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Uma das dicotomias saussurianas é a que diz respeito à língua e à fala.

A
língua é, para Saussure, como se fosse um dicionário: é o conjunto de possibilidades
que temos para nos expressar, é a parte estrutural da língua. A fala, por sua vez, é a
língua concretizada, posta em ação. Em outras palavras, a fala representa as escolhas
que cada uma faz para se expressar. E são duas faces da mesma moeda uma vez
que são indissociáveis – uma não existe sem a outra.

O estudo do fala – ou parole, em francês – nos leva ao conceito de enunciação,


que nada mais é que a língua em uso: “a fala é a colocação da língua em
funcionamento de forma individual” (Benveniste). Quando se diz que a enunciação
é a colocação da língua em funcionamento se indica que essa enunciação não se
restringe apenas à parte estrutural da língua. E isso ocorre de forma individual, ou
seja, de forma única e que não se repete. Cada indivíduo usa a língua de uma maneira
diferente, o que ocorre por causa dos diferentes tipos de variação linguística.

Assim, enunciar é dizer, pronunciar sentidos, é um saber vivo manifestado por


um sujeito posto no tempo e no espaço, sendo que o produto da enunciação é o
enunciado. E o enunciado é o lugar da instauração do sujeito e das relações espaço-
temporais. Assim tem-se:

 Ego: é o “eu”, o sujeito da enunciação;


 Hic: em latim “aqui”, é o espaço onde ocorre a enunciação;
 Nunc: do latim “agora”, é o tempo da enunciação.

O discurso é definido como a linguagem posta em ação, ou seja, é outra


maneira de se referir à enunciação, que dá enfoque ao seu caráter dialógico. Diálogo
vem da junção das palavras latinas dia, que significa por meio de, e logos que significa
palavra. Assim, diálogo significa por meio da palavra. Com isso, tem-se que no
enunciado há sempre um eu que se refere a um tu, ou seja, o enunciador se refere a
alguém quando produz o enunciado (Bakhtin).

Dessa maneira, eu e tu são considerados pronomes pessoa enquanto que o


ele e ela são pronomes não-pessoa porque o eu/tu ao produzir o enunciado se refere
sempre a ele/ela.

Todo enunciado tem marcas de tempo, espaço e marcas linguísticas, sendo


que essas últimas as marcas do “eu” que nos permitem identificar o enunciador. Além
disso, a enunciação ocorre tanto na escrita como na fala, só que de maneiras
diferentes:
 No texto falado há a utilização da linguagem verbal, amparada no contexto
todo que a cerca: paralinguístico (entonação, ritmo, alongamentos);
extralinguístico (gestos, meneios de cabeça, olhar, toque, postura);
situacional (ambiente físico e social).
 No texto escrito os elementos contextuais não-verbais, necessários à
compreensão da mensagem, precisam ser verbalizados. Em outras palavras,
no texto escrito é preciso descrever o espaço (função do narrador, por
exemplo) e a forma como os enunciados são produzidos (para isso servem as
rubricas).

A enunciação é o ato de produção de um enunciado (texto), realizado por um


enunciador (autor) que, por meio desse produto (o texto), comunica-se com um
enunciatário. Além disso, é possível dissociar-se o sujeito da enunciação do sujeito do
enunciado, o que torna possível que o eu-aqui-agora não represente o sujeito-espaço-
tempo da enunciação. E um ponto importante a respeito da enunciação é o fato de que
ela é única e, portanto, não se repete. Assim, se eu assistir a uma aula na faculdade e
gravá-la, quando eu for ouvir em casa a enunciação já não será a mesma porque o
tempo e o espaço mudaram.

A respeito das marcas linguísticas, acima mencionadas, pode-se dizer que as


identificamos por meio de marcas dêiticas, isto é, elementos que localizam o fato no
tempo e no espaço sem defini-lo. São marcas que indicam coisas a respeito da
enunciação. Podem ser pronomes (demonstrativos e pessoais), advérbios (de tempo e
lugar), verbos performativos/dicendi.

Além disso, há os modalizadores, palavras que modificam o enunciado de alguma


forma: dizer a alguém “entendi” é diferente de dizer a essa mesma pessoa “entendi,
amor”. Assim, o substantivo modaliza o verbo.

Fiorin levanta três aspetos que envolvem o processo de enunciação:

1. A questão das competências necessárias para a produção de um


enunciado.

 Competência linguística: é aquilo que Chomsky chama de


gramática universal e que está internalizada em cada um de nós
desde que nascemos. Dominar essa gramática e o léxico é
essencial para a produção de enunciado básico, o que pode ser feito
até por analfabetos por não envolver a escrita.
 Competência discursiva: é quando se tem tal domínio da
gramática internalizada que passa a ser possível fazer arranjos com
as palavras, brincar com elas e, mais importante, o indivíduo é
capaz de argumentar.
 Competência interdiscursiva: diz respeito à heterogeneidade do
discurso e o fato dele estar ligado ao contexto em que é emitido. Por
exemplo: a expressão lava-jato só é entendida por aqueles que
sabem se tratar do nome de uma operação policial.
 Competência intertextual: é a relação existente entre um teto e
outro, como por exemplo, no trecho “nossos bosques têm mais
vida/nossa vida mais amores” do nosso hino nacional. Esse trecho
foi tirado da “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias.
 Competência pragmática: diz respeito ao que está implícito no
enunciado, é a relação entre o que se disse e o que se quis dizer
(dictum e modus, respectivamente). Assim, se alguém diz “nossa,
mas que calor!” e o outro pergunta “quer que abra a janela?”, vê-se
que ninguém pediu que a janela fosse aberta. Esse desejo está
implícito.
 Competência situacional: conhecimento referente à situação em
que se dá a comunicação e ao parceiro do ato comunicativo.

2. A questão da “ética” da informação: as máximas conversacionais de Grice.


Segundo ele, é preciso que você “faça sua contribuição conversacional tal
como requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção de
intercâmbio conversacional”. Ou seja, se você foi chamado a participar,
participe e coopere para que haja conversação. E para isso, ele desenvolveu
regras para nortear a conversação e guiar a maneira ideal de se transmitir a
mensagem.
Grice criou quatro máximas para nortear a conversação:
 Quantidade: diz respeito à quantidade de informação a
ser dada. Nunca deve ser a mais nem a menos do que
foi requerido.
 Qualidade: a informação a ser dada deve sempre ser
verdadeira.
 Relação (relevância): diz respeito à relevância da
informação a ser dada. Por mais certa que esteja se for
irrelevante não fale.
 Modo: diz respeito ao modo como a informação é dada.
Devemos ser claros e evitar ambiguidades.

Segundo Grice, nem sempre, há identidade entre o que “se diz” e o que “se
quer dizer” com determinada formulação linguística. Quando isso ocorre estamos
diante de implicaturas conversacionais. São conteúdos não necessariamente ligados
a certos enunciados, são frutos da dedução. É a violação proposital das máximas

3. A questão do acordo fiduciário entre enunciador e enunciatário: é o


acordo de confiança entre enunciador e enunciatário, que determina a verdade
do texto. E essa verdade (ou mentira) é determinada de diferentes formas, de
acordo com o universo cultural do texto.

Discurso alheio: apreensão e polifonia

O objetivo desse texto é o de “sistematizar a transcrição de algumas formas de


transmissão do discurso alheio em português [...]”. E, por discurso alheio entende-se
“o discurso de outra pessoa que é incorporado ao meu”. Esse discurso incorporado,
também chamado de discurso citado, está, segundo as gramáticas tradicionais,
relacionado ao discurso literário, o que é exatamente o que a autora do texto quer
desmentir. O discurso alheio não se limita apenas à literatura, ele aparece na mídia
impressa, nas conversações do dia-a-dia, etc.

E as gramáticas tradicionais dividem o discurso alheio em três tipos:

1. Discurso direto: o narrador cede a fala à personagem e reproduz, além de


seu conteúdo, o estilo da fala. É sempre introduzido por um verbo dicendi, os
dois pontos e travessão/aspas.
2. Discurso indireto: o narrador incorpora a fala de uma personagem com o
objetivo de reproduzir seu conteúdo, mas não a forma/estilo. Há a presença de
verbos dicendi, os quais são seguidos por uma conjunção integrante e uma
oração subordinada substantiva.
3. Discurso indireto livre: há uma superposição do discurso do narrador e o do
personagem; as falas do personagem aparecem no meio das do narrador. Aqui
não há verbos dicendi, conjunção integrante nem orações subordinadas.
E em todos esses discursos há uma enunciação dentro da enunciação. Só que
quando se faz a classificação desse discurso não se tem ideia de que isso ocorre, isso
não aparece nas gramáticas. Além disso, segundo Genette, esses três tipos de
discurso não dão conta de vários exemplo de discurso alheio. Por isso, ele acrescenta
a esses três o discurso narrativizado, que é uma variável do discurso indireto, uma
vez que o narrador incorpora a fala do personagem. Embora existam os verbos
dicendi, não há conjunção integrante e a oração subordinada é substituída pela forma
nominal.

Authier-Revuz também faz sua classificação do discurso em:

1. Discurso direto livre: se assemelha muito ao discurso indireto livre, esse


pelo fato de esse último não apresentar marcas que distingam as falas do
narrador e do personagem enquanto que o discurso em questão as
apresenta.
2. Modalização em discurso segundo: é aquele usado para modalizar a
própria fala, com o uso de expressões como “segundo”, “para”, “conforme”,
“de acordo com”, etc. Essas expressões funcionam como uma marca de
citação de fragmento do discurso alheio.
3. Ilhotas textuais: citação de fragmentos do discurso alheio em um discurso
indireto, citações essas que são entendidas como fundamentais à
apropriação de outro ato de enunciação.

Bakhtin também classificou os discursos à sua maneira:

1. Discurso indireto analisador de conteúdo: o discurso alheio é preservado na


sua integridade semântica, a preocupação é com o conteúdo e não a forma
como ele se apresenta É introduzido por um modalizador e é indireto porque
reproduz o discurso de alguém, ou seja, é a modalização em discurso
segundo.
2. Discurso indireto analisador da expressão: sendo outra forma de nomear as
“ilhotas textuais”, esse discurso tem como objetivo caracterizar sua
configuração subjetiva enquanto expressão.

Marcuschi:

O texto dele aborda alguns preconceitos acerca da oralidade e escrita:


1. Visão dicotômica a respeito da oralidade e escrita: não são diferentes, opostas
nem excludentes, tanto é que há posições intermediárias e gêneros híbridos. A
oralidade e a escrita têm diferenças: aquela é caracterizada pelo meio fônico e
esta pelo gráfico.
2. Supremacia cognitiva da escrita sobre a oralidade: se achava que as pessoas
que dominam a escrita têm um desenvolvimento cognitivo mais avançado que
as que não dominam escrita.
3. Diz respeito ao fato de que a escrita é o lugar da organização e do
planejamento a fala é o lugar do não planejamento e da desorganização. Se
assim fosse nós não entenderíamos; cada uma tem sua organização própria.

Com isso percebe-se que a oralidade e a escrita são práticas que têm
características próprias, sendo que ambas permitem a construção de textos coerentes
e coesos, exposições formais e informais, uma vez que o que varia é o registro.

Conceitos básicos:

ALFABETIZAÇÃO: aprendizado mediante ensino (institucional ou não), compreende


domínio ativo e sistemático das habilidades de ler e escrever.

ESCOLARIZAÇÃO: prática formal e institucional de ensino que visa a uma formação


integral do indivíduo. A alfabetização é uma de suas atribuições.

ORALIDADE: prática social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob
variadas formas, fundada na realidade sonora.

LETRAMENTO: é um processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da


escrita, em contextos informais e para usos utilitários. É um conjunto de práticas.

FALA: forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade


oral (situa-se no plano da oralidade).

ESCRITA: modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos com certas


especificidades materiais e se caracteriza por sua constituição gráfica (situa-se no
plano do letramento).

Fala e escrita dizem respeito a duas modalidades de uso da língua, isto é,


modos de expressão da língua (variação diamésica). Oralidade e letramento referem-
se a duas práticas sociais.

Perspectiva sociointeracionista: Segundo essas considerações, fala e


escrita não mais referem tipos de textos dicotomicamente antagônicos, mas
identificam gêneros de textos configurados por um conjunto de traços que os leva a
serem concebidos como textos falados ou escritos em maior ou menor grau. O meio
pode ser sonoro ou gráfico enquanto que a concepção pode ser oral ou escrita.

As relações entre fala e escrita: Barros

TEMPO ESPAÇO INTERLOCUTORES PLANO DA


EXPRESSÃO
FALA A elaboração e Presença dos Há a construção A substância
produção interlocutores coletiva do texto por de expressão é
coincidem, o e do contexto causa da alternância de sonora, há uma
que gera: não situacional papeis, uma aceleração – é
planejamento, aproximação dos produzida aos
descontinuidad interlocutores, borbotões.
e e presença de descontração e uma
marcas de simetria (a alternância
formulação. é relativamente
equivalente).
ESCRITA Primeiro há Ausência dos O texto é construído Substância de
elaboração e interlocutores individualmente, não expressão é
depois e do contexto há alternância de gráfica e é
produção. Há situacional. papeis, o que gera um produzida de
planejamento, texto assimétrico, e há forma
continuidade e distância entre os cadenciada –
ausência de interlocutores desacelerada.
marcas de
formulação.

As relações entre fala e escrita: Urbano

MEIO CONEPÇÃO CARACTERISTICAS


FALA Sonoro/fônico: Comunicação Há conhecimento mútuo
transmitido imediata no dos interlocutores,
pela boca e tempo e no saberes
recebido pelos espaço; em compartilhados, mais
ouvidos. tempo real envolvimento na
(oralidade; interação, emotividade,
envolvimento). cooperação,
dialogicidade e
espontaneidade.
ESCRITA Gráfico: A comunicação Há privacidade na
transmitido independe do comunicação, menos
pelas mãos e momento e do envolvimento e
recebido pelos lugar de emotividade, não há
olhos. produção diálogo entre os
(escrituralidade; interlocutores porque
distanciamento) estes não se conhecem,
há elaboração sintática,
planejamento.

Pode haver imediatez na escrita e distância na fala. Além disso:

 A escrita tem como característica a privacidade: se escreve/lê sozinho;

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