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ROBERTA PIRES DE OLIVEIRA SENANTICA FORMAL: UMA BREVE INTRODUCAO NERO? em LENDS ‘DADOS WTEANACIONAS EE CATALDGAGHO NA PUBLICAGAO (SP) {Sendo Tv Hk, NS — capa nogsaitonaicos 1. Sarna oma Unga O18 elon nebo Linguagom ccdnayde. Moka ds ure Mavloe Mata ( marosar) ewoabo eater ‘are Oubaaro Ganeree Sha ‘Mone Avs aie pa Vane Rota Gai capo orm Cae Pg Feta "Rens Wars eto Bid, xn tao oa rane su rine eet Pec Pesaro Enso de Gano Prat Furted Pind ge A098 Osa Use - Unwed Foon oe Sara Coarna ‘ce Unveetaa, Trs Ptanae, $C ‘IRET98 RESERVADOS PARA ALINGUA PORTUGUESA: “evn GOMDENE ubACADO OE LETRAS? ato du nae Sur, “aul (9) 087584 1aor0ri6=Carmprae SP Bast sennho REUSTAE ATUALIZAOA Conte roves oo da ea bo Lego 8c a 8198 ‘ABRIL /2012 swenessio ora aba rd pots pla TOR profi ou reprocufo ptt ut) ‘eon aquoszoe vac eer. Ociner Soar jr de praiaee prt — Para 0 Andrée a Cecilia Agradecimentes ete Livro surgi das aulas de Intredugéo & Seméntica ‘ministradas pare a graduagéo.om Letras da Universidade Federal de Santa Catarina, nos anos de 1998 e 1999. Embora meu trabalho, desde o mestrado, tonha sido a ‘questéo do significado e as fronteiras entre seméntica 6 ‘pragmatic, este Luro marca 0 inicio de um estudo mais _profundo sobre a soméntica formal. suas aplicagoes para oportugués brasileiro, A sua realizacao foi possivel graces A colaboragéo de muitos. Agradego a todos. (One could not say what one meant ‘Virginia Woolf, To the Lighthouse Verdade A porta da verdade estava sempre aberta, ‘mas sé doizava passar -meia pessoa de cada vez. Assim néo era possivel atingir teda a verdad, ‘Porque a meia pessoa que entrava 86 traziao perfil de meia verdade. Esua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. Eos meios perfis nao coincidiam. Carlos Drummond de Andrade ‘SUMARIO ‘TOMANDO CIENCIA D0 SIGNIFICADO: AINPORTANGIK A SANT (caso ds opsentdii Copinda 0 CAMPO DA SEMANTIC. Forenda cna do sated Delmitandoo objeto de estes Gopitulo 2. RESTRICOES A CONSTRUCAO DE ‘UN MODELO SEMANCO pita 3 SIGNIFICADO: SENTIDO E REFERENCIA.. ‘A Sena Yeritncona Goto Frage: sigitiado& sentido Contexto extensional e contexto intensional A mga exter sings as Brertis......... aiulo4 NOCDES BASICAS PARA OPERAR LUM SISTEMA FORMAL. Copilo (opie ‘AAMILISE FORMAL E A SEMANTICA DAS LINGUAS NATURAIS. 229 - BS BIBLIOGRAFIA . TOMANDO CIENCIA DO SIGNIFICADO: A IMPORTANCIA DA SEMANTICA A pergunta “por que 6 que a gente tem que aprender isso?" ecoa sistematicamente nos cursos de introdugdo @ Se- mantica Formal. Ela parece ser fruto, por um lado, do caréter abstrato do estudo do significado e, por outro, do espirito ins- trumental, de tendéncia tecnicista, que move nossa sociedads © 80 reflete nos cursos de Letras. Hé mais de uma razéo prética pera estudarmos semantica, entre elas a elaboragao de progra- ‘mas computacionais —um tradutor automético, por exemplo-e 8 construgéo de dicionérios (monolingues ¢ bilingues). Acima de tudo a reflexéo formal sobre o significado tem importancia porcue auxilia na formagéo do cidadao. independentemente deele estar diretaments interessado na descri¢éo de linguas naturale. Esse jé nos parece argumento suficiente para que professores de Mfagua, em especial professores de portugués brasileiro, dem especial atengao aos estucos sobre o significado. E evidente que a somantica éimprescindivel para aqueles cxjo objeto de reflexdo ¢ a linguagem humana, j4 que a propria definigéo de linguagem supée a existéncia de significado. Inde- pendentemente do quadro teérico do pesquisador, uma defini- ‘go de lingua (ou de linguagem) carrega sempre uma remisséo A semntica. Ferdinand de Saussure (1981 ~ publicado pela primeira vez em 1916), consideradoo pai da Linguistica, afirma- ‘va que o signo linguistico é a jungao de significante e significa- do. Noam Chomsky (1986) diz que a sintaxe permite 0 emparelhamento entre forma fénica e forma logica, ou soja, entre som e sentido, Essa definicao é compartilhada por George Lakoff (1987), um dos propagadores da _semantica Cognitive e opositor do programa cientifico encabegado por Chomsky. As ‘sim, para aqueles interessados na linguagem, a relevancia da ‘Semintica é incontestavel. No entanto, até bem pouco tempo, ela era empurrada para fora dos dominios da Linguistica,’ em especial porque nao hé uma teoria unificadora do significado e porque a seméntica ainda mantém um forte vinculo com a Metafisica. Embora sem consenso sobre o que 6 0 significado & ‘come ele se rolaciona ao mundo, a pesquisa em semantica Ch, explodiu nesses tiltimos anos, de tal modo que, hoje em dia, ninguém nega seu lugar na Linguistica.” (O caso da aposentadoria Por que ostudar seméntica ¢ importante? Ha muitas respos- tas possiveis a essa pergunta, vamos desenvolver apenas uma delas: a sua importéncia para a formagao do cidado, EmmonBach (1989), na introdugéo informal & Seméntica Formal, cita um poema de Zang Zi, que diz 0 sequinte: “As palavras néo elo apenas ar soprado, Blas tém significado”. E continua: "Nisto as palavras pparecem diferir do canto dos passaros", Portanto, a resposta mais trivial para a nossa pergunta ¢: estudar SemAntica importa porcue aspalavrase sentengas de uma linguatém significado, Ora, refletir 1. Veriian (1982) 2. Ver os comentérios de Bach (1988) de Chierchia & MeConnell-Ginst (41998). 2 FF GenteanEwto BO ] Bla 6 verdadeira apenas na tiltima situagao. E a sontenga em (2)? Essa é uma sentenga complicada, porque, como veremos no capitulo 4, o conectivo ‘ou’ pode receber duas interpretagées: uma leitura inclusiva e uma letra exclusiva. A leitura inclusiva, parafraseada em linguagem jurfdica por'e/ou', 4, na verdade, a tinica leitura possivel, pragmaticaments; afinal nos: ‘um tanto irracional admitir que alguém, para se aposen- "tar, tivesse quoter ou 65anos de idade ou90 de trabalho. Em outros ‘termas, se uma pessoa tivesse 65 anos de idade e 30 de trabalho, centao ela ndo poderia se aposentar porque estaria preenchendo as duas condiges simultaneamente. Suponhamos, pois, que, por razdes pracméticas, a interpre- tagdo do ‘ou’ na sentenga em (2) 6"e/ou'-Nesse cazo, nossa tabela de situacbes de aposentadria é bem diferente da tabela anterior: ao | Ro ENE | Taco mopege | remagee [ amee . |<) <) l saiu, Nossa maquina seméntica deve fomecer essas duas in- terpretagées. Ese ela trabalhar com uma Semantica Discursiva, 23 {sto 6, uma SemAntica que leve em consideracao sequéncias do sentengas,' deverd ser capaz de escolher entre as duas intor- pretagdes tendo em vista o contexto discursivo em que a sen- tenga ocorre. Imagine, por exemplo, que a sentenca em (1) soja proferida como resposta & pergunta: (2) Onde esta o Pedro? Nesse contexto, nossa mquina deve impedir que a inter- pretagao em (18) seja acionada. Como é que isso acontece? Para construir essa maquina, o semanticista deve, por- tanto, explicar por que o falante interpreta desse modo endo de outro. Por que & que a sentenca om (1) 6 ambigua — isto 6, tem dues interpretages —, a0 passo que a sentenga em (3) 96 admite uma (inica interpretagéo? (3) Ble disse que Joao saiu. Nesse caso, ‘ele’ e ‘Joao’ nao podem ser co-referenciais, {isto 6, indicar 0 mesmo indivfduo no mundo. Em outros tenmos, 0 individue que disse que Joao saiu nao pode ser 0 Joao. Que regra explica que a sentenca em (1) tenha duas interpretagies ‘e que a sentenca om (3) admita apenas uma tinica? Que tipo de regra ou regras regem esse comportamento? Essas obviamente nao so questées simples, © 0 semanticista tem que enfrenté- las, poraueé a explicitacéo dessas regras que permitiré que sua méquina funcione. Como dissemos, o objetivo do somanticistaé mimetizar a capacidade seméntica de um falante, portanto sua maquina deve nao apenas fornecer interprotagdes adequadas para qual- quer sentenga da lingua que esta sendo estudada, mas também TL Vor Kamp e Reyle (1993) para uma introdusio a0 concaite de Seméntica Discuroiva, ‘ter uma plausibilidade pstcolégica. Imagine que o semanticista tenha construido uma maquina que seja empiricamente ade- quada porque fornece para uma sentenga qualquer da lingua- objeto uma interpretagéo, mas seja montada a partir de uma lista imensa de sentencas da lingua. Para isso, essa maquina precisa de uma meméria enorme. Nesse caso, o modelo pode funcionar muito bem, mas ele ndo tem validade psicolégica, Porque sabemos que a meméria humana néo comporta uma infinidade de sentengas. Sabemos, também, que o ser humano aprende uma lingua muito répido e produz sentengas que ele nunca ouviu antes. Esses fatos inviabilizam a hipstese de que nosso conhecimento semantico seja uma lista de sentencas. O modelo do semanticista deve, se o objetivo mimetizar anossa capacidade para atribuir significado a sentencas de nossa lin- ‘gua, responder & plausibilidade psicolégica Seria ainda preciso acrescentar que, ao construir seu modelo semantico, o semanticista deve evitar hipéteses ad hoc. Ele deve evitar criar uma hipétese que explique um fenémeno particular, sem conexéo com as outras hipéteses domodelo que ele est construindo. Quanto maior for o nimero de hipéteses isoladas, menos 0 seu modelo explica a capacidade do falante, porque nao é possivel que um falante, para interpretar, lance mao de regras isoladas, que sé funcionem para um determinado fendmeno. Nesse sentido, um modelo deve ser econémico: ex- plicar 0 maior nimero de fendmenos com um menor namero de hipéteses “avulsas”, isoladas. Essa 6 uma propriedade impres- Giudivel se nosso objetivo for comparar dois modelos to6ricos. Imagine que dois grupos de semanticistas tenham construido duas méquinas seménticas. Elas se comportam de maneira absolutamente idéntica com relagao aos dados empiricos, por- ‘ue provéom as mesmas interpretagdes, © s30 igualmente ade- ‘quadas, pois excluem sentengas inaceitaveis. Nesse caso, como afirmar que uma delas é melhor? Aquela que for mais econémi- ca, cuja construcdo depender de um numero menor de “instru- ‘g608", seré a melhor. Como no estaremos comparando teorias, ‘esse aspecto nao sera levado em consideracao neste livro. A Somantica Formal na Linguistica contemporénea No momento atual, a reflexéo sobre o significado, a0 menos na Linguistica, ndo pode ser caracterizada como mono- Iitica. Hé varias maneiras cientificas de se estudar 0 significado, endo parece haver ainda argumentos suficientes para demons- ‘rar que uma dessas altemativas soja a melhor teoricamente. Se tomarmes 0 caso brasileiro atual, podemos detectar, com razod- vel seguranga, trés grandes orientacSes tesricas na Semaintica: ‘a Semantica Argumentativa, a Seméntica Cognitiva e a Seman- tica Formal. Excluo dessa lista a Semidtica porque 6 possivel ‘axgumentar que ela se constitui numa disciplina & parte.” ‘A Semantica Argumentativa funda-sena Franga,nadécada de 70, com o trabalho de Osvale| Ducrot (1972, entre outros) sobre os operadores argumentativos. Sua principal desavenga com a ‘SemAntica Formal centra-sena questo da referéncia. A Seméntica ‘Argumentativa acredita que usamos a linguagem néo para falar algo sobre o mundo, mas para convencermos o nosso interlocutor ‘entrar no nosso jogo argumentativo. Nessa perspective, n&o intereasa se um proferimento 6 falso ou verdadetro, interessa se ele serve aos propésitos do convencimento. Desfazem-se, assim, ‘as fronteiras entre a Somantica ¢ a Pragmitica. £ por isso que, na SemAntica Argumentativa, néo é possivel investigar a forma se- ‘mantica que se mantém inalterada nos vérios usos que fazomos dela. Na anélise argumentative, uma sentenga como ‘Joao no ‘comeupouce'6 diferente dependendo dos encadleamnentosargumen- tativos em que ela se situa. A Somantica Formal descreve a forma semantica dessa sentenca, recuperando a informagéo linguistica que se mantém constanto nesses varios encadeamentos." ‘Pera uma discussdo mais datelhada sobre eases trés modelos tobricos da Semdatics, ver Pos do Oliveira (1996) 3, Oleltor pode comperar # andlise do ‘no e6...mas também, foita por A Semantica Cognitiva surge na década de 80, com a publicagdo de Metaphors we live by, de Goorge Lakoff e Marie Johnson, em franca oposicéo a abordagem gerativa na sintaxo @ & abordagem formal na semantica. Uma diferenca marcante entre a abordagem formal ¢ a cognitiva esta no conceito de pensamento. Para a soméntica Formel, o pensamento é propo- “sicional, ele funciona como uma linguagem. A Seméntica Cog- nitiva vé 0 pensamento como estruturado por esquemes de imagens, que se manifestam na nossa fala ordinéria. Nessa porspectiva, a linguagem ordinéia, nossas agées © nosso pen- ‘samento so estruturados, om sua maior parte, por metéforas, mapeamentos entre dominios conceituais distintos. Uma sen- ‘tenga como ‘Jodo gastou dois dias neste trabalho é metaférice, porque ela é uma manifestacao de um mapa cognitive que entende o tempo como algo que consumimos, que gastamos. Esse mapa tem como dom{nio-fonte nossas experiéncias compo- reas com objetos concretos que so consumicios. O significado 6, portanto, motivado. Além disso, nessa perspectiva, nao hé uma faculdade da linguagem, um médulo responsével pela interpretagdo das sentencas de uma lingua. Muito mais deveria ser dito se nossa intengéo fosse uma pesquise comparativa que buscasse determinar qual das teo- tas seménticas é a melhor, mas nao esse nosso objetivo. Queremos, antes, apresentar o leitor & Seméntica Formal A roflexéo formal tam uma longa trajetéria cujo inicio esta na Grécia antiga com os estucos sobre o silogisme realizados por _Ansisteles — 0 exemplo classico de silogismo &: "Todo horiem é mortal. Joao é homem. Logo, Joo ¢ mortal” E nos titimos anes conhecou uma orescente expanséo, ‘ue tiveram resultados om empregos tecnolégicos (méquinas do tradugao, corretores sutométicos...), que, por sua ver, rever- “Guimardes (1985), na perepectiva argumentativa & descrigto formal apresontada por Tar (3067). a teram em mais pesquisas. Esta explosao dos estudos formais permitiu um crescimento espantoso de explicagdes sobre a seméntica das linguas naturais e, consequentemente, um cres- cente desenvolvimento de intimoras pesquisa. Esta, aliés, 6 ‘uma das razéos para quo este livro soja apenas uma pequena introdugdo: 0 campo da Seméntica Formal é, hoje em dia, im- pressionantemente vasto e heterogénoo. Falamos em Seménti- ‘ca Formal como se fosse um vinico modelo para nos referirmos auma maneira de descrever 0 dado linguistico, mas ela engloba diferentes modos, nem sempre compativeis, de realizar essa descrigio. Apenas para citar um exemplo, a SemAntica de Situa- ‘gaoesté em compaticfo com abordagens exclusivamente exten- sionais do significado.‘ A diferenca dos demais modelos, a Seméntica Formal entende que as relagdes de significado devem ser descritos formalmente. Vejamos 0 que isso quer dizer. Aristételes mos- tra néo apenas que a sentenga em (c) é dedutivel da verdede das sentoncas em (a) ¢ (b), mas que se mantivermos as relagdes seménticas estabelecidas nessas sentencas, o racio- “einlo serd sempre valido, independentemente do significado das palavras. (@a. Todo ser humano é mortal. b. Jodo 6 homem. & Jodo & mortal, Se as sentencas em (a) 6 om (b) so verdadeiras, entao, necessariamente a sentenga em (c) é verdadoira."E possivel que Para @ Semintica do Sttuagéo, ver Barwise @ Perry (1983), para uma ‘abordagem tetalmanto extensional, vor Higginbotham (1985) 5, Como veromos ao longo desta introdugio, a Semintica Formal uiliza © ‘conceita de verdade em sua descrigao do significado. Osignitcadode uma ‘sontenge pode ser epreendide pola oxplcitagto das condigées em gut sentenge é verdadeira. Voltaremos a esse questo. hhaja coisas que sejam mortais 6 ndo sejam humanas (as plantas, por exemplo), e coisas que nao sejamnem mortais nem humanas (0s deuses). Mas, se algo é humano, entao ele é mortal. Aristé- teles mostra que que importa 6 a relagdo entre os conceites, a estrutura do silogismo. Por isso, trata-se de uma relagéo formal. ‘Veja que a mesma estrutura esté presente no seguinte conjunto de senteng: ()a. Todos os cachortos so chatos. 6, Munique & uma cachorra, ¢ Munique & chata, Se as sentengas em (a) e (b) so verdadeiras, entéo a sentenga em (c) é verdadeira, com certeza. (ue relagac formal esté presente nos dois conjuntos de sentengas? Repare que Joio e Munique s4o membros de um _sonjunto, o dos homens e o dos cachorros, respectivamente, “Esse conjuunto, por sua vez, est contido num outro conjunto: © dos mortais © 0 dos chatos, respectivamente. Graficamente, obtemos o seguinte desenho: Conjunto dos mortaisichatos conjunto dos humanosicachoros rmembro €6 conjunto dos humarosfeachoros (Gedo. Munique, espectvarente) Podemos mostrar essa relagao entre conceitos por meio do lotras, que representam uma sentenga qualquer ou um indi viduo qualquer. Vamos usar a letra miniscula x para repre- ‘sentar um elemento qualquer, que pertence a um conjunto H, uum conjunto qualquer. Vamos precisar de outra letra, digamos ‘M, para representar um outro conjunto qualquer, que contém o ‘conjunto HI, Neste caso, se x portence a He H est contido no conjunto M, entdo x pertence a M. f légico, nao? $e vooé ainda lembra de teoria de conjuntos, podemos representar essa rela- go assim: sexe He HM, entéo xe M. Essa “equagéo" esta no lugar de intimeras possibilidades: se Jodo pertence ao con- junto dos humanos, e se 0 conjunto dos humanos esta contido zno conjunto dos mortais, entao Joao pertence ao conjunto dos mortais; se Munique pertence ac conjunto dos cachorros, ese 0 conjunte des cachorros esta contido no conjunto dos chatos, ‘ontéo Munique com certeza pertence ao conjunto dos chatos: ¢ assim sucossivamente. Vocé pode multiplicar os exemplos & vontade, Eis uma descrigao formal! Néo dificil ver nesse empreendimento um carater universalista: a relagéo descrita acima independé da lingua que falamos, Bla vale para Aristéte- les falando grego antigo no século V a.C. e para qualquer um de nés, cada um falendo uma lingua distinta. Uma breve histéria Se as raizes da reflex formal remontam a Aristételea,o projeto de estudarmos a semantice das linguas naturais a partir {Go uma perspectiva formal é bastante recente, Sua insergao na linguistica esté associada ao aparecimento do projeto da Gra- mética Gerativa, iniciado por Chomsky no final da década de 50 eas propostas na filosofiaanalitica para a descricéo daslinguas, aturais, em particular aos trabalhos de Richard Montaguo, acreditaram que as linguas naturals eram por demais vagas € amibiguas para poderem ser descritas numa linguagem formal E essa a ctenga que encontramos em Alfred Tarski (1944), por x, vg | Muitos filésofos ¢ légicos, durante boa parte do século XX, S exemplo, que, na década de 30, mostra quo as linguas natursis, so somanticamente abertas, isto 6, elas permitem a criagao de paradoxes, néo sendo, portanto, suscetivels de uma descrigéo Jégica. Durante boa parte do século XX, naohhavia na Linguistica ‘tampouco espago para pensarmos nas linguas naturais como sistemas légicos. Basta lembrarmos que o século XX foi estru- | turatista. A publicagéo de Syntactic Structures, de Noam Chomelxy, em 1987, pode ser considerada como o marco que permite explorer a tese de que uma ingua natural, mais especificamente a sua sintaxe, comporta-se como umsistema formal. Para o autor, essa afirmacéo se traduz na compreensac de que a sintaxe de uma lingua natural é ‘um sistema de regras rocursivas, isto 6, regras que podem sor aplicadas quantas vezesdasojarmos. Até esse momento, devido,em grando parte, & influéncia do estruturalismo, as linguas naturais ‘exam descritas como um conjunto finito de sentencas. E essa hipé- tese que Chomsky vai mostrar inadequada empiricamente, porque ‘Produzimos ¢ interpretamos sentengas que nunca ouvimos antes. ‘Somos criativos, Essa constatagao encontra uma explicacéo na tese do sistema formal as linguas naturais néo so uma lista de senten- as — como postulava o estruturalismo (tanto o francés quanto 0 ‘americano), mas um conjunto de regras que se aplica recursivamen- te, podendo, portanto, gerar infinitas sentengas. Vamos explorar essa ideia no capitulo 3 Chomsky, no entento, falava sobre a sintaxe das linguas naturais. Sua posigo com relacdo & seméntica 6 menos clara, Se a semantica se referir a relagées internas (formais) entre elementos, entdo ela é parte da sintaxe; em outros termos, ela 6 um sistema recursivo de regras. Mas se por seméntica enten- dermos 0 estudo do significado em sua acepgo robusta, como sinnimo de contetido, entéo Chomsky reproduz a tradigao de Bloomfield e Harris de critica ao estudo cientifico do significado. 0 estudo do significado, se entendido como a relagio entre a¢ palavras e o mundo, nao pode ser cientifico, porque nao ha wma oi natural (causal) que estabeloga uma ligagao nocesséria entre as palavras e as coisas, E mesmo com relagdo & semantica-sintaxe, a posicéo de Chomsky é de que as linguas naturais néo séo sistemas formais no sentido em que o légico entende sistemas formais: as linguas naturais nao so sistemas de deducao. Chomsky separa o mé- dulo da linguagom do médulo das linguas artifciais, entre elas © sistema légico-formal. Um filésofo que discordou dessa posi- go foi Richard Montague (1974). Em sous eseritos, que datam_ do final dos anos 60, ele afirma que as linguas naturais podem ser tratadas da mesma maneira que as linguagens formais dos l6gicos. f famosa sua afirmagao de que néo ha diferenga entre ‘aslinguagens formais as linguas naturais: “Rejeitoaafirmagao de que existe uma diferenga tedrica entre as linguas naturais © ‘as formais”.° Ao dar esse passo, Montague néo apenas permite ‘que oconhecimento formal sobre as linguas artificias enaturais, acumulado desde Aristételes, seja transportado para a pesqui- ‘sasobre linguas naturais, mas, sobretudo, afirma que as linguas naturais so (em alguma medida) sistemas légicos. A jungéo desses duas abordagens, 0 gerativismo ¢ a ‘gramética categorial de Montague, se deu, na década de 70, elas méos de Barbara Partee que pode ser considerada a mée da seméntica formal das Inguas naturais. Delimitando o objeto de estudos do semanticista ‘Seméntica nao 6 Metafisica Afirmar que o semanticista 6 um cientista resolve, como dissemos, parte da nossa definigéo de suattarefa. Na verdade, essa “Tradugée minha. No original: “T reject the contention that an important ‘heorotical difference aiste botween formal and natwallanguages” (1974: 188). ‘afimagéo apenas restringe 0 seu modo de atuagio, obrigando-oa fazer hipéteses sobre o significado quo sejam empiricamente observaveis, que tenham um certo grau de previsibilidade e que sejam econémicas. Mas essas restrigées sao ainda insuficientes, ‘Porque, como qualquer cientista, o semnanticista deve delimitar claramente 0 seu objeto de estudos. A tarefa do semanticista, afirmamos, é descrever e explicar o conhecimento que um falante tem sobre o significado das sentengas de sua lingua, sua intuigéo semantica. Nada dissemos, no entanto, sobre o que “significado” significa. Entender o que’é o significado tem sido lugar de disputa ‘entre os estudiosos: filésofos, semanticistas, légicos, psicélo- 190s" discordam sobre o que é o significado, e alguns autores, ‘como Davidson (1984), preferem se ver livres desse conceito, ‘buscando construir uma teoria do significado sem utilizélo. H4 autores que créem que o significado 6 uma relagéo causal entre uum objeto no mundo e um dado na mente. Por exempio, quando vejo uma vaca, aciona-se na minha mente © conceito vaca. Outros créem que o signiticado 6 fruto de uma convengao entre 08 individuos que compdem um grupo social. Néo vamos aqui nos estender sobre essa questo, Por agora, basta mostrarmos que o significado para 0 se manticista ndo é exatamente aquele do senso comum. E por isso «que livos de introdugéo a seméntica t8m um comego cléssico: eles se iniciam abordando o problema do significado de ‘significado’.® uso técnico de significado que o semanticista faz nao recobre todas as ocorréncias de ‘significacio’ na linguagem ordinéria. E se, ‘como dissemos, umn modelo seméntico deve ser consistente,entao temos que saber em que sentido o termo esté sendo usadio para o mantermos constante. ‘Vejamos alguns exemplos de uso de significado: (© loiter intereasado pode ao inciar londo © cldssico Ogden @ Richards (1876) e, mais recontomense, Putnam (1975). 8. Ver Lyons (197) e Rompsen (1960), entv outros, {6) Qual o significado da cor azul? {7) Qual o significado da palavra ‘azul'? {8) Qual o significado deste ato do governo? (9) O que significa ter febre alta? {10) © que significa a expresséo ‘ter uma casa’? (11) © que significa ter uma casa? Quais das sentengas acima, voc8 acredita, descrevem melhor o objeto de estudos do semanticista? Se vocé respondeu ‘KA. @)e (12), acertou, muito provavelmente utilizando a sua intuigao © 0 fato do que ou jé havia dito que o semanticista se preocupa com 0 significado de sentengas © palavras. Mas possivel justificar essa escolha. Note que (6) (7) constituem grupos distintos de perguntas, porque as respondemos diferentemen- te. Considere a primeira pergunta; ela indaga sobre o significa- do da cor azul, 0 significado de algo no mundo, Se ela for proferida no contexto de uma aula sobre a técnica Feng Shui, a resposta sera “o azul significa espiritualidade, porque ele é um elemento terra e est4 associado ao hexagrame Ken do I-Ching, ‘@montanha”. Se a pergunta em (6) estiver numa provade fisica, seu intérprete deve fomecer uma descrigéo cientifica de azul: cor da radiagéo eletromagnética de comprimento de onda com- preendido, aproximadamente, entre 480 ¢ 510 milimicrons. Cer- ‘tamente, um especialista poderia dar uma resposta ainda mais sofisticada. De maneira bastante distinta, as duas respostas remetem a uma metafisica, isto 6, uma teoria sobre como a realidade 6, sobre o que é 0 azul como fenémeno no mundo. A pergunta em (7), no entanto, versa sobre um espectro de respostas bem diferente; ela nos questiona sobre o significa- do da palavra ‘azul’ em uma dada lingua; no caso, no portugués do Brasil, Para responder a ela, poderiamos apontar uma amos- trade azul no mundo: a palavra azul significa + uma amostra de azul no mundo ‘Como veremos no préximo capitulo, estamos aqui diante da intuigao bésica das chamadas teorias referenciais do signi- ficado: 0 significado de uma palavra esté relacionado ao objeto no mundo, que é apontado, “dedado” (), pela palavra. Essa é a propriedade da referencialidade qué"és linguas naturais tém, ela nos permite “aleangar” objetos no mundo. Outra resposta possivel seria dar o significado da palavra ‘azul’, quer por um dicionério, quer pela tradugo para uma outra Iingua que o falante conhece. Imagine que a pergunta em (7) seja proferida por um americano, que jé aprendeu a formula “qual o significado da palavra___?”. Uma resposta possivel e informativa seria ‘biue’. Nesse caso, estamos construindo uma espécie de dicionario bilingue entre o portugués brasileiro © 0 inglés americano. Podemos identificar aqui uma segunda ma- neira de fazer seméntica, que tem sido comumente adotada por teorias_mentalistas do significado. Na abordagem mentelista cldssica, traduzimos de uma lingua extema para uma lingua intema, isto 6, tracuzimes a ingua externa para uma ropro- ‘sentagdo intemalizada que temos do significado das sentengas, para uma lingua mental. £ possivel também assumir a hipétese do que a tarefa do semanticista seja construir uma maquina de ‘traducdo sem, no entanto, assumir os pressupostos da teoria mentalista, Nessa interpretagao instrumental, o semanticista utiliza omodelo de tradugio para deaerover uma lingua utilizan- do outra lingua que ele conhece intuitivamente, por exemplo, uma linguagem légica, 0 célculo de predicados, Seguindo quer o caminho da tradugao quer o da roferencialidade — caminhos que, aliés, néo sao incompa- tiveis —, 6 preciso fazer a diferenga entre a pergunta em (7), que versa sobre o significado de uma palavra numa lingua, © a pergunta em (6), em que se indaga sobre o significado do “objeto” azul. Ao nos colocarmos a pergunta em (7), fazemos ‘| Seméntica; com a pergunta em (6), fazemos Metafisica. Repare ‘que as sentengas em (8) e (9) se aproximam da sentengaem (6), porque também perguntam sobre o que significa um certo fendmeno ou evento no mundo: ter febre alta significa doenca (© evento ter febre 6 causado por algum distirbio fisico); 0 ato do governo significa o fechamento das universidades publicas. Eo parem (10) ¢ (11)? A pergunta om (10) s6 admite um tipo de resposta: um esclarecimento sobre 0 significado do sintagma verbal ‘ter uma casa’. Se utilizamos o recurso da ‘tradugéo, podemos arriscar algo como: ‘ter uma casa’ significa tera posse legal de uma residéncia. A pergunta em (11) admite ‘um espectro muito maior de respostas, dependendo da situago om que ela é usada, “Deixar de pagar aluguel” pode ser uma resposta para a pergunta em (11), mas nao para a pergunta em (10). Em (11), 0 falante supée que seu intérprete saiba o signifi- cado das palavras que ele esta usando e esté perguntando o significado de um evento no mundo. Em (10), ofalante pretende que seu intérprete perceba que ele nao sabe 0 significado das palavras © que o esclarega precisamente sobre esse aspecto. E ‘essa tltima apostura do semanticista: se ale estiver analisando sua prépria lingua, ele faz de conta que néo sabe o significado das palavras e sentencas daquela lingua que esta analisando — a chamada lingua-objeto — e se prope a constnuir uma ‘méquina que fornega uma interpretacao para qualquer sentenca dessa lingua desconhecida na lingua que ele, semanticista, conhece, a metalinguagem. O semanticista éum estrangeiro de sua propria lingua. ee Uso e mengso ‘Voc certamonte jé é capaz de dizer em que as sentences abaixo so diferentes. {12) Qual o significado da vida? (13) Qual o significado de ‘vide"? 36 (© exemplo recupera a estéria (ou ansdota) de que Austin’ teria dado um curso em Oxford, eujo toma era algo semelhante & sentenga em (13), “What's the meaning of ‘ife’?". Para sua surpresa, pola primeira vez em sua carreira académica, a sua sala de aulas estavalotada Foi aos poucos que Austin entendeu que muitos na sua audiéncia estavam ali para ouvir uma respos- ta A questdo om (12), Em inglés a situagéo é ainda pior, porque acadeia sonora é exatamente a mesma: “What's the meaning of 1ife?”. Note que no PB a diferenca aparece superficialmente na T distingdo entre ‘da vida’ e ‘de ‘vida”. Austin inquiria sobre 0 significado da palavra ‘vida’; um bom diciondrio deveria forne- ‘cer uma resposta ¢ ele. Jéa sua audiéncia fazia uma pergunta Lmetatisica: 0 que 6 a vida. Ora, essa, evidentemente, é uma ‘Pergunta cuja resposta, em ultima ineténcia, 6 o siléncio (ou 0 mistério, para alguns), mas que nao pode ser respondida pela semAntica porque é uma pergumta sobre o significado do mundo. © semanticista ndo tem nada a dizer sobre essa questéo diffcel. Sua tarefa é muito mais simples (!); como cientista da Inguagem, ele esté sempre se perguntando sobre o significado linguistico que uma palavra ou uma sentenga tem. As questées em (12), assim como aquelas em (6), (8), (9) e (21), estdo, portanto, fora do ambito da seméntica e mesmo da pragmética. Essa diferenga fica ainda mais clara se langamos mao de ‘uma distincéo importante: a distingo entre uso e mengao. E muito provavel que essa diferenga faga parte do seu conheci- mento seméntico, pois voc8 bem sabe, embora posse ter pro- blemas para explicitar, quando um falante esté usando uma palavra e quando ele esté moncionando essa mesma palavra. Nocasodas sentencas em (12) ¢em (13), essa diferenca aparece marcada na presenga versus auséncia do artigo definido acom- ‘Austin foi © flésofo da tingusgem que introduzia os cancaitos de ator Iocuctonrios,locuciondniose perlocuconsrios, que deram origem ateoria ppragmética doe atoo de fala. Ver Auatin (1962); acbre © autor, ver Rajacopelen (3990), a7 panhando a preposigdo. A palavra ‘vida’ esta sendo mencionada na sentenga em (13) e usada na sentenga em (12). Nonossodia-a-dia, vivemos situagées em que as palavras so mencionadas. Imagine a situagao de uma mae dirigindo 0 carro com seu filho no banco de trés. Querendo comegar uma conversa, a mae diz: “Fala alguma coisa”; eo filho responde: “alguma coisa”. O que 6 que esté acontecendo? Certamente, ao ‘usar o sintagma nominal ‘alguma coisa’, a mae estava pedindo que ele com ela. O filho a interpreta —talvez como uma maneira do dizer que ele nao estd querendo conversa, talvez para brincar cor ela — como se ela estivesse mencionando o sintagma nominal: “alguma coisa”. # porisso que ele diz: “alguma coisa", obedecendo @ ordem da mie. Outro exemplo da diferenca entre uso e mengao é quando as mes proferem para seus filhos: "Diz, filhinho, ‘obrigado' pro mogo”, Negse caso, as maes mencionam a palavra ‘obrigado’ @ ‘querem que 0s filhos usem a palavra. Blas ndo estéo— aomenos néo diretamente — performando o ato de agradecer. Jé ao usarmos “obrigada", estamos agradecendo, Esses exemplos parecem mostrar que a distingéo entre usar e mencionar é intuitiva. Quando mencionamos, queremos falar sobre a pala- ‘vra, o sintagma, a sentenga destacada. Por exemplo, em ‘quan- tas silabas tem a palavra ‘palavra'?’ temos um uso da palavra ‘palavra’ ¢ uma mengao da palavra ‘palavra’. ‘Quando mencionamos uma palavra ou sentenga, a desta- camos do texto por meio de algum recurso grafico, em geral 0 italico ou as aspas simples. Na oralidade, é possivel que heja. uma marcacdo entoacional, As sentengas analisadas neste livro estardo todas sendo mencionadas endo usadas, precisamente porque o semanticista quer descrever o significado das palavras © sentengas de uma lingua que ele no estA usando, mas mencionando. A diferenga é sutil, mas importante, porque ela nos pemnite levar adiante a tarefa de construir um modelo seméntico consistente, Antes, porém, de justificar essa afirma- gé0, consideremos a sentenca a seguir: (14) 0 Pelé ama mulheres." A tarefa do semanticista é esclarecer o significado que um falante atribui as palavras que compéem a sentenca em (14); o somanticista nao esta de fato usando a sentenca acima. E porque no aestamos usando queoleitor deste livro sabe quenaoestamos e fato afimando que Pelé tem uma relagao de amor com as mulheres; nao estamos nos comprometendo com essa afirmagao, estamos apenas indagando sobre o significado da sentence. Se no fosse assim, entdo Pelé poderia nos processar por calinia, Um falante, ao usar ‘O Pelé ama mulheres’, tem, além da intencao de que o sou intérprete atribua as suas palavras 0 sentido que o ‘préprio falante Ihes atribui (sua intencao semAntica), também utras intengées, entre olas a de que seu proferimento seja sma evidéncia de que ele acredita que Pelé de fato ama mulheres. ‘Bvidentemente, akguém que usa a sontonga acima pode tor vérias ‘outras intengées além da de afirmar o que a sontonga diz; ele pode, por exemplo, ter a intengio de quo o seu intéxprete desista do tentar conquistar Pelé. Determinar essas e outras intengées nio & mais tarefa da semantica. Cabe & pragmética descrever os usos da linguagem. A semAntica, mais modesta {!), quer falar sobre significado da sentenga cue se compée de ‘o’, ‘Pelé’, ‘ama’, ‘as’ e ‘mulheres’. Voltaremos adiante aos limites entre semintica © pragmética, Lingua-objeto e metalinguagem Soparar uso de mengao é um mecanismo engenhoso que permite, ao mesmo tempo, separarmos nivels de lingua. Em special permite separarmos a lingua que desejamos descraver, ‘achamada lingua-objeto, da lingua que utilizamos para explicar 40. Quando citarmos as sertengas destacando-as do corpo do texto no “tilizaremos aspae simples. A presenca da numaracio dos exemplos J fodiea que se trata de ums mangio. No corpo do texto, optanas pela ‘agpas eimplos. ‘essa Uingue-objeto, a chamada metalinguagem. J4 dissemos ‘que uma maneira de fazer semantica é construir uma espécie T’ de maquina de tradugéo. Essa méquina toma como dado exter- no sentencas de uma lingua que queremos descrever, a lingua objeto, e zetornar a sua interpretagéo numa outra lingua, uma lingua que controlamos melhor — como océlculo de predicados. Essa segunda lingua, na qual seréo estabelecidas as condigoes de | imtorpretagdo da sensenga da lingua-objto, éa metalinguager. Essa distingao foi criada por Alfred Tarski com o intuito do eliminar de seu empreendimento sentengas paradoxais, ‘como a sentenga abaixo:"” (15) A sentenga em (15) do capitulo 1 do livro Seméntica Formal: Uma Breve Introdugéo ¢ falsa. A sentenga usa e menciona a prépria sentenga em (15), de ‘modo que, se ela é falsa, ela 6 verdadeira; e, se cla é verdadeira, entdo ola 6 falsa. Experimente! Por isso ela gera paradoxo. Tarski ‘no acreditava que seria possivel descrever logicamente as lin- guas naturais precisamente porque olas s4o “semanticamente abertas”, isto 6, elas criam paradoxos como esse.” Se temos a nossa disposigao a disting&o entre uso e mengao, entdo podemos afirmar que a sentenga (16), que pode soar muito estranha quando lida pela primeira vez, pode ser a base para uma teoria do significado: (16) ‘aneve é branca’ é verdadeira se e somenteseaneve Sbranca. 1 Ver Taree (1940. 12. Por camiahos disintos, tanto Davidson quanto Montague se contrapdemn a Tarski, porque eles acreditam que possivel empreender uma descrigso formal das inguas nacurais. © antecedente, o que esta A esquerda, é uma mengéo, daf a sentenca aparecer entre aspas simples. Trata-se, pois, da Hngua que queremos descrever, a lingua-objeto. Ao explicitar que a sentenga mencionada significa que a neve é branca no consequente, o que esta @ direita, em negrito, o semanticista est usando uma cutra lingua, uma lingua que ele, semanticista, ‘pode controlar ou cujo significado ele sabe intuitivamente, para fomecer as condigbes de interpretagéo da sentenga na lingue- objeto, Trata-se da metalinguagem. Agora deve estar claro por ue essa sentonga é informativa, mesmo que ela parega dizer 0 Sbvio: ela traduz a lingua-objeto, externa, para a minha lingua. Ao executar esse movimento, entendoo significado da sentenga ue ofalante diz, Se vocé ainda ndo sentiu a forga dessa estéria, Dbasta imaginar que a lingua mencionada é uma lingua que voc8 desconhece: (IT) ‘Het sneuweenist wis’ 6 verdadeira em holandés se @ somente se aneve 6 branca. Se a lingua-objeto for o holandés, e a metalinguagem, a linguagem que usamos para descrever 0 significado da lingua mencionada, o PB, entao aprendemos algo quando lemos/ouvi- mos a sentenga acima, porque ela reproduz na metalinguagem as condigdes de verdade da sentenca da lingua-objeto. Bis af ‘um modelo para nossa miquina de tradugao. ‘Seméntica e Pragmética ‘A distingSo entre uso e mengao pode nos ajudar a com- render outra distingdo classica nos estudos do significado: aquela entre seméntica ¢ pragmatica. O trecho a seguir, uma assagem famosa de Rudolf Camap, formula a distingao entre sintaxe, semantica e pragmética: | | ‘Se em uma investiga € fit referencia explicita wo locator, em termos mais geais, aos vilizadores da lingua, ent tl investigao pertence ao campo da pragma (e neste cso fetareferécia também 08 significado ou no no faz aes dferaga para eta clasifica io), Se faze abstr do utlizaor da lngnaeanalisemossomente as exprsstesc seas signiticades, estamos no campo da semitice. Es, Tiralimene, faemos absraclo também dos signifcados anaisamos ‘apenas as relagde ene expresses, estamos no campo da sintaxe (gia) (Camap, 1942, 94° Podemos dizer que o estudo sobre o uso efetivo da lingua- gem cabe & pragmatica, ao passo que & soméntica caberia a descrigéo da sentenga isolada de sou contaxto de uso, fazendo abstracao do falante. A semAntica analisa a sentenga mencio- nada endo a usada, Essa distingao classica 6 muito util, princi- palmente quando comegamos a refletir sobre os limites entre ‘esas areas, porque ela revela bem uma das tarefas da seman- tica: descrever 0 significado das sentencas de uma lingua. Analisemos a sentenga abaixo: (18) Este casaco 6 bonito. ‘Uma das tarefas do semanticista 6 fomecer, na sua meta- linguagem, as condicbes em que a sentenga 6 verdadoira, sem fazer referéncia eo ao efotive deaaa zentonga. Vamos utiliser 0 proprio PB como metalinguagem. Podemos dizer que asentenca ‘Este casaco é bonito’ éverdadeira se e somente se o objeto que © falante esté apontando é um casaco ¢ se esse casaco possui 1 propriedade de ser bonito. Um falante pode usar essa senten- a, om diversas situagbes distintas e pode fazer muitas coisas com ola, ter diferentes intengées. Imagine uma situagao em que sama nee 18. Apu Dasoal (1982) aw a uum falante profere ‘Este casaco 6 bonito’ ironicamente. Imagine, agora, essa mesma sentenca proferida em frente a uma loja de casacos de pole pela esposa de um empresério que utiliza frequentemente 0 recurso do ato de fala indireto para pedir coisas ao maridinho. Séo iniimeros os usos possiveis dessa sentenga. A forma semaatica permanece, no entanto, a mesma fem todos esses casos, porque ela recupera o significado da sentenca, que &, por sua vee, consiru{do a partir do significado das palavras que a compoem: ‘este’, ‘casaco’, 'é' e “bonito! Esses outros, "significados’, que remetem & intengéo do falante para além do sua intengao seméntica, para além do que a sentenca significa, so normalmente objeto de estudo da prag- ‘mitica e so comumente chamados de “significado do falante’, ara diferenciar do “significado da sentenca”, ima Separar a seméntica da pragmética a partir da ideia de que a sernintica descreve o significado “fora de uso” e a prag- ‘maatica, 0 significado em uso, nao 6, no entanto, de todo adequa- do, embora seja pedagogicamente eficiente. Por isso, muitos manuais de introducdo separam esas éxeas, colocando, de tm lado, 0 estudo do significado da sentenga fora de seu uso, ¢, de outro, a sentenga em uso. Mobilizam, para isso, a ideia de contexto. Nessa perspectiva, a soméntica néo trabalha com 0 contexto de proferiments da sentenca. Embora essa distingao seja itil, ela pode ser enganosa,Gorqud ha elementos da son- tenga cujas interpretagSes dependem de informagdes contex- tuais, mas que nem por isso podom ser clasificados do Pragmidticos, em especial dado 0 carater sistemanico de sua interpretagao. # esse 0 caso dos déitices, ou também das cha- madas expressées referenciais.”* A descrigéo do significado da sentenga acima depende do significado do sintagma ‘este ca- aco’, mas, para interpretarmos esse sintagma, precisamos saber para que ofalante esté apontando, 0 significado de ‘este’. ‘Este’ pega ostensivamente um objeto na situacéo de fala. 14. Sobre 08 dBitios, vor Laud (1979). a Eivwo : TEM FO Assim, 6 apenas com referéncia a um contexto que podemos atribuir uma interpretagdo semiintica & sentenga em (21). Excluir os déiticos da seméntica implica deixar de repro- uzir na nossa maquina sentengas t4o banais quanto: (19) A Maria casou porque ‘casou' carrega um elemento déitico, O sufixo'-ou marca que 0 evento sobre o qual estamos falando, o casamento de Maria, ocomeu num instante anterior ao momento em que ocorre o proferimentode'a Maria casou’. Imaginemos umalinha do tempo para visualizarmos que o evento 1, 0 casamento, antecede o evento2, o proferimento da sentenga‘a Mariacasou’ Eo eee eee ee evento 4 ‘evento 2 casamento de Maria proferimento de “a Maria casou" ‘Trataremos, no capitulo 6, do tempo verbal. Por enquanto basta mostrar que, se os déiticos, como jé se tomou classico na literatura, so elementos cujas interpretagdes remetem ao con- texto, e 0 morfema temporal 6 déitico, porque esté ancorado no momento de fala, ent4o a semAntica ndo poderia explicar a sentenga acima, Mas um modelo que busca descrever 0 conhe- cimanto que um falante tem do significado das sentengas de sua lingua néo pode deixar de descrever esses elementos, porque @ sua contribuigéo para o significado da sentenga 6 sistemética, Sabemos que 0 déitico ‘eu’ remete sempre aquele quo fala, ¢ ‘voce’, Aquele que 6 o intérprete do falante: quando eu falo, eu sou 0 ‘eu’ e voc’, ‘vocé'; quando vocé fala, voce 6 ‘eu', ¢ eu sou ‘voce’, Essas so relagbes sisteméticas, por isso 6 posstvel dar um tratamento semintico a esse tipe de fenémano e deixar @ pragmatica uma teoria da intencionalicade, quo Eveca Lt explica os atos que realizamos por meio da linguagem. A prag- mética deve explicar como as pessoas conseguem_agir por intermédio do que elas dizem. Vejamos um exemplo dessa separagdo entre Semantica e Pragmética, Suponha que Maria esté num restaurante e que ela diga a0 gargom: "Eu gostaria de um copo de agua”. A Maria pode ‘usar essa sentenga pare fazer varias coisas, entre elas, para pedir, ao gargom que Ihe traga um copo de égua. Se seu ato de fala for bem-sucedido, ela consegue realizar omesmo que se ela tivease dito “Me traga um copo de agua”. Falar 6 realizar um ato." Imagine agora que Maria profere a mesma sentenca apés escalar uma montanha. De novo, ela pode estar fazendo muitas coisas comesse proferimento. Pode estar apenasreportandoum desejo ou pods estar reciamando, fazendo com que seu compa- nheiro — que insistiu tanto na caminhada e esqueceu a égua— se sinta culpado. Embora o significado da sentenga nas duas situagGes seja o mesmo, elas tém interpretacées diferentes, porque desencadeiam agées distintas ‘Como & que sabertos isso? Essa 6 a pergunta que a prag- :ética procura responder, A Seméntica cabe explicar a contribut- gdode‘ou’ sara 0 significado da sentenga. Responder pergunta da pregmétice depende de levarmos em consideracio outras infonmagées além da informagéo Linguistica; por exemplo, © conhecimento de mundo compartilhado, nosses experiéncias com restaurantes, escalacas de montanha e relagées afetivas, eas ‘expectativas que temos sobre os motivos que evam alguémadizer algo. A pragmética é, pois, 0 estudo dos usos_situacionais da linguagem. Ela enxerga os usos da linguagem como agées que visam a um efeito intencionado: pedir um copo de égua, reclamar da escalada, reportar um desejo, .."* 18. Ao Todigit esto livro, resi, evidentomente, um ato de fala que osté {nvostido das mais diferente intongSes. 16, Para uma inrodugio & progmética, ver Levinson (1980). 4s Muitas vezes, no entanto, néo 6 fécil separar 0 conheci- ‘mento que o falante tem das palavras e sentengas do uso que ele faz dessas palavras e sentongas; 6, as vezes, dificil separar que a sentenga significa do que o falante quer significar com ‘seu proferimento. Os limites entre a semantica ea pragmatica 18m sido, aliés, motivo de muita controvérsia.”” Para fins didéti- cos, deixemos & semantica a tarefa de descrever, explicar € prover o significado das palavras sontengas, incluindo ai o significado dos déiticos, pois eles certamente fazem parte do conhecimento semantico de um falante. A pragmdtica cabe o ‘estudo sobre as possiveis intongSes do um falante ao proferir algo, que agbes ele pretende desencadear com seu ato linguis- tico. A semantica fomece o significado de uma sentenca sem fazor referéncia aos possiveis usos e agées que com ela se produzem. Como veremos, essa tarofa nao é nada simples. Exercicios 1. Leia o trecho abaixo: “0 dente-de-leso é uma flor conhecida pelo seu admirével poder de renovacéo. Suas pétalas séo na verdade semen- tes, que se espalham com um sopre ou com o vento & significam a vida e a renovagéo.” (Qual o significado de ‘significam’ nesse contexto? f esse 0 significado de ‘significado’ do semanticista? Justifique a sua resposta. 2. Que tipo de problema as sentencas abaixo colocam para uma teoria do significado? (a) Ele saiu. (b) Isto é azul. 17, Sobre a distingzo ver Pixos da Olvera @ Banoo (2007). Faga uma anélige seméntica intuitiva da sentenga abaixo, isto 6, explicite o significado da sentenga em ( (a) Este aluno ¢ excelente. ‘Em seguida, crie pelo menos dois contextos de uso que mostrem que essa sentenca pode veicular diferentes signi- ficados do falante. Explique em que consiste a diferenca entro as sentencas (a) @ (b) nos grupos abaixo: (a) © que significa ser casado? (b) © que significa ‘ser casado"? (@) Ontem eu fui a praia. (©) ‘Ontem eu fui a praia’, Utilizando os conceitns de uso e mengéo e as aspas simples, reesctevaas sentencas abaixo de modo a tomé-las coarentes: (a) Florianépolis 6 ac norte de Porto Alegre, mas" Porto Alegré néo 6 ao sul de Florianépotis: (b) A Gitima palavra para a melhor solugao da sentengaem (a) € Florianépolis. (©) A esposa de Carlos chama ele de’Carlos: (portugués brasileiro) (@) Nasentenga acima a palavrd esposd'est4 sendo usada. (@) De acordo com W.V.duine, "Boston nomeia Boston ¢ Boston nomeia Boston, mas 9 néo designa 9°(Exemplo adaptado de Cartwright, apud Larson & Segal (1995),) Assentenga abaixo ¢informativa? Justifique a sua resposta. {@) ‘Ser casadio’ ser casado. 7. Imagine que a sentenga em (a), é proferida num dia de chuva torroncial: (a) Que dia ensolarado! Analise a sentenga do pont de vista semantico @ do ponto de vista pragmético. aie (aitlo 2 Z ARESTRICOES A CONSTRUCKO DE UM MODELO SEMANTIC © semanticista, dissemos, busca reconstmuir o conhec- ‘mento que um falante tem sobre o significado das palavras e sentengas de sue lingua Faz isso a partir da construgio de uma méquina que nao apenas toma sentencas de uma lingua-objeto, queo semanticista descenheco ou finge desconhecer, e forece, ‘usando uma me:alinguagem, indicagées sobre as condigées em que tal sontonga 6 verdadeiza, Mas 0 objetivo do semanticista é mais do que fazer um ‘manual de tradugéo para uma lista de sentengas; é reproduzit 8 capacidade seméntica, intuitive, que um falante tei de sua lingua. E no apenas um falante sabe muito sobre o significado das palavras e sentenges de sua lingua, como também ele 6 criativo, ele inventa palavras, sentengas, interpreta outras que nunca ouviu antes. Ele néo fala apenas sobre as coisas do mundo, aprende sobre outros mundos através da linguagem. E ‘mais, seu conhecimento sobre as sentengas de sua lingua néo um conhecimento isolado; trata-se, antes, de uma rede de sentengas que se relacionam. Essas trés propriedades, a js) Stiatividade, a referencialidade e a rede de sentengas, porque f° | Parecem ser essenciais para termos uma lingua, funcionam 4a i como restrigdes a maquina que o semanticista est construindo. ‘Um modelo que nao as reproduza é inadequado.e precisa, entao, ser revisado, Pode haver outras propriedades das linguas natu- ais que ainda nao conhecemos, mas nao hé ciividas sobre a importancia dessas trés. Iremos, neste capitulo, exploré-las, A ctiatividade 6 nossa capacidade de entender (e produ- zir) sentengas novas. A referencialidade diz respeito ao fato de que usamos a Iingua para falar sobre o(s) mundo(s) (inclusive o ‘mundo interior, o dos sonhos, o da ficgdo). A rede de sontoncas diz respeito ao fato de que saber uma sentenca ¢ sabet muitas outras, porque as sentengas de uma lingua se inter-telacionam. © somanticista busca reconstrair em sua maquina semantica essas trés propriedades das linguas naturais. Criatividade Com certeza, vocé dificilmente teré ouvido a seguinte sentenga: (I) Tem um eachorro cor-de-rosa na sala. No entanto, se vocé é um falante do PB, nao tem problema algum em atribuix uma interpretacao @ cadela sonora ropre- sentada graficamente em (1), Vocé consegue inclusive imaginar a situagéo. Como isso ¢ possivel? E possivel porque voc8, como ser humano ¢. Maria; caiu no colo do marido delai. Oisubscrito.a VJoao'e ‘ele’ demonstra o vinculo anaférico entre esses elementos; garante que estamos falando sobre o mesmo individuo, Esses elementos esto co-indexados, e ‘Joao’ 6 cantecedente do pronome ‘le’. Julgamentos deco-eferencialidade envolvem a capacidade de perceber a dependéncia da referén- cia de uma expresso aquela atribuida por outra expresséo, por isso falamos em cadeia; a referéncia atribufda a ‘Jogo' projeta, Por cadeia, a referéncia de ‘ele’ A intuigdo dos falantes para a relagdo anaférica parece ser bem clara. Considere: (33) Joao disse que ele saiu. 10. Actegoria vazia 6 comumente representada na sintaxe pore, do inglés ‘empty A sentenga em (33) 6 ambigua, porque o pronome ‘ele’ pode ou néo estar co-indexado a ‘Jodo’, o que produz duas formas semAnticas distintas: (88) a. Jodo, disse que ele, salu. b, Joo, disse que ele saiu. Em (33b) saiu alguém que néo foi o Joao. Considere agora o par de sentengas abaixo, discutido por ‘Negrao & Muller (1996): (34) Ninguém disse que ele sai, (35) Ninguém disse que saiu. Que diferenca seméntica existe entre elas? Em (24), 0 pronome ‘ele’ ndo pode estar co-indexado ao conjunto dos individuos que disseram algo: (36) * Ninguémy disse que ele; saiu, ‘Quem saiu néo pode ser uma das pessoas que néo proferiu a sentenga. Jé a sentenga em (35) pode ser interpre- tada co-referencialmente: a categoria vazia pode estar vincu- lada ao quantificador universal. Voltaremos a esse problemano capitulo 5. Acarretamento \Vocé ja deve ter percebido a complexidade da descrigéo de cada uma dessas relag6es seménticas que realizamos intui- J tivarnente, som o menor esforgo. Ninguém tem problemas para interpretar as sentengas discutidas, Dificil ¢ tentar explicar ‘como 6 que nés sabemos isso, como s40 as regras. Como se néo " bastasse, o semanticista pretende que sua maquina seméntica, reproduza nossa capacidade para deduzir sentengas de outras sentengas. Jé fizemos isso neste capitulo, quando afirmamos que se a sentenga ‘Maria est morta’ 6 vordadeira, entéo é verdade que ‘Maria ndo esta viva’. Dissemos, também, que a sentenga ‘Joao néo é soltsiro’ nao acarreta a verdade de ‘Joao @casado’, porque ele poderia néo ser solteiro e ainda assim ndo ser casado: ser viiivo, por exemplo. A capacidade de deduzir sontengas de outras sentengas tem sido estudada © descrita pelos logicos desde Aristételes, ‘que foi quem demonstrou que deduzimos mecanicamente sen- tengas verdadeiras do outras sentencas verdadeiras. Falamos sobre esse exemplo no capitulo anterior, quando explicamos o titulo “Semantica Formal”. Vamos repeti-lo: (37) a. Todo homem & mortal. b. Jodo é homem, c. Joao é mortal. Se as premissas do silogismo, (37.a) e (37.b), forem ver- ‘dadeiras, entdo a conclusio em (37.c) se segue necossariamen- te. O fenémeno de deduzir sentengas de outras sentengas 6 chamado de acarretamento semantico ou consequéncia légica Porque tém a ver com as relagées de dedugao a partir do significado dos termos. Se vocé sabe o que ‘estar morto’ signi- fica, voc8 também sabe o que ‘estar vivo! significa, porque para entender o significado de um 6 preciso que se entenda o signi- ficado do outro. Na condigéo de linguistas, a relagio de acarretamento importa porque nos permite entender melhor a estruturaseman- ‘tica das sentengas. Para checar se duas ou mais sontengas estabelocem uma relagdo de acarretamento, 6 preciso verificar se a verdade de uma ou mais de uma sentenga é uma decorrén- 7 cia da verdade de outra ou outras sentengas. Suponha que ‘queremos verificar se a sentenga em (39), abaixo, 6 acarretada pela sentensa em (98), A sentenga em (38) 6 uma consequéncia Joaica da sentenga em (28)? & possivel que a sentenga em (38) seja verdadeira e a sentenga em (39) seje falsa? (38) Carlos corre rapidamente. (39) Carlos come. ‘Voc6, com certeza, disse que se Carlos corre rapidamente, entéo ele necessariamente corre. Ou seja, se a sentenga em (38) 6 verdadeira, a sentenga em (39) também é verdadeira. Consi- dere, agora 0 inverso: sera que a sentenga em (38) é acarretada pela sentenga em (39)? Nao, porque Carlos pode correr sem ser rapidamente. A relagéo de acarretamento nos diz, portanto, sobre a estrutura da sentenga, porque cla nos garante quo podemos decomper a sentenga em (38) em ‘Carlos core’ e ‘rapidamente’. ‘Vamos exemplificar a importancia do acarretamento dis- cutindo 0 problema dos adjetivos."* Analise, com cuidado, os dois blocos de sentengas abaixo: (40) a. Isto é vermelho. b, Isto 6um vestido. c. Isto 6 um vestide vermetiv. (dl) a, Isto ¢ grande. b, Isto éuma baleia. ©. Isto 6 uma baleia grande. 1, Para um eprofundamento, ver Borges (1991), Larson & Segal (1995), Chierchia & McConpell-Ginet (1986). 6 ‘A pergunta 6: em cada um dos casos, a sontenga em ¢ 6 ‘consequéncia das sentencas em a e em b? Imagine, para cada ‘um dos blocos, que isto’ se refere sempre ao mesmo objeto. Em (40), ‘isto’ se refere sempro ao mesmo vestido, 0 em todas as sentongas de (41) isto’ sorofore a uma mesma haloia. Tomemos inicialmente o bloco em (40): se a sentenca em a é verdadeira e se a sentenca em b 6 vordadeira, entéo a sentenga em c nocessariamente & verdadeira? Sim, ha acarretamento. Ento Potemos concluir que a sentenga em c se decompée nas sen- ‘tengas em a e em: ‘isto $ um vestido vermelho' é sindnimo de ‘isto & um vestido e isto é vermelho'. O mesmo raciocinio néo vale, no entanto, para o bloco de sentengas om (41). Se as sentengas em a e em b so verdadeiras, daf néo pademos deduzir que a sentenga em c 6 necessariamente vordadeira, Porque pode se tratar de uma baleia pequena, embora ela, ‘enquanto balela, seja grande. De forma que, nesse caso, néo ‘Podemos decompor a sentenca em c nas sentencas em ae em. A forma semantica da sentenca om (41.c) no é: isto uma baleia e isto 6 grando’. O que impede tal interpretagao 6 0 fato de que o adjetivo ‘grande’ em (41.c) esté modificando ‘baleia’, trata-se de uma balela que é grande comparada a outras baleias; enquanto que ‘grande’ em (41.2) é usado de ‘maneira absoluta. Do fato de que a baleia 6 grande tomando ‘como padtréo os seres vives nao se segue que ela sejauma baloia grande; ela pode, inclusive, sor uma baleia and e continuar sendo grande. Voja outro exemplo: (42) Isto 6 um verme grande. ‘Serd que podemos deduzir daf as sontongas om (43) eem (44)? (43) Isto é um verme. (44) Isto é grande. Nao podemos deduzir a sentenga em (44), porque um verme 6 algo pequeno, mesmo que ele, um individuo particular do conjunto dos vermes, seja grande. Costuma-se, na literatura, separar classes de adjetivos. Adjetivos como ‘vermelho' sao chamados de intersectivos, por- que éles se combinam com uma outa propriedade. Adjetivos como ‘grande’ sao subsectivos ou relatives, porque so sensi- ‘veis ao contexto: algo 6 grande ou pequeno de acordo com um parametro. Considere, agora, o seguinte par de sentengas: (45) Ble 6 um médico grande. (46) Ele 6 um grande médico. ‘Voc8 percebe uma diferenga semantica entre elas? Em (46),cadjetivo ‘grande! atua sobre ‘médico’, tanto ue é possivel que ele seja um grande médico e anao. Ela pode ser parafrasea- da por: U> YOY Ble 6 grande como médico. wee 4Jé a sentenga em (45) diz que ele médico e é grande relativamente aos padrdes dos homens. Embora a ordem das palavras néo seja determinante, ela parece exercer uma fungéo na interpretago acima. Adjetivos intersectivos tim ordem fixa: (47) * Comprei um vermetho vestido. ‘Trouxemos o problema dos adjetives para mostrar que a relagéo de acarretamento entre sentengas pode nos ajudar a entender a estrutura seméntica das sentencas, Além disso 0 acarretamento deve ser reproduzido por nossa maquina, porque um falante sabe deduzir sentencas de sentencas. Pressuposigéo HA muita controvérsia sobre o lugar da pressuposigéo. Alguns autores a tratam como pragmética, outros, como seman- tica."* Nao ha diividas, no entanto, de que ela 6 um fenémeno ‘que ocorte entre sentencas e que faz parte do nosso conheci- mento intuitive. Vejamos um caso. Imagine que uma amiga sua ‘esta sendo julgada por tréfico de drogas. O promotor, incumbido do demonstrar que ela é culpade, Ihe faz a seguinte pergunta: (51) Vocé parou de vender cocaina? O advogado de defesa se levanta indignado, clamando ‘que a pergunte épemiciosa, porque coloca sua cliente num beco sem saida. £ possivel mostrar que © advogado de defesa tem azao, uma vez que sua cliente ndo pode responder & questao proposta nem com ‘sim’ nem com ‘néo’, porque com ambas as Tespostas ela assume sua culpa. Quer ela responda “ndo", quer "sim", esta se compromeiendo com a pressuposigao de que ela vendia cocaina antes. A sentenga em (51) pressupée a sentenga: (52) Vocé vendia cocaina antes. ‘A sua amiga teria, no entanto, uma saida: ela poderia negar apressuposicéo; “eundoparei de vendercocaina, porque eununca /vendi antes”. A pressuposigao, diferenga do acarretamento, pode sor_gancelada por isso ela é considereda pragmética. Se a ‘sentenca pressuposta fosse uma consequéncia légica, ndo seria possivel cancelé-la. ‘Temos pressuposicéo quando, para atribuirmos um valor de verdade — 0 verdadeiro ou o falso — a uma sentenca, | Procisamos assumir a verdade de outras sentengas. A pressu- 12, Sobre as pressuposig6es, ver Levinson (1983), Pies de Oliveira & Basso (2007) posigéo 6 © pano de fundo de outra sentenga; sem o qual, néo podomos ainiiar nada sobfo a outra. Vejamos um exemplo: (53) Jodo parou de fumar. Para podermos afirmar que a sentenca em (53) é verda- deira ou falsa, tomamos como certo que a sentenca em (64) verdadeir (54) Joao fumava. So ndo 6 vordade que Joao fumava, ou seja, sea sentenga em (64) 6 falsa, onto fica complicado decidirmos se a sentenca ‘om (53) é verdadeira ou falsa, Tanto que ha varias solugbes para esse problema. Ha autores que afirmam que, nesse caso, a sentenga em (53) é falsa. O raciocinio é o seguinte: é falso que Jodo parou de fumar, porque Joo nunca fumou, Essa solugéo }tem como consequéncia a criagSo de dois tipos de falsidade: a {falsidade, porque a pressuposicéo ¢ falea, @ a falsidade que podemos chamar de sentencial. Essa segunda falsidade ocorre quando afirmamos que a sentenga em (63) é falsa porque Joao nao parou de fumar. Autores como Seuren (1999) fazem exata- monte esse raciocinio e terminam postulando a existéncia de dois tipos de negagéo: a falsidade sentencial ¢ a falsidade metalinguistica, que ocorre quando a pressuposicéo falha (ou & cancolada). Outros autores afirmam que néo ha como atribuir ‘um valor de verdade & sentenga em (53). Ela ndo é nem verda- deira nem felsa, porque ela néo se aplica @ situagéo, Essa linhagem descende de Frege (1978) Independentemente da solugéo, 6 certo que ha varios tipos de pressuposigo ¢ elementos Linguistics que a provo- cam, A discusséo na literatura em seméntica filoséfica se con- centrou no problema da pressuposigéo de existéncia, Veremos, no préximo capitulo, que essa discusséo centra-se na contribui- ‘géo seméntica do artigo definidono sintagma nominal. Trata-se do problema das descrig6es definidas: ‘o rei da Franga’, por exemplo, pressupée que ha um rei da Franga? A pressuposigéc Presente na sentenca em (53) nao 6 de existéncia, mas de que hhouve varios eventos em que Jodo fumou. Essa pressuposigao std associada ao predicado ‘parar de’, que se completa comum _, Verbo no infinitivo: ‘parar de fumar’, ‘parar de mentir’, ... Voce J pra de fazer algo que vocé fazia frequentemente. HA outros itens lexicais que causam pressuposigao. Antes vamos caracte- rizat melhor a pressuposicao. Como é que sabomos se hé pressuposicéo? Na verdade, ‘vocé ja sabe isso, porque vocé interpreta pressuposicées 0 ‘tempo inteizo. O problema do semanticista é que ele precisa _explicar o que fazemos sem nem percebermos, 0 Sbvio. A pro- riedade mais caracteristica da pressuposicéo & que ela se ‘mantém inalterada quando afirmamos, negamos, interrogamos, ‘exclamamos uma sentenga. Se houver pressuposigao, podemos realizar varias operagées com a sentenca que ela se manterd Experimente! Negue, exclame, interrogue a sentenca em (53): (55) a. Jo8o néo parou de fumar. b, Jo&o parou de fumar! ¢. Jo&o parou de fumar? Voce pode também colocé-la numa estrutura de focaliza- ‘¢0, como na sentenga abaixo: (56) Foi o Jodo que parou de fumar. A pressuposigao em (64) se mantém om todas elas. Por isso encontramos, na literatura, a afirmagao de que a pressupo- sigéo 6 propriedade de uma familia de sentengas. O acarreta- mento néo exibe tal propriedade. As sentengas abaixo carregam alguma pressuposicao? ‘Que item lexical provoca a pressuposicao? (57) @. Maria esta gravida de novo. b. Carlos acabou de fazer sua tese. Oreste 6 nogar, exclamar, perguntar, focalizar a sentenca em qiestio e verificar se algume informagao se mantém nas sentengas resultantes dessas operagées. Em (57.a) pressupée~ se que a Maria ja esteve gravida. A expressdo ‘de novo’ criaa pressuposigée de que 0 evento descrito jé ocorreu antes. E (67.b), que Ihe paroce? Se Carlos acabou ou nao atese depende do supormos que ele estava fazendo sua tese, Nesse caso, seria ‘bom examinarmos a expresso ‘acabar de\ Dissomos que a propriedade de se manter numa familia de sentencas 6 o que caracteriza a pressuposigio. Cuidado, no entanto, porque pode haver pressuposi¢ao ¢ acaretamento juntos. A sentenga em (38) é acarretada e pressuposta pela ‘sentenga em (38). Testel (38) Carlos come rapidamente. (39) Carlos come. Wi Exercicios 4. Discuta se as sentengas abaixo so sindnimas, Justifique a sua resposta. (A) a Carlos é 0 pai de André. b. André 6 0 fho de Cartos. ® (a) ® © @) ®) (@) 3. a. A Maria é alunado Pedro. 1b. 0 Pedro 6 professor da Maria, Verifique se ha acarretamento entre as sentencas abaixo. Justifique. Oscar ¢ Maria sio velhos, Maria 6 velha. Oscar e Maria sie ricos, Maria é rice., Hoje esta ensolerado, Hoje esta quente. A Maria comeu pao com manteiga no café da manha hoje cedo. ‘A Maria comeu po com manteiga hoje cedo. ‘Maria e Carlos sio casados. ‘Maria e Carlos sio casados um com o outro. ‘Todo mundo diz que Jodo 6 um bom jogador. Jodo é um bom jogador. Jo8o acredita que a Terra nao é redonda. A Terra nfo é redonda, Jodo falou. ». Alguém falou. Diga se ha pressuposicéo nas sentengas abaixo, Caso haja Pressuposicéo, explicite-a, mostre como vocé chegouaessa conclusao e diga a expresso linguistica que a produz: (a) Nao foi a Maria que tirou dez na prove. (b) Pedro adivinhouque ¢ mulher o traia. (Retirado de Nari ¢ Geraldi) (©) Pedro gosta principalmente de mulheres. (Retirado de lari e Geraldi) pep rere Pre re ree (@) Maria; 26 arrumou as suas; roupas. (@) César parou de bater na mulher. (©) Carlos continua a fabricar cartos. Ha ambiguidade nas sentengas abaixo? Caso haja, descre- va as interpretagées. (@) Maria nao convidou sé 0 Joao, (b) Carlos fot ao banco. (©) A Maria nao terminou a sua tese para agradar 0 Joao. (d) Todos os professores foram entrevistados por dois alu- nos. (e) Todas as criangas dormem num quarto. (A Maria falou com todos os alunos. Hi acerretamento entre as sentengas abaixo? Que tipo de adjetivo é ‘boa’? (a) Maria 6 boa. (b) Maria é secretéria. (c) Maria é uma boa secretéria. Descreva detalhadamente o problema que a sentenga abai- -xo coloca e uma possivel solucao para ele: (a) Aminhoca grande néo 6 um bicho grande. ‘As sentencas abaixo séo sindnimas? Justifique a sua resposta. (a) 0 Brasil 6 uma repablica. (b) 0 tinico pats que fala portugués na América Latina é uma repiblica. Demonstze que a sentenga em (b) 6 pressuposta pala sen- tenga em (a) e que o elemento que dispara a pressuposicao. 60 predicado ‘parar de’. (a) Carlos parou de fumar. (b) Carlos fumava, Atribua indices as expresses nominais, de forma a escla- recer a sua interpretacdo. Caso haja ambiguidade, apresen- te as duas possibilidades. Marque com um asterisco as interpretagées que no s4o possiveis. Por exemplo: Ele disse que o Jodo satu. Interpretagao: Fle: disse cue 0 Joao; sau. Impossibilidade:* Ele; disse que o Jodo; saiu. (@) Joo acredita que totios os homens vao votar nele. {b) Jodo acredita que todos os alunos véo votar nele. (©) Carlos acredita que poucas mulheres so acham inteli- gentes. (6) Maria disse queo homem de chapéu ia casar com ela, (e) Nenhum dos pais do André acha que é bem remunera- do. (9) Jodo e Maria se casaram. (g) A mée dele esta orgulhosa de Pedro. (h) A mie de Pedro esta orgulhosa dele. (i) Joao precisa falar com o Pedro sobre ele. ) Ninguém disse que quer sair. (0) Ninguém disse qua ele quer sair Gita 3 SIGNIFICADO: SENTIDO E REFERENCIA A Seméntica Verifuncional ‘Nao seria exagero cfirmar que a reflexo sobre o significado no Ocidente tem como moldura a distinggo entre sentido e referén- 7 cia, elaborada no final do século XIX pelo légico alemao Gottlob Frege.' Essa abordagem esté na origem da seméntica verifuncio- nal, cuja caracteristica maior é entender que o estudo do signifi- caciose ancoranoconceitede vertiade; porissodizemos seméntica vverifuncional: uma descrigéo do significado em fungo do conceito do verdado. Este 6 0 modelo adetado neato Livro, ‘Numa teoria seméntica verifuncional o significado est ancorado, na média entre a linguagem @ algo quo nao é lingua gem, o mundo. Um nome préprio, por exemplo, tem significado Porque conseguimos alcangar, através dele, um objeto no mun- 4 varios comentarstas da obra de Froge;o mais famoso doles 6 Miche] Dummett (1981). Aconseibames o leitor 0 artigo "Sobre sentido © a ‘roferdncia", de Froge (1978). 7 do. O significado de uma sentenga estabelece em que-condigies ‘o mundo deve estar para que ela seja verdadeira: a sentenca ‘a neve 6 branca’ 6 verdadeira se a neve é branca, Nem todas as abordagens seménticas aceitam que uma teoria do significado dependa do conceito de verdade. Algumas postulam que, para cexplicarmos 0 significado, néo 6 necessario cotejarmos senten- ase estados no mundo. Nessa perspective, 6 possivel esclare- cer 0 problema do significado das palavras e sentoncas prestando atengéo apenas as relagSes internas que os elemen- tos estabelecom entre si, a rede de sentengas. Fazem, entao, uma seméntica fechada dentro do préprio sistema ou entre sistemas. ‘Mesmo entre aqueles que acreditam que a linguagem na- tural pode ser desorita, ao menos em certos aspectos, como um sistema formal, noha consenso sobre se aseméntica deve ou nao incorporar 4 sua reflexéio a telagéo entre linguagem e mundo. ‘Chomsky, por exemplo, argumenta, em varios textos, quea sermAn- tica deve descrever e explicar apenas as nossas representagoes intemas; no faria parte do escopo de seu traballio a relagéo entre linguagememundo, Daiele afirmar que, no seumodelo, semantica ‘ésintaxe.* Abordagens que adotam essa perspectiva podem facil- mente se ligar a teorias mentalistas, que postulam a existéncia de ‘uma linguagem do pensamento, Nessa perspectiva, as linguas naturais se traduzem para essa linguagem do pensamento.’ Em abordagens desse tipo, o significado de uma configuragéo de simbolos esté exclusivamente no que apreendemos quando os manipulamos. A relagéo de zeferéncia (linguager mundo) no faria parte do médulo da linguagem; pertenceria, antes, a0 que Chomsky chama de pragmética: 0 estudo do que néo ¢ regido por Jeis naturais. A referéncia, para Chomsky, ¢ um dos usos possiveis da linguagem e néo esté, portanto, sujeita a uma descrigéio natu ralista. Trata-se de uma manobra para evitar o problema da refe- 2 Veram espacial Ghamsty (1989), 3. VerdJony Fader (1975). B éncia, colocando-o fora dos limites da Linguistica. Ha, no entanto, ‘argumentos que sustentam a afirmagdo de que a relagéo entre linguagem e mundo deve fazer parte da reflexdo semantica. Come vimos no capitulo anterior, certos elementos das Inguas naturais 86 podem receber uma interprotagao se conse- guirmos, de algum modo, relacionar esses simbolos com 0 mundo. E 0 caso dos nomes préprios. O nome ‘Brasil’ refere-se ou denota o pais. Saber isso é saber 0 significado desse nome Proprio. Além dos nomes préprios, outros sintagmas nominais derivam seu significado da relagéo de referéncia.* Vejamos um outro exemple: = * (I) A maior montanha do mundo. © sintagma nominal em (1) 6 uma descrigéo definida, cuje referéncia é a tinica montanha, que satisiaz a condigéo expressa por ela, ou seja, sera maior montanha do mundo. Como veremos, uma descricio definida 6 uma expressio que define ‘um objeto (entendido em sentido amplo, uma pessoa pode ser ‘um objeto) particular no mundo, um objeto especifico, definido. Como veremos, neste capitulo, uma propriedade tipica das descrigdes detinidas é que elas scam estranhas quando nao ¢alcangam um objeto particular no mundo. Repare como a des- crigdo definida ‘A presidente do Brasil’ soa engragada, porque nao hé, até o momento, un objeto que soja presidente do Brasil, ‘Até onde sabemos, « desciiyav deduida “a malor montana do ‘mundo’ aponta + para o monte Everest. A abordagem verifuncional caracteriza-e, por entender que a referencialidade é fundamental para entenderinds o fenémeno do significado. A intuigéo bésica dessa soméntica é que, ao usamos a Jinguagem, felamas sobre um mundo (entendido em sentido amplo: ‘Arnogio de sintagma nominal é da Sintaxe. Sobre o eemunto, ver capitulo 2ede Mioto etal (1980), MEL 9 SOF LOWMECEN gwd DEV ‘© mundo da ficedo, dos sonhos, ..), © que as palavras e sentengas ganham sentido nessa relagao. Como dissemos, semanticas que ‘adotam essa perspectiva séo chamadas de versfuncionais, porgue centendom que o significado é uma fungio do conceito de verdade: ‘uma sentenga ¢ verdadeira ou falsa com relagdo a um estado no mundo. & preciso aqui fazer um esclarecimento para se evitar problemas mais tarde. A tarefa da semAntica néo é dizer se uma sentenca é verciadeira ou falsa, mas estabelecer em que condigées xno mundo ela seria verdadeira, Por exemplo, a sentenga ‘esté cho- ‘vendo! é verdadeira se estiver chovendo no momento em que © {alante a proferir. Em outros termos, saber o significado da sentenca ‘estA chovendo' é saber em que condicées seu uso seria avaliado como verdadeiro, Para determinarmos se ela defato ¢ verdadeiracu falsa, procisamos saber sobre uma situagSo particular de proferi- ‘mento, precisamos verificarse suas condigoes de uso sdo satisfeitas. ‘Na seméntica verifuncional, dar o significado de uma sentenga é explicitar em que condigées ela 6 verdadeira. Tal abordagem tem sido frequentemente criticada porque ela se fundamenta no conceito de verdade, um conceito bastante ‘questionado no século XX, Podemos, no entanto, ao fazer se- méntica, utilizar 0 conceito de referéncia e, portanto, o de verdade, instrumentalmente, esvaziando-os de quest6es filosé- ficas e, em especial, abanconando qualquer reminiscéncia meta- fisica. Podemos adotar uma teoria de verdade metafisicamente neutra, Essa 6 a proposta da chamada teoria semAntica da verda- de, cujo mentor foi Alfred Tarski." Descrever o significado com 0 auxilio do conceito de verdade néo nos compromete, portanto, com a existéncia de ‘uma verdade tinice, imutavel e ahistérica. Nao nos compromete ‘com uma ontologia jé dada ou com uma teoria de verdiade como conrespondéncia. Ela apenas diz de uma verdade seméntica, pois explicita em que condig6es de uso a sentenga é verdadeira. 5. Sobre as possivelsteorias de verdade, ver Haack (1978) Voitamos a lembrar que atarefa do semanticista éconstruiruma teoria explanatéria do conhecimento que o falante tem do sig- nificado das sentengas de sua lingua. Ele nao precisa so prec- cupar com questoes metatisicas. Nas palavras de Emmon Bach, “Nao 6 parte do nosso trabalho sermos capazos de docidir quando expressées sobre o mundo real so verdadeiras ou falsas. Nao 6 parte do trabalho do linguista dizer se 6 a teoria da relatividade de Einstein ot a teoria mecanica de Newton que esté corta com relago aomundo." (1989, p. 24)° Acrescentamos: nossa tarefa é explicar como é possivel que a sentenca ‘Joo sabe a teoria de Einstein’ signifique o que significa e como ela se relaciona a iniimeras outras sentengas. Paralevar a cabo ess ‘tarefa, precisamos explicar as condigdes em que uma sentenga é verdadeira. Finalmente, abandonar o problema da referéncia, adotan- douma semantica exclusivamente internalista, a proposta men- talista apenas adia a questo, porque, como jé procuramos ‘mostrar, @ propriedade ds ‘ser sobre’ é fundamental nas Kngues naturais, Chomsky pode evitar essa questo, pordue seurecorte te6rico pennite falar de um médulo sintético isolado. Mas a questo retoma nos autores que tentam combinar sua aborda- gom sintética a uma semantica robusta, isto 6, uma semantica ‘que responda ao problema da referéncia.” Gottlob Frege: significado é sentido e referéncia Frege chamou atengéo para o fato de que 0 conceite de significado inclui duas nogbes bastante distintas, a nogao de 6 Tracupio minha. No original: “It isnot pat of ou job to be able to decide 7. Vor Fodor (1975) 0 Jackoesot (1983), ” sontido e a de referéneia. Essa distingio, diz Frege, é impres- cindivel para solucionarmos o seguinte problema. Considere as sentencas: (#) A estrela da manha é a estrela da manha. (5) A estrela da manha é a estrela da tarde, ‘Vocé diria que as sentencas acima so iguais do ponto de vista do significado? Blas veiculam 2 mesma informagio, o ‘mesmo contetido? A resposta mais intuitiva é no. No entanto, | elas se referem ao mesmo objeto no mundo: a verdade. Antes de desenvolvermos esse problema, vamos nos de- terna afirmag&o de que a referéncia de uma sentenga é seu valor de verdade, isto 6, o verdadeiro ou’ falso. Essa nao é uma ideia intuitiva, Até agora, em todos os exemplos analisados, ligamos a linguagom a um objeto especifico no mundo: ‘Brasil’ e Brasil; ‘a maior montanha do mundo’ e o monte Everest, Esses e outros dos exemplos analisados constituem sintagmas nominais. Nada dissemos, no entanto, sobre a referéncia de uma sentenga, apenas salientamos que dar o significado de uma sentenga 6 estipular em que condigées ela 6 verdadeira. Mas, que objeto no mundo uma sentenga aleanga? A que objeto no mundo a sentenca em (4) acima se refere? A intuigSo mais forte diz quo ela se refere a um estado de coisas no mundo. Essa resposta 6, no entanto, problematica, porque, se voc’ pensar bem, a sen- NX) tenga em (4) nao fala sobre um estado de coisas no mundo, mas WY Sobre apossibiidade deum estado de olan corer Lembro-s0 do nossa discusséo, no capitulo anterior, sobre o fatode quenao hd um estoque de situagées em nossa meméria, antes ligamos condigdes em que uma sentenca pode ser verdadeira a possibi- lidades de situagdo. Sentengas nao se referem, portanto, a uma situago determinada, mas ao que permanece constante em seu cotejamento com as diversas possibilidades de situago: o ver- dadeiro ou o falso. Portanto, a referéncia de uma sentenga, que ” podemos definir sintaticamente pela presenga de um verbo Principal conjugado e semanticamente pela expresso de um pensamento completo, é um valor de verdade. Retomemos ao nosso problema. Se o conceito de signifi- cado restringe-se ao conceito de referéncia, entao temos que afirmar que as sentengas em (4) e (5) so idénticas, porque ambas se referem ao verdadeiro. No entanto, elas veiculam sentidos distintos e, por essa razio, elas ndo sao idénticas: embora elas denotem o mesmo objeto, expressam pensamentos (sontidos) diferentes. 0 conceito de significado carrega, entao, dois conceitos: o de referéncia 0 0 de sentido. Vejamos mais de Perto as diferencas entre as sontengas em (4) e em (5). A sentenga em (4) pode ser representada pela férmula a Porque 0 verbo ‘ser’ indica identidade entre dois sintagmas, que, no caso dessa sentenca, 40 iguais (‘estrela da manha’ e ‘estrela da manhé’), por isso 0s represontamos pela mesmaletra a. Essa zentenga é um exemplo de sentenca analitica. Ela é uma verdade ébvia, j& que efirma que um objeto é idéntico a si mesmo, o que é sempre verdadeiro. Por isso ela é verdadeira em qualquer cixcunstancia e em qualquer mundo possivel, Nesse tipo de sentenga, a verdade é um fato exclusivamente linguisti- o; afinal, ninguém precisa olhar o mundo para saber que ela é verdadeira, Immanuel Kant denominou esse tipo de sentenga de a priori, porque conhever a sua verdade independe da nossa experiéncia e conhecimento sobre o mundo. J4 a sentenga em (5) tem ume estrutura seméntica dife- rente, embora nela 0 verbo ‘ser’ também expresse identidade. Vocé consegue ver a diferenca? Essa sentenga tem que ser ropresentada por a = b, porque os sintagmas nominais que a compéem so distintos: 0 verbo ‘ser’ estabelece identidade ‘3. Sentongas analticas a prior necessérias ndo tim exatamente o meemo ‘sentido. Néo desenvolveremos as diferengas, no entanto, 0 leitor pode, ara tanto, consultar Grayling (1997). Sentencas vaidas om cdlcnlos ‘Proporicionais edo chamadas de tautologias. entre dois nomes diferentes, ‘a estrela da manha’e ‘a estrela da tarde’. Essa sentenga pode ou nao ser verdadeira, porque seu valor de verdade (verdadeiro ou falso) depende das cizcunstan- cias e do mundo em que ela é proferida, # por isso que esse tipo de sentenca é chamado de sontenca sintética: seu valor de verdade dopende de nossa experiéncia e conhecimento do mundo. Néo 6 dificil imaginarmos uma pessoa que simplesmen- ‘tendo sabe se essa sentenga 6 ou nao verdadeire, ao passo que ninguém hesita em afirmar a verdade da sentenca em (4). A sentenca em (5) era falsa para os gregos, que acreditavam que ‘a estrela da manha’ nomeava um objeto no mundo, a estrela ‘que surgia ao alvorecer, a nossa famosa Estrela-d'alva, enquan- to que ‘a estrela da tarde’ designava outro objeto, a primeira estrela a aparecer no firmamento eo cair da noite. A partir de certo momento na histéria da bumanidade, aprendemos que ‘a estrola da tarde’ e ‘a estrela da manha' eram nomes de um ‘mesmo objeto, o planeta Venus. Com isso, afirma Frege, nosso conhecimento sobre o mundo aumentou, porque agora conhece- ‘mos dois caminhos diferentes para alcangarmos o mesmo objeto. Ora, se ndo pudermos diferenciar sentido e referéncia, se © significado for apenas a relagdo de refer8ncia, teremos que afirmar que essas so dénticas, o que, como vimos, ndoé 0caso. Frege afirma que essas sentengas referem-se ao mesmo objeto, averdade, mas veiculam sentidos distintos, expressam pensa- ‘mentos diferentes. Vejamos mais um exemplo. Reflita sobre os Gidlogos a seguir. Nas situagées descritas, Joéo quer saber ‘quein ¢ 0 pal do Pedio © ele conliece o professor de Fisica de sua escola. Ele pergunta a um amigo: “Quem é 0 pai do Pedro?” Na situagio A, 0 intérprote responde: (6) O pai do Pedro & 0 pai do Pedro. Na situagao B, o intérprete, que sabe que Joo conhece 0 ‘inico professor de Fisica do colégio, responde: (7) O pai de Pedro ¢ o professor de Fisica. ‘Obviamente, se Joie nao sabe quem é o pai de Pedro, ele continuou sem saber na situagéo A, porque a sentenga em (6) apenas Ihe afirmou o que ele jé sabia, ao passo que, na situagao B, Joao pode identificar quem 6 0 pai de Pedro, dado que ele conhece o professor de Fisica, Nesse caso, Jodo aprendeu que um mesmo individuo no mundo pode ser recuperado pelas descricées defini- das ‘0 professor de Fisica’ e ‘o pai de Pedro’; elas apontam, de maneiras diferentes, parao mesmo individuo no mundo. sentido f er FP srtdo 2 Eevidente queha muitas outras descrigées que permitem falarmos sobre aquele individuo no mundo que é pai de Pedro e professor de Fisica. Uma mesma roferéncia pode, pois, ser alcangada por diferentes sentidos. Quando descobrimos um novo sentido, aprendemas algo novo sobre um objetono mundo, porque sabemos como chegar a ele por um novo caminho. 0 ‘sentido 6 o caminho que nos leva @ referéncia. # muito comum vvermos criancas nos primeiros anos de escolaridadie ficarem entu- siasmadas quando descobrem que podem alcangar o niémoro 2, por exemplo, por diferentes sentidos: 1 + 1,3 -1, 2x 4,1, Os sintagmas nominais ‘a estrela da manha’ ¢ ‘a estrela, da tarde’ se referem ao mesmo objeto no mundo, o planeta ‘Venus; no entanto, veiculam informagées distintas, porque © modo de alcangarmos o planeta Vénus muou. ‘O pai de Pedro’ 0 professor de Fisica’ se referem ao mesmo objeto no mundo, © Manuel, mas 0 fazom de modo distints, So a somantica 66 dispusesse do concoite do referéncia, néo poderia distinguir sintagmas nominais que se referem ao mesmo objeto. No entan- to, acabamos de mostrar que podemos aprender algo nove sobre um objeto, o plancta Vénus e 0 individuo Manuel, quando aprendemos a chogar até ele por um novo caminho. # essa Precisamente a razao pela qual Frege afirma que a distingao ‘entre o sentido e a referéncia é tAo importante: expressoes inguisticas que diferem quanto ao sentido, mas tém a mesma eferéncia, nos permitem aprender algo sobre o mundo. H4, nesses casos, um ganho cognitive. Ao aprendermos um novo sentido, aprendemos uma nova manoira de alcangar a refordn- cia, um novo modo de falar sobre o mundo. Quanto mais sentidos soubermos, mais caminhos para chegarmos ao mundo teremos, mais nosso conhecimento aumenta. Jé vimos que a distingdo entre sentido ¢ referéncia osté presente tanto no plano do sintagma nominal quanto no plano da sentenga. Ela permite entendermos que duas sentengas podem se referir ao mesmo objeto, a verdade ou a falsidade, e podem ser distintas, porque o pensamento que elas veiculam nao o mesmo. As sentengas em (5), (8), (7) e (8) do todas verdadeiras; portanto, elas se referem ao mesmo objeto, a ver dade. No entanto, elas so diferentes, porque expressam pen- samentos distintos; so modos diferentes de chegar a verdade. ‘E para descrever o fato de que elas se referem ao mesmo objeto, mas veiculam pensamentos distintos, que Frege formula os conceitos de referéncia e sentido, Deixemos o préprio Frege definir esses conceitos: Fragmento 1 Sejam a,b ¢ 38 Linas que ligam os vies de um widaguo com oF pontas médios dos lidos posts. © pomta de incersegzo de 20 6 ois, ‘mesmo que o ponto de interssio de b ec. Temos, asim, diferentes esignagbes par o mesmo panto, e esses nomes (Ponto de incerseio de ab” e “ponte deinteresdo deb ec) indicam, simutaneamente, 0 ‘mode de apresentagio , em consequlncia, a sentnga contémn am coaheciments, £, pois plasivel pensarque exists, unidoaum snl (nome, combinagso pales, tsa, al dail porcledesignado, qu pode se charnado ‘de sua refertncia, ainda o gue eu gosta echamaro sentido do sis, ‘onde est contdoo modo de apresentago do objet, Conseqeememente, segundo nosso exemplo,areferéncia das expresses “o ponto de iner- ‘esto deae bee pont deimtersegzo deb 2” seria a mesma, mas 230 cossexsseaidos.Asofertaia de “Estrela ds are” “Esto da mah” seria a mesma, mas 40.0 sentido, (Frege, 1978 62) ‘Vamos visualizar oexemplo do triéngulo. Frege nos pede para imaginar as intersegSes ligando os vértices de umtriangulo a seus lados opostos: “ « O ponte de interserao de ae b é 0 mesmo que o deb ee. As duas descrigées tém, pois, amesma referéncia, mas sentidos distintos. Em outros termos, a referéncia é 0 objeto no mundo que é alcangado por intermédio do sentido, o modo de apresen- tagio desse objeto. Varios sentidos indicam varios modos de alcangar o mesmo objeto. Se s6 pudermos alcangar nosso objeto Por meio de um tinico modo, se 86 dispusermos de um {inico sentido, entéo sabemos apenas um caminho para chegar até ele, sabemos muito pouso sobre ele, Quanto mais sentidos, maior o nosso conhecimento, vw Com essa distingao, Frage mostra que 0 concetto de significado traz embutide os conceitos: de sentido e de referén- cia. Quando falamos om significado, ora peasamos na roferén- cia, ora no sentido, dai a ambiguidade da pergunta: qual o significado de ‘azul'? Dissemos, no primeiro capitulo, que ela poderia ser respondida de duas maneires: ou apontando para uma amostra de azul — nesse caso, estaremos indicando a referéncia de ‘azul’ (uma amostra de azul) — ou explicando o sentido de ‘azul’, dando-the uma definigo, por exemplo “uma das cores primérias que nao é nem o branco, nem o preto, nem © vermelho, nem 0 amarelo". Quando perguntamos sobre 0 significado de uma palavra ou de uma sentenga, podemos estar indagando sobre a sua referéncia ou sobre o seu sentido. Na Iteratura em semfntica mais contemporénea, falamos em ex-_ tensio quando estamos pensando sobre referéncia, eintensio (avengao! com s) quando queremos fala sobre 0 sentido. Seguade Frege, o conceito de significado carrega, ain- da, uma outra nogéo: a de representacio, Se sabemos 0 que a palavra ‘azul’ significa, entéo podemos apontar uma amos- ta.de azul e dar seu sentido, mas cada um de nés tem asua representagéo subjetiva de azul. A sua representagio pode ser totalmente diferente da minha, porque voc8 detesta essa cor, 9 ot a adoro, A representagéo diz respeito a0 aspecto subjetivo do significado; seu estudo, de acordo com Frege, no ¢ parte da somantica, mas da peicologia, A sua repre- sentacéo da lua 6 unicamente sua, porque depende da sua experiencia individual no mundo. Ja o sentido e a re‘eréacia, de ‘lua’ so of azpectos objetivos do significado porque sao ptiblicos; eles so compartilhados pela comunidade. Os sen- tides, afizma Frege, guarciam o tesouro da humanidade, os vérios caminhos tragados por nostos antepassados, os dife- rentes modos de apresentagéo de um objeto. O objeto lua também 6 algo a que todos temos acesso. « Fragmento 2 | represeiagdo € sbjoia: a represenagfo de win hemem nla € a ‘mesma de our. (..) Um pntor, wn cavalo € um zashog provevel= mente sssoiato represetagSes ito diferentes ao nome "Bucephs- Tus”. A representago, por al ao, difereesseclamente do seat de um sina, © qual pode ser « propsindae comum de mits, ¢, porto, ‘fo Eumapar: ou modo derent individal pois difclment xe poder ‘negar ques human ade possi un tesuro comm de ensamentos, que transmit de uma geropo pura ovta. (Frege, 1978: 65) ‘Vamos agora ler um trecho famoso em que Frege faz uma analogia para explicar cs conceitos de sentido, referéncia e representagao: + Fragmento 3 [A refertacia de um nome proprio € 0 préprio objeto qve por seu Intemédio desigeamos a epresentgio que dele tos & inteirments subjetiva; eae uma e outa esto seatido que, na verdade, no € 10 subjrive quanto a repesetagio, mat que também mio 6 o pasprio objeto. A compara squint poder, talver, esclrecr elas lage. Abguém observa a lua através de um telescspio, Compaco a prépria a | refertcias ela o bjetoda obserasso,poporsionad pela imager seal pojetada pla lente aointerir do tlesepio, poe imagem rani 1a do observador. primeira, compress to sentido, segunda, 2 represenngo ou intuigo, A imagem no telescdpio & ma verdad, wile ‘eral ela dopende do pontde-vist da observasto; nto obstate, ela & ‘objetiva, na medida em que pode servis 2 vsios obsrvidore. Ela podesia ser dispesta de tl forma que vivos observadores podem tlio simultaneamente, Mas cada um eria sus peipia imagem retiniana, (Frege, 1978: 6566). Personagens de ficgao e pressuposigac de existéncia Vocd deve ter notado que nossos exemplos versavam sobre entidades que de fato existem no mundo real: aestrela da manbé, a montanha mais alta do mundo, o professor de Fisice, © Brasil. Repare que, ao afirmanmos que estamos falando sobre entidades que de fato existem no mundo, estamos fazendo metatisica, em vez de semntica. Uma pergunta como "o que afinal existeno mundo real?” éumapergunta metafisica, porque findaga sobre a ontologia do mundo real. Frege néo era um somanticista e estava interessado em construir uma linguagem perfeita que pudesse mostrar que a Matematica, mais precisa- mente a Aritmética, era redutivel a um sistema axiomético” Nese empreendimento, Frege se compromete coma existéncia de um mundo real, em que existem entidades bem estranhas, como a verdade, a falsidade, os mimeros, o triéngulo is6sce- les,..; um mundo que néo havia sido inventado pelos homens, mas descoberto. Neste mundo, dizia Frege, nao ha personagens ficticios, aqueles que s4o criados pela imaginagéo humana. Unicémio nao existe. Cal 6, onto, o sentido e a referéncia do sintagma ‘unicémio"? © préprio Frege se coloca essa questio, e sua resposta vai nortear varias discussées em diferentes disciplinas. Pergun- temo-nos: expressdes como 'Papai Noel’, ‘Saci-Pereré’, ‘Capitu’ (a personagem de Dam Casmurro, de Machado de Assis) tém sentido e referéncia? O que dizer de uma sentenga como: ‘Um sistema axiomAtico constitu-ee de exiomas, uma contonga cuja verdade 6tomada como cata, toremas. Os eoremias sio sentongas que 0 soguom dos axiomae por regras do dedugéo. Os sistamas axiométics ‘Ao ideals para@ cidocla. “Em Elemantos, Buclides erganizcu a geometria como um sistema — un siftema axdomitico — onde proposigoes #80 omonstradae a partir de um niimer>iniclal de proposigéas accitas sem. prova. Note que esta idela de Euclides foi realmente genial, tanto que 0s Sistemas axiométicas passava, desde onto, a ser 6 idaal de ciéncia” (Mortsx, 2000: 180), 100 say {8) 0 Saci-Pereré tam uma perma s6. Hla 6 verdadeira oufalsa? Essa é uma pergunta que causa polémicae pode ser respondida de diferentes maneiras. Alguém poderia argumentar que ela é verdacieira no mundo ficcional do folclore brasileiro, & essaaresposta que a Semantica de mundos Possiveis vai oferecer, aela retornaremos no capitulo 6, Frege, entretanto, néo admite talresposta. Ele afirma que nao podemos atribuir um valor de verdade & sentenga em (8). Ela néo é nem verdadeira nem falsa, porque ndo hé saci-pererés no mundo eal, entéo n&o é possivel verificé-la. Mas, segundo Frege, a sentenga em (8) tem sentido, ela expressa um pensamento, que faz parte do tesouro comum da humanidade. Frege, e 6 bom lembrar que estamos falando de um autor do final do século XIX, afirma que a literatura pode nos encantar, mas néo permits conhecermos a verdade.” A resposta de Frege sobre os personagens de ficgao decorre de sua posigéo quanto ao problema da pressuposigéo existencial, sobre o qual falamos no capitulo anterior. A senten- ga.em (8) carrega a pressuposigio de que o saci-pereré existe,”” ‘Negamos ou afirmamos uma sentenga, diz Frege, se admitimos que sua pressuposigao de existéncia é verdadeira, Se a pressu- posigao de existéncia 6 felsa, ou seja, se saci-pereré nao existe, entao nao podemos tecer um juizo sobre sentengas que falam sobre ele, néo podemos afirmar so a sentenga é falsa ou verda- doira. Frege demonstra esse ponto quando discute a negagao da sentenca em (9): (9) Kepler néo morreu na miséria. 10. Bvidentemente, essa 6 uma afirmapio muito questiondvel. Para uma ccontraporigio, ver Back (1864), entre outro. n, lamagdo e da intetogagdo: em todas as © que 0 falante esté negando em (9) é que Kepler tenha morrido na miséria e nao que Kepler tenha existido. O fato de que a negagao incide apenas sobre a informacao veiculada pela sentenga indica, para Frege, que a pressuposicéo de oxisténcia nao 6 semntica, mas pragmatica. Se ela fosse semantica, a sentenga em (9) seria ambigua: 1. Kepler nao ‘morreu na miséria (morreu bem de vida); 2. Kepler nao morreu na miséria, porque ele nao existiu. Tal descrigao, afirma Fre- 92, é contra-intuitiva. Pressupomos pragmaticamente que a entidade sobre a qual o predicado se aplica existe. Se essa entidade ndo existir, isto 6, se a pressuposigéo de existéncia for falsa, entao néo podemos dizer se a sentenga ¢ falsa ou verdadeira. Essa resposta de Frege provocou muita discus- so, que passaré por Russell (1905), Strawson (1950) e Don- nellan (1972), entre outros. ‘A tesposta de Frege, no entanto, néo esta isenta de problemas. Considere a sentenca: (10) Saci-Pereré 6 um personagem de ficgéo. & muito complicado dizermos que ela ndo tem valor de verdade, mesmo sabendo que a pressuposigao de existéncia 6 falsa; isso porque a sentenca em (10) afirma que saci-pereré ndo existe, Come 0 projeto de Froge ora construir uma linguagem perteita, ela 96 poderia conter express0es linguisticas que tives- sem referéncia. Dessa linguagem, a sentenga em (8) est4 exclut- da. E evidente que, como modelo de descrigao do conhecimento linguistico de um falante, a proposta de Frege deixa muito a desejar. Essa deficiéncia pode, no entanto, ser superada dentro do quadro formal, como veremos adiante. 102 Contexto extensional e contexto intensional O principio da substituigdo salva veritate Jé dissemos que 0 projeto de Frege era construir uma linguagem logicamente consistente, que ele chamava de Be- griffsschrift (escrita conceitual). Nessa linguagem, toda expres. ‘so teria uma € apenas uma referdncia. E por isso que Frege exclui as personagens de ficgo, elas teriam apenas sentido e nao referéncia. A ontologia dessa linguagem, isto 6, ag entida- des que compéem o mundo a que ela se refer, admite, pois, apenas objetos “reais”, dentre eles os valores de verdade, a verdade e a falsidade. O importante, para o semanticista, nao é, para dizer mais uma vez, que entidades vamos colocarnonesso mundo — essa é uma quastdo metafisica —, mas a anélise da estrutura semantica das linguas naturais. 6 nesse aspecto que Frege legou uma grande contribuigéo, como veremos neste e nos préximos capitulos, A construgao de uma lingua artificial, a Begriffsschrif, que é “higienizada” dos “problemas” das linguas natureis. Entretanto © semanticista nao vé as linguas neturais como problematicas; ele nao deseja reformé-las — como é 0 caso do filésofo Bertrand Russell, que defendia que uma lingua mais \6gica permitiria sociedades mais justas. Da mesma forma que © fisico ndo pretende consertar a natureza, mas entendé-la, 0 ‘semanticista nao quer reformar as linguas naturais. A sua posi- so diante dae linguas naturais 6, pois, muite diferente daquela de Frege e outros filésofos que pretendem remedié-las. ‘No entanto, em sua busca por uma linguagem artificial “perfeita”, Frego faz ume andlise bastante fina da seméntica das linguas naturais. Jé sabemos que sintagmas nominais refe- remse a individuos em particular e tm um sentido. Sentengas referem-se ao verdadeiro ou ao faiso, ¢ sou sentido 6 o pensa- mento expresso. A sentenca ‘A ostrela da manhé 6 0 planeta ‘Venus’, por exomplo, se rofere ao verdadeito, @ 0 seu sentido é © ponsamento que ela veicula: a identidade entre os nomes ‘a estrela da manha’ e ’o planeta Venus’. Nada dissomos sobre os sintagmas verbais, como ‘ser uma estrela’, mas Frege aponta parauma solugéo. Reparo, antes de mais nada, que overbo ‘ser’ desempenha papéis distintos na sentenga om (6), repetida abaixo, e na sentenga em (11): (5) A estrela da manha é a estrela da tarde. (10) A estrela da manha é um planeta. Em que consiste a diferenga entre essas sontengas? Na primeira sentenga, © verbo ‘cer’ estabelece uma identidade entre dois nomes; na segunda, o verbo ‘ser’ nao estabelece ‘dentidade, nao diz que ‘a estrela da manha’ ¢ ‘um planota’ s4o nomes para wm mesmo objeto. ‘Um planeta’ nao se refere a um objeto particular no mundo, mas a um conjunto de objetos: {Merctiio, Vénus, Terra, Marte, Japiter, Saturno, Urano, Netu- no, Plutéo}. Na sentenga em (11), © verbo ‘ser’ estabelece a relagao de pertencaa um conjunto; seu sentido é de que o objeto nomeado por ‘a estrela da manha’ pertence ao conjunto dos planetas. E por essa razéo que, na andlise formal, tratamos 0 predicado, nesse caso, ‘ser um planeta’ como denctando um conjuntos de individuos, aqueles que podem ser alcancados pela propriedade em questao. Frege nota que expresses com sentidos distintos © que ‘neicam a masma referdncia no mncio padam sar intarcamhinis, {sto6, podemos sunsttuir, ao menos em certos contextos, uma pola outra som alterarmos 0 valor de verdade da sentonga. Vojamos um exemplo: se sabomos que ‘Manoe!'e‘opai de Pedro’ saodois nomes do mesmo individuo noe mundo — dois sentides para a mesma referéncia —, ento podemos substituir wm nome pelo outro sem aterarmnos a referéncia da sentenga, Se as sentengas em (128) @ (12) so verdadeiras, entéo a sentenga em (12.c) também & verdadeira, Hé uma relagdo de acarretamento entre elas: | | i ] (12) a. Opaide Pedro 60 Manoel. (V) b, Opaide Pedro émédico. (WV) & OManvel émédico. Note que substitufmos, em (12.b), a descrigéo definida ‘o ‘pai de Pedro’ pelo nome préprio ‘o Manoel’. A propriedade de substituirmos guarcando a referéncia é chamada substituigéo salva veritate. Ela caracteriza uma linguagem extensional, isto 6, uma linguagem em que o valor de verdade de uma sentenga complexa é fungio exclusiva dos valores de verdade das partes, que a compéem. Essa propriedade permite construimos uma méquina totalmente coga para o sentido; uma méquina que, dadas as referéncias de sentoncas simples, calcula (mecanica- mente) 0 valor de verdade de qualquer sentenga complexa, formada pelas sentengas simples. Vamos chamé-la de maquina extensional. Vamos entender melhor essa ideia, Na construgéo de sua Bogritisschrift, Frege precisava de uma linguagem que contivesse, além de sentencas simples, sentengas complexas, como “Todo snémero par é divisivel por dois’, cuja estrutura seméntica pode ser ‘Parafrasoada por ‘Para todo x, se x 6 um miimero par, entéo x & Aivisivel por dois’. Essa sentenga complexa compée-se de duas sentencas simples °x 6 um nimero par’ e x divisivel por dois’. Se ‘sua linguagem artificial é extensional, entao ovalor de verdade da sentenga complexa 6 fungéo matemética dos valores de verdade das contongas simples qc a compéem. Nessa perspective, a referéncia da sentenga complexa nio depende do sentido das sentences simples, mas apenas de suareferéncia. Seesseéocaso, eatao podemos substituir as sentencas simples por outras de mesmo valor de verdade, sem alterarmos a referéncia da sentenga complexa. Vejamos um exemplo: {13) Jodo 6 brasileiro e Pedro é espanhol, ‘Quando ¢ que essa sentenca é verdadeira? Jé falamos sobre © significado da conjungao ‘e' na intredugéo, quando discutimos o caso dos aposentados. Sentengas comploxas for- ‘madas pela conjungéo aditiva sao verdadeiras se e somente se as sentongas simples forom vordadeiras; se “Joao & brasileiro’ e ‘Pedro é espanhol' se referirem a verdade. Digamos que elas de fato so verdadoiras, portanto a sentenga em (14) também é verdadeira. Se alterarmos uma dossas sentengas, alteramos 0 sentido da sentenga complexa, pois ela veicularé um pensamen- to distinzo; mas se mantivermos a referSncia, isto 6, se substi- tuirmos por sentencas de mesmo valor de verdade, entéo sentenga complexa mantém seu valor de verdade. Note que ‘estamos lidando apenas com relacées formais, pois deixamos de lado o sentido. Experimente substituir a primeira sentenca, ‘Jodo 6 brasileiro’, por ‘Manoel 6 médico’, uma sentenga que supomos ser verdadeira: (14) Manoel é médico e Pedro é espanhol. “Manoel 6 médico’ é verdadeira como ‘Joao é brasileiro’, entéo a sentenga em (14) mantém o mesmo valor de verdade da sentenga em (13): 0 verdadeiro. & esse o principio da substituigéo salvando a verdade, salva veritate. Esso principio, que Frege stribuia Lehn, diz que podemos substitu as pares sem altorar 0 todo, se mantivermos os valores de verdade das partes inde- pondentomente do sentido, Ora, 36 assim, ontéo podemos escre- Yor uma foonula para a conjungao 'e, substivainde as sentences por letras que ropresentardo uma sentenga qualquer. Fagamos isso, Vamos chamar a primeira sentenga de p, ‘uma metavaridvel. Dissemos metavaridvel, porque prepresenta ‘uma sentenca qualquer; ela pode estar no lugar de: Carlos saiu, Maria entrou, © Pedro morreu, A Lua gira a0 redor da Terra, Amt 6 uma cor bonita, .. A segunda sentonga vai ser representada pela letra q, também uma metavarlavel, 0 operador'e’ vai sor Teprosentado por &, Mito bem, chegamos & férmula: (5) p&q Dissemos que o valor de verdade da sentenca complexa 1p & qéuma fungdo exclusiva dos valores de verdade das partes, dos valores de p e q. Nao importa o sentido dessas sentengas. Ora, sabemos que a refertncia de uma sentenga s6 pode ser 0 verdadeiro ou o falso. Logo, podemos imaginar diferentes pos- sibilidades de referéncia para p e para q e calcularmos o valor de verdade da sentenga complexa. Chegamos, entao, a famosa tabela de verdade para a conjungéo &: Oleitor pode testare vai verificar que essa regra se aplica ‘no nosso coticliano, porque ela funciona para qualquer situagao em que a sentenca complexa é formada pela conjungao ‘ © que acabamos de mostrar é que existe uma estrutura soméntica que vale para o ‘e' independentemente do sentido. Descobrimos uma férmulapara calcular com exatidéo a referén- ia de uma sentenga complexa a partir da referéncia das partes. Claro que esse passo ¢ interessante para Frege, porque, se @ sua linguagem artificial, sua Begrifsschrift, #6 se utilizar dese principio, entdo é possivel decompor qualquer de suas senten- gas em suas partes primitivas © ter sempre controle sobre sua referénoia. Sua méquina contréi cegamente, a partir de senten- gas verdadeiras, sentencas verdadeiras. Bla é uma maquina extensional. No entanto Frege detecta com bastante clareza que nem todas as sentengas complexas das linguas naturais exibem esse comportamento extensional. Ha sentences, como as formadas 107 pelo operador ‘e’, que so extensionais, seu valor de verdade é ‘fungao exclusiva dos valores de verdade das sentengas primiti- ‘vas. Ha, no entanto, inémeros casos em que o principio da substituiggo salvando a verdade simplesmente néo se aplica. Sentengas como: {16} Joao disse que Maria saiu. ‘emperram a méquina extensional, precisamente porque o seu valor de verdade no pode ser deduzide mecanicamente dos valores de ‘Joao disse algo’ e ‘Maria saiu’. Essa sentenga é verdadeira se Joao disse que Maria saiu; seu velor de verdade nao depende da verdade ou da falsidade de ‘Maria seit’, Da verdade de (16) néo podemos deduzir nem que Maria saiu nem que ela néo saiu, Sentengas que nao se submetem ao principio de substituigdo séo chamadas de intensionais._ A linguagem naturel, gsté replota de sentencas intensio- nais. Aliés, uma boa patie de “Sentido ¢ Referéncia” 6 um minucioso estudo éemfntico de sentengas intensionais da lin- guagem natural, que néo se submetem ao principio da substi- tuigdo e que no sao, portanto, passiveis de serem incluidas na Begrifisschrift. Essa ¢, sen davida, uma deficiéncia, se nosso objetivo 6 descrever as linguas naturais. Vejamos com mais ‘euidado o chamado contexto intensional. O paradoxo de Electra Frege notou, como dissemos, que a propriedade da sus- ‘ituigéo salva veritate néo se aplicava a todas as sentencas de ‘uma lingua natural. Muito antes de Frege, no entanto, 03 est6i- vos j tinham levantado esse mesmo problema no chamado ‘Paradoxo de Electra.* "Senta que la vem a estéria” do Paradoxo 32, O letor encontra eate 6 outros paradoxos, sasim coma uma boa histécia a reflexto sobre @ nguagem, em Seuren (1998). de Electra: Orestes, irmao de Electra, deixa sou lar edesaparece por muitos anos. Um dia ele retome como um mendigo e bate na porta de Electra, que 9 faz entrar @ Ihe oferece comida e [pouso, sem, no entanto, reconhecerno mendigo oirmao Orestes. Considere, nessa situagao, as sentengas: (17) Omendigo na cozinha de Electra 60 irméo de Electra, (18) Electra; acredita que o mendigo na suai cozinha & | pobre. A sentenca em (17) 6 verdadeira, porque, pela estéria, 0 | menaigo Orestes Nauta senronga 6 verbo ser esabelece tna entidade ents "e mondige na corm de Elect’ ea irméo de Electra’, dois sentidos para a mesma referéncia — | Orestes no mundo, Suponhamos que a sentenga em (18) seja. também verdadeira, porque Electra de fato acredita que aquele Inmdige & pobo, tart que ela ho oferace pouso'e soniaa Segundo o principio de substituicao salva veritate, deveriamos poder substituir ‘o mendigo na cozinha de Electra’ e ‘o irmao de loa som sitorarmonovaor de verdad da sentenga comple, za, porgue cles se refeem to moe ebjeto, Comidere no ntanto, esse subottuigde ne sentenga aban (19) Electra; acredita que o seu; irmao Orestes 6 pobre. Sera que da verdade das sentengas em (17) e em (18) podemos conchuir a verdade da sentenca em (19)? A resposta é “nao”, De fato, ndo ¢ possivel realizar a substituigéo de ‘o mendigo em sua cozinha’ por ‘o seu iméo Orestes’, porque Electra pode acreditar que o mendigo na sua cozinha é pobre e néo acreditar que ele 0 sou irmao Orestes. Nessa situacéo, a ‘sentenga em (18) 6 verdadeira, e a em (19) é falsa, mesmo que ‘o mendigo na sua cozinha’ e ‘o seu irmao Orestes’ sejam dois nomes da mesma referéncia, Nesse caso, o principio da substi- tuigdo néo se aplica, porque, 80 realizarmos a substituigéo, realizar substituigées desde que mantenhamos inaltorado 0 estamos altorando as crengas de Electra. Essa impossibilidade sentido das expresstes ¢ ndo a referéncia. Isto 6, podemos de substituigao deve-se ao predicado ‘saber’, que constr6i sen- substituir a sentenga por uma sentenca sinénima. tencas cujo valor de verdadee ndo é uma fungao da referéncia das Vejamos mais um exemplo porque esta estéria 6enrolada: partes. Ele é um predicadio intensional, Frege ndo discutiu esse exemplo, mas notou que, com -vérios predicados, no era possivel deduzir a verdade do todo ‘a partir da verdade das sentences simples. O principio de composicionalidade se rompia nesses casos, e sua maquina Amulher de Jogo pode, ou nfo, ser empregada doméstica seméntica emperrava. Vejamios um outro exemplo, mais préxi- sem que isso afete a crerga de Joao de que ela o seja. Nao é téo mo dos exemplos analisados por Frege: dificil perceber que néo podemos substituir ‘a sua esposa 6 empregada doméstica’ por outra sentenga de mesmo valor de verdade @ termos certeza de que valor de verdade do todo se (21) Joaoi acredita que a suai esposa 6empregada doméstica, Oe ene eres manterd inalterado, precisamente porque podemos estar alte- randoo que Joao acredita, Digamos que 6 verdade que a esposa ‘Vamos supor que a comunidade saiba que ‘a Terra é de Jodo 6 empregada doméstica, ¢ que Joao de fato acredita plana’ é uma sentenga falsa. Iss0, com certeza, nao garante que nisso} seré que podemos substituir a sontenca encaixada em asentenca.em (20) seja falsa nemtampouco que seja verdadeira. (21), ‘a sua esposa 6 empregada doméstica’, por outra sentenca ‘Simplesmente néo 6 possivel dizer nada sobre o sou valor de verdadeira, por exemplo, 'a égua ferve @ 100° C’? Se vooé quer verdad. O tinico modo de afinmar se ela & verdadeira ou falsa é ‘um exemplo mais cotidiano, troque por ‘a sua esposa é amante saber sobre a crenga de Joao. Se Joao de fato acredita que a : do carteiro' e suponha que de fato a esposa do Jodoé—aquela ‘Terra plana, onto a sontonga 6 verdadeira, se elendo acredita, , sem-vergonha! — amante do carteiro, A sontenga abaixo 6, ola 6 falsa, So substituirmos a sentenca ‘a Terra 6 plana’ por nessa situagéo, verdadeia: outra de mesma referéncia, podemos estar alterando 0 valor de verdade da sentenga complexa, procisamente porque estamos falando sobre a crenga de Jodo. Considere, por oxemplo, a substituigéo do ‘a Torra 6 plana’ por ‘o tercoiro planeta do sistema solar é plano’. Veja que alteramos apenas a descrigao Podemos inferir das sontengas em (21) ¢ em (22) a sen- definida. Essas sentencas tém sentidos diferentes, mas se refe- ‘tenga em (23)? rem ao mesmo: o falso — portanto o valor de verdade do todo néo deveria ser afetado. No entanto, ele pode se alterar porque © Jo&o pode nao saber que ‘a Terra’ e ‘0 terceiro planeta do sistema solar’ se referem ao mesmo objeto no mundo. A crenca (22) A esposa do Joao 6 a amante do carteiro. V (23) Joao, acredita que sua; esposa é a amante do carteiro, do Jogo é de que a Terra ¢ plana e nao de que oterceiro planeta Nao. Nao hé relagéo de acarretamento entre essas sen- do sistema solar 6 plano. Nesses casos, nos diz Frege, podemos ‘tengas, porque Joao pode nao acreditar que sua esposa é aman- ne Mm te do carteiro. O raciocinio se mantém exatamente omesmocom imimeros outros predicados das linguas naturais. Experimente substituir ‘acreditar’ por ‘saber’, ‘querer’, ‘dizer’, ‘pensar’, ‘achar’ .. Em contextos intensionais, s6 ¢ possivel substituir se manti- vermos 0 que Frege denominou referéncia indireta, isto 6, 0 sentido das palavras. E por isso, alids, que esses casos sio chamados de intensionais, eles requerem uma descrigao s0- méantica baseada no sentido. Se Jodo acredita que sua esposa 6 empregada doméstica, entéo ele acrodita necessariamente quo a mulher com quam ele é casado 6 omprogada domestica, %/ dado que ‘a mulher com que cle 6 casado’ 6 sinénimo de ‘sua esposa’. De modo que a substisuicdo abaixo 6 possivel: (24) Joao, acredita que a mulher com quem ele; é casado 6 empregada doméstica. Frege nao propés um tratamento para essas sentencas, antes as excluiu de seu céloulo, Mas, nao apenas notou que esse grupo de sentengas tinhe um comportamento diferente daquele primeiro grupo, que chamamos de extensional, como também que havia uma propriedade comum a esse grupo: areferéncia. _indireta..A substituicao, nesses casos, é possivel se mantiver- mos 0 sentido da expressio, Mais tarde, esse grupo de opera- dores predicados seré chamado intensional, e o contexto, de “contexto opaco”, Nesse grupo, a verdade do todo néo é uma fungdo dos valores de verdade das partes. © o principio de substitutividade nao se aplica. Pode haver substitulgéo desde que se garanta que 0 sentido é absolutamente idéntico, desde que haja sinontmia. Essa histéria costuma soar bem estranha para os alunos de graduagao em Letras, mas é impressionante como sabemos fazer uso dessa propriedade intuitivamente; em especial quan- do queremos fazer fofoca, porque uma das formas de fazer fofoca 6 alterar o sentido das palavras de outra pessoa. Vamos ilustrar com uma situagao cotidiana, Imagine que o presidente do Brasil, diz o seguinte: (25) O FMI esta ajudando o Brasil. ‘Um repérter resolve dar a seguinte versao da fala do presidente: (26) © atual presidente do Brasil disse que o FMI esté ajudando opais que estd em 78° posigdo.em qualidade de vida entre os paises do mundo. © repérter esta sendo fiel & fala do presidente? Segundo Frege, ndo esté, porque ele alterou 0 sentido do que presidente disse. Afinallo presidentendo disse que oFMlesté ajudandoopais ‘que osté em 79° posigéo no ranking de qualidade de vida. Aliés 0 presidente pode nem saber, ou nem acteditar, que de fato o Brasil ‘esté nessa posig&o. Se 0 caso ocorresse, e 0 presidente se sentisse ofendido pelo repérter, ele poderia pedir que o repérter se retr ‘tase, porque o sentido de sua fala foi modificado. Quantas vezes ‘ndo nos pegamos em situagées em que dizemos ou escutamos: “Nao foi isso o que eu disse”, “woos mudou/deturpou o sentide do que eu disse” ? Como vocé deve ter notado, operadores extensionais intonsionais ce comportam diferentemente em estraturas do ‘acarretamento. Compare os casos abaixo: (ZI) a, Joao é médico e Pedro é espanhol.V b. Joao & médico. (28) a. Jodo disse que a Maria saiu.V b. A Maria sain. 3 Pergunte-se: as sentencas em (b), em cada um dos gru- Pos, sao acarretadias pelas sentencas em (a), supondo que esas sentencas sejam verdadeiras? Se sabemos que ‘Jodo & médico @ Pedro 6 espanhol'é verdadeira, podemos conciuir que ‘Joao é médico' ? Se 6 verdade que ‘Joao disse que Maria sain’, entéo ‘Maria saiu’ é uma consequéncia légica? No primeiro caso, sim, a sentenga em (b) 6 uma decorréncia da verdade da sentenca em (a). No segundo caso, (b) nao 6 uma decorréncia logica de (@), porque Jodo ter dito que Maria eaiu ndo implica que Maria tenha saido. A tinica certeza que temos é de que Joao disse que ela saiu. Como vimos, 0 ‘e’ 6 um operador extensional; nesse caso, a verdade do todo é uma fungéo matemitica da verdade das partes. Relagdes de acarretamento so, portanto, possiveis. ‘No caso da sentenca om (28), ‘dizer’ é um predicado intensional, a verdade do todo ndo se deriva da verdade das partes; nao hé, ortanto, relacdo de acarretamento entre elas. ‘A méquina extensional e as linguas naturais No capitulo anterior, dissemos que o semanticista busca construir uma méquina que eproduza acompeténcia semantica de um felante. Essa competéncia, como vimos, exibe tr6s pro- priedades: a criatividade, a roferoncialidade e arede de senten- gas. A maquina semantica que Frege constr6i consegue mimetizar a crietividade semAntica, pois ela se compte de ‘unldades primitivas, que, combinadas, geram sentengas com- plexas. Vood pode nao ter percebido isso, © nés voremos es50 aspecto com mais detalhes no préximo capitulo, mas é precisa- mente a propriedade da criatividade que Frege pretende mode- Jar ao estabelecer que a referéncia de uma sentenga complexa ¢ fing da referéncia das sentengas primitivas que a compdem. Essa méquina consegue, mesmo que de uma maneira um tanto rudimentar, explicitar que o conhecimento do falante sobre o significado est relacionado a sua capacidade de relacionar > | an \ linguagem e mundo. Como ela também consogue explicer cex- tas relagées entre as sentengas, em especial as relagées de acarretamento. Vimos, no entanto, que a méquina extensional néo 6 eficiente se nosso objetivo 6 descrever 0 conhecimento seman- tico de um falante, Por isto, jé podemos colocar a nossa pergun- ta-tema: qual arelagéo entre améquina extensionsle as linguas naturais 7 Hé entre elas defasagens? O leitor atento j4 deve ter respondido afirmativamente a essa tltima pergunta, De fato, essa maquina é muito limitada. Em primeiro lugar, ela exclui sintagmas nominais que ndo tém referéncia no mundo real, de ‘modo que ela néo pode etribuir uma interpretagéo a sentengas come: (29) A primeira prosidente brasileira enfrentard fortes oposigées. Essa sentenga emperra a maquina porque a descrigéo definida ‘a primeira presidente brasileira’ ndo tem referéncia, ‘Noentanto, nés conseguimos interpreté-lae, inclusive, atribuir- Ihe um valor de verdade; basta imaginarmos um mundo em que +haja uma presidente brasileira. Assim como ndo temos proble- ma em interpretar sentengas sobre seres ficcionais ¢ atribuir- hes valor de verdade. Além disso, vimos que ela emperra se o predicado ndo for ‘extensional, ou seja, ela nio consegue atribuir uma interpretagao para sentengas com predicados como ‘saber’, ‘pensar’, ‘achar’, ‘86 que qualquer falante interpreta sentencas com esses predica- dos sem o menor problema. Veremos, no capitulo 6, uma possibi- lidade formal de solucionar essa deficiéncia. Finalmente, essa méquina, porque sé olha para a referén- cia, descreve parcialmente as linguas naturais. Dissemos que 0 conectivo 'e', constréi uma sentenca verdadeira se © somente se as sentengas que ele une forem verdadeiras. Ora, essa des- us. crigdo capta 0 uso de ‘e’ nas linguas naturais, mas nao o faz de (i) 0 discipulo de Plato que escreveu Retérica maneira plenamente satisfatéria, se, mais uma vez, nosso obje- ) O discipulo de Platéo que escreveu Retérica nasceuem tivo 6 descrever a competéncia seméntica do falante. Veja que Estagira. @ sentenga abaixo, embora logicamente plausivel, tanto que podemos lhe atribuir valor de verdade, 6 uma sentenca estranha ara os nossos cuvidos () O autor que escrevou Memérias Péstumas de Brés Cu- bas era mulato, Q) Aautora de A hora da estrela fn) A autor esta viva. (30) Dois mais dois ¢ igual a quatro e Pedro é médico. Oe eae eres Essa sentenca funciona muito bem na maquina extensio- fvat uoivesPadeypusincord patent drenwiindeb ded ictaneted nal, mas emperra em noesoe ouvidoe. Por que é que ela é da distingdo entre sentido e referéncia. estranha? Porque néo costumamos, nas nossas interagdes coti- (1) Guimardes Rosa 6 Guimardes Rosa. dianas, juntar sentengas tao disparatadas. E precisamente por (2) Guimaraes Rose 6 0 autor de Grande Sertdo: Verodas, essa razdo que essa sentenca 6 um bom exemplo de ruptura de méximas conversacionais. Ela é um étimo disparador de infe- : 3, Analise a seguinte situagao a partir da proposta de Frege. réncia. De alguma forma, o falante de uma lingua esta preocu- ‘ Meu filho André, de 8 anos, vem correndo e diz: pado com o sentido das sentengas, além de eua referéncia. E (@) A Bela esté na casinha dela. esse aspecto néo é mimetizado pela maquina extensional. ‘Suponha que apenas eu sei que a Bela 6 tinico cachor- ro que vi nascerhé dez anos. Eu relato a fala do André da seguinte forma: i Exercicios (b) Meu filho de 8 anos disse que a unica cachorra que eu vi nascer ha dez anos esté na casinha dela. 1. Apresente outros sentidos para as express6es abaixo: Eu posso reportar a fala do André por meio da sentenga (@) Osaci-pereré ‘em (b)? Justifique a sua resposta, (®) O autor de Grande Sortéo: Veredas 4 Expliquo por quo néo 6 possivel substituir a eontongas (c) Guimardes Rosa encaixadas abaixo: (a) Florianépolis é a capital do Parané. {a) O Joao acredita que a Lua é o satélite da Terra. (e) Oautor de Grande Sertao: Veredas escreveu “A terceira (b) O Joao acredita que a Lua 6 0 satélite do unico planeta smargem do rio”. habitado, (f) QO autor que escreveu Quincas Borba Supondo que a sentenga em (c) ¢ verdadeiza: (g) A autora de A hora da estrela ¢ Clarice Lispector. (c) A Terra é 0 Unico planeta habitado. (h) Aristételes 6 Ww 5. Explique por que a sentenga absixo constitui um problema para ¢ seméntica extensional que Frege quer construir: (@) Jodo acredita que a Terra é quadrada. 6. Azoferéncia em contextos intensionais nao é a mesma que a referéncia em contextos extensionais. Em que consiste essa diferenca? A sentenga (b) 6 uma transposigao de (a) para o discurso indizeto? Justifique a sua resposta. (a) Jodo: A Maria 6 anamorada do meu amigo Pedro. (b) Carlos: 0 Joao disse que aMariaé anamorada doidiota do Pedro. Dé pelo menos trés sontidos para cada uma das referéncias abaixo: (a) Florianépolis (©) Machado de Assis (©) Getilio Vargas (@) Verdade (©) Falsidade ‘Segundoa teoriade Frege, as sentencas abaixotém sentido ¢ referSncia? Justifique a sua resposta, que deve deixar claro, caso voce julgue que as sentengas abaixo tém sentido @ referéncia, o sentido ¢ a referéncia de cada sentenga: (a) © Papai Noel tem barba branca, (b) As sereias assombram os marinheiros. (c) Guimarées Rosa 6 um escritor brasileiro. 9. Explique por que nao é possivel substituirmos a sentenga encaixada em (a) por outra demesmo valor de verdade, mas de sentido diferente, como em (b): {a) Joao acredita que a Lue gira em torno da Terra. us (b) Jogo acredita que o satélite natural da Terra gira em tome da Terra, 10. Roflita sobre a seguinte situagao: © presidente do Brasil diz textualmente: —O FMI vai ajudar o Brasil. ‘Um repérter, om artigo sério, relata a fala do presidente da seguinte maneira: “O presidente do Brasil afirma que o FMI vai ajudar 0 pais ‘que tem a maior feserva florestal do mund Agora, responda: a. Ocomentarista tem o direito de relatar a fala do presi- dente como fez? Justifique a sua resposta de acordo com a teoria de Frege; b, O comentarista poderia ter feito 0 seguinte relato: “O presidente do Brasil afirma que o FMI vai auxiliar o Brasil."? Justifique a sua resposta. 11. E possivel realizar as seguintes substituigSes? Justifique a sua resposta. () (@) Maria é casada 2 Jodo é casado. [Essa sentenca 6 V.| (b) Dois mais dois é quatro e Jodo é casado. (@) (@) Carlos acredita que a Terra é habitada por humanos. [Essa sentenca 6 V.] (b) Carlos acredita que dois mais dois 6 quatro. (HM) (a) Carlos acredita que a Terra é habitada por humanos, [Essa sentenca é V] (b) Carlos acredita que humanos habitam a Terra. ns 32, Suponha que o atual ministro da Educagao proferea seguin- te sentenga: (@) Ondmero de analfabetos no Brasil esta diminuindo. Crie duas situagées de discurso indireto, uma em que © comentarista é fiel A fala do ministro, outra em que ele ndo 0 6. A seguir, explique o que tome o discurso indireto infiel. 13. Diga em que consiste a diferenca semantica entre as sen- tengas abaixo: : (a) Joao 6 0 maior jogador de basquete do Brasil. (b) Jodo 6 um jogador de basquete do Brasil. (itl 4 'WOCOES BASICAS PARA OPERAR UN SISTEMA FORMAL 14, As sentengas abaixo sf sindnimas? Justifique a sua res- posta, (a) © Brasil é uma erpiblica A forma semantica (©) 0 finico pais ql¥ Tala portugués na América Latina é ae epaioh A reflexdo de Frege nao contribuiu apenas porque escla- rece o conceito de significado, mostrando que nele estéo embu- tidas as nogdes de sentido o referéncia e por mostrar que sentengas complexas podem ser extensionais ou intensionais; @ partir dela abre-so uma tradicao de anélise da estrutura ‘semntica das sentencas, que é a base da semantica formal, Essa ostrutura 6 muita vozes denominada de forma légica, tormo que tem recobido diferentes interpretagéee." Vamoo optar por falar em forma seméntica, que parece ser uma denominagéo menos marcada, e reservar 0 termo “forma légica” para nos referirmmos as estruturas de acarretamento, isto 6, estruturas que preservam a verdade. Considere, por exemplo, as sentengas & seguir, ‘Ver May (3888) ¢ Chierehia & MeCenpell-Ginet (1996), em eopecial as liginas 142-146. wRma LO WicA (1) a. ‘Todas as maes sdo mulheres e Maria é mae. b. Maria 6 mulher. Vimos jé um exemplo como esse © dissemos que a relagio centre as sentencas acima se aplica a qualquer par de sentengas que ‘mantenha a relagéo estrutural presente em (1) e descrita abaixo: (Wa Todo AéBexéA. b. xéB ‘Sabemos que a relagéo em (1,a) ¢ (1.b) se mantém, inde- pendentemente do que A, B e x significam. Reservaremos 0 termo “forma légica” para nos referirmos a padres vélidos de inferéncia como o apresentado acima, A forma semantica de uma sentenga & “o conjunto de elementos e relagées relevantes para determinar o sentido de uma expresséo ou oragdo, em contraste com sua estrutura gramatical visivel" (Nari & Geraldi, 1985: 88). A forma semAntica espelha a interpretagao de uma sentenca. Como jé vimos, a forma seméntica de uma sentenga muitas vezes nao coincide com a cadeia falada, com a forma fonética, Vejamos mais um exemplo: (2) Joao nao quer sair. ‘Como 6 que vocé interpreta a sentenga em (2)? Embora nao haja a realizagao fonica do sujeito de 'sair’, sabemos que Joao nao quer que o préprio Jogo sala. A forma seméntica da sentenga abaixo é: (3) Joao nao quer Joao sair. (8) Joao; nao quer e, seit. FT RMA GEMANTICA A forma semintica é o nivel de reprosentagéo que recu- pera a interprotagao da sentenga. A ambiguidade é 0 exemplomais gritante da disparidade entre a cadeia de sons o a forma seméntica, porque a mesma forma fonética recebe duas interpretagées diferentes, Vojamos © seguinte exemplo: () Todos os alunos amam uma aluna, Como representar fato de que podemos atribuir duas ou mais interpretagdes 4 cadeia sonora om (4)? Uma manoira é mostrar que ha diferentes estruturas de interpretacdo, duas formas seménticas: (#7 a. Cada um dos alunos esta numa relago de amor com uma sluna diferente. b. Uma tinica aluna é amada por todos os alunos. E claro que na explicitagéo das formas seménticas epre- jentadas em (4') estamos utilizando o PB como metalinguagem; ‘podiemos, no entanto, representar utilizando o célculo de predi- cados como metalinguagem. Foi em busca da forma soméntica das sentengas que Frege mostrou uma diferenca importante que a gramética tra- dicional nem chega a mencionar. Trata-se da diferenca entre: (5) Se um passagairo da Varig perde a mala, a Varig indeniza ele” (6) Se Joao perde a mala, a Varig indeniza ele. 2 Estamos analisando o ponuguts brasileiro falado, ‘Como bem apontam lari & Geraldi (1985), a sentenga em (©) problematiza a definigéo de pronome comumente encontra- da nas graméticas tradicionais. Nelas, pronome é frequente- mente definido como aquele elemento que substitui o nome. Essa definigao funciona muito bem para a sentenca em (6), porque podemos substituir o pronome ‘ele’ pelo nome ‘Jo! sem alterarmos o significado da sentenca. A substituigéo éuma pardfrase da sentonga om (6): Se 0 Jogo perde a mala, a Varig indeniza 0 Joao. No entanto, se aplicarmos essa detinicao de pronome @ sentenga em (5), veremos que ola é inadequada, porque em (6) 0 pronome ‘ele’ néo substitu o sintagma nominal ‘um passageiro da Varig’. Se empreendemos tal substituigao, obtemos uma sentenga com significado diferente daquele ex- presso em (5): (7) Se um passageiro da Varig perde a mala, a Varig indeniza um passageiro da Varig. ‘A sentenga em (7) no é uma paréfrase da sentenga em (), porque o sentido dessa sentenca é: se um passageiro da Varig perde a mala, a Varig indeniza aquele passageiro que perdeu a mala e nenhum outro; a Varig néo indeniza qualquer assageiro, como se infere da sentenga em (7). A anélise de Frege pernite-nos explicar esse fendmeno, porque ela nos mostra que as formas seménticas das sentengas em (6) © om (6) ao diferentes, visto quo a ootrutura ceméntica do sintagma nominal ‘um passageiro da Varig’ no é a mesma dosintagma ‘Joo’. Em (6), o pronome esté ligado anaforicamen- te ao nome ‘Joao (6) So Joao; perde a mala, a Varig indeniza elo). ) A sentenga om (5), no entanto, osconde um quantificader. Informalmente ela nos diz que, para qualquer passageiro da Varig, 6 verdade que, se ele perde a mala, entdo a Varig 0 indoniza. Assim, a melhor paréfrase para a sentenga em (6) 6: (5) Para qualquer x, se x 6 passageiro da Varig ex perde ‘amala, entéo a Varig indeniza x, Na sentenga om (6), néo sabemos de que individuo esta- ‘mos falando; fazemos uma generalizagao: qualquer individuo, se ele... Por isso colocamtos um x, uma varldvel, que indica um individuo aleatério, Essa varidvel & substituida, em todos 0 Tugares em que ela ocorre, pelo mesmo individuo: Se Jodo é ‘assageiro da Varig e Jodo perde a mala, entdo a Varig indeniza Joao. E por isso que dizemos que as varias ocorréncias da varidvel x estdo vinculadas ao quantificador ‘qualquer’, que nao aparece na forma fénica. Vocé certamente se lembra das suas aulas de matemética, quando vocé ldava com variéveis na resolugao de equagées, ndo? Por exemplo: um nimero que somado a um resulta om dois: x + 1 = 2. Pois 6, uma lingua natural também tem varveis @ voc sabe intuitivamente atri- buir valores a elas. # essa a sacada de Froge: cle percebe que 1A dois tipos de preonchimento do predicado: um com neme rOprio e outro com expressées com variéveis. Vamos, entéo, iniciar nossa anélise das formas seménticas das sentencas. Predicados A anilise da estrutura semAntica das sentencas, propos- ta por Frege, parte da hipétese de que uma sentenga qualquer se compée de predicado e argumento. O conceito de predicado 6 bem diferente daquele que encontramos nas graméAticas tra- dicionais, em que predicado & definido por oposigéo a sujeito da sentenga, Na anélise semantica que remonta a Frege, oconceito de predicado 6 formal: trata-se de uma estrutura com lacunas 135 que indicam a possibilidade de preenchimentos alternatives. Para determinarmos essa estrutura, comparamos sentengas-e destacamos a parte que 6 recorrente. Analisemos o seguinte ‘grupo de sentencas: (8) a. Joao 6 brasileiro, b. Maria é brasileira. ©. Carlos 6 brasileiro. d. Colestina 6 brasileira. Desconsidere, na sua anélise, a questo da concordancia, ‘tanto a nominal quanto a verbal, porque é um fenémeno sinté- tico.’ Deixe de lado também a questéo do tempo verbal, a ela zetornaremos no capitulo 6. Atente para a estrutura semantica das sentengas em (8). Vood certamente consegue continuar a lista com outras sentengas que tenham a mesma estrutura, no? Eis uma continuagao possfvel: (9) a. Pedro é brasileiro. b. Pelé 6 brasileiro. ¢. Chico Buarque é brasileiro, ‘Que estrutura 6 essa? Se voeé reparar bem nas senvengas com (8) ¢ em (9), verd que hé uma parte que permanece inaltara- da, quo so ropete em todas elas, © outra que varia. Nas senten- as acima, o predicado ‘sor brasileito' é recorrente e invariavel fem termos do contribuigéo seméntica. O verbo aparece no infinitivo, ‘ser’, porque deixamos de lado o tempo ea concordan- cia vetbais e ‘brasileiro’ indica a propriedade que varios indivi- duos podem tor; trata-se, portanto, de uma estrutura de 3. Ver, sdbre a questo, Mioto ot ali (1899). significado que nao incorpora género e mimero, Séo os nomes Préprios, que ocapam o lugar vazio de ‘ser brasileiro’, que modifi- ‘cam o significado da sentenga. Podemos, pois, distinguir @ estra- ‘ura ‘ser brasileiro’, que é fixa, e 08 nomes préprios, que variam. Podemos, entéo, recortar uma estrutura a partir das sen- tengas em (8) ¢ em (9), que pode reaparecer infinitamente constituindo novas sentengas. Trata-se de uma estrutura que podemos representar por: ser brasileiro “ser brasileiro’ 6 0 predicado. O trago indica a posigéo vazia que ‘sera preenchida por argumentos, nomes préprios que se refe- rem a individuos. Nao é possivel atribuir a estrutura ‘__ ser brasileiro’ um valor de verdade, por que ela é incomplota, insaturada. Afinal, ‘___ ser brasileiro’ néo é nem verdadeiro nem falso, Precisamos saber sobre quem estamos falando para, podermos atribuir um valor de verdade a sentenga, uma estru- ‘tura completa, ‘Vocé poderia pensar que é possivel sim atribuir um valor do verdade a essa estrutara, mas, nesse caso, é muito provavel que voce esteja acupando a posigtio aberta, o trago vazio da estruture acima, Nesse caso, o vazio 6 apenas fonético, mas semanticamente presente e recuperdvel discursivamente, Lem- bre-se de que discursive indica uma sequéncia de sentencas encadeadas. Repare no exemplo abaixo: (10) Qual é a nacionalidade do Joao? E brasileiro. Apesar de dizermos apenas ‘é brasileiro’, esta claro que a forma seméntica é ‘ele 6 brasileiro’ © esse ‘ele’ esta co-inde- xado a ‘Joao’. var A estrutura ‘ser brasileiro’ nao &, no entanto, recuperével discursivamente, Ela indica a possibilidade de preenchimentos variados, por isso ela néo 6 uma estrutura completa © nao se refere nem a um individuo nem a um valor de verdade. Para se tomar completa, o vazio semantico deve ser preenchido por um argumento: ou um nome proprio ou uma expressao quantificada, ‘Um exomplo dease tipo de proonchimento 6 "Todos os meninos ‘so brasileiros’, Trataremos das expresses quantificadas no préximo capitulo, Ao preenchermos 0 predicado, o saturamos, ele se toma uma estrutura completa, com sentido e referéncia. ‘esse caso, ele se torna um nome préprio no sentido que Frege ‘empresta ao termo: qualquer expresséo que tenha sentido ¢ referéncia, Os nomes préprios como ‘Joo’ e ‘Celestina’, por ‘exemplo, so completos, porque sabemos o seu sentido e a sua referéncia; mas também ‘Joao ¢ brasileiro’ é um nome préprio, porque tem sentido, o pensamento expresso pela sentence, € tom referéncia, a verdade, se Jodo for brasileiro, ou a falsidade, se Jodo nao for brasileiro, Como dissemos, as expressées insaturadas ou incomple- tas Frege dé o nomé de predicado: um predicado é uma estru- ‘ura recorrente com espagos vazios que podem ser preenchidos por estruturas completas, por nomes préprios. Nas palavras de Lyons: “Por predicado entende-se um termo que ¢ usado em ‘combinagéo com um nome a fim de fomecer uma determinada informagao acerca do individuo a que o nome serefere: i¢., a fim ihe atribuir uma propriedade” (Lyons, 1977: 125). Aos espa- 908 vazios dase o nome de arguineuto, Quandy os espayos de uum predicado séo preenchidos, geram-se sentengas que 40, por sua vez, nomes préprios, porque tém sentido e referéncia, ¢ ‘que podem, entao, funcionar como argumento de outros prodi- ‘cados mais complexos. Retomamos, na préxima seco, a esse problema. © predicado ‘ser brasileiro’ é um predicado de um argu- mento, porque tem apenas um espago vazio; por isso ele é também chamado de monoargumental. Um predicade monoar- 128 gumental se completa quando seu (nico espago vazio é preen- chido por um argumento. Ele indica uma propriedade que um objeto pode ter. Jo&o pode, entéo, ter a propriedade de ser brasileiro. ‘Tomando como base essa anilise, reflita sobre as senten- gas abaixo: (11) Joao beijou Maria, {12} Joao betjou Pedro. {13} Joao beijou Celestina. Imagine que voce foi solicitado a identificar a estrutura de argumento e predicado dessas sentencas. Se vooé levar em consideragao apenas as sentencas do (11) a (13) - suponha que vvoo8 nio sabe portugués e que esses sao os imicos dados de que vocé dispde —, vocé pode concluir que o predicado 6 ‘Jodo boljar___', porque essa é a parte reconrente em todos os exem- plos. Nesse caso, estariamos diante de um predicado de um lugar, porque hé apenas um espago a ser preenchido. Imagine, agora, que as seguintes sentengas foram acrescentadas ao seu tbanco de dados: (14) Maria beijou Jodo. (15) Celestina beijou Pedro. (16) Kduardo beijou Estefania. Nesse caso, o mais adequado seria identificar uma estru- tura argumental com dois lugares vazios, algo como: beijar___. A anilise formal pemnite essas duas decomposigées. Mas 6 importante perceber a diferenga entre os predicados ‘Jodobeijar_" e'__beljar __'. No caso do predicaclo monoargumental, estamos 19 Golimitando a classe de individuos que foram beljatios por Jogo; fem outros termos, aqueles que tém a propriedade de ser beijados por Jodo. © desenho abaixo pode tomar as coisas mais clara: Pin (=... ¢ ee Pedro ; Celestina CO resultado é 0 conjunto dos individuos beijados por Joao: {Maria, Pedro, Gelestina}. A situacéo é muito diferente se esta- mos lidando com um predicado de dois lugares. Nesse caso, estamos estabelecendo um conjunto de pares de individuos: we] — ¥ we en me — 9 came waa @ ff so | consis $ — ron | canto — §} come O resultado agora é um conjunto de pares ordenados, rep. resentado em teoria de conjuntos da seguinte maneira: {, , , , ‘, }. Predicados de dois lugares estabelecem relagées entre dois individuos: os individuos Joo @ Maria esto na relagao de Joao beljar a Maria. 130 (Os pares dovern ser ordenados porque, evidentomente, ‘afirmamos coisas distintes quando alteramos a ordem dos argu- mentos. As sentengas em (11) @ om (14) nao afirmam 0 mesmo estado no mundo: uma diz que 0 Joao beijou a Maria, a outra, que a Maria beijou o Joao. E por isso que a reprosentagdo é ordenada: {} e {}, respectivamente. Se ainda nao esté clare que a ordem dos argumentos importa, basta pensar sobre a diferenca entre as sentencas abaixo: (11) Joao matou Pedro. (18) Pedro matou Joao. No primeiro caso, temos o par {}, no se- gundo, . A ordem dos argumentos 6 extrema- mente importante, porque, se a alteramos, 0 sentido e a referéncia da sentenca se modificam. Um predicado pode ter varios lugares vazios. Exemplifi- camos acima predicados de um e de dois lugares. Como voc’ descreveria a ostrutura seméntica da sentenga abaixo? (18) Florianépolis fica entre Porto Alegre e Curitiba. Ela exemplifica um predicado de trés lugares: '__ficar entre___e__'.* Veja que, também nesse caso, e sempre serd assim, 08 argumentos devera ser ordenados, porque, se a sen- ‘tenga em (19) & verdadeira, as sentencas em (20) so falsas: (20) a. Porto Alegre fica entre Florianépolis © Curitiba. b. Curitiba fica entre Florianépolis e Porto Alegre. rl “Atangio: 976’, pease caso, néo 6 um conective como em “Jodo & casado © Fed 6 sokeio, porque ele néo esta uniado sentengas. Hle 6 pare do ‘redicado, porque faz pare da estrutura xa recorrente. Compare: Catloe ‘Boa entre Maria ¢ Jos6, O computador fica entre olvro 6 0 rego, Representamos os argumentos da sentenca em (19) pela ‘tripla ordenada: {}. H4, logicamente, predicados de quatro, cinco, nlugares. Nalinguagem natural, no entanto, néo é muito fécil achar predicados de mais de ‘trés lugares. A sentenca ‘Maria comprou de Pedro o livio para ‘Paulo’ parece ser um predicado de quatro lugares, mas tanto ‘de Pedro’ cuanto ‘para Paulo’ séo adjuntos, termos acessérios que podem ser retirados, porque a estrutura resultante, ‘Maria com- [prouo livro’, tem sentido ereferéncia. A retirada de um argumento (mas no de wn adjunto) toma a estrutura insaturada. Composicionalidade Os predicados so, portanto, estruturas insaturadas, in- completas, que secompletam quando os seus vazios sao preen- chidos por um argumento, (21) Jodo 6 brasileiro. Em (21), 0 predicado monoargumental ¢ ‘ser brasileio’. Nessa sentenca, ele preenchido por um nome préprio, ‘Joao’, ‘que $e refere ao individuo Joao no mundo. $6 agora podemos atribuir referéncia a sontenga om (21), Intuitivamente, seu valor de verdade depende de Jodo possuir a propriedade de ser brasileiro, de ele fazer parte do conjunto dos brasileiros. Se Joao possui a propriedade de ser brasileiro, se ole faz parte do conjunto dos brasileiros, onto a referéncia da sentenca é 0 verdadeiro; caso contrérrio, ofalso, Até aqruindoh4nadade novo. Imagine que Joao é brasileiro, a sentenga em (21) se refere ao | verdadeiro, ¢ podemos representé-la por; (Ser Brasileiro (Joao). Ness caso, a sontonga em (21) tem sentido e referéncia. Para Frege, ela é, portanto, um nome proprio. De maneira que ‘ela, agora, pode funcionar como argumento no preenchimento de lacunas de predicados mais comploxos, cujos vazios admi- tem o preenchimento por uma sentenga simples. E esse 0 caso do predicado ‘ser verdade’, por exemplo: (22) & verdade que Jogo é brasileiro. ‘A sentenga (22) pode ser traduzida na seguinte forma se- méntica: (Ser Verdade (Ser Brasileiro (Joao))). ‘Jodo’ é argumento de ‘ser brasiloiro’, formanco (Ser Brasileiro (Jodo), queé argumen- to de ‘ser verdade’, gerando a forma semAntica dada acima. Repare que 0 jogo proposte por Frege é muito engenhoso, Porque ele se monta a partir de dois conceitos bisicos, que interagem por meio de uma fungSo: as express6es insaturadas, as expressées saturadas # ume fungéo que combina expressdes saturadas a insaturadas e gera outras express6es saturadas. ‘Expresses insaturadas preenchidas por saturadas geram ex- presses saturadas, que podem preencher outras expressies insaturadas mais complexas. E assim, sucessivamente. Primeiros passos na construgéo de um modelo formal Operadores e Conectivos ‘Com os conceitos de predicado e argumento, conseguimos analisar diversas sentencas no portugués brasileiro. Na verdade, conseguimos analisar inimeras sontengas simples, mas nao po- demos dar conta de uma nica sentenga complexa. Operadores © conectivos atuam sobre sentencas (simples ou complexas) € ge- am sentengas mais complexas. Veja o exemplo abaixo: (28) Joao nao é brasileiro. Asentena em (23) contém um operador, o ‘nfo. Note que © ‘néo' nao énem um predicado nem um nome préprio; ele atua sobre a sentenga simples ‘Joao é brasileiro’ e gera a sua nega- tiva: ‘Jodo nao é brasileizo'. Veja as representagées abaixo: 133 (24) (Ser Brasileiro (Joa0)) (25) (Wao (Ser Brasileiro (Jo&o))) ‘Um operador atua sobre uma sentenga (predicado (argu- mentos)) gerard uma nova sentenca (operader (predicado (argu- mentos))). Um operador pode ser compreendido como uma fungao_ que toma uma sentenga e atua sobre ela, transformando-a numa sentenga mais complexa. O extensional, lgo o valor de verdado da sentenga complexa é fingdomatemética dos valores das partes que a compiem. Vejamos: se sabemos, gei que uma sentenga qualquer —vamos chamé-lade p€ fafea, Sabemos precisamen- te 0 que néo-p significa: a verdade. Se ‘Joao é brasileiro’ é falsa, ‘Joo néo é brasileiro’ é verdadeira. E légico, nao?! Como ja Gissemos, nem todos 0s operadores nas linguas naturais s4o extensionais. Como veremos no préximo capitulo, os quantificado- res ‘todos’ ‘existe um’ sao extensionais. Operadores como ‘sem- pre’, ‘necessariamente’, ‘possivelmente’, ... so intensionais @ precisam de tum aparato formal mais poderosa; voltaremos a cles no capitulo 6 Se um operador toma uma sentenga (simples ou comple- xa)¢ atua sobre ela, os conectivos ligam sentengas (simples ou complexas), gerando sentengas mais complexas. So quatro 03 conectivos légicos extensionais: ‘e’, ‘ou’, ‘se e somente se’, ‘se... entio’. Eis um exemplo de cada um desses conectivos: (26) Joao @ brasileiro e espanhol. (21) Jodo 6 brasileiro ou espanol. (%8} Jodo ¢ brasileiro se e somente se nasceu no Brasil. (29) Se Joao é brasileiro, entéo ele é sul-americano. Vejamos a sentenga em (26). Nao se deixe enganar por sua estrutura suporficial, ola nao é uma sentenca simples, antes 52 ‘compée por duas sentengas simples — ‘Joao 6 brasileiro’ @ ‘Joao 6 espanhol’ — unidas pelo conectivo ‘e’. Sua forma soméntica é: (26) Joao é brasileiro e Joao ¢ espanhol J4 apresentamos no capitulo anterior atabela de verdade da conjungao‘e’. A sentenga em (26')é verdadoira se e somente '5e as sentengas que a coastituem também o forom, A sentenga em (27) é formada pelas mesmas sentencas simples que compSem a sentenca em (26), 6 que agora elas esto unidas pelo conectivo ‘ou', o que produz uma alteragao em seu significado, como veremos mais adiante. Experimento dizer qual a estrutura seméntica das sentongas em (28) © om (29), A sentenga em (28) 6 composta por ‘Jodo é brasileiro’ “Jodo nasceu no Brasil’, unidas por ‘se e somente se’. Em (29), as sentoncas simples sc ‘Jodo é brasileiro e ‘Joio é eul-ame- ricano’, unidas por ‘se... entao’. Em todos esses casos, se sou- bbermos o valor de verdade das sentencas simples, podemos determinar mecanicamerte o valor de verdade das sentengas ‘complexas. Voltaremos a esse ponto na préxima seco. Dispomos, pois, dos conceitos de prodicado, argumento, ‘operador e conectivo; podemos, ento, montar um modelo for- ‘mal cujo objetivo tltimo ¢ mimetizar a competéncia semantica do um falante, Para tanto, precisamos traduzir as sentencas da nossa lingua-objeto na nossa metalinguagem. Utilizaremos como metalinguagem 0 chamado calculo de predicados. ‘Traduzindo para uma metalinguagem légica: o céloulo de predicados Estamos, neste panto, iniciando a construgéo de uma méquina detradugio bastante simples, que toma como entrada sentengas do PB e fornece, na saida, uma ou mais interpretagies na verso do célculo de predicados que apresentaremos neste capftulo. Chamaremos essa versio de SF1 (Sistema Formal 1) Ela explicara um pequeno fragmento de uma lingua natural, embora ela possa produzir e interpretar infinitas sentengas. Qualquer falante sabe muito mais do que SF1. A vantagem de © utilizarmos 6 podermos ter certeza de que a nossa metalin- guagem é logicamente consistente. Imagine que seu corpus é constituido pelas sentengas @ seguir: £1 (Fragmento de proferimentos de um falante do portu- gués do Brasil) (30) Maria é aluna. {31) Joao 6 aluno. (32) Maria néo é professora. (33) Maria e Jodo nao séo protessores. (34) Carlos 6 professor. (85) Pedro 6 o professor da Maria. (6) Carlos é o professor de Joao. (7) Joao 6 ahino, e Carlos 6 protessor. (88) Ou Joao ou Carlos ¢ 0 professor da Maria. (9) Joao 6 professor se e somente se Maria é aluna. (40) Se Joao & professor, entéo a Maria é aluna. Se nossa mquina vai reproduzir acriatividade do alante, enti ela deve poder, a partir das sentengas acima, prever que falante consegue formar e interpretar um ntimero infinito de outras sentencas @ também que ele nao aceitard outro mimero {infinite de sentencas. Afnal, quem sabe o significado das sen- tengas acima deve saber ode muitas outras, cujabase 6 formada por sentoncas simples construfdas a partir de trés predicados ‘@ quatro nomes de individuos. Se vocé entendeu a estoria de predicados e argumentos, tente dizer mentalmente quais #40 136 0s predicados e quais os argumentos. Certamente vocé respon- Am). 7. Poderse também represanté-lo por F(o) ‘Como ja dissemos, nossa apresentacao 6 bastante sim- plificada, Nao estamos levando em consideracdo os parénteses, or exemplo. Férmulas atémicas ou simples so representadas ‘sem parénteses; formulas moleculares (sentengas complexas) ‘sao representadas ontre paréntesos. Os parénteses séo funda- mentais quando precisamos marcar diferengas de interpreta- | Gao. Veja a seguinte sentenca, retirada de Tlari & Geraldi (1985): (41) A juzinha se acende se acaba a gasolina ou hé um defeito na parte elétrica. A sentenga em (41) ¢ ambigua. Uma de suas interpreta- goes 6 que a luz se aceade em duas situagées: so acaba a Gasolina ou se hd um defeito na parte elétrica. Veja a repre- sentagao: (410) (Acabou a gasolina v Hé defeito na parte elétrica) Acende a luz A outra interpretagéo 6 que a luz se acende se falta gasolina. Se isto no ocore 6 porque hé um defeito na parte elétrica. Ela pode ser representada por: (1b) (Cg > Ad) v De (Os parénteses delimitam unidades de sentido, porque as ‘condigses de verdade em um e em outro caso so bem diferentes, ‘Sabemos que as formulas abaixo tém significados diferentes ape- nas olhando para os parérteses. p, q er so metavaridveis, que ropresentam uma sentenca qualquer: p> (q&2) @r>ger 139 Montando um modelo légtco: SFI Construindo as regras de formagio ou fazendo sintaxe Muito bem, até agora traduzimos as sentencas que cons- tituem o nosso corpus para 0 SF1. Queremos, no entanto, cons- ‘trair uma méquina que produza/interprete as sentengas no nosso corpus e muitas outras, e também que bloqueie certas combinagées ¢ interpretacées. Para tanto, precisamos que nos- sa méquina saiba regras, regras de formagao e regras de inter- pretagéo. Nossa maquina trabalha com apenas dois tipos de termos: os predicados, que se referem a conjuntos de indivi- ‘duos, e as constantes individuais, que se referem a individuos. Oprimeiro passoé, pois, fomecer A maquina umaregra sintatica que explicite como esses termos primitives podem se combiner, gorando sentengas simples ou atmicas. Ela deve dizer que & permitido unir um predicado monoargumental com tum argu- ‘mento; um predicado de dois argumentos com dois argumentos @ assim sucessivamente. E mais, como queremos reproduzir 0 conhecimento de um falante, ela deve proibir sequéncias esdri- mulas. Ela deve captar as restricdes de uso, que impedem que ‘as sequéncias abaixo sejam aceitas como naturais, porque, na verdade, elas néo so sentengas, mas ruidos sem significado: (42) * & professor de 6 aluno + Galuno é professor de * 6 professor de é professor + Maria é aluna Pedro * Carlos é professor de Teto 6, um predicado s6 pode ser preenchido por um argument @ um predicado deve ser preenchido de acordo com fa sua valéncia, isto 6, 0 nimero de argumentos. Precisamos, ontao, dizer qué predicados se combinam apenas com as cons- ‘antes individuals, formando sentengas. & precisamente isso 0 que as regras a seguir fazem: © Regra 1:Se P éum predicado de um lugar, et 6um argumento, entio Pt 6 uma férmula (uma expresséo complexa bem for- mada). © Regra 2: Se R 6 um predicado de dois lugares, ¢ t1 e ta 80 argumentos, entéo Rtitz 6 uma formula. E assim sucessivamente, Poderiamos, na verdade, criar uma regra geral do tipo: * Regra 3: Se Q 6 um predicado de n lugares, @ thyutn S80 argumentos, entéo Q ty...tz é uma formula, Com essa regra, conseguimos gerar as sentengas (30), (31), (34), (35), (36), bloquear as sontengas em (42) e construir outras sentengas que nao ouvimos nosso falante produzir, mas que supomos que ele consiga produzir. Uma maneira de verifi- car se nossa maquina é eficiente 6 testar se o falante aceita as sentengas que ela produz. Por exemplo: (@3) a. Carlos 6 aluno. b, Maria é professora. ¢. Joao é professor. d. Matia é professora de Carlos. @, Joao é professor de Maria. Experimente criar pelo menos mais trés sontengas ape- nas com a rogra acima, Precisamos, agora, de regras para formarmos sentengas com operadores e com conectivos. Para tanto, precisamos in- ‘troduzi regras de formagéo (sintéticas) que permitam que uma formula bem formada (uma sentenga) se combine com um ope- rador gerando uma outra fétmula bem formada, Precisamos de ‘uma regra para 0 ‘néo’ e outra para os conectivos: © Regra 4: Se p 6 uma formula, entao ~ p também 0 6, ‘© Regra 5:Se p eq sio formulas, entéo (p&q), (PVA). (P=ae >a) também o so. ‘Com essas regras geramos néo apenas as sentencas de nosso corpus, como inimeras outras. Podemos, por exemplo, ‘afirmar, apenas olhando para a sintaxe da sentenga, que 0 soguinte conjunto de simbolos 6 uma férmula do nosso sistema: (4) (~(p&q&@va) E que as préximas nao constituem sentengas bem forma- das nem na metalinguagem nem na lingua-objeto: (6) a. p& Joo saiue b ~ nao ‘Joao saiu se e somente se* ‘Na verdade, para impedirmos que nossa maquina gere sentengas como as apresentadas em (45), devemos adicionar as rogras de formagao uma outra que diz algo como “nada mais é uma férmula, além dos casos vistos”. Ac redigirmos as regras de formagao, utilizamos metavariaveis, as letras p e q, porque quoremos deixar claro qua alas se aplicam a infimaras possibi- lidades. De modo que podemos incorporar outros predicados e ‘outras constantes individuais ao nosso corpus sem alterar nos- sas regras. ‘sentengas iniciarem uma sequénela digeursiva, Em discurso, 02 vazice Tambre-se de que estamos falando sobre a possibilidade de essas podem ser recuperados. De posse dessas regras, capturamos, ao menos parcial- mente, o que parece ser uma propriedade essencial das linguas naturais, a criatividade sintética, porque com um mimero redu- Zido de regras, quo podem ser aplicadas inimoras vezes, ¢ um numero réduzido de predicados, argumentos, operadores © co- nectivos construimos uma infinidade de sontengas, No entanto, 86 lidamos com a sintaxe, jé que ainda ndo falamos sobre o sontido dessas expresses, apenas estipulamos como os sim- boles dessa lingua podem se combiner. A sintaxe, lambremos ‘mais uma vez, 6 0 estudo das possibilidades comBinatérias de uma lingua, Vale ressalta: que as regras sintéticas das linguas naturais néo séo as apresentacias para o SFI." Nossa intengao ¢ mostrar que uma méquina seméntica parte de uma descrigo sintética das sentengas possiveis numa lingua. A sintaxe apre- sentada permite que sistema gore todas as sentencas de nosso corpus e iniimeras outres, assim como bloquele as combinagées inaceitéveis. Na préxima seco, vamos atribuir uma interpretacso esses simbolos, fazer a semantica do fragmento £1. Fazondo a seméntica de £1 # a Seméntica, como {4 dissemos, que explicita como um falante consegue relacionar a sua lingua com algo que nao 6 Lingua, com objetos e sitiagGes no mundo. Lembremos que nosso objetivo é entender a capacidade semntica de um falante endo aestrutura do mundo, Um falante, quando interpreta uma sentenga qualquer, atribui referéncias aos nomes que utiliza, Telacionando, de algum modo, a cadeta sonora a objetos no mundo. E faz isso através do sentido. Uma maneira de modelar essa capacidade — que dissemos ser uma das propriedades essenciais das linguas naturais — é imaginar que interpretar um nome é ser capaz de alzangar um certo individuo no mundo. ‘Onome ‘Carlos’, por exemplo, captura o individuo Carlos. Inter- Para uma apresentagéo de repras sintéticas dae inguas naturais, ver ‘Mio otal (1990). 143

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