobre o
Dia Internacional da Mulher.

Não poderia aqui deixar de registrar a luta de todas nós


mulheres, passo a passo até os dias de hoje.

Considerada como paradigma do consumo, a mulher foi


um elemento determinante para a ocorrência de importantes
mudanças ao longo do século passado. Não só no mundo do
consumo, como na vida social, na política, e no mundo do
trabalho. Tem-se como exemplo na luta das mulheres, os
movimentos de minoria, que alcançaram a igualdade e os
movimentos anti-raciais.

Até o início do século XX, cabia inquestionavelmente à


mulher ocupações relacionadas, direta ou indiretamente, à
maternidade, ou seja, amamentar, alimentar e educar as
crianças, o que implicava no estafante trabalho de cuidar da
casa. Ao homem, cabia prover a alimentação da sua família com
seu trabalho, ou se dedicava às guerras. Portanto, se a honra ou
nobreza do homem estavam ligadas à defesa da pátria, em
relação à honra da mulher estava em manter e defender os
valores sociais na educação dos filhos, e em sua atividade
doméstica exemplar.
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Com o progresso tecnológico, que se iniciou no último
terço do século XIX e, principalmente, no século XX, houve uma
grande transformação das novas atividades das mulheres,
modernizando a sua mão de obra. As mulheres passaram a
trabalhar em escritórios, fábricas, bibliotecas, e serviços
públicos. Todavia, essa modernização das atividades das
mulheres não foi bem aceita no início, por estar sendo
aproveitada no mercado de trabalho. Por essa razão, foram
necessárias várias campanhas para que a mulher obtivesse um
novo status, e, por outro lado, até hoje a luta continua para que
a mulher possa ter o mesmo reconhecimento profissional que os
homens, e ainda possa receber o salário justo pelo seu trabalho
além de outros.

Não se pode esquecer que com sua maior participação no


panorama econômico, era justo e necessário que a mulher
participasse também das decisões políticas tomadas no controle
da economia e do bem estar social. Surgiu, assim, o movimento
sufragista feminino. Em 1893 as mulheres começaram a votar.
Na Austrália (1902), na Filandia (1906), na Noruega (1913). Na
revolução russa de 1917 foi concedido o direito de voto. E no
Brasil, somente em 1932 a mulher passou a votar. Uma das
figuras brasileiras mais importantes na luta pela conquista do
direito de voto foi a jurista e bióloga Bertha Lutz, que ainda foi
responsável, entre outras conquistas, pela garantia de emprego
para gestante. Outra pioneira foi Maria Ernestina Carneiro
Santiago Manso Pereira, mais conhecida como Mietta Santiago,
era mineira e foi escritora, advogada e feminista do começo do
século XX, marcado pela busca de direitos políticos, trabalhistas
e civis igualitários. Em 1928, notou que a proibição ao voto
feminino contrariava o artigo 70 da Constituição da República
Federativa dos Estados Unidos do Brasil (1891),que dizia: "São
eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na
forma da lei", sem qualquer discriminação de sexo. Com base
nisso, Mietta impetrou, como advogada, Mandado de Segurança
e obteve sentença que lhe permitiu votasse em si mesma para
um mandato de deputada federal. Mietta foi a primeira a
exercer, plenamente, os seus direitos políticos: direito político
ativo (votar), amparado em sentença, fundada em direito
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líquido e certo previsto na Constituição Federal, e também
direito político passivo (ser votada). Por isso, nesse momento
não poderíamos deixar de ouvir os versos de nosso poeta maior,
Carlos Drumond de Andrade, ao comentar sobre o tema com
extrema propriedade, diz o Poeta:

“Mietta Santiago
loura poeta bacharel
Conquista, por sentença de Juiz,
direito de votar e ser votada
para vereador, deputado, senador,
e até Presidente da República,
Mulher votando?
Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?
O escândalo abafa a Mantiqueira,
faz tremerem os trilhos da Central
e acende no Bairro dos Funcionários,
melhor: na cidade inteira funcionária,
a suspeita de que Minas endoidece,
já endoideceu: o mundo acaba."
(Poesia Completa, Nova Aguilar, 2002, p.1570).

A par de toda essa evolução, também não podemos deixar


de registrar os movimentos culturais em prol da libertação da
mulher na década 50 e 60. Várias escritoras, como Simone De
Beavoir, participantes do grupo de escritores filósofos que
deram uma transcrição literária dos temas do Existencialismo,
ela é conhecida primeiramente por seu tratado “O Segundo
Sexo”, um apelo intelectual e apaixonado pela abolição do que
ela chamou o mito do ”eterno feminino”. Esta notável obra
tornou-se um clássico da literatura feminina. Na década 60
(1963) a escritora Betty Frydman publica o livro “A Mis-tica
Feminina”, no qual defende o direito de a mulher decidir sobre
o aborto. A luta pela libertação da mulher ganha então novo
fôlego e novos contornos. O que antes se exigia o
reconhecimento da igualdade dos direitos políticos passa-se a se
estabelecer uma luta por igualdade de oportunidades no acesso
à educação e no mercado de trabalho.
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Por outro lado, tivemos que nos render ao fato de que a
pílula anticoncepcional, descoberta nessa época foi um grande
passo para a emancipação da mulher, revolucionando a sua vida
sexual, o que antes era muito difícil.

Caminhando por essa estrada, temos vários movimentos de


libertação da mulher. A luta pela igualdade de direitos não
parou. Mas, há ainda um longo caminho a percorrer, para que
essa igualdade seja alcançada.

A mulher tem que travar combates desiguais com o


homem para alcançar lugares de topo na Administração Pública
e nas empresas, sem falar que os salários são sempre desiguais.
Ademais além do emprego que desempenha, também, em casa,
a mulher desenvolve um papel muito mais preponderante que o
homem, seja na luta doméstica, seja nos cuidados a prestar aos
filhos. A sociedade de consumo ainda reserva à mulher que ela
enfrente várias atividades, no comando da família e do lar.

Poderia senhor Presidente iniciar o encerramento do meu


discurso por aqui, agradecendo a Vossa Excelência por este
espaço concedido a mim e a tantas outras bravas e aguerridas
mulheres que estão ocupando com louvor seus lugares públicos
na nossa sociedade. Mas, não poderia sem antes fazer uma
breve reflexão crítica sobre o que seria realmente o
reconhecimento das nossas conquistas no dia de celebração do
08 de março. Porque essa luta do reconhecimento dos direitos
das mulheres não acabou em 1932 e, principalmente, em 1960,
na queima de sutiãs. E nem com a conquista de legislações de
endurecimento penal para coibir a violência doméstica, como a
Lei Maria da Penha, em 2006, entre outras.

No dia 08 de março de 2017, digo nesta tribuna, aqui:


estou presente! E quero muito e muito mais!

a) Eu quero o fim das estatísticas que diz a cada 9 minutos


uma mulher morre em decorrência de um aborto
clandestino e insalubre. Em verdade, deixando de lado as
hipocrisias, não é segredo para ninguém que a gravidez
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indesejada é frequentemente interrompida em clínicas
clandestinas pelas classes abastadas. Mais uma vez, impõe-
se no Brasil uma brutal diferença aos cidadãos de poder
aquisitivo: a mulher rica tem condições de pagar pelo
aborto, com segurança, higiene e cuidados, enquanto a
mulher pobre depende do sistema de saúde pública, ou,
então se entrega na mão dos “chamados aborteiros”,
correndo perigo de vida. É forçoso admitir que a
interrupção voluntária da gravidez consista numa
realidade cotidiana e clandestina;

b) E, ainda, que sob o ponto de vista jurídico, a


criminalização do aborto afigura-se como um equívoco. A
proibição expõe a mulher, que decide abortar, a grandes
riscos de vida, já que recorre a expedientes não cirúrgicos,
especialmente se for pobre, sem assistência médica e os
cuidados higiênicos exigidos. Da forma como é tratada a
matéria, ao contrário de tutelar a vida humana, cria-se
ameaças a outros bens jurídicos, como a saúde e a
integridade físicas das mulheres. A criminalização do
aborto não impede a sua realização. O Brasil é recordista
em abortos clandestinos (cerca de mais de um milhão por
ano), além do elevado número de mortes e do
comprometimento da saúde das mulheres em decorrência
das péssimas condições em que os abortos são realizados.

c) Eu quero o fim das estatísticas de que a cada 11 minutos


uma mulher é estuprada no Brasil. E que durante o
carnaval deste ano 1 mulher foi agredida a cada 4 minutos.
E o que não dizer das meninas adolescentes seviciadas e
molestadas sexualmente (hoje mesmo recebi no meu
escritório a mãe de uma adolescente de 12 anos que foi
abusada sexualmente por vários militares há pouco mais
de 1 mês);

d) E, por fim, o que não dizer da triste realidade no sentido


de que uma a cada 5 crianças no Brasil é filha de uma
menina adolescente que não volta a estudar, sendo uma
das principais causas da evasão escolar.
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Eu gostaria de encerrar aqui o meu discurso, com esses


registros, para demonstrar que temos muito pouco a
comemorar, porque como constatamos a luta continua. Agora,
temos que lutar é pelo respeito às nossas conquistas, por isso,
ainda temos um longo caminho de igualdade a percorrer, pois a
luta não esmorece!

Então, nós mulheres, especialmente, as mulheres juristas,


precisamos nos inspirar no exemplo candente de tantas outras
mulheres, daí a beleza deste momento, valorizando todas
aquelas tão bem representadas aqui hoje nesta linda
homenagem, que foram e são tão imprescindíveis à manutenção
de nossa identidade nacional. Vejo aqui as pioneiras e as jovens
advogadas reunidas. Cada uma registra uma árdua história de
luta! E a vocês é quem me dirijo em minhas palavras
derradeiras, com os versos os quais colhi em forma de botão de
rosas, de uma poetisa feminista, Ana Paula Tavares, onde o
sujeito feminino dialoga com a mãe mostrando, de certa forma,
uma ”reinvenção” das tradições, para construção de novos
paradigmas antigos:

Trouxe as flores...
Não são todas brancas, mãe
Mas são as flores frescas da manhã
Abriram ontem...
E toda noite as guardei
Enquanto coava o mel
E tecia o vestido
Não é branco, mãe...
Mas serve à mesa do sacrifício.
Trouxe a tacula
Antiga do tempo da avó
Não é espessa, mãe...
Mas cobre o corpo.
Trouxe o canto
Não é claro, mãe...
Mas tem os pássaros certos
Para seguir a queda dos dias
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Entre o meu tempo e o teu...
(Ana Paula Tavares, A Ex-votos. Lisboa: Editorial
Caminho, 2003, p.26-7)

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