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2012 Enga Julio Alice Daniel PDF
2012 Enga Julio Alice Daniel PDF
Daniel Estevão
Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
Resumo
Introdução
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objetivo de se transformar em um Fórum Permanente, o que se formalizou em abril de
2012 através da criação do Fórum Permanente de Defesa da Vida e do Meio Ambiente.
O Fórum é composto por entidades que já participavam da Comissão, incluindo a
Comissão Pastoral da Terra – Subseção Zona da Mata Mineira, a Cáritas Diocesana de
Leopoldina, a OSCIP Amigos de Iracambi, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Muriaé e Rosário da Limeira, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Miradouro e o
Centro de Estudo Integração Formação e Assessoria Rural da Zona da Mata –
CEIFAR/ZM. Além disso, mandatos políticos populares da região também apoiam o
Fórum.
Ainda durante o ano de 2011, nossas reflexões apontavam para a necessidade de
vincular o Fórum às comunidades atingidas pela mineração de uma forma mais
orgânica, e a metodologia escolhida para a consecução desse objetivo foi o trabalho de
base entendido como educação popular, uma prática já utilizada pelos agentes e
organizações envolvidos. E para torná-lo efetivo, a Comissão/Fórum decidiu pela
elaboração de um vídeo documentário que abordasse a chegada da mineração na região,
as formas de resistência já colocadas em prática com seus avanços e fracassos, a
caracterização dos modelos da agricultura familiar e da mineradora como projetos
antagônicos e a perspectiva de luta no futuro. Esse vídeo será então exibido nas
comunidades em vistas de serem atingidas pelos impactos da mineração e, através de
dinâmicas participativas, os agentes pretendem motivar a mobilização e organização
comunitária de resistência, seja através de organizações já existentes, seja por meio da
criação de fóruns locais.
Com o decorrer das ações, nosso envolvimento foi se ampliando junto ao Fórum e o
projeto de extensão acabou demandando reflexões que nos exigiam um maior
aprofundamento teórico que desse conta da dinâmica do conflito com a objetividade que
se espera de um pesquisador-agente. Ou seja, além do papel de agente do Fórum,
tornava-se necessário um embasamento teórico que qualificasse as ações do Fórum em
um patamar mais coerente com a realidade conflituosa de sua atuação, em especial
aqueles decorrentes dos possíveis impactos sociais da mineração junto às comunidades
camponesas locais.
As reflexões que apresentamos a seguir são fruto de uma necessidade prática de
pesquisadores-agentes. É, portanto, um processo em andamento em que se busca na
teoria uma fundamentação e orientação para a prática, configurando-se como exercício
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da práxis, entendida como unidade dialética entre teoria e prática, reflexão e ação.
Temos, é claro, consciência dos riscos dessa empreitada onde a militância e a pesquisa
podem se embaralhar, gerando resultados que tanto podem confundir a prática, quanto
embotar a pesquisa. Os instrumentais de uma filosofia da práxis é que estarão buscando
garantir que pesquisa e ação, caminhando com suas múltiplas contribuições uma a outra,
tenham como resultado um conhecimento que não se limita a entender a realidade, mas,
sim, transformá-la (MARX, 1987).
Superando dicotomias
A realidade local que estudaremos, por sua vez, não se constitui como um espaço vazio
a ser somente agora atingido por uma espacialidade capitalista. Certamente, as
comunidades camponesas da Zona da Mata Mineia passíveis de serem atingidas pela
mineração são portadoras de uma espacialidade construída em articulação-conflito com
espacialidade-totalidade do capital. Daí ser necessário um entendimento da
espacialidade como constituída por múltiplas trajetórias com suas respectivas
temporalidades para que nosso objeto de estudo – as comunidades camponesas – não
seja visto como um enclave diante de uma avalanche mineradora-capitalista, mas sim
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que ambos sejam entendidos como diferentes trajetórias que participam de um conflito
espacial que será, então, mediado pelas relações de poder, ou seja, pela política
(MASSEY, 2008).
A articulação-conflito das diferentes territorialidades estudadas – camponeses e
mineração, no caso – se faz dento de um espaço hegemonizado pelo capital, já que
tratamos do modo capitalista de produção. Assim, ainda que os camponeses se
constituam uma classe sui generis por serem ao mesmo tempo proprietários dos meios
de produção e de sua força de trabalho – diferentemente dos capitalistas que são donos
dos meios de produção mas não possuem a força de trabalho e do proletariado que
possui essa e não possui aqueles -, vivenciam uma realidade dominada pelo capital. Dito
de outra forma: ainda que hajam diferentes modos de produção – camponês, artesanal,
cooperativista etc. - articulados em uma determinada formação social, o modo de
produção capitalista é dominante, submetendo todos os demais a sua dinâmica
(HARNECKER, 1980). Enfim, conquanto que esses modos de produção – e os
grupos/classes sociais que deles participem tenham suas respectivas trajetórias, elas se
encontram/confrontam espacialmente em uma relação que não pode ser definida como
paritária, mas sim carregadas de diferentes graus de empoderamento.
A compreensão do espaço como uma multiplicidade impregnada de temporalidade que
conformam diferentes trajetórias nos permite entender a espacialidade de modo aberto
em contínuo devir mediado pela política, onde diferentes sujeitos sociais constroem
uma história também aberta a partir das contradições de suas trajetórias e projetos.
Como explica Massey (1999):
Ainda para Massey, a multiplicidade que caracteriza o “espaço como aberto, múltiplo e
relacional, não acabado e sempre em devir, é um pré-requisito, também, para a
possibilidade da política” (MASSEY, 2005). E Massey articula essa possibilidade da
política com a história entendida não como metanarrativas em que o futuro já estaria
previamente determinado pelo desabrochar automático do processo histórico, mas
aberta às possibilidades diante do jogo da política, onde as diferentes trajetórias e
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projetos se encontram e disputam. Reforçando a abertura do devir histórico e
espacialidade
existe um paralelo com o modo pelo qual eu estou propondo que
conceitualizemos a espacialidade. Tanto o espaço quanto a história são
"abertos" - sem dúvida, à medida que a argumentação avança, espero que se
tome evidente que estas duas aberturas são efetivamente dois lados da mesma
moeda, essenciais um para o outro. Em outras palavras, conceitualizando o
espaço como "aberto, não finalizado, sempre em devir", ou seja, como um pré-
requisito essencial para a história ser aberta e, assim, após os argumentos de
Laclau, um pré-requisito para a possibilidade da política (MASSEY, 1999).
Sem perder de vista que as trajetórias que se encontram e confrontam não estão em
igualdade na arena política, pois, a lógica do capital exerce um domínio que mescla
consenso e violência – enfim, hegemonia (STACCONE,1991) - que, nos tempos
marcados pelo globalização capitalista se configuram como globalitarismo, no dizer de
Milton Santos (2011). Ao enfatizar a abertura da história e do espaço a partir das
múltiplas trajetórias evita-se o risco das abordagens teleológicas, inclusive a partir de
vertentes mecanicistas do marxismo, em que a superação do modo de produção
capitalista se daria por conta da contradição entre forças produtivas e ralações de
produção quase que em a intervenção dos sujeitos históricos. Por enfatizar a política
como abertura, reforça-se que também a história está em aberto e o devir será resultado
das inter-relações entre diferentes trajetórias. Mais do que uma história em aberto,
Massey afirma que também o espaço é aberto, já que resultado das múltiplas trajetórias.
Dessa forma, Massey (2008) abre a a possibilidade de superação das visões em que
espaço e tempo, geografia e história, encontram-se dicotomizados.
Buscando sintetizar a reflexão até aqui elaborada, fica claro que buscamos a superação
de dois pares dicotômicos que se articulam: parte-todo (ou local e global) e tempo-
história. Assim, ao estudar uma parte da totalidade – o conflito espacial entre mineração
e camponeses -, estamos construindo um entendimento da totalidade, já que a parte não
deve ser somada a outras partes para se conhecer a totalidade, mas ela mesma já
possibilita uma compreensão do todo por revelar dialeticamente o devir social que é, por
sua vez, simultaneamente espacial e temporal, o que quer dizer que a espaço e tempo
são abertos – não teleologicamente determinados – mas resultado do encontro-confronto
de múltiplas territorialidades com empoderamentos diferentes que são mediados pela
política.
No entanto, a efetivação de uma epistemologia que supere as referidas dicotomias deve
ainda ser capaz de superar a separação entre teoria e prática, tornado-se efetivamente
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práxis. Superar essa dicotomia significa que não se estará construindo um conhecimento
meramente limitado a entender a realidade estudada, mas sim a efetivação de um
entendimento-intervenção, ou seja, práxis (MARX, 1987). Dito de outra forma, ao não
se separar de seu objeto, o sujeito reconhece que visa um entender para transformar.
Mas esse entender-intervir não se dá em momentos separados onde a teoria deva
anteceder à prática.
Assim, a superação da dicotomia entre teoria e prática reforça o processo de superar as
demais dicotomias já elencadas. Teoria e prática transformadoras têm claro que as
intervenções articuladas aos entendimentos se dão no local que, por não ser entendido
como apartado ou apenas parte do todo, configura o agir como global. Além disso,
através da mediação da política é que as diferentes trajetórias e projetos se encontrarão-
confrontarão no sempre abeto devir histórico-espacial.
Ao compreender a dialética entre teoria e prática, somos levados a uma outra relação
dicotômica a ela articulada e que também precisa ser superada: aquela entre sujeito e
objeto do conhecimento. Esse sujeito, ao não ser entendido como apartado de seu
objeto, realiza – no encontro e enfrentamento com demais sujeitos portadores de suas
próprias trajetórias e projetos – seu entendimento-interveção na arena da política. Uma
abordagem que tem, sem dúvida, implicações importantes quando se verifica sua
adoção em uma pesquisa, posto que o pesquisador não se apartará do objeto, mas sim
estará com ele envolvido. E mais, não verá na pesquisa um mero momento de
entendimento da realidade estudada, mas, sim, assumindo uma postura de intervenção
na mesma. Atente-se, no entanto, que, por não separar a teoria da ação, o pesquisador
não pode pretender ser portador de um entendimento teórico superior aos dos
pesquisados sob o risco de incorrer na separação entre sujeito e objeto. Mais do que
isso, pesquisador-pesquisado(s) reconhecem-se enquanto portadores de trajetórias,
elaboradores de projetos, enfim, agentes de uma dinâmica marcada pela política e, por
isso, por eles reconhecida como arena. A pesquisa assim é também intervenção:
pesquisa-ação (THIOLLENT, 2011).
Por fim, mais que revelarem projetos epistemológicos, as abordagens dicotômicas
acabam por revelar uma realidade também dicotomizada, qual seja: a sociedade de
classes do modo de produção capitalista. A separação dos produtores dos meios de
produção promovida e reproduzida pelo modo de produção do capital também cria e
reproduz continuamente as dicotomias acima debatidas. O espaço se torna palco para a
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expansão ativa de uma temporalidade capitalista marcada por uma postura colonizadora
que se coloca no direito de subjugar as demais temporalidades que o capital identifica
com o atraso (MASSEY, 2008); o trabalho intelectual materializado na máquina-
ferramenta sobrepuja os saberes práticos dos trabalhadores que têm sua força de
trabalho mercantilizada; as diferenças locais são incorporadas a um desenvolvimento
que as combina no sentido de valorização do capital; o sujeito-capital sobrepuja a
natureza-objeto, convertendo-a em mercadoria. E, completando todas essas dicotomias,
a divisão social – que geram mais que diferenças ao produzir desigualdade – separa
exploradores e explorados, capitalistas e proletários-camponeses de outro.
Por conta da íntima vinculação entre o projeto de sociedade do capital e a epistemologia
que o acompanha, resta-nos a indagação: é possível superar as dicotomias
epistemológicas em uma sociedade dicotomizada como a capitalista? Responder a essa
questão implica em reconhecer que as trajetórias e projetos que visam a superação das
dicotomias epistêmicas, ao não dicotomizarem sujeito e objeto, teoria e prática, tempo e
espaço, se colocam como projeto maior a superação das dicotomias sociais
fundamentadas na propriedade privada dos meios de produção. Assim, o que por hora
pode e deve ser construído enquanto epistemologia não dicotomizada deve ter sua
dimensão de projeto reforçada. Ou seja, também essa visão deve ser entendida como
projeto e, como devir, não perder a postura dialética.
Por fim, como projeto em construção dentro de uma realidade contraditória-
fragmentada-dicotomizada, e enquanto pesquisa-ação a epistemologia revela-se
enquanto práxis. E não seria errado dizer que configura-se como práxis educativa, onde
pesquisador-educador e pesquisados-educandos constroem seus projetos a partir de
suas específicas mas compartilhadas trajetórias. Sem dúvida, trata-se de um projeto
educacional que se funda em uma pedagogia libertadora que reconhece a relação
dialética entre educador-educando como base para uma práxis transformadora. Nada
mais distante de uma educação bancária onde o educador, que tudo sabe, deposita o
saber na consciência do educando que nada sabe. Educação essa de cunho bancário
(FREIRE, 1981) eque se funda em dicotomias, além de reforçá-las, diferentemente
daquela que é elaborada dialeticamente pelos polos dialéticos e não meramente
dicotômicos que são educador e educando (FREIRE, 1981).
Concluindo esse primeiro momento de nossa reflexão, podemos avançar em direção a
um entendimento não dicotômico da realidade que, vale a pena reforçar, também
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carrega trajetórias e projetos, ou seja, reflexões e ações já realizadas e em andamento,
configurando uma processualidade espaço temporal praxiológica em aberto, no sentido
em que é na arena política, que as múltiplas (às vezes diferentes, às vezes desiguais)
trajetórias e projetos constroem continuamente o devir.
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diferentes são desiguais, haja vista a força econômica, jurídico-política, comunicacional
– do grupo minerador CBA-Votorantin diante da agricultura camponesa local.
Podem ser aqui percebidos aqueles elementos cujas dicotomias foram acima apontadas
como necessariamente superáveis dentro da dinâmica de nosso trabalho. O conflito
espacial é entendido a partir de um recorte da realidade – o conflito camponeses e
mineração – que reflete dialeticamente uma conflituosidade global marcada pela
hegemonia do modo de produção capitalista diante dos demais projetos societários
(camponês, cooperativista etc.). Estamos diante de trajetórias e projetos que se
confrontam, já que a espacialização capitalista representada pela mineração ameaça a
espacialidade camponesa, contando para isso com um poder econômico muito superior,
bem como um suporte político-jurídico que se manifesta nas legislações sobre o
subsolo, os trâmites nos órgãos ambientais, a cobertura positiva dos meios de
comunicação e o apoio de políticos regionais e/ou nacionais.
Tais conflitos ocorrem, em uma grande parte dos casos, na expansão da fronteira da
produção de commodities – agropastoris ou minerais – em um quadro de globalização e
acumulação flexível de capital que se choca com as trajetórias e projetos de grupos que
têm na terra a base para sua reprodução sociocultural. A natureza tem sua incorporação
ao processo de valorização do capital intensificada nos momentos de crise econômica
tais como esse vivenciado a partir de 2008 (HARVEY, 2010). Dessa forma, dentro da
dinâmica global, a espacialidade camponesa passa a ser ameaçada pelo capital produtor
de commodities minerais voltadas para a exportação e/ou vinculadas a uma dinâmica de
reprodução mundializada do modo de produção capitalista.
Por outro lado, a resistência camponesa persiste, ainda que não conte com tamanha
força através de audiências públicas, reuniões comunitárias, sejam elas em sindicatos de
trabalhadores rurais ou Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). A luta dos atingidos
pela mineração pode sinalizar um entendimento da espaço-temporalidade em aberto em
que as múltiplas trajetórias possam ser protagonistas através da ação política. Enfim, um
conflito espacial entendido dentro de uma totalidade contraditória mediada pela política
em que se confrontam diferentes trajetórias e projetos.
O trabalho que realizamos, no entanto, não se limita a entender a dinâmica do conflito.
Coerentemente com as posições acima definidas, a superação das dicotomias entre
sujeito e objeto de pesquisa, teoria e prática, somos participantes em projeto pedagógico
junto às comunidades, como pesquisadores-educadores envolvidos com pesquisados-
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educandos em uma relação fundada não em uma educação bancária, mas no diálogo e
voltada à práxis educativa libertadora (FREIRE, 1981).
Da Comissão ao Fórum
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que em separado da dimensão social. Essa vinculação ambiente-sociedade desde o
início das ações já mostrava em direção a não tratar sociedade e natureza de forma
dicotomizada, ainda que essa posição não tenha sido conscientemente assumida. Mas
haveria uma explicação para tal posicionamento: é que, quando da criação do Parque
Estadual da Serra do Brigadeiro, aventou-se a possibilidade de retirada das populações
camponesas que habitavam a área de amortecimento do mesmo. No entanto, fruto de
lutas sindicais e da CPT, reconheceu-se a importância daquelas comunidades
camponesas na preservação ambiental nas áreas onde elas residiam e trabalhavam, pois,
deferentemente dos grandes projetos de fronteira agrícola e minerária, a agricultura
camponesa local mantinha uma relação menos agressiva ambientalmente. Daí que tais
comunidades puderam manter suas residências e lavouras no entorno do Parque.
Diferentemente da relação sociedade-natureza mantidas pelas comunidades tradicionais,
o projeto minerador é entendido como uma ameaça à sustentabilidade da agricultora
camponesa local, pois, além do êxodo rural que ela pode desencadear, a oferta de
empregos pela mineração com o objetivo de cooptar as comunidades atingidas, reduz a
disponibilidade de mão de obra para agricultura familiar. Como elemento ainda mais
frágil dentro das relações sociais marcadas pelo sexismo, as mulheres sofrem de modo
profundo os resultados dessa redução de mão-de-obra já que ocorre um aumento da
jornada de trabalho feminino, o que, por sua vez, trás graves consequências às famílias
(ROTHMAN, 2010). Aprofundando a questão social, os empregos gerados na
mineração são temporários, impossibilitando projetos profissionais de longo prazo.
Além disso, a propriedade fundiária na região é marcada por minifúndios, cujas áreas
seriam inteiramente utilizadas pela mineração que as arrendaria pelo período que que
seria minerado, fazendo com que os agricultores tenham que se afastar da terra durante
o processo minerário. Assim, a compatibilização da agricultura camponesa com a
mineração é tida como impossível, na visão dos agentes da CPT (ROTHMAN, 2010).
Está dado um quadro de insegurança para a agricultura camponesa, onde não se sabe se
os pequenos proprietários poderão/optarão retornar um dia a sua terra ou se irão preferir
o deslocamento permanente para a cidade.
A mineração defende que a atividade mineradora, por realizar uma retirada da camada
superior do solo antes de iniciar a extração da bauxita e ao devolvê-la posteriormente,
garantiria a retomada da produção agrícola no decorrer de poucos anos. Sem pretender
discutir a efetividade prática de tal procedimento – se seria ou não possível a retomada
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da produção agrícola – deve-se salientar que, por ser uma área de propriedades
minifundistas que seriam inteiramente utilizadas durante a retirada da bauxita, o
camponês teria sua atividade inviabilizada, o que poderia levá-lo a residir na cidade por
um período, durante o qual contaria com a pagamento do arrendamento de sua
propriedade pela mineradora. Como já afirmamos acima, pode acontecer de o camponês
desistir de seu retorno ao campo, caracterizando uma situação de êxodo rural. Mas,
ainda na situação em que o afastamento do camponês de sua condição seja temporário,
deve-se considerar que o recebimento do arrendamento em conjunto com seu
afastamento da atividade agrícola por um período o levaria à perda da condição de
segurado especial do INSS, trazendo perdas financeiras e sociais para o mesmo.
Como a população rural da região é formada por mais de 5000 famílias que sobrevivem
da agricultura camponesa, o eventual êxodo rural e a degradação das condições de vida
são consequências da atividade mineradora que se caracterizaria por um elevado custo
social e ambiental que não pode ser simplesmente enquadrado dentro das
“externalidades” do empreendimento.
Uma das integrantes da Comissão, a OSCIP Associação Amigos de Iracambi resume
em documento sua preocupação com o projeto de mineração: “o potencial impacto
socioeconômico na vida de várias famílias das quais a sobrevivência depende das
atividades da agricultura familiar e que não foram consultadas sobre esse assunto; o
impacto na água [,pois,] todas as lavras de bauxita estão localizadas próximos a riachos,
sendo alguns acima de nascentes; [...] o impacto na biodiversidade regional” (Iracambi,
2006), em uma área de Mata Atlântica. Pensando nas ações já realizadas pela
mineradora e na maneira como o debate público tem sido evitado constata-se que “o
plano para a extração deste mineral tem sido conduzido quase em segredo há mais de 20
anos. As companhias envolvidas tomaram precauções para evitar publicidade sobre seus
planos e as autoridades que tinham conhecimento do assunto também mantiveram este
conhecimento longe do público”(IRACAMBI, 2006). Além disso, é um projeto que visa
durar 78 anos, tendo em vista o tamanho das reservas de bauxita no região.
No que se refere à atuação das autoridades públicas em datas mais recentes, há que se
destacar o processo de cooptação exercido pela mineradora, em especial sobre os
prefeitos locais, que incluem construção de estradas vicinais, pontes etc. Em troca as
prefeituras oferecem cursos de capacitação e profissionalização para pessoas afetadas.
A cooptação também passou a ser utilizada pela mineradora junto às comunidades
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atingidas, incluindo a já referida contratação de mão de obra local, bem como a
promessa de pagar um preço elevado pelo arrendamento aos pequenos proprietários.
Essas ações que visam minar as resistências das comunidades ao projeto minerador
foram recentemente ampliadas com a atuação do Grupo Gaia que, atuando em favor do
Grupo Votorantim, organizou o Fórum de Desenvolvimento Regional Sustentável que,
através de encontros regionais e utilizando-se de metodologias participativas, visa
envolver as comunidades em um projeto de desenvolvimento sustentável onde as
mesmas escolhem prioridades a serem atendidas pela mineradora. Essas prioridades
incluem a construção de infraestrutura local e realização de cursos de capacitação, mas,
conforme relato de membro da Comissão, não permitem contestação ao próprio projeto
minerador. Em recente encontro promovido pelo Grupo Gaia na cidade de Miradouro, a
Comissão entregou uma carta (TERRITÓRIO, 2011) onde manifestava o repúdio à
mineração que, apesar de lida na assembleia, não foi debatida ou incluída nas
deliberações finais da reunião. O mesmo Grupo Gaia atua ainda nas escolas locais com
programas de educação ambiental, ou seja, já visando reforçar sua visão socioambiental
junto às novas gerações.
Como as ações tomadas pela mineradora ganharam em complexidade, a Comissão
verificou a necessidade de reforçar sua atuação institucional em reuniões públicas,
conselhos regionais (Copam), audiências públicas e também não-institucional em
reuniões, manifestações e encontros, sendo necessário criar um instrumento que articule
o local ao global conforme defende Massey (apud ZHOURI & OLIVEIRA, 2010), “a
crítica ao global – como força que oprime e explora – só pode ser efetuada a partir do
local, onde o conhecimento é possível e as trincheiras da resistência estão em curso”.
Em reuniões durante o ano de 2011, a Comissão constatou que, no decorrer dos anos, as
ações dos atingidos e da própria Comissão passaram por ciclos de maior ou menor
mobilização em decorrência do envolvimento das pessoas e organizações com suas
próprias pautas de lutas, além, é claro, em decorrência da pressão e cooptação exercida
pela mineradora. A criação e articulação de um Fórum permanente apresentou-se, então,
como instrumental privilegiado para a retomada dos estudos sobre os impactos da
mineração na agricultura familiar, bem como a construção de mobilizações a
alternativas ao projeto de minerador. Para isso, como já afirmado, optou-se pelo
trabalho de base junto às comunidades camponesas cujo primeiro motivador para o
debate é o documentário.
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As novidades e os próximos passos
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projeto das comunidades camponesas, cuja força se encontra em seu tempo lento, como
diria Milton santos (2009). Mas, por ser mediada pelo política, a conflituosidade não se
acha previamente definida em favor de um dos contentores: é abertura do devir. No
entanto, ainda que tendo se iniciado a pouco tempo, a resistência camponesa já se
mostra de maneira mais incisiva nas comunidades em que o trabalho de educação
popular sindical ou religioso já se fazia presente. Ou seja, nessas comunidades haveria
aquilo que ousamos chamar de espacialidade-para-si, em contraposição à espacidalide
-em-si, característica das comunidades onde a tomada de posição diante do projeto
minerador não se deu fundamentado na autonomia. Assim, na espaciadade-para-si seria
o correspondente espacial do conceito de classe-para-si na abordagem marxista,
querendo significar aquela classe que, consciente de seus interesses e inimigos, se
organiza para a luta de classes (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2010). A espaciadade-
para-si está presente nas comunidades que têm consciência de suas trajetórias e projetos
enquanto construídos a partir dos encontros e confrontos, mas buscando fazê-lo sempre
a partir da autonomia. Na espacidalide -em-si os projetos são ausentes, outorgados por
agentes exógenos à comunidade em uma situação em também as trajetórias estão
ofuscadas. Sem clareza de suas trajetória, é impossível a construção de um projeto.
O trabalho de base em andamento a partir do Fórum visa justamente possibilitar a
constituição dessa espaciadade-para-si, onde as comunidades camponesas articularão
suas trajetórias-projetos fundamentadas na autonomia e no reconhecimento da política
como locus de construção de um devir continuamente em aberto.
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981; 9ª edição.
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IRACAMBI (2006). Amigos de Iracambi - Considerações sobre mineração de
bauxita no entorno da Serra do Brigadeiro, Minas Gerais. Rosário de Limeira:
Amigos de Iracambi, Janeiro de 2006, 21 p. (atualizado em 02/08/2006). Disponível
pelo e-mail iracambi@iracambi.com.
MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de janeiro:
Bertrand Brasil, 2008.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de janeiro: Bestbolso, 2011.
STACCONE, Giuseppe. Gramsci: 100 anos, revolução e politica. Petrópolis: Vozes, 1991.
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ZHOURI, Andréa & OLIVEIRA, Raquel. Quando o lugar resiste ao espaço-
colonialidade, modernidade e processos de territorialização. IN: ZHOURI, Andréa
& LASCHEFSLI, Klemens. Desenvolvimento de conflitos ambientais. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2010.
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