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CURSO DE

AVALIAÇÃO DO
BRINCAR INFANTIL

Material de Estudo

Professora Responsável:
Psicopedagoga Jéssica Cavalcante

www.institutoneuro.com.br
AVALIAÇÃO DO
BRINCAR
INFANTIL
Curso com carga horária de 80 horas.

Elaborado e ministrado por Jéssica Cavalcante.

Disponível em www.institutoneuro.com.br
A autora reserva-se no direito de
proibir o compartilhamento e distribuição
desse documento.
Protegido por direitos autorais.
Manuseio exclusivo dos alunos do curso,
vinculados no site do Instituto Neuro.

Todo o conteúdo apresentado nesse


documento foi baseado em livros
renomados e artigos científicos. Algumas
citações são feitas ao longo do documento,
outras estão apresentadas na seção de
Referências, no final do mesmo.
Objetivo do curso

O objetivo do Curso de Avaliação do brincar é


trazer informações gerais para discutir as
contribuições que a brincadeira pode oferecer à
aprendizagem e ao desenvolvimento infantil.
Introdução
O brincar é muito importante e deve ser prioritário na vida
da criança. A brincadeira possibilita uma série de experiências
significativas para a criança e adolescente de lidar com a vida. É no
brincar que a criança descobre o mundo. O brincar também
propicia aquisição de habilidades e competências úteis para a sua
vida futura.
A criança que brinca é a que está saudável e é um dos sinais
na clínica que ela está melhorando, ou seja, a brincadeira é
universal e própria da saúde. O brincar propicia os relacionamentos
grupais, a aquisição de habilidades e competências, a comunicação
entre as pessoas e o desenvolvimento. Daí, que o brincar é tão
importante.
Manifestação do brincar
O brincar se manifesta de muitas formas dependendo da faixa etária da criança. Até os
dois anos as brincadeiras da criança são mais sensoriais relacionadas mais a fase oral e
percepção das coisas; ela começa a descobrir as cores, a textura e forma dos objetos, os sons
que acalenta. Entre um e dois anos a criança passa a desenvolver habilidades motoras; ela gosta
de brincar com brinquedos de encaixe, de empurrar e arremessar.
Dos três aos cinco anos inicia a fase de imaginação; a criança gosta muito de brincar de
brincadeiras “faz de conta”. Entre os cinco e sete anos de idade as brincadeiras de grupo passam
a ser mais importante; ela gosta de correr, de jogos ao ar livre. Dos sete aos nove anos de idade,
inicia-se a fase lógica; ela gosta de brincar de jogos de quebra-cabeças, de jogos com regras
simples que vão se tornando complexos na medida em que a criança vai crescendo. Mas, o que
importa é o desejo da criança brincar com determinado brinquedo.
O brincar tem muitos benefícios principalmente emocionais para a criança. É
fundamental para o seu desenvolvimento saudável levando a um sentimento de prazer. Há
evidências científicas de que o cérebro se desenvolve melhor com o brincar em uma fase em que
as sinapses mais se multiplicam. Além disso, o brincar propicia a formação de vínculos entre a
mãe, o pai e a família, o que é fundamental para a sua vida futura.
Modelo
Na medida em que a criança vai crescendo, ela vai mudando as formas de interagir com a mãe.
Ela passa de uma fase de dependência absoluta, passando por uma fase de dependência relativa até o rumo
à independência. O brincar vai mudando conforme essas fases. Mas é fundamental que a mãe tenha um
olhar amoroso na fase inicial de modo que a criança possa introjetar e reproduzir esse amor nas outras fases.
A criança precisa de adultos que a ajudem a desenvolver as suas capacidades e isso se consegue pelo
respeito aos seus sentimentos, de oferecer condições seguras e adequadas para que possa brincar e se
desenvolver. Do pondo de vista físico precisa de cuidados de alimentação, de saúde, de educação, mas
essencialmente de cuidados amorosos. A primeira tarefa do adulto é de expor-se ao brincar, é permitir-se
brincar com a criança.
1. Autoconfiança: “eu posso fazer”. Isso gera no estudante a autonomia e o protagonismo;
2. Cooperação: os estudantes precisam trabalhar conjuntamente na co-criação de soluções, buscando atingir um
objetivo mais integrativo e emergente, mantendo a exibilidade e compartilhando as responsabilidades;
3. Criatividade: os estudantes devem inovar, produzir múltiplas ideias, e considerar as ideias de outros estudantes;
4. Criticismo: os estudantes devem desenvolver suas capacidades de analisar, interpretar, avaliar, tomar decisões, e
resolver problemas;
5. Curiosidade: a curiosidade desperta o cérebro para a aprendizagem;
6. Proatividade: os estudantes devem desenvolver o hábito de querer fazer coisas e de colocar a mão na massa,
desenvolvendo também a engenhosidade e a persistência.
Na atuação clínica em Psicopedagogia, é frequentemente empregada a proposta da
Hora do Jogo Psicopedagógico (PAIN, 1986; FERNÀNDEZ, 1991). A observação dos recursos
simbólicos da criança é central para a formulação das primeiras hipóteses diagnósticas pelo
psicopedagogo. Além disso, esta observação pode contribuir, no contexto escolar, para a
detecção precoce de crianças em “situações de risco” para a aprendizagem saudável. Entretanto,
nenhuma produção simbólica é mais sutil do que a brincadeira simbólica da criança, que se
assemelha muito ao sonho, de modo que o profissional poderá ter dificuldade para descrevê-la e
para extrair de sua observação algo consistente para um prognóstico acerca dos processos de
desenvolvimento e aprendizagem do sujeito em questão.
Piaget explica em “A linguagem e o pensamento da criança” (1923:1993) que as
imagens mentais que a criança inicialmente desenvolve são estáticas como quadros ou cenas,
animados pelas relações que a própria criança constrói. A criança evoca e verbaliza sobre ações
passadas, na medida em que consegue produzir imagens e fazer a reconstituição mental da ação.
O início da fala se caracteriza então como uma “fala egocêntrica”, com função de acompanhar a
ação e como descarga emocional e só gradualmente esta fala desenvolverá uma função
planejadora da ação, portanto com um caráter antecipatório.
No inicio do seu desenvolvimento, a comunicação verbal se expressa como uma série
de armações justapostas, fragmentadas e vagas, marcadas pelo emprego de palavras como: e, e
depois, então, porque (este último indicando mais uma consequência do que a causa) e só
gradualmente aparecem indicações de Espaço e de Tempo, com uma crescente ordem na
sequência das ações, entrelaçando-as em ligações causais. A preocupação com a compreensão
pelo outro só surgirá mais tarde, pois, em função do egocentrismo intelectual, a criança pequena
acredita que aquilo que está claro para ela, também o está para o outro, principalmente se este
outro é um adulto.
De acordo com as conclusões de Piaget (1923:1993), não se pode falar de linguagem
socializada na criança antes de 7-8 anos. O que existe são monólogos que, embora realizados
coletivamente, não caracterizam uma verdadeira comunicação, por lhes faltar a objetividade (ou
fidelidade) ao que deve ser transmitido, bem como a causalidade. Esta linguagem colada à ação
concreta, vaga nos pronomes usados, confusa na ordem, é a expressão de um pensamento
egocêntrico, no sentido que Piaget convencionou.
Vale ressaltar que esta modalidade de pensamento não é um impedimento à
socialização da criança. A necessidade da comunicação socializada cresce pela oportunidade de
interação social, como atesta a observação das brincadeiras de “faz de conta” de um grupo de
crianças de cinco anos, realizada por Feldman (2011).
Mas se a criança pensa e fala de forma egocêntrica, mesmo socialmente, é porque sua
verdadeira comunicação, a sua linguagem social, não é ainda a verbal, mas é a da brincadeira,
aquela em que predominam os gestos, as mímicas e os movimentos que acompanham sua
atividade lúdica. Impossível, portanto, separar a análise da linguagem da criança de sua
brincadeira. Pelo estudo da evolução da brincadeira simbólica, Piaget (1946: 1978) constata a
existência de duas fases neste processo. Na Fase I, entre dois e quatro anos de idade, predomina
a evocação, quando a criança produz séries de pequenas narrativas dirigidas a ela mesma ou a
outra pessoa, expressando eventos que foram retidos em imagens mentais (o que viu, o que
comeu, etc).
Gradualmente, verifica-se a organização de
combinações simbólicas simples, com poucos
elementos e poucas relações. Aparecem os
rudimentos da ordenação espacial e temporal,
verbalizadas em pequenos monólogos, porem são
cenas isoladas que se esgotam em si mesmas, sem
uma continuidade. Na sequência, aparecem as
combinações simbólicas ordenadas, conectadas
entre si no Tempo e no Espaço. Na Fase II, entre
quatro e sete anos de idade, surgem as combinações
simbólicas complexas, como cenas articuladas entre
si, com coerência e ordem, apresentando uma
imitação mais exata do real, além da diferenciação
de personagens. A criança agora se esforça para uma
maior adaptação da sua linguagem e menor
deformação da realidade. Este tipo de brincadeira
pode se coordenar com a brincadeira simbólica
coletiva, pois agora a criança encontra-se no último
estágio do jogo simbólico, já caminhando para
formas lúdicas mais socializadas.
Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (artigo 31)
(BRASIL, 1990) e o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil (artigos 40 e 16) (BRASIL,
1990), brincar é um direito de todas as crianças, pois contribui para o seu desenvolvimento e
bem-estar. Para a criança, brincar é sempre mais interessante em qualquer contexto em que ela
esteja inserida. Quando a criança brinca, ela faz escolhas sobre qual brincadeira realizar, com
quem, onde e com o que brincar, e isso ocorre mesmo quando a criança ainda é muito pequena
(menos de um ano), pois nessa idade, a criança já apresenta preferências por jogos e
brincadeiras (THORNTON; TALBOT; FLORES, 2013). A brincadeira faz parte do processo de
escolha, decisão e socialização do ser humano.
O conceito de cunha comportamental pode ser aplicado ao brincar se considerarmos
que o brincar pode ser uma oportunidade para modificar vários repertórios da criança, cada um
deles criando a possibilidade de acesso a novos ambientes, que irão, por sua vez, dar origem a
novos comportamentos. Entre estes novos comportamentos, poderíamos incluir o próprio
comportamento de aprender a brincar, o qual, por sua vez, ajudará a criança a aumentar e
sofisticar seu comportamento de ouvinte, assim como a estabelecer e refinar o papel dela como
falante e instrutor
Todas as maneiras de brincar podem ser transformadas na forma e conteúdo no
sentido de atender às necessidades dos sujeitos que brincam. Estudo sobre o brincar representa
grandes possibilidades investigativas e que podem trazer contribuições surpreendentes ao
entendimento de crianças em diferentes contextos sociais. Além disso, diferentes estudos
apresentam novas discussões, rompendo com a ideia de que a criança não faz nada enquanto
brinca ou como se o brincar não fosse uma ação importante que merece a atenção de estudiosos
(ALMEIDA, 2014).
O brincar não significa simplesmente passar o tempo ou recrear-se, isto porque, o brincar é a
forma mais completa que a criança tem de comunicar-se e relacionar-se consigo mesma, o outro
e o meio. No brincar temos a linguagem, o pensamento, a motricidade, gerando canais de
comunicação e possibilidades. Sabemos que a linguagem cultural própria da criança ontem, hoje
e no amanhã é o brincar.
Segundo Almeida, (2014c) no lúdico não existem apenas problemas de
desenvolvimento ou educativos, onde as crianças tentam dominar através do brincar (usando o
jogo, o brinquedo e a brincadeira). Com frequência, brincar faz parte de seu esforço de
simplesmente entender o mundo. A garota que cuida das suas bonecas como sua mãe faz com
ela, e as crianças que brincam de trabalhar como os pais, estão na verdade, tentando entendê-
los, a princípio como pessoas, mas também por suas ocupações, imitando seus atos. A criança
pequena que brinca imitando os irmãos mais velhos está tentando entendê-los e, ao mesmo
tempo, o que significa ficar mais velha.
De acordo com Almeida, (2014c) os esforços lúdicos da criança podem ser realmente
auto curativos, como quando brinca de cuidar de bonecas, ou de animais de pano ou de
verdade, como gostaria que os pais cuidassem dela, e assim, por substituição, tenta
compreender as deficiências sentidas.
Se o brincar é o resultado dos nossos desejos ou da nossa vontade própria, o jogo
simbólico será um grande instrumento catalisador do brincar infantil. Além de ser um recurso
educativo e terapêutico importante no brincar das crianças e uma ponte entre a realidade e a
fantasia. A história da brincadeira e consequentemente dos jogos sempre esteve atrelada a
fatores econômicos e sociais, inseridos na cultura, utilizados na transmissão de valores e que
vem passando por constante mudança e construção.
A brincadeira é a porta de entrada da criança na cultura, sua apropriação passa por
transformações histórico-culturais que seriam impossíveis sem o aspecto sócio-econômico, neste
sentido, a história, a cultura e a economia se fundem dialeticamente fornecendo subsídios, ou
melhor, símbolos culturais, com os quais a criança se identifica com sua cultura. (ALVES, 2007,
p.2)
Conforme Del Prette (2006), o brincar é impactante no desenvolvimento por ser
bastante comum na infância, seja por meio de brincadeiras, brinquedos ou jogos, estruturados
ou não, além disso os jogos são satisfatórios ao promoverem interação entre os envolvidos, ou
seja, a socialização dos indivíduos.
Criança efetua suas primeiras grandes realizações culturais e psicológicas, é através da
brincadeira que ela expressa a si própria; isso é verdade mesmo para um bebê, cuja brincadeira
consiste em nada mais do que sorrir para a mãe enquanto ela lhe sorri. Percebeu também o
quanto e como as crianças exprimem bem seus sentimentos e pensamentos por meio das
brincadeiras. São, por vezes, sentimentos sobre os quais a própria criança permaneceria
ignorante, ou sob os quais estaria esmagada se não lidasse com eles representando-os sob a
forma de fantasia lúdica.
Brincar é como nós somos feitos, como nós desenvolvemos e nos ajustamos a
mudanças; permite que expressemos nossa alegria e nos conecta mais profundamente com o
melhor de nós mesmos e dos outros; é a forma mais pura de expressão de amor. Quando um
número suficiente de pessoas elevar o brincar ao status que ele merece em nossas vidas,
veremos que o mundo será um lugar para vivermos.
De acordo com Almeida, (2014a) o brincar infantil constitui-se uma atividade na qual as
crianças, sozinhas ou em grupo, procuram compreender o mundo e as ações humanas nas quais
se inserem cotidianamente. No jogo, no brinquedo e na brincadeira, a criança expressa sua visão
do mundo de forma simbólico.
Para Winnicott (1975) é no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto
fruem sua liberdade de criação e de imaginação. O jogo e o brinquedo devem ser apropriados
pela criança de diferentes formas e possibilidades, através da ação lúdica ela reproduz e
representa cenas do seu dia a dia. Segundo Bomtempo (2005) o brincar é um pedaço de cultura
colocado ao alcance de todos em especial na vida da criança. No brincar a criança pensa,
representa, age e imagina.
Para Vygotsky (1991), o brincar é uma situação imaginária criada pela criança onde o
jogo, o brinquedo e a brincadeira são elementos importantes no desenvolvimento da criança, em
uma situação lúdica ela cria novas interações entre situações cognitivas (do pensamento) e
situações reais (do dia a dia).
E através da brincadeira que a criança consegue resolver conflitos e entender
situações da “vida real”. É o momento em que a criatividade a. ora e tenta identificar seus
limites, para alcançar a superação, conhecendo o outro e praticando a empatia. Contudo, a
brincadeira proporciona às crianças uma liberdade para ser o que desejar ou assumir papéis que
almejam. Mas, as influências sociais interferem diretamente na ação do brincar de uma criança,
controlando o tempo e modo de expressar-se.
Neste sentido, Bettelheim (1988, p.165) coloca que toda interação lúdica tem um
significado e uma importância na vida da criança, segundo ele, devemos olhar de forma
diferente o brincar de faz de conta e principalmente respeitar todo e qualquer manifestação
lúdica infantil.
Nenhuma criança brinca espontaneamente só para passar o tempo, se bem que ela e
os adultos que a observam possam pensar assim, Mesmo quando entra numa brincadeira em
parte para preencher momentos vazios, sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos,
problemas, ansiedades. O que está acontecendo com a mente da criança determina suas
atividades lúdicas; brincar é sua linguagem secreta, que devemos respeitar mesmo se não a
entendemos.
Da mesma forma Froebel (1912) citado por Arce (2002), comenta que o brincar é a fase mais
importante da infância – do desenvolvimento humano neste período – por ser auto ativa a
representação do interno – a representação de necessidades e impulsos internos. A brincadeira é a
atividade espiritual mais pura do homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da vida humana
enquanto um todo – da vida natural interna no homem e de todas as coisas. O brincar dá alegria,
liberdade, contentamento, descanso externo e interno e paz com o mundo.
Como dizia Freud o sonho é a “estrada real” para o mundo interno consciente e inconsciente
da criança; se quisermos conhecer seu mundo interno e ajudá-la precisamos aprender a andar nessa
estrada. Através de uma brincadeira de criança, podemos compreender como ela vê e constrói o
mundo, o que ela gostaria que ele fosse e quais as suas preocupações e que problemas a estão
assediando. Pela brincadeira, ela expressa o que teria dificuldades de colocar em palavras falada ou
escrita.
Freud em seus estudos reconheceu os múltiplos problemas e emoções que as crianças
expressam brincando, outros estudiosos, mostraram como elas usam a brincadeira para trabalharem e
dominarem dificuldades psicológicas bastante complexas do passado e do presente. Tão valiosa é a
brincadeira nesse contexto, que a “ludoterapia”, “ludodiagnóstico” e a “Psicanálise através do
Brinquedo” tornaram-se o caminho principal para ajudar a criança pequena em suas dificuldades.
Na perspectiva psicanalítica, nossa experiência é vivida num campo de realidade psíquica, o
campo fenomênico dado pelo mundo tal como o percebemos. Para a psicanálise, nossa relação com o
mundo é mediada por molduras invisíveis dadas por nossos órgãos dos sentidos, capacidade cognitiva,
valores, desejos e hábitos.
Segundo Bettelheim (1988) a menina que brinca de boneca, antecipa sua possível
maternidade futura e também tenta enfrentar pressões emocionais do presente. Se ela estiver
com ciúme do cuidado que um irmão recebe da mãe, brincar de boneca permite-lhe que
represente e domine seus sentimentos ambivalentes. Ela lida com os aspectos negativos tratando
mal a boneca, que representa o irmão. Desse modo simbólico, pode puni-lo pelos ciúmes
sofridos, dos quais ele é a causa inocente. Pode remediar as atitudes negativas para com o irmão
e satisfazer os elementos positivos de sua ambivalência quando cuida bem da boneca, assim
como a mãe faz com ele, e, desse modo, livrar-se da culpa e identificar-se com a mãe. Em
acréscimo, a menina também se identifica com a boneca, recebendo indiretamente o cuidado
que a mãe prodigaliza ao irmão. Assim numa infinidade de formas, brincar de boneca está
intimamente ligado à relação da menina com a mãe. (p. 211-212).
No espaço imaginário também pode ser associado a um espaço de ilusão, que muitos
psicanalistas chamam de espaço transicional, constituído nas primeiras relações da criança, no
espaço intermediário entre seu mundo interno e o externo; entre a experiência de ser fundido
com o outro (quem faça a função dos cuidados maternos) e a construção da capacidade de se
relacionar com o mundo externo. O “espaço entre” é nossa própria capacidade de fantasiar, o
espaço lúdico e criativo que tanto admiramos nas crianças pequenas e que, em parte, perdemos
com o ingresso nas coisas sérias do mundo adulto. Em “O escritor e a fantasia”, Freud caminha
nessa direção, ao comparar a atividade criativa com o brincar infantil.
“(...) brincar infantil: Não deveríamos buscar na infância os primeiros traços de atividade criativa? A ocupação
mais querida e mais intensa da criança é a brincadeira. Talvez possamos dizer que toda criança, ao brincar,
comporta-se como um criador literário, pois constrói para si um mundo próprio, ou, mais exatamente, arranja
as coisas de seu mundo numa ordem nova, do seu agrado. (...) Não obstante todo o investimento de afeto, a
criança distingue muito bem da realidade o seu mundo de brincadeira, e gosta de basear nas coisas palpáveis
e visíveis do mundo real os objetos e situações que imagina”. (FREUD,1908, p. 328).

O psicanalista inglês Donald Winnicott (1951) considera que essa atividade criativa e de brincar
deriva de um espaço transicional, aquele que se constitui nos primeiros anos de vida, entre o fechamento em
si e a capacidade de estabelecer verdadeiras relações de objeto. A criação de uma realidade interna através
daquele espaço é a condição, inclusive, para a capacidade de estar só, o que Winnicott identifica como um
indicador de amadurecimento subjetivo.

“(...) todo indivíduo que alcançou a condição de ser uma unidade (com uma membrana limitadora entre o
exterior e o seu interior) possui uma realidade interna, um mundo interno que pode ser rico ou pobre, e que
pode estar em paz ou em estado de guerra. (...) existe uma terceira parte na vida do indivíduo, parte essa que
não podemos ignorar, uma região intermediária da experimentação, para a qual contribuem tanto a realidade
interna quanto a vida externa (...) Estou, portanto, estudando a substância da ilusão, aquela que admitimos
na criança, e que, na vida adulta, é inerente à arte e à religião.” (WINNICOTT,1951, p. 317).
Trata-se de um espaço lúdico, com potencial criativo. Diz Winnicott (1951, p. 320)
sobre o objeto transicional: O objeto é afetuosamente acariciado tanto quanto amado com
excitação e mutilado (...). Seu destino é o de poder ser gradualmente descatexizado
(desinvestido), de modo que, no decorrer dos anos, ele se torne não tanto esquecido, mas
relegado ao limbo. Com isso quero dizer que, na saúde, o objeto transicional não “vai para
dentro”, nem o sentimento a seu respeito sofre repressão necessariamente (...). Neste ponto,
meu tema amplia-se, abarcando o brincar, a criação e a apreciação da arte, o sentimento
religioso, o sonho, e também o fetiche, a mentira e o roubo, a origem e a perda dos sentimentos
de afeição, a adição a drogas, o talismã do ritual obsessivo, e assim por diante.
Silva (2016) aponta que o brincar dentro do setting terapêutico é um método de
acesso indispensável e importante para que a criança tenha acesso ao seu próprio mundo,
mostrando-se como um dispositivo de avaliação e intervenção que reforça o comportamento da
criança.
Ademais, Del Prette (2006) afirma que o brincar possibilita a construção e o
estabelecimento da aliança terapêutica, o que consequentemente diminui o risco de abandono
da terapia, “[...] pode contribuir, por essa via, para o engajamento da criança no processo e,
portanto, para a efetividade da terapia.” (p.5)
Segundo Gadelha e Menezes (2004), o uso de recursos lúdicos, embora seja algo
considerado novo pela Terapia Comportamental Infantil “[...] tem mostrado uma área de atividade
clínica que beneficia crianças e suas famílias, pois favorece a aquisição de comportamentos sociais
importantes e a melhora nas interações sociais [...]” (p.58), salientando ainda que por recursos lúdicos
podemos considerar qualquer objeto que a criança em sua leitura lúdica venha a ser considerado um
brinquedo.
Além disso, cabe salientar que na interação com a criança, é importante compreender como
o ambiente tem influenciando o comportamento, e que, portanto, as relações são fundamentais e
diante das quais apreender a função de suas expressões e como ela interioriza tais experiências, para
tanto, os recursos lúdicos buscam tornar essa comunicação terapeuta-cliente viável e fortalecida.
Dentre tais recursos, incluem desenhar ou contar histórias, fantasiar, imaginar e interpretar situações,
usar bonecos e jogos, pinturas, colagens, argila, massa plástica de modelagem, música, entre outros
instrumentos que caracterizam uma situação natural para a criança e um ambiente livre de censura
para a exposição de seus sentimentos. (GADELHA e MENEZES, 2004, p. 60)
É através das intervenções lúdicas e observações, apoiadas em um vínculo terapêutico que
torna-se possível o terapeuta acessar comportamentos mais próximos aos “naturais”, ou seja durante a
terapia é possível que a criança apresente comportamentos bem próximos aos que ela mostra em
ambientes não controlados.
Cabe ao terapeuta infantil avaliar, a priori, o repertório comportamental da criança e como a
mesma reage perante seus pares e com o profissional, identificando aspectos que estão presentes em
seu comportamento na vida cotidiana e quais intervenções serão necessárias.
O lúdico tem como objetivo duas perspectivas: Diagnosticar e Propor Desafios. Através dos
espaços estruturados ou não estruturados para brincar podemos verificar duas possibilidades lúdicas: o
jogo espontâneo ou o jogo orientado (dirigido). Resultados teóricos importantes podem ser alcançados
através deste estudo. As descobertas investigativas sobre o brincar em espaços lúdicos podem definir
critérios tais como:
• A duração do envolvimento em um determinado jogo;
• As competências do sujeito envolvidas na ação lúdica;
• O grau de iniciativa, criatividade, autonomia e criticidade que o jogo proporciona ao participante;
• A verbalização e linguagem que acompanham o brincar;
• O grau de interesse, motivação, satisfação, tensão aparente durante o
• jogo (emoções, afetividade, etc.);
• Construção do conhecimento (raciocínio, argumentação, etc.);
• Evidências de comportamento social (cooperação, colaboração, conflito, competição, integração,
inclusão, etc.);
• Evidenciar na criança comportamento de preservação e respeito aos equipamentos e materiais
lúdicos e da democratização do uso dos mesmos;
• Verificar fatores de apropriação do espaço lúdico.
Compreender o brincar como forma de expressão individual e subjetiva da criança,
como algo importante para o desenvolvimento infantil, compreender que o brincar é
fundamental para que a criança se aproprie de conceitos que irão fundamentar suas construções
e aprendizagens. Nesse contexto, a instituição deve se preparar em sua organização, e as
professoras em suas propostas, motivando, estimulando, mediando o processo de aprendizagem
e permitindo que a criança crie, construa, brinque.
Vigotski (2007, p. 122) aponta que a brincadeira estimula processos internos de
desenvolvimento e cria a zona de desenvolvimento proximal, para o autor o brinquedo cria uma
zona de desenvolvimento proximal da criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além
do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é
como se ele fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o
brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele
mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento.
As investigações mais recentes sobre o cérebro produziram três conclusões
importantes. Primeiro, a capacidade de um indivíduo de aprender e se desenvolver numa série
de planos depende da interação entre natureza (seu legado genético) e a criação (o tipo de
cuidado, estímulo e ensino que recebe). Segundo, o cérebro humano está estruturado de forma a
se beneficiar da experiência e de um ensino eficaz durante os primeiros anos de vida. E, terceiro,
embora as oportunidades e os riscos sejam maiores durante os primeiros anos de vida, a
aprendizagem tem lugar ao longo de todo o ciclo da vida humana.
Do ponto de vista físico, estão, provavelmente, os benefícios do brincar ligados ao
desenvolvimento de habilidades físico-motoras da criança, ainda hoje os mais aparentes e
reconhecidos pelo público em geral. Segundo Bettelheim (1988), as crianças entram na
brincadeira porque ela é agradável em si e lhes oferece a possibilidade de exercitar seus corpos.
Ao brincar elas desenvolvem os músculos, absorvem oxigênio e realizam funções
orgânicas, crescem, deslocam-se no espaço, experimentam sua força, manifestam a capacidade
de controle, enfim, descobrem seu próprio corpo. Sobretudo para uma criança pequena,
movimentar- se é uma forma de expressão capaz de mostrar como a dimensão corporal se
integra ao desenvolvimento mental do ser humano. A motricidade humana também se
desenvolve por meio da manipulação de objetos de diferentes formas, cores, volumes, pesos e
texturas.
O brincar coletivo é visto de uma maneira especial pelos estudiosos, pois prepara o
ser humano para os enfrentamentos sociais da vida adulta. É só pela brincadeira livre com outra
crianças, dentro de um contexto apropriado, com materiais e com bons modelos culturais nos
quais possam se inspirar, que a criança conseguirá desenvolver condutas adequadas para a vida
em grupo. O brincar coletivo, quando ocorre livremente, oferece às crianças a possibilidade de
trocar ideias, estabelecer acordos, criar regras e brincar pelo tempo que acharem necessário:
ele integra a criança na cultura de seu grupo e até mesmo pode gerar uma cultura específica da
infância, que varia de acordo com o ambiente social e cultural.
Se para Freud a brincadeira é a representação da realidade, para Piaget (1978) ela
assume um papel fundamental nas etapas de desenvolvimento a criança. Foi investigando o
desenvolvimento da inteligência que Piaget aprofundou seus estudos sobre o jogo. Ele mostrou
as contribuições da atividade lúdica para a aprendizagem das regras, a socialização da criança, o
aparecimento da linguagem e, sobretudo, o desenvolvimento do raciocínio.
De acordo com o estudioso suíço, a brincadeira surge a partir do exercício de
repetição, ou seja, da realização de uma atividade pelo prazer que ela proporciona. Através da
ação de repetição, a criança aprende, então, a imitar certos movimentos. Essa imitação é o
prolongamento da inteligência, no sentido de que, por ela, a criança consegue diferenciar novos
modelos. Com o tempo a criança aprende a estabelecer imagens mentais, que se desdobram em
imitações expressas através de desenhos, das artes plásticas, dos sons, do ritmo e da dança, dos
movimentos físicos e da linguagem. Assim, a imitação dá lugar à simbolização, quando a criança
consegue interligar a ideia de um objeto real ao próprio objeto.
A função simbólica possibilita a experimentação, forma pela qual
a criança descobre novas propriedades dos objetos em seu entorno.
Nessa perspectiva, a brincadeira infantil pode ser vista como uma
maneira de permitir às crianças que aprendam a interligar significações,
isto é, aprendam a ligar a imagem (significante) ao conceito (significado),
conseguindo representar até mesmo um objeto ausente.
Assim, Piaget mostrou que as ações de repetição, imitação e
simbolização são intrínsecas às atividades lúdicas, em particular aos
jogos passíveis de repetição e àqueles de faz de conta, que demandam
importantes processos mentais, como observação, percepção, análise,
síntese, interiorização, representação e significação. Portanto, a
brincadeira é fundamental no desenvolvimento do raciocínio.
O desenvolvimento da linguagem
Segundo o estudioso, é através da brincadeira que a criança formula os conceitos e as
palavras se tornam algo concreto. Ele mostrou, por exemplo, que o ato motor realizado durante a
brincadeira precede o ato mental, ou seja, são as interações da criança com os objetos que estão
à sua volta que fazem com que ela atribua significado à ação. Para Vygotsky, no desenvolvimento
cognitivo, a brincadeira é o momento em que os elementos da imaginação da criança se integram
aos elementos elaborados e modificados da realidade.
Nessa perspectiva, o brincar se coloca não só como uma atividade que provoca o
desenvolvimento da criança, mas também como um processo de criação que combina a
realidade e a fantasia.
A imaginação é um processo psicológico novo para a criança; representa uma forma
especificamente humana de atividade consciente, não está presente na consciência de crianças
muito pequenas e está totalmente ausente nos animais. Como todas as funções da consciência,
ela surge originalmente na ação. O velho adágio de que o brincar da criança é a imaginação em
ação deve ser invertido; podemos dizer que a imaginação (...) é o brinquedo sem ação
(VYGOTSKY, 1988, p. 106).
Portanto, a brincadeira é uma transição entre as situações da infância que são reais e o
pensamento do adulto, que pode se separar totalmente de tais situações.
Indiscutível o valor do brincar no processo de desenvolvimento da criança, pois é dessa
forma que ela aprende a “agir na esfera cognitiva”4, o que depende antes das motivações internas do
que de objetos externos. Considerando-se que o brincar é uma projeção da vida interior da criança
para o mundo, Vygotsky também pondera que ele pode ser entendido como uma força importante de
comunicação da criança.
Do ponto de vista da linguagem, o jogo é como uma projeção da vida interior para o
mundo, daí ser considerado uma forma de comunicação. Jogar é, portanto, a maneira de a criança
aprender sutilmente valores da nossa conduta. Nós apenas temos que estimulá-la, servindo-nos assim
da atividade lúdica para ensinar.
Ainda na linha psicológica, de acordo com Bettelheim (1988), ao permitir a solução de
problemas não resolvidos, o brincar gera uma sensação de bem-estar na criança e estimula sua
criatividade. Complementando essa observação, Jeammet (1994), ao tratar do papel do jogo no
desenvolvimento da criança, notou que, quando ela não brinca, fica deprimida, porque não consegue
se expressar e resolver seus problemas.
Bettelheim também mostrou que, ao brincar, as crianças aprendem que, quando perdem, o
mundo não se acaba, portanto perder não é uma demonstração de inferioridade, mas um momento
em que elas podem expressar as dificuldades. Dessa forma, o brincar se constitui em ocasião
privilegiada para que as crianças ensaiem condutas que, sob tensão, jamais seriam tentadas a
experimentar. Os estudos de Bettelheim e Jeammet, entre outros, reforçam a noção de que o brincar
é determinado por processos íntimos, desejos, problemas e ansiedades. Nessa perspectiva,
demonstram a importância do brincar no desenvolvimento emocional da criança.
Para os pais, a atividade lúdica é universal e se constitui em
uma maneira de a criança manter sua saúde física e mental, pois
dela os pequenos participam com todo o seu ser, sabendo
exatamente quando e o que estão jogando. É brincando que a
criança expressa vontades e desejos construídos ao longo de sua
vida, ao mesmo tempo que interage no mundo em que vive e se
integra na cultura de sua época. O jogo funciona como uma válvula
de escape, dando vazão às tendências reprimidas. Quanto mais
oportunidades a criança tiver de brincar, mais facilmente se
desenvolverá.
Dimensão Cognitiva
Segundo Piaget, na usual relação de adaptação ao mundo, a inteligência, primeiro
“acomoda” as novidades que encontra para depois conseguir “assimilá-las”, torná-las próprias,
assim como o aparato digestivo modifica as suas reações a partir do contato com alimentos
novos para poder os absorver. Na criança muito pequena, durante a fase sensório-motora
(zero−dois anos), isso significa que os esquemas de ação se modificam de acordo com os novos
objetos que são aplicados a fim de estabelecer relações com eles, “assimilá-los”: por exemplo, o
esquema de pegar se acomoda sobre um objeto redondo para conseguir pegá-lo.
Na brincadeira, a “assimilação” da realidade prevalece sobre a “acomodação”, ou seja,
o sujeito “adquire” coisas e eventos ao próprio ponto de vista, aos próprios desejos: por
exemplo, lança e pega uma bola, aplicando esquemas de ação já acomodados e consolidados,
ou finge que um prato seja um chapéu, “porque lhe convém”, sem objetivo e suspendendo
qualquer esforço de adaptação. É esse desequilíbrio a favor do processo de assimilação, de
adequação da realidade de suas próprias ações e pensamentos, o que explicaria o ponto de
vista cognitivo da brincadeira, conforme descrito por Callois, na sua natureza de atividade
finalizada, além da usual relação adaptada ao mundo, reconhecida pelo sujeito como uma
dimensão da realidade anômala, por ser limitada e adquirida ao seu querer tanto nos termos de
seu desenvolvimento quanto das suas regras.
Esse “jogo funcional” ou “de exercício” tem seu percurso evolutivo, que Piaget declina
em relação ao proceder do desenvolvimento intelectual (PIAGET, 1974, p. 129−138). Em sua
estreia, no segundo estágio da inteligência sensório-motora (um−quatro meses), em
correspondência com as reações circulares primárias (repetição de um esquema de ação com
base inata apenas “acomodado”), o jogo funcional é o jogo com o corpo. A sucção da língua ou
das mãos, os movimentos dos dedos e das mãos, as vocalizações são todos esquemas de ação
que se tornam jogo no momento em que são ativados pelo puro prazer de realizá-lo. No terceiro
estágio (quatro−oito meses), com reações circulares secundárias (os esquemas de ação repetidos
não têm bases “instintivas” e envolvem os objetos), o jogo funcional torna-se jogo com objetos,
ou seja, a aplicação de esquemas de ação sobre as “coisas” por prazer funcional e pelo “prazer
de ser causa” sem fins de compreensão (por exemplo, bater em um objeto para se “divertir”,
para vê-lo balançar depois de ter executado a mesma ação para “estudar” os efeitos) (PIAGET,
1974, p. 135).
No quarto estágio (oito−doze meses) e no quinto (doze−dezoito meses), com reações
circulares terciárias (repetições de coordenações de ações, com distinção entre meios e fins: por
exemplo, como deslocar-se em meio a um obstáculo para pegar finalmente um objeto), o jogo
funcional se desenvolve como “ativação de esquemas conhecidos em sucessão” (por exemplo,
agitar uma boneca, em seguida, juntar as mãos e agitá-las, depois pegar um travesseiro, agitá-lo
e na sequência castigá-lo) e a criação de combinações fixas de gestos, “rituais” que se mantém
no tempo, por pura diversão (PIAGET, 1974, p. 137).
Na perspectiva piagetiana a aparência do jogo simbólico é o “sintoma lúdico” do
aparecimento da capacidade representativa, que acontece por volta do segundo ano de vida
com a transição da inteligência sensório-motora (zero−dois anos) para a pré-operatória (dois−
sete anos). Essa transição é marcada pela interiorização dos esquemas de ação. Se na fase
sensório-motora os esquemas de ação são representados mentalmente apenas no momento no
qual são ativados e então percebidos, em torno de dois anos o amadurecimento das estruturas
intelectuais, produzem uma “imitação” mental dos esquemas, de maneira que possam ser
representados mentalmente também quando não são percebidos e colocados em ação. Dessa
maneira, acontece o processo de abstração do pensamento e se inicia a capacidade de refletir.
Tal passagem evolutiva permite que o jogo simbólico, que implica de fato a capacidade
de imaginar um elemento não percebido (por exemplo, colocar um chapéu), e de expressá-lo
utilizando um elemento presente como um substituto simbólico (por exemplo, apoiar um prato
na cabeça). A ludicidade está no fato que esse processo de substituição simbólica vê a
prevalência de assimilação sobre a acomodação. No jogo simbólico de fato, a realidade vem
“inclinada” à vontade da criança, o significado dos elementos presentes é suspenso e esses
elementos são usados como o “significante” de outros significados, somente imaginados, que a
criança deseja expressar. As razões dessa conduta são afetivas e dizem respeito principalmente
ao prazer de afirmar o próprio poder sobre a realidade.
• A perspectiva psicanalítica – As dimensões afetivas do jogo vêm aprofundadas em um âmbito
teórico bastante diverso, a psicanálise. Como nas demais, na perspectiva psicanalítica falar de
brincadeira significa falar de jogo simbólico, mas, nessa perspectiva, a simbolização lúdica vem
descrita em termos de processos afetivos mais que cognitivos. Qualquer jogo seria caracterizado
por um processo de substituição simbólica inconsciente, tal que um conteúdo manifesto estaria
inconscientemente “no lugar de” um conteúdo inconsciente latente.
O primeiro a falar sobre a brincadeira nesses termos é Freud (1977). Ao descrever um de
seus netos, que brinca de lançar para longe de si um carretel e depois o busca repetidamente. Freud
sustenta que dessa maneira a criança inconscientemente está encenando a separação da mãe. O
carretel é simultânea e inconscientemente, o substituto da criança que se sente jogada fora e da mãe
que é descartada satisfazendo a fantasia inconsciente de puni-la. Nesse caso, a simbolização se
fundamenta na analogia afetiva entre situações (o desaparecimento do carretel remete afetivamente
ao desaparecimento da mãe), e é estabelecida tanto individual quanto inconscientemente, e não
requer, como no caso de fingir conscientemente, que a capacidade cognitiva tenha representações
mentais independentes das percepções.
• A brincadeira como “mediador emocional” – A entrada para o jardim de infância, por um lado,
significa para a criança a parte dolorosa da separação das suas figuras de afeto e do contexto
familiar, por outro lado, o “assustador” e obrigatório encontro com as pessoas e ambientes
desconhecidos é um momento fundamental para o seu crescimento, porque, se enfrentado nas
melhores condições, permitirá que a criança dê os primeiros passos para a segurança afetiva o que
possibilitará que o/a menino/menina se abra ao mundo e às novas experiências estimulantes
colocadas à disposição pela creche.
Entre os vários aspectos que se combinam para criar uma “boa” separação, existe a
possibilidade da brincadeira. As considerações de Freud (1977), sobre a brincadeira do carretel,
esclarecem como esse jogo permite à criança elaborar profundas experiências relativas à
separação ao colocá-la em cena – inconscientemente em uma posição ativa – satisfazendo os
desejos de punição inconscientes e de reafirmação da conexão entre a criança e o novo espaço
que passa a ocupar, para que chegue a conhecer emotivamente em profundidade a separação
até aceitá-la. Isto é, vale para qualquer atividade lúdica centrada no desaparecer e reaparecer
(de objetos, do próprio rosto no espelho, ou do outro na brincadeira de esconde-esconde etc.)
A psicanálise reconhece a brincadeira como um instrumento, com o qual, a criança
inconscientemente coloca em cena e elabora o seu mundo interno, o conjunto de vivências
dolorosas que fizeram parte de si. Por isso, se pode afirmar que o jogo é “mediador emotivo”
também em relação às vivências na creche, enquanto ambiente desconhecido.
Diante do novo prevalecem sentimentos de incerteza, confusão, frustração,
impotência, inadequação; o conseguir afrontar e elaborar esses sentimentos permite chegar
mais perto do “desconhecido” e de iniciar a conhecê-lo, de dar espaço para a curiosidade e ao
processo de aprendizagem, que sempre, passa por meio do encontro e da familiarização com o
desconhecido.
A brincadeira como “mediador
cognitivo”
Brincadeira é o instrumento por meio do qual esses estímulos podem ser absorvidos
pela criança, aprofundados e transformados em aprendizagem e desenvolvimento. Por um lado,
no que se refere à brincadeira que envolve as “coisas” em relação às suas características físicas,
parece que se pode ir além da posição de Piaget (1974).
Como já se viu, o “jogo funcional” existe somente quando a criança repete os
esquemas de ação sobre o corpo, sobre objetos, estando já com suas articulações plenamente
adquiridas, isto é, o faz por puro divertimento. Por outro lado, parece que se pode falar de jogo
até mesmo quando a criança, fora qualquer necessidade adaptativa, de sua espontânea iniciativa
e sentindo dona da situação, experimenta novas combinações de ações para explorar as
características do mundo físico, descobrindo possibilidades inéditas.
Bruner (1976) confirma essa hipótese, afirmando que no jogo a criança tem a
oportunidade de colocar à prova combinações de ações que não poderia experimentar sob a
pressão das necessidades adaptativas.
A brincadeira simbólica desenvolve a função de “mediadora cognitiva” também em um
segundo nível, entre a criança e a riqueza de estímulos oferecidos pela creche, em termos de
significados.
Como já salientamos, de acordo com Vigotski, por meio desse jogo, a criança “coloca em
cena” a função e, então, o significado socialmente atribuído aos objetos, aos papéis, às situações e
desse modo, em um contexto protegido, fora das pressões da realidade, ela se apropria. Fazer de
conta que um prato é um chapéu ou que ela é uma educadora ou que está na creche auxilia a criança
a “entender melhor” os significados do chapéu, do educador e da vida na creche. Além disso, desse
modo a criança explora os mesmos processos de atribuição do significado, experimentando a
possibilidade de destacar de um objeto um determinado significado para uni-lo a um novo (por
exemplo, o prato como objeto para comer a um prato como um chapéu) e descobrindo, então, o
caráter “construído” de tais atribuições. Então, a brincadeira simbólica como o local de elaboração e
aquisição do novo mundo de significados, propostos pela creche, mas também como uma oficina de
processos de construção de sentido que valoriza e amplifica o estímulo desse mundo.
Winnicott postula que esse encontro inicial do bebê com sua mãe seria regido por meio do
jogo primitivo intitulado playground (Winnicott, 1971/1975), o qual ele define como uma expressão
do brincar precoce do bebê que corresponderia, na realidade, a uma protorrepresentação do Espaço
Potencial – isto é, a um esboço do Espaço Transicional ou da zona intermediária, na qual a mãe não
somente se apresentaria como objeto especular, mas também introduziria à criança objetos concretos
e reais do ambiente (Winnicott, 1963/1970). É por esse viés que podemos inferir que para Winnicott,
a construção da relação objetal seria marcada, sobretudo, pela qualidade da interação com os objetos
reais do ambiente. Dito de outra forma, para ele seria através das experiências sensoriais e táteis que
os bebês passariam a organizar e a elaborar suas primeiras experiências precoces com o objeto
maternal.
Poderíamos, assim, presumir que os primeiros gestos espontâneos e criativos dos
bebês, sendo estes manifestados já nas primeiras interações dos bebês com os objetos reais do
ambiente, seriam carregados de conteúdos próprios ou de protossignificantes, os quais
revelariam o grau de maturação psicoafetiva da criança. Em outras palavras, diríamos que o
interesse do bebê em relação ao objeto que lhe é apresentado (object-presenting) – sua
curiosidade e seu interesse em manipulá-lo ou em explorá-lo – estaria intrinsecamente
associado à qualidade de suas relações precoces com o objeto materno, que, por sua vez,
traduziria seu grau de adaptação ao ambiente dito suficientemente bom.
Winnicott (1968/1989) parece reconsiderar sua teoria da construção da relação objetal
ao introduzir a ideia de que o processo de subjetivação da criança se estabeleceria graças a sua
capacidade de utilizar os objetos do ambiente (object-usage) de maneira criativa e simbólica. No
entanto, ele enfatiza que, para que a criança aceda à zona da criatividade, será necessário,
primeiramente, que ela estabeleça uma “relação de objeto” (object-relating) com o objeto
primário – a mãe suficientemente boa que, por conseguinte, perderia gradativamente seu lugar
de objeto primordial, dando espaço para o surgimento do objeto transicional, o qual
proporcionaria à criança o sentimento de uma continuidade entre ela e o objeto.
Perturbações no processo de constituição subjetiva se refletem na capacidade das
crianças para brincar. No caso de crianças autistas, é possível dizer que elas apresentam
dificuldades nesta área que vão desde um grande comprometimento e empobrecimento da
atividade imaginativa, até à incapacidade total de brincar.
Além disso, de acordo com o DSM-V (2012), essas crianças tendem a não se envolver
nos jogos de imitação e rotinas simples da infância ou o fazem fora de contexto e de modo
mecânico. Mais ainda, as crianças autistas não conseguem brincar com seus pares e fazer
amigos, carecem de criatividade e iniciativa, apresentam habilidades sociais muito limitadas e,
particularmente, fracassam no desenvolvimento da empatia. Além disso, preferem objetos a
pessoas. São os objetos que provocam interesse e podem ser manipulados por longos períodos.
Entretanto, o uso que fazem deles se mostra restrito, seja pela forma repetitiva da manipulação,
seja pela preferência de objetos com determinadas características.
Os conceitos de brincadeira e de jogo podem ser diferenciados entre si, porém
convergem em alguns fatores importantes. Ambos estão relacionados a uma atividade que gera
prazer, que possui um fim em si mesma e que pode ter regras implícitas e explícitas. Tais regras
refletem normas apresentadas para a criança pela família, pela escola e pelos outros contextos
dos quais ela faz parte. Sendo assim, além da função lúdica, o brincar permite à criança se
apropriar de códigos culturais e de papéis sociais (Brougère & Wajskop, 1997; in Cordazzo &
Vieira, 2007). É no brincar que a criança imita, através de seus comportamentos, os aspectos da
realidade que a cerca, além de testar diferentes papéis existentes na sociedade (Vygotsky, 1991).
Na brincadeira, seja através da interação apenas com os objetos ou também com os
adultos, a criança exercita o que aprendeu no seu contexto sociocultural, cria diálogos, simula
diversas situações e assume funções diferentes das suas, revelando a complexidade dos
processos desenvolvimentais envolvidos no momento lúdico. Portanto, é no brincar que se
estimula os aspectos simbólicos de sociabilidade, linguagem e cognição (Cordazzo & Vieira,
2007). Neste processo, o adulto entra como mediador entre a criança e os fenômenos que a
cercam, introduzindo novas representações simbólicas e ampliando as capacidades cognitivas e
comunicativas da criança.
Já durante o primeiro ano de vida, explorações atípicas dos objetos podem indicar
sinais de alerta para TEA (Kaur, Srinisavan & Bhan, 2015). Através da observação de grupos de
bebês com e sem risco para o transtorno, as autoras constataram que o grupo com risco
apresentou menor exploração dos objetos no período dos 6 aos 15 meses de vida. O estudo
reforça a importância de se detectar comprometimentos na frequência e na qualidade dos
comportamentos exploratórios, considerando que a exploração dos objetos tem implicações
para aspectos do desenvolvimento como percepção, cognição e comunicação social (Kaur et al.,
2015).
Dentro do processo de avaliação, a brincadeira pode ser utilizada não apenas como
habilidade a ser avaliada, mas também como instrumento de avaliação. Isso acontece através da
hora lúdica diagnóstica, que se trata de um procedimento técnico utilizado a fim de conhecer e
compreender a realidade da criança durante a avaliação, potencializando outras técnicas como a
entrevista com os pais e os testes projetivos e psicométricos (Krug, Bandeira & Trentini, 2016).
Nos casos de crianças com suspeita de TEA, a hora lúdica diagnóstica pode ser feita de
forma livre, estruturada, ou uma combinação de ambas. Na forma livre, o avaliador apresenta
vários estímulos e o avaliando escolhe os materiais que quer explorar. Já na forma estruturada,
há uma seleção prévia de objetos com propriedades físicas e sensoriais que possam ajudar a
identificar sintomas do transtorno. Tais materiais são apresentados em uma ordem
predeterminada, com objetivos predefinidos, possibilitando a observação de diferentes aspectos
de acordo com a forma que o paciente se relaciona com cada um deles outro fator que pode ser
observado diz respeito à rigidez da criança, que pode ser testada através de interferências
cuidadosas do avaliador na brincadeira. Em casos de maior comprometimento nessa área, nos
quais a criança apresenta interesses restritos e brincadeiras estereotipadas, é possível que a
interferência do avaliador desencadeie uma desorganização comportamental característica do
TEA, que dentro de um ambiente estruturado e com manejo apropriado pode evidenciar um
sinal indicativo do transtorno.
A hora lúdica deve proporcionar um contexto favorável para a emergência de
determinados comportamentos a serem analisados, dentre os quais se busca identificar não
apenas dificuldades, mas também o potencial da criança. Para isso, é importante que o avaliador
esteja atento às necessidades da criança e possa adequar seu manejo de forma que as
potencialidades sejam manifestas. Por exemplo, se a criança não consegue se engajar em
atividades que envolvam objetos, o avaliador pode propor atividades didádicas de interação,
como dança e canto, visto que a brincadeira diádica é menos complexa do ponto de vista
desenvolvimental do que a brincadeira triádica.
Transtorno do Espectro Autista (TEA) engloba quadros relacionados à incorporação de
um grupo de déficits qualitativos e quantitativos nos aspectos sociais e comportamentais da
comunicação verbal ou não-verbal (Brunoni, Mercadante & Schwartzman, 2014), e nos padrões
de comportamentos restritos e repetitivos (American Psychiatric Association, 2013). Constata-se
que um componente significativo da caracterização do TEA envolve déficits no desenvolvimento
social.
Dentre repertórios importantes para o desenvolvimento, e nos quais crianças com
diagnóstico de TEA costumam apresentar déficits, destaca-se o brincar funcional (Williams, Redd
& Costall, 2001). Para a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), o brincar é um
comportamento operante, sendo sensível às consequências que produz e selecionado por elas
(Brito, 2011). Um dos formatos de intervenção, envolvendo esse tipo de repertório em
aprendizes com desenvolvimento atípico, emprega tentativas discretas com práticas repetidas.
São administradas várias tentativas ou oportunidades para um aprendiz responder. Uma
tentativa bem-sucedida compreende início, meio e fim definidos. Em outras palavras, um
terapeuta apresenta uma instrução que fornece contexto para emissão de uma resposta pelo
aprendiz, e esta resulta em reforço o terapeuta poderia fornecer um modelo de ação de mover
um carrinho de brinquedo para frente e para trás, junto com a instrução verbal “faça igual” para
uma dada criança. Esta emite a ação de imitar o modelo com o carrinho e, em seguida, o
terapeuta elogia e permite o acesso a um estímulo reforçador arbitrário de maior preferência.
O ensino de habilidades, como o brincar funcional em crianças
com TEA, demanda procedimentos que estabeleçam o responder sob
controle de estímulo apropriado. Na ABA, estratégias que combinam
manipulação de dicas, e seu posterior esvanecimento, frequentemente
são empregadas com o propósito de estabelecer repertórios sob
controle discriminativo (Lear, 2004; Matos, 2016). Quanto ao caso do
brincar funcional mais especificamente, destaca-se na literatura
científica pesquisas que manipularam roteiros fotográficos,
representando o passo a passo de várias ações com brinquedos. Nesses
estudos, os efeitos do uso de roteiros, combinados com outros tipos de
pistas, foram medidos sobre o estabelecimento de desempenhos
independentes quanto a ações de brincar (Akers et al., 2016; Phillips &
Vollmer, 2012; Matos et al., 2018).
Ensino do brincar

1) instrução geral para realizar o que estava na foto (suporte visual);


2) instrução específica para realizar a ação;
3) o experimentador apontava para os objetos relevantes para a
realização de uma ação, enquanto fornecia uma instrução específica);
4) modelação (o experimentador demonstrava o que tinha que ser feito);
5) ajuda física (o experimentador corrigia a criança fisicamente).
• Avaliação de pré-requisitos

O teste de cada tipo de relação foi realizado a partir da apresentação de nove tentativas
discretas. Em cada tentativa, cada criança tinha até 5s para responder. No caso do seguir instruções,
20 instruções para 20 ações motoras simples foram testadas em blocos com 20 tentativas. Em cada
tentativa, após uma instrução, cada criança tinha até 5s para responder. Durante os testes de todos
esses repertórios pré-requisitos mencionados, acertos e erros não produziam consequências
diferenciais.
Outra habilidade, considerada pré-requisito, comportamento de virar páginas dos cadernos
que continham as fotos das ações a serem realizadas com os brinquedos. Como forma de testar se a
criança consegue pegar o caderno e virar cada página, apontando para a mesma.
Terapeuta coloca a criança de frente para o caderno, que permaneceu sobre uma mesa.
Inicialmente, eram fornecidos minimamente modelos de ajuda física quanto a manipulação do
caderno, e como forma de dar alguma pista sobre o que seria esperado por parte da criança.
Posteriormente, a criança será posicionada em algumas ocasiões diante do caderno, ao mesmo
tempo que era apresentada a instrução verbal “é hora de brincar” (pistas não eram mais
apresentadas). Em cada oportunidade, a criança tem até 15s para responder. Ao longo de várias
tentativas, caso fosse constatado que a criança não apresentaria total autonomia para folhear o
caderno, apontando para cada página, essa habilidade seria ensinada. O ensino, sendo necessário,
envolveria manipulação de ajuda física quanto a folhear o caderno, com esvanecimento gradual da
ajuda e acesso a intervalos de 30s com reforçadores de preferência da criança.
• Análise Aplicada do comportamento (ABA) e o brincar

A intervenção comportamental também é realizada por um terapeuta treinado na


abordagem e segue alguns princípios básicos.
1- O ensino deve ser estruturado, pré-planejado e individualizado partindo dos dados coletados por
meio da avaliação do repertório comportamental do indivíduo (Braga-Kenyon, Kenyon & Miguel,
2005);
2- O ensino é voltado para um comportamento-alvo socialmente significativo (Braga-Kenyon, Kenyon
& Miguel, 2005);
3- A aprendizagem é realizada sem erros, pois visa evidenciar ao indivíduo qual comportamento ele
deve emitir, impedindo que ele erre ou que ele emita um comportamento diferente do que foi
estabelecido. Isso permite que o indivíduo aprenda rapidamente o comportamento-alvo que está
sendo ensinado (Braga-Kenyon, Kenyon & Miguel, 2005);
4- Fornecer consequência diferencial imediata, o que implica programar o ensino de forma que as
respostas adequadas aumentem de frequência (sejam reforçadas) e as respostas inadequadas
reduzam de frequência ou deixem de ocorrer (sejam extintas) (Braga-Kenyon, Kenyon & Miguel,
2005);
5- O programa de ensino deve ser elaborado detalhadamente para garantir que ele seja aplicado da
mesma maneira por todas as pessoas que irão ensinar aquele indivíduo. Desse modo, permite-se que
o indivíduo generalize a resposta dos comportamentos-alvo ensinados, emitindo esse comportamento
em diferentes contextos, na presença de diferentes pares (Braga-Kenyon, Kenyon & Miguel, 2005).
6- As repostas do indivíduo devem ser registradas durante a aplicação do programa de ensino. O
registro permite identificar se o indivíduo atingiu o critério de ensino naquele comportamento-
alvo e em quanto tempo a aquisição desse comportamento ocorreu. Do mesmo modo, permite
que alterações sejam realizadas caso o indivíduo esteja demorando para atingir o critério de
aprendizagem. Vale destacar que na abordagem comportamental parte-se do pressuposto de
que, se o indivíduo não está aprendendo a habilidade programada, não é porque ele não tem
capacidade de aprendê-la e sim porque o programa de ensino necessita de reformulação (Braga-
Kenyon, Kenyon & Miguel, 2005);
Na Escola, a professora ou monitor vai fazer/ dizer:
• Passo 1: Ajude o aprendiz a se aproximar de um amigo.
• Passo 2: Ajude o aprendiz a “cutucar” gentilmente o amigo para ganhar sua atenção.
• Passo 3: Ajude o aprendiz a fazer um comentário positivo sobre o que o amigo está fazendo
“Nossa, que legal esta brincadeira!”.
• Passo 4: Ajude o aprendiz a pedir para brincar junto “Posso brincar com você?”
• Passo 5: Ajude o aprendiz a brincar adequadamente com o amigo por aproximadamente 1
minuto no começo (ver lista de respostas a serem ensinadas para duração da brincadeira).

O que o aprendiz vai fazer / dizer?


• Passo 1: O aprendiz deverá se aproximar de um amigo.
• Passo 2: O aprendiz deverá cutucar o amigo.
• Passo 3: O aprendiz deverá fazer um comentário “Nossa! Isto parece ser divertido!”
• Passo 4: O aprendiz deverá pedir para brincar junto “Posso brincar com você?”.
PROCEDIMENTO DE AJUDA: use o nível menos intrusivo de ajuda para garantir a resposta
correta.

• AJUDA TOTAL
Ajuda física: guiar o aprendiz para perto do amigo, cutucar o amigo e mediar a brincadeira.
Ajuda verbal total “Que legal esta brincadeira! Posso brincar também?”

• AJUDA PARCIAL
Diga a ele o que ele deverá fazer/falar “Vá até (amigo)”; “cutuque o seu amigo”; “pergunte se
você pode brincar também”; “brinque com ele”. Dê uma instrução de cada vez, espere o
aprendiz completar a instrução para prosseguir com a próxima.

• RESPOSTA INDEPENDENTE
O aprendiz se aproxima independentemente do amigo, cutuca o amigo, fala que gosta da
brincadeira, pede para brincar junto e brinca adequadamente.
RESPOSTA INCORRETA: Caso o aprendiz não se aproximar/perguntar se pode brincar ou não
brincar com o amigo.
• Interrompa a resposta dele;
• Dê ajuda total.

CRITÉRIO DE APRENDIZAGEM PARA ENSINAR A PRÓXIMA RESPOSTA:


• Cinco respostas corretas e consecutivas
• Este programa deve ser realizado durante o recreio com crianças diferentes cada vez. O
aprendiz pode brincar com até 3 crianças diferentes por recreio (dependente da duração da
brincadeira que está sendo trabalhada).
• Caso o amigo disser “Não” quando o aprendiz perguntar se pode brincar, ajude-o a encontrar
outro amigo.
• Ensinar brincadeira de faz-de-conta.

Esta lista indica as respostas específicas que você ensinará e a ordem que deverão ser
ensinadas. Anote quando você começou a ensinar (linha de base), quando a resposta foi
aprendida e quando houve generalização da resposta para uma nova pessoa, lugar e dia.

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