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CURSO FORMAÇÃO DE

mediadores de leitura

Os
Jovens
E A LEITURA
Kelsen Bravos

Gra
tui
to!

6
FASCÍCULO
Gente Jovem
(lendo) Reunida
Olá, Mediadores e Mediadoras da Leitura,
Neste módulo trataremos sobre como fa-
zer mediação da leitura para jovens. É
importante refletir sobre quem são e qual
a importância da leitura literária para esse
público, qual o contexto em que estão in-
seridos, onde e como vivem, o que gostam
de ler e que desafios devem ser superados
para se fazer uma consequente mediação
de leitura para a juventude.
A partir desses questionamentos, per-
correremos temas como as dimensões da
leitura literária, práticas e mediações pos-
síveis de leitura. Como prática reflexiva, va-
mos compartir a leitura da canção “Como
Nossos Pais”, do compositor Belchior (1946-
2017), pois tem tudo a ver com o tema: Os
Jovens e a Leitura.
Se quiser participar dessa aula-canção,
se é daqueles jovens para sempre, se acre-
dita no poder de transformação da leitura,
por que ainda não está inscrito nesse curso?
Ah, claro que você está... Pois fique atento
ao nosso bate-papo e em todas as surpre-
sas que nós preparamos para você em nos-
sa sala de aula virtual (AVA). Acesse:

ava.fdr.org.br

82 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE


1.
O PRINCIPAL RECURSO DA MEDIAÇÃO DA
LEITURA: O SER HUMANO!

A palavra é, e continuará sendo, o mais Ora, se é a palavra que predomina, e


importante meio de comunicação. sendo ela a invenção mais utilizada por
Ela é expressão cultural responsável pela todo ser humano em todo lugar do
constituição de acervos, que proporcionou mundo, não há alternativa senão
todos os avanços tecnológicos, hoje tão buscar no próprio ser humano
presente na vida dos jovens e de todos nós. o recurso para a mediação
É de todas as invenções humanas o chip da leitura, notadamente, do
original. É também a que melhor traduz o texto literário, pois ele é, ao
ser humano em suas características sociais mesmo tempo, seu produ-
e históricas. Sociais, porque depende da tor e usuário.
relação com outras palavras. Históricas, A palavra tem todas
porque transcende no tempo: tem passado, as características de seu
presente e futuro. criador. Elas são “seres”
No ato de ler, quanto mais analisarmos históricos, ou seja, são do-
esses aspectos históricos e sociais de um tadas de presente, passado
texto, mais eficaz será a sua leitura. As pa- e futuro, e vivem de relações.
lavras são dotadas de humanidade, e os O maior desafio é, portanto,
humanos são seres dotados de palavras. conscientizar o jovem – que
O ato da leitura é uma grande viagem hu- também é um produtor de pa-
manista. Somos seres complexos: vivemos lavras – de assumir um papel
em um contexto presente que dialoga com de leitor de palavras.
o contexto passado e flerta com o contexto Ler as palavras que diz e as pala-
futuro. Vivemos diversos papéis sociais. Na vras que ouve, é compreender a si mesmo
leitura, podemos assumir diversos papéis, e aos outros. Para isso, devemos sensibilizar
a partir de pontos de vista distintos: o do o leitor jovem a perceber sua localização no
leitor – e aqui eu proponho seguir o “eu-lí- mundo e sua relação com as pessoas, con-
rico”; o do autor; o do personagem. Além sigo mesmo e com todos para além das
disso, posso também abordar o texto na pessoas com quem interage. Isso vai fazer
perspectiva do contexto histórico, ou seja, o com que se perceba um ser único, mas de
momento da publicação do texto em com- possibilidades múltiplas e, importante, um
paração com o do momento da leitura. protagonista da própria história.

CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 83


2.
AS DIMENSÕES
POÉTICA E FICCIONAL
DA LITERATURA
O mediador ou a mediadora da leitura deve O mediador ou a me-
aos poucos esclarecer e demonstrar que, diadora deve estimular as
ao se ler, também se cria uma história, am- falas (ou escritas) sobre as
plia-se o acervo individual de experiências histórias “vividas” ou “inven-
que possibilitam ao leitor cada vez mais tadas” por consequência da lei-
entender a si mesmo, bem como entender tura de textos literários. Essa postura
aos demais. E que as redes de relações coloca a leitora ou o leitor como prota-
são tramas reais da grande narrativa da gonista do ato de leitura. Essa apreensão
própria vida da qual, conforme preconiza da dimensão poética e ficcional do texto
Larrosa (1996), o leitor precisa ser protago- literário torna o ato de ler tão significativo,
nista. E quanto mais vivenciar as experiên- que logo vira algo prazeroso e presente no
cias literárias, tanto melhor será, pois [...] cotidiano do leitor. Experimente!
o sentido de quem somos está sendo cons-
truído narrativamente, em sua construção e
em sua transformação terão um papel mui-
to importante as histórias que escutamos e
lemos, assim como o funcionamento des-
sas histórias no interior de práticas sociais
mais ou menos institucionalizadas (LARRO-
SA, 1996, p. 142).

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As dimensões poética e ficcional nos possibilitam experi-
mentar “verdades” que no “mundo real” seriam impossíveis,
tais como viver a emoção do outro, de forma atemporal
e atópica. É o que explica Cosson (2009): “No exercí-
cio da literatura, podemos ser outros, podemos vi-
ver como os outros, podemos romper os limites do
tempo e do espaço de nossa experiência e, ainda,
sermos nós mesmos. É por isso que interiorizamos
com mais intensidade as verdades dadas pela poe-
sia e pela ficção.” A essa prática de mediação damos
o nome de Círculos de Leitura,, que são excelentes
práticas a serem desenvolvidas com os jovens.
A adoção de círculos de leitura estimula a per-
cepção da dimensão estética da literatura, ao
favorecer uma relação de afetividade com o tex-
to literário e o ato de ler, de modo a estabelecer a
relação pessoa/mundo, despertada pela palavra/
texto, a necessidade humanizadora da arte como
expressão do ser, e a consequente ampliação
desse processo afetivo, solidário, interpretati-
vo, criativo, pautado pelo respeito, para cada
ação humana no contexto da narrativa EU
(PALAVRA/TEXTO) O OUTRO (PALA-
VRA/ATO/TEXTO) O MUNDO.
Nesse contexto, podemos dizer que
cada pessoa é um livro – um acervo
individual, um mundo – e o univer-
so uma imensa biblioteca. Cabe ao
mediador ou à mediadora da leitura
(que também é um livro/um acervo
e tanto!) favorecer o encontro dos
acervos individuais para amplia-
ção das experiências literárias de
todos. Para tanto, sugerimos aplicar a
metodologia da “Abordagem Complexa
de Leitura”, que trabalha, durante o ato de
ler, a inter-relação dos múltiplos agentes do
sistema de leitura, sobre a qual trataremos a
seguir. Preparados?

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3.
METODOLOGIA DE
ANÁLISE DA LEITURA
A metodologia da abordagem complexa
da leitura pressupõe a existência de múlti-
plos agentes, por meio dos quais definimos
os vários pontos de vista de análise da lei-
tura de um texto. Conforme Franco (2018):
“A leitura é concebida como uma atividade
complexa e dinâmica. A complexidade do
sistema de leitura é justificada pela existên-
cia de múltiplos agentes (leitor, autor, tex-
to, contexto social, contexto histórico, con-
texto linguístico, conhecimento de mundo,
frustrações, expectativas, crenças etc.) que
se inter-relacionam durante o ato de ler.”
(FRANCO, 2018)

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As possibilidades de leitura não se esgo-
tam jamais e se tornam cada vez mais com-
plexas, pois cada agente do sistema de lei-
tura, em contato com cada um dos demais,
ganha ineditismo e gera uma reação em ca-
deia evolutiva ou involutiva, conforme, por
exemplo, confirmem ou não as expectativas
ou fortaleçam ou não as crenças durante o
ato de leitura.
Essa complexidade, aliada à abertura
do sistema, contribuem para a dinami-
cidade do sistema de leitura. Tomemos
como exemplo um dos agentes – o lei-
tor. Ao interagir com outros elementos
do sistema, ele se torna um novo leitor.
À medida que o leitor se complexifica,
seu posicionamento em relação ao tex-
to pode ser inédito. Da mesma forma, os
outros elementos podem se complexifi-
car ao interagir com o leitor. Durante o
ato de ler, suas expectativas, por exem-
plo, podem ser alteradas bem como suas
crenças podem ser fortalecidas ou enfra-
quecidas. (FRANCO, 2018, p. 41)
Essa inesgotável possibilidade da meto-
dologia da abordagem complexa da leitura
dá dinamicidade ao compartilhamento de
pontos de vista nos círculos de leitura e tor-
na a experiência cada vez mais ampla, diver-
sa e, jamais, enfadonha.
O mediador ou mediadora da leitura
pode dinamizar as práticas de leitura com os
jovens a partir do Jogo das Trocas de Pa-
péis, que consiste em propor a mudança de
ponto de vista na abordagem da leitura. Por
exemplo, do ponto de vista do leitor para o
ponto de vista do autor, ou para o ponto de
vista do contexto histórico, ou o ponto de
vista do narrador e assim por diante.

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4.
COMO NOSSOS
PAIS: EM UMA
PRÁTICA REFLEXIVA DE
CÍRCULO DE LEITURA
Ao levar à percepção de que somos todos
“livros em construção e de interpretação
inesgotável”, creio ter demonstrado como
“superar” a resistência à leitura de textos/
livros em plena era digital. Assim sendo,
passemos à prática reflexiva. Para tanto, va-
mos compartir a leitura da canção “Como
nossos pais” (BELCHIOR, 1976, faixa 3), do
compositor Belchior, como prática de me-
diação da leitura.

PARA ALÉM
DO TEXTO
Antônio Carlos Belchior é um cantor
e compositor brasileiro. Nasceu em
Sobral, Ceará, em 1946, e foi um
dos primeiros cantores de MPB do
Nordeste a fazer sucesso nacional. A
música “Como nossos pais”, de sua
autoria, fez bastante sucesso na voz
de Elis Regina. Belchior faleceu no
dia 30 de abril de 2017.

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Em primeiro lugar, devemos estar cien- Não quero lhe falar, meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos
tes de que assim como toda leitura pres- Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo
supõe um “contrato” – implícito – entre Viver é melhor que sonhar e eu sei que o amor é uma coisa boa
autor e leitor, toda mediação de leitura Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa
Por isso cuidado, meu bem, há perigo na esquina
requer um acerto, uma combinação entre
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens
a pessoa que media e as que partici-
Para poder abraçar meu irmão e beijar minha menina na rua
pam da mediação. Daí, antes de começar É que se fez o meu lábio, o meu braço e a minha voz
a leitura, vamos combinar que estamos a (BELCHIOR, 1976, faixa 3, grifo nosso)
ler e a dialogar em um círculo de leitura
(e, de fato, estamos em um enorme círcu- Percebam que o eu-lírico da canção fala a uma pessoa jovem e, embora
lo de leitura virtual, não é?). O diálogo mais vivida, se identifica também como jovem: “...nós que somos jovens”. Como
pressupõe ouvir de forma integral a fala todo jovem, prefere a prática à idealização da realidade: “viver é melhor que
alheia e da mesma forma ser ouvido pelas sonhar”. Essa importância à vida experimentada é a mesma “experiência com
demais pessoas envolvidas. Após essa prá- as coisas reais” que encontramos em outra canção de Belchior, Alucinação, que
tica, cada um tira as suas conclusões e, se diz: “Minha alucinação é suportar o dia a dia, e o meu delírio é a experiência
quiser, as expõe, até que, se for o caso, se com coisas reais.”
chegue a uma decisão coletiva.
Antes, porém, de começar a leitura, va- DICA: A leitura literária é uma experiência real.
mos considerar que o eu-lírico do texto
– essa voz que fala/canta em primeira pes- O eu-lírico tem a consciência de que “o amor é uma coisa boa”, por exemplo:
soa – seja o alter ego (um tipo de segun- amar as “coisas que aprendeu nos discos” é bom, mas ele também está certo
do eu de mim mesmo) da tua, da minha, de que “qualquer canto” (no caso o substantivo derivado do verbo cantar: ato
da nossa juventude. Ou seja, cada um vai de cantar; e também canto, substantivo que designa lugar, quina, esquina) “é
considerar como sua a voz que fala na menor do que a vida de qualquer pessoa”. Essa importância dada ao outro é
canção. Combinado? uma característica do jovem, pois lhe é fundamental estar em relação com o ou-
Então, para começar nosso diálogo, tro, precisar da presença do outro. Jovens são, por excelência, pessoas gregárias.
vou colocar meu ponto de vista sobre o que Gostam de estar incluídos, unirem-se em turmas ou “tribos”.
é ser jovem, a partir de algumas passagens
da canção “Como nossos pais”. E cada um
DICA: Crie clubes de leitura. Ações coletivas com jovens são sempre bem-vindas.
pode também fazê-lo, por exemplo, nos co-
mentários, no Grupo de Facebook, no chat
As esquinas simbolizam bem uma realidade da juventude. Escolher uma,
do nosso curso. Fiquem à vontade. Sugiro,
entre várias possibilidades de caminho, cheias de incertezas, “perigos” e oposi-
naturalmente, que escutem a música. Ela é
ções. “Por isso cuidado meu bem, há perigo na esquina. Eles venceram e o sinal
bem acessível na internet. Vamos lá sempre
está fechado para nós que somos jovens”.
com foco no jeito de ser jovem, confiram a
letra, ouçam a canção:
DICA: Aproveite o mote, num círculo de leituras, levante os anseios dos jovens.

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Uma coisa importante para entender e compreender os anseios de uma nova estação) a esperança – típica do idealismo juvenil! –
de jovens é analisar o seu contexto histórico. Na canção, a oposi- da mudança. Mas também afirma a desilusão de saber de tudo “na
ção entre “eles” e “jovens” registra o contexto histórico do autor: à ferida viva no coração”.
época Belchior tinha 30 anos e o país vivia o estado de exceção.
Cenário contra o qual, o eu-lírico se insurge com a atitude solidária Tudo: os ídolos são os mesmos, nenhuma mudança, a não ser
de “abraçar” e “beijar”, e é contestatória porque sua manifestação na aparência, porém a pior dor na parede da memória é a “traição”
é pública, é na rua e, à época, os direitos à manifestação estavam de quem lhe deu ideia de “uma nova consciência e juventude”, pois
cassados. Um exemplo da essência ideológica, “romântica” dos naquele aqui e agora da canção, o ainda jovem que lhe deu a tal
jovens é a contestação social. ideia, “está em casa guardado por Deus a contar os seus metais”.
Decerto uma atitude contra a que se insurgiu, tal qual contra tudo
DICA: Aproveite o mote e converse sobre a realidade em que o jo- o que lutou.
vem está inserido. Isso em comunidades em situação de vulnerabi-
lidade social tem um retorno excelente. Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos
Você me pergunta pela minha paixão Ainda somos os mesmos e vivemos / Como nossos pais.
Digo que estou encantado com uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão Constatamos nesses versos finais, o predomínio da emoção
Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação envolta no labirinto da memória a misturar certezas e decepções
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração experimentadas em tudo que viveu. E depois desse momento “si-
(BELCHIOR, 1976, faixa 3, grifo nosso) nestésico”, com lucidez constata e declara que a pior dor é per-
ceber que apesar de tudo que foi feito, sua geração só mudou, de
Estar “encantado com uma nova invenção”, a busca/descoberta fato, nas aparências, mas elas não o enganam, pois seus repre-
do novo é sempre um anseio da juventude. Na canção, o eu-lírico sentantes ainda vivem como os seus pais.
talvez se referisse ao encanto com a recém-chegada televisão co- A essência da juventude é contestatória, quer “impor” uma
lorida ao Brasil. Se fosse nos dias atuais, a internet seria (e é!) a tal nova consciência e juventude, mas, segundo a canção de Belchior,
novidade e deve ser considerada. só mudam as aparências. Aqui vale refletir sobre tal permanência
do modo de viver. Houve, de fato, ruptura? Faltou diálogo? Trazen-
DICA: Aproveite o mote: converse sobre as formas de leitura na In- do a conversa para a sala da literatura, cabe perguntar: qual o risco
ternet e redes sociais. de não haver diálogo intergeracional mediado pela literatura? O ris-
co de repetir as coisas, a ponto de, apesar das tentativas de mudan-
Nos versos finais, o eu-lírico (“encantado com a nova inven- ça, ainda ser igual à geração do passado? Ou o problema consiste
ção”) expressa em sinestesias (sinto vir vindo no vento o cheiro em nunca ter mesmo havido uma proposta de verdadeira mudança?

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5.
O CONTEXTO DOS
JOVENS: AS ESCOLAS,
AS “NÁRNIAS” E OS
ESPAÇOS PÚBLICOS
Depois desse passeio nas líricas de Belchior,
que nos possibilitou pensar um pouco sobre a
juventude, vamos nos debruçar sobre o contex-
to da “vida real”, para buscar identificar o que
favorece e quais as dificuldades a serem supe-
radas na mediação da leitura para jovens.
Comecemos por identificar os espaços de
convivência dos jovens, a serem ocupados por
atividades literárias: escolas, “nárnias” (quin-
tais, jardins, livrarias), espaços e equipamen-
tos públicos (centros culturais, bibliotecas,
praças etc.).
Os jovens estão, em sua maioria, na cha-
mada idade escolar e, muitos, por questões
históricas, vêm de famílias não leitoras, ou seja,
não testemunham o ato de ler no seu contexto
social mais importante. Daí, para a maioria seja
talvez a escola o único espaço social de aces-
so a bens culturais com expressão de arte, tais
como a Literatura.
Assim, cabe à escola, e mais precisamente
aos professores, proporcionar às crianças, aos
adolescentes e aos jovens a vivência da leitura
por meio de círculos de leitura. Primeiro, deve
ler para alunos e alunas e, paulatinamente,
conduzi-los(las) à leitura autônoma. Esse ato
deve ter como objetivo principal a ampliação
de repertórios de leitura dos mais diversos
textos em suas mais variadas formas e mí-
dias, para formar, enfim, leitor(a) letrado(a).

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Mas o que seria esse tal leitor letrado?
Crítico, criativo e pensante, o(a) leitor(a) le-
trado(a) tem competência de interpretar os
mais diversos textos, compreende da notícia
ao editorial; sabe orientar-se por meio de
mapas, entende os textos legais, os rótulos
de produtos industrializados, as bulas de re- Sim, a literatura, pela “experiência real”
médios, as prescrições médicas, as estatísti- que proporciona, constitui um bom cami-
cas; planeja e faz pesquisas em bibliotecas, nho para formação de pessoas e, por isso,
hemerotecas e na internet, e, além desse não só na escola deve-se fomentar práti-
domínio da leitura dos textos pragmáticos, cas de leitura literária, pois é uma ação de

PARA ALÉM
amplia, aprofunda, dá mais densidade à humanização que se constitui como “[...]
própria existência pela apreensão da di- processo que confirma no homem aqueles

DO TEXTO
mensão estética de textos literários. traços que reputamos essenciais, como o
O letramento para leitura e escrita, a par- exercício da reflexão, a aquisição do saber,
tir de textos literários, possibilita à pessoa a boa disposição para com o próximo, o
estabelecer, de forma reflexiva, contato con- afinamento das emoções, a capacidade de
sigo mesma e com o mundo em que se inse- Os jovens representam 55% da penetrar nos problemas da vida, o senso
re, pois, conforme Cosson (2009): “Na leitura população em situação de prisão da beleza, a percepção da complexidade
e na escritura do texto literário encontramos no Brasil, somados os internos do mundo e dos seres, cultivo do humor.”
o senso de nós mesmos e da comunidade a em centros socioeducativos para (CANDIDO, 20-04, p. 180).
que pertencemos. A literatura nos diz o que menores infratores (até 17 anos) e Entender a si mesma leva a pessoa a
somos e nos incentiva a desejar e a expres- os internos em unidades prisionais adotar atitudes necessárias e coerentes
sar o mundo por nós mesmos. E isso se dá (cuja maioria tem de 18 a 29 anos). de rebeldia positiva a fim de mudar para
porque a literatura é uma experiência a ser São pessoas em idade escolar e melhor a si mesma e modificar o status
realizada. É mais que um conhecimento a precisam de ações mediadoras de quo, pois a arte literária favorece o diá-
ser reelaborado, ela é a incorporação do ou- leitura, tais como círculos de leitura. logo da sensibilidade com as coisas do
tro em mim sem a renúncia da minha pró- mundo, ela é o fio condutor da emanci-
pria identidade.”(COSSON, 2009, p.17) pação cidadã necessária.

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6.
Os espaços de
convivência literária
fora da escola são
uma experiência real
Para além da escola, existem várias ambiên-
cias mais ou menos associadas à leitura:
livrarias, cinemas, teatros e espaços even-
tuais que reúnem cosplays, fãs de mangás
e animes, HQs, youtubers, podcasts, video-
casts, geeks, nerds… enfim toda sorte de
expressão ligada ao universo jovem, infe-
lizmente ainda ao alcance apenas de uma
minoria. Mas porque ninguém sobrevive
sem arte, outros jovens se agregaram e defi-
niram uma topografia poética nas ruas, nas
praças, em bares, pátios, quadras esporti-
vas, quintais, jardins, parques, em bibliote-
cas comunitárias, públicas, cafeterias, entre
outros, onde se reúnem e expressam sua
arte. Eles também se encontram na “sede”
dos espaços particulares a que denominam
“nárnias” (em referência ao livro/filme As
Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis, sucesso
absoluto entre os jovens), “onde leem livros,
capturam textos na internet e declamam
seus poemas e canções – como pães saídos
da fornalha – escritos em folhas avulsas, em
telas de celulares ou ditas no calor da hora
porque já sabem de cor o correr do texto.
Com as cordas da memória e do coração.”
(PIÚBA, 2018)

CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 93


As nárnias se estabelecem não só por reserva de um ou de outro
grupo, de modo algum, a moçada prefere mesmo se reunir em es-
paço público, bem aberto, dos bairros periféricos e ocupá-los com
ações literárias e afins, sobretudo saraus. A insegurança, entretanto,
os impele aos encontros em espaços fechados, pois vivem, em
sua maioria, em zonas de conflito.
Em todo o Brasil, o território da
juventude está em disputa por for-
ças que se digladiam. De um lado
o aparelho repressivo do Estado e
do outro as facções do crime orga-
nizado – em guerra entre si e contra
o Estado –, no meio a juventude se-
denta de paz, ameaçada por todos
os lados. Como prioridade política,
no Ceará, por iniciativa das gestões
públicas estadual e municipais, vem-
-se construindo em diálogo com os
Coletivos de Juventude, Arte e Cultura
alternativas viáveis para mocidade.
Nas periferias da Grande Forta-
leza tem-se desenvolvido ações
e disponibilizado espaços
(praças, bibliotecas, Centros
Urbanos de Cultura, Arte,
Ciências e Esporte/Cucas) na
intenção de acolher as manifes-
tações poéticas dos coletivos de
juventude que têm tentado “[...]
transformar suas realidades en-
tre o medo da morte e a espe-
rança da vida, acreditando na
força das palavras e das artes
como se elas fossem coletes à
prova de balas. São frágeis e vul-
neráveis ao tempo que fortes e vigo-
rosos, num paradoxo desconcertante e uma potência encantadora.
Jovens que acreditam na arte porque, de alguma forma, ela mudou
suas vidas e maneiras de ver, ser e estar no mundo.” (PIÚBA, 2018)

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REFERÊNCIAS
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei
Federal nº 8069, de 13 de julho de 1990.
BELCHIOR, A. C. G. F. F. Como nossos pais. In: BELCHIOR,
A. C. G. F. F. Alucinação. Polygram / Philips, 1976. Faixa 3
CANDIDO, Antonio. O direito à Literatura. In: CANDIDO,
Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul
Entre as atividades dos encontros, talvez / São Paulo: Duas Cidades, 2004.
os saraus sejam a mais eloquente expres- COSSON, Rildo. Círculos de Leitura e Letramento
são dessa topografia poética, tanto nos cír- Literário. São Paulo: Contexto, 2014.
culos fechados como nos espaços públicos. ________. Letramento literário: teoria e prática. São
A expressão colorida do grafite compõe a Paulo: Contexto, 2006.
cena na qual a juventude canta em rimas FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler – em três
os slams e declama poemas autorais que artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2000.
espelham a realidade internalizada em seu
FRANCO, Claudio de Paiva. Por uma abordagem com-
espírito e que está no entorno de seus cor-
plexa de leitura. In: TAVARES, K.; BECHER, S.; FRANCO, C.
pos juvenis.
(Orgs.). Ensino de Leitura: fundamentos, práticas e
reflexões para professores da era digital. Rio de Ja-
SLAMS
neiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2011. p.26-48. Dis-
Expressão poética que vem do rap, “slam
ponível em: <http://www.claudiofranco.com.br/textos/
poetry”, em inglês, são versos feitos para
franco_ebook_leitura.pdf> Acesso em: 16 nov. 2018.
serem declamados e ouvidos pela audiência.
PAULINO, G.; COSSON, R. Letramento literário: para viver

DESAFIO
Os próprios autores são quem os lê ou quem
interpreta as palavras advindas de própria a literatura dentro e fora da escola.
essência apresentando-as ao público presente. PIÚBA, Fabiano dos Santos. Carta aos que fazem Coletivos
Assim como há no CORDEL os desafios ou de Juventude e Arte da Cidade. In Evoé! - Literatura,
pelejas, no SLAM também encontramos as Livro, Leitura, Bibliotecas e Cultura Digital,
Em respeito à índole juvenil, quem
batalhas de rimas. 2017. Disponível em: https://kelsenbravos.blogspot.
quiser propor leitura para jovens
com/2017/02/carta-aos-que-fazem-os-coletivos-de.html
tem de ouvi-los bem. Escute o
acesso em 16 nov. de 2018.
que têm a dizer. É importante para
definir o conteúdo do repertório REBOUÇAS, Carolina. Não é o fim. 2016. Disponível em
de textos. Se não houver tempo, https://www.youtube.com/watch?v=L-GtMApogRM,
escolha temas universais, acesso em 22 dez. de 2018
como: amor, erotismo, liberdade, SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêne-
contestação e afirmação social, ros. 2. ed. 11. Reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
existencialismo, terror, UNICEF. O direito de ser adolescente: oportunidade
ficção científica. para reduzir vulnerabilidades e superar desigualda-
Pesquise: há excelentes des. Fundação das Nações Unidas para a Infância. Brasí-
publicações para jovens. lia/ DF: UNICEF, 2011.

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Kelsen Bravos (Autor)
Kelsen Bravos é escritor, professor, editor, consultor (na área do Livro, Leitura, Literatura e Cultura Digital) e pesquisador membro do
Grupo de Pesquisa: Literatura, Estudo, Ensino e (Re)Leitura do Mundo (GPLEER). Graduado em Letras pela Universidade Estadual do
Ceará (Uece), atuou como consultor para Literatura e Formação de Leitores do Programa Agentes de Leitura da Secult/CE, consultor
para Literatura e Formação do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic - Seduc/CE), coordenador da Formação de Mediadores
para Clubes de Leitura do Paic, concepção, organização e coordenação da Coleção Paic – Prosa e Poesia. No Instituto Pão de Açúcar de
Desenvolvimento Humano (IPADH), coordenou e tutorou o programa Nossa Língua Digit@l/Comunicação, Expressão e Internet, voltado
para crianças e adolescentes de 13 a 18 anos, ganhador do Prêmio Telemar de Inclusão Digital. Como escritor, tem publicados onze
títulos, todos direcionados à infância. É editor do blog literário “Evoé!: Literatura, Livro, Leitura, Cultura Digital e Bibliotecas”.

Rafael Limaverde (ilustrador)


É ilustrador, chargista e cartunista (premiado internacionalmente) e xilogravurista. Formado em Artes Visuais pelo Instituto Federal de
Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará (IFCE). Escreve e possui livros ilustrados nas principais editoras do Ceará e em editoras paulistas.

Este fascículo é parte integrante do Programa Fortaleza Criativa, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal da Cultura
de Fortaleza, sob o nº 05/2018.
Todos os direitos desta edição reservados à: EXPEDIENTE: FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) João Dummar Neto Presidente André Avelino de
Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Raymundo Netto Gestor de Projetos Emanuela Fernandes
Analista de Projetos Tainá Aquino Estagiária UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Viviane Pereira Gerente
Fundação Demócrito Rocha Pedagógica Luciola Vitorino Analista Pedagógica CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE LEITURA
Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Raymundo Netto Coordenador Geral e Editorial Lidia Eugenia Cavalcante Coordenadora de Conteúdo
Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Emanuela Fernandes Assistente Editorial Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Marisa
Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271 Marques de Melo Diagramadora Rafael Limaverde Ilustrador
fdr.org.br ISBN: 978-85-7529-893-0 (Coleção)
fundacao@fdr.org.br ISBN: 978-85-7529-899-2 (Fascículo 6)

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