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QUESTÕES PARA DISCUSSÃO DO TEXTO: PSICODRAMA COM CRIANÇAS IN:

FERNÁNDEZ, A. Psicopedagogia em Psicodrama. Petrópolis: Vozes, 2001.

Ana Carolina Bitencourt Miranda


Bianca Novaki Ferrari
Gisela Martello Matelli

1) No caso apresentado quais são os sintomas apresentados pela criança e


como eles se desdobram no jogo dramático?

O caso apresentado é o de Fabián, um menino de oito anos que chega ao


consultório acompanhado da família (pai, mãe e irmão mais novo). Maria, a mãe,
logo apresenta à equipe os sintomas que os levaram até lá: Fabián “não aprende na
escola e, além disso, faz xixi (ou seja, é enurético)”. E estes são sintomas na
medida em que as questões de aprendizagem apresentadas têm origem na
estrutura interna do sujeito e da família, afetando a dinâmica da articulação entre
inteligência, desejo, organismo e corpo.

A equipe terapêutica se usa do psicodrama como estratégia para que Fabián possa
se expressar. Assim, a psicopedagoga propõe que cada um construa sua casa,
podendo utilizar tudo que estava disponível no consultório. Em um dado momento,
Fabián convida todos para “visitá-lo” em sua casa. Quando a família entra, a “porta”
cai. Depois de tentar, sem sucesso, arrumá-la, ele pede o auxílio da equipe
terapêutica. E, quando questionado sobre como gostaria da sua porta, ele diz: “eu
quero uma porta que se possa abrir e fechar quando eu quiser”.

Este é o momento em que ele começa a elaborar suas questões internas, físicas e
psicológicas. Fernández (2001) explica que:

“essa ausência de porta que a enurese mostrava e essa ausência de porta


que o problema de aprendizagem escondia, ao mostrar como déficit
cognitivo as consequências de engolir informações e cuspi-las, sem
permitir-se mastigar - produzir conhecimentos, guardar, recordar”.

Nota-se que há, aqui, uma hipoassimilação, uma vez que ele engole informações e
cospe, sem elaborá-las, sem questioná-las. Daí a importância do jogo simbólico:
este, por ser de predominância assimilativa, permite que a criança manipule objetos
de diversas maneiras, criando diferentes usos para eles (como as almofadas
enquanto paredes para as casas, por exemplo), gerando esta “mastigação” do que
lhe é dado.

A partir disso, ocorre um segundo fato importante. Passada esta brincadeira com as
casas, pais e filhos foram divididos. Antes que as psicopedagogas pudessem iniciar
a entrevista com os irmãos, Fabián escreve em um cartaz, “com letra de imprensa e
perfeita caligrafia, PROHIBIDO PASAR”.

É importante notar que há uma ênfase no fato de que ele escreve com uma
caligrafia perfeita, uma vez que já era de conhecimento da equipe que a professora
havia dito que Fabián não sabe escrever - o que nos indica que se trata de um
sintoma. O não saber - ou não conseguir no contexto escolar - nos indica que há
algo por trás disso: a necessidade de colocar limites. Fernández explica que “esse
menino podia agora pedir um limite, “marcar seu terreno”. Podia fazer aquilo que
permite que o humano, com instrumentos simbólicos, consome o que o animal
realiza marcando o terreno com sua urina”.

E este cartaz, ao mesmo tempo que nos indica que há uma elaboração de um
conflito interno - a dificuldade de delimitar seu espaço e colocar limites -, nos indica
um outro sintoma, que está relacionado aos três tempos de Édipo. No terceiro
tempo é quando esse outro - o pai - efetivamente se instala e promove esta ruptura
entre mãe e filho. E o que ocorre é que Fabián ainda não aceitou que “mamãe e
papai são um casal e que “eu não sou o esposo de minha mãe””.

Voltando à temática do xixi, esta é a forma que seu corpo tem de,
inconscientemente, delimitar seu espaço, seu “território”. E o que ocorre agora é
que, a partir do momento em que ele pôde começar a elaborar suas questões, ele
encontrou outro meio de expressar seus limites. Ele se usa do cartaz e, um pouco
mais adiante na entrevista, desenvolve uma brincadeira com as psicopedagogas:
passa a atirar nelas roupas sujas de xixi e cocô, em um desejo de livrar-se delas.
Logo entra o psicólogo na sala, que sugere que as roupas sejam lavadas na
lavadora - sugestão esta que é acatada pelos meninos.

Então eles passam a lavar a roupa suja. E é interessante que esta é uma
expressão, tanto em português, quanto em espanhol (língua na qual o texto foi
originalmente escrito), que significa resolver os problemas. E neste momento há
uma “elaboração simbólica” da questão, que permite que não seja necessário atuar
no sintoma.

2) Qual é a importância do Psicopedagogo “entrar no espaço do jogar”?

Por meio do jogo simbólico, a criança consegue criar a partir dos recursos
disponíveis. No caso do Fabián, o menino usa almofadas para construir uma casa.
Nesse processo, a criança usa de instrumentos simbólicos para falar sobre si, sendo
capaz de assumir outros papéis e vivenciar outros pontos de vista. Segundo,
Fernández, “o jogo é uma ilusão mas não é só uma ilusão. O jogar-brincar também
contata com limites, também mostra carências”. Desse modo, o psicopedagogo
consegue enxergar o que está inconsciente na criança através do jogo simbólico, ao
mesmo tempo em que o brincar é uma oportunidade para ela elaborar aspectos que
a circundam e que fazem parte da sua realidade conforme a intervenção do
psicopedagogo, atuando sobre o sintoma.

Há angústia, porém se pode começar a elaborar ludicamente. A terapeuta


não entra no pacto do silêncio, mas tampouco o denuncia de fora. A
terapeuta entrou na viagem de ida ao sintoma, porém mostra sua
passagem de volta. A terapeuta permite, mas não consente, acompanha
mas não é cúmplice. O terapeuta joga e para as crianças se abre o
caminho da simbolização (FERNÁNDEZ, 2001). .

Assim, através do jogo simbólico a criança é capaz de aprender, sendo que este se
situa no mesmo espaço que o jogar: um espaço “entre” a subjetividade e a
objetividade. Desta forma, psicopedagogo participa do jogo simbólico assumindo um
papel dentro da narrativa: o de promover o encontro do sujeito com a sua própria
subjetividade. É nesse momento que sua intervenção acontece, na interação com a
criança. Logo, é possível conhecê-la a partir do que ela traz no jogo, e assim
ajudá-la no processo de elaboração das questões trazidas, as quais, em sua
maioria, são inconscientes.
3) Por que podemos afirmar que o psicodrama se oferece como um “espaço
transicional” no tratamento psicopedagógico?

O sujeito aprendente e pensante advém de um espaço relacional, ou seja, a criança


aprende pela interação com o outro, seja este outro o meio que em o sujeito está
inserido, um outro sujeito ou, ainda, um objeto. Sendo assim, o jogo simbólico e o
psicodrama oferecem um espaço transicional no tratamento psicopedagógico. Pela
interação do profissional com o paciente no jogo simbólico, a criança experimenta,
aprende e elabora determinadas questões inconscientes que permeiam a sua vida
e, assim, ressignifica experiências. No caso de Fabián:

Naquele espaço transicional (que se abriu no diagnóstico mesmo, Fabián


também pode começar a jogar, a nomear “portas”, a construir “portas”.
Pode designar-nos pedreiros (magnífica criatividade). Terapeutas pedreiros
de um espaço de jogar psicopedagoga-pedreira de um espaço de
jogar-aprender, no qual o paciente menino/menina, adolescente encontre
um chão confiável onde, com sua potência pensante, possa “esburacar” e,
com o desdobramento criativo, fazer portas de entrada e saída à sua
realidade educativa. (FERNÁNDEZ, 2001)

Assim, o espaço transicional é o lugar do jogar-aprender, ou seja, ao mesmo tempo


que a criança manifesta questões do inconsciente, o jogo também é uma
oportunidade de experimentar, aprender, desenvolver novas habilidades e
ressignificar determinadas questões que permeiam a vida do sujeito.

Equipe terapêutica e “aprendensinante” entrando no espaço transicional,


começam a ser participantes ativos do necessário processo de
ressignificação terapêutica (inscrição não é catarse) (FERNÁNDEZ, 2001)

Por meio do jogo simbólico, a criança nomeia, constrói, experimenta, atua, aprende
de maneira criativa e pensante, ao mesmo tempo em que manifesta alguns
aspectos inconscientes que podem estar relacionados com os sintomas
apresentados. Desse modo, a depender da forma como se dá a intervenção do
psicopedagogo, o espaço de jogo pode ser uma oportunidade de elaboração de
aspetos da própria realidade, de maneira criativa e educativa.

Assim, neste processo, o psicopedagogo precisa oferecer um espaço seguro e


confiável para que o jogo ocorra e a criança possa, aos poucos, desabrochar e
mostrar-nos sua essência. A partir disso, o psicopedagogo vai levando a criança a
compreender que ela é autora do próprio pensamento. Como afirma Sara Paín: “no
tratamento psicopedagógico, busca-se devolver ao sujeito a dimensão de seu poder
(poder escrever, poder saber, poder fazer) para que seu eu acredite em suas
potencialidades”. E Fabián precisa poder acreditar que pode colocar limites e que
será respeitado quando o fizer.

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