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3.
97
O céu da ribeira
às 4am pode ser
para nós
a procissão de luzes das catedrais portuguesas
a nota final de uma música esquecida
uma pergunta escrita num bilhete e perdida
no alvorecer do viaduto do baldo,
uma sorte de vidraças quebradas com a via crúcis estampada
uma ligação perdida, uma abóbada celeste,
um massacre simultâneo de cem bois (que é o mesmo que a
palavra “hecatombe”)
carpas nadando no rio morto, o cais solene e vário espreitando
a manhã que descerá em chumbo e lava
6.
7.
9.
não rimarei
não nadarei no absoluto
não lerei as cartas de Newton Navarro
100 não olharei o potengi sob o abismo
não vingarei na cidade objeto
cidade qualquer coisa
palimpsesto
medusa
muralha de ossos
naufragada, mil vezes destruída e reconstruída
e atravessada por fuzilados e fuzilamentos
não voltarei
10.
a poesia no claustro
nem sobe e nem desce
vai, apenas
folha joice
se chegas mansinho
eu mio e engatinho
só toma cuidado
a gata não mia
à toa no cio
102 ***
procura-se um amor
que a lambida felina do vento cruze
com minhas chinelas de dedo encardidas.
procura-se uma amor
que como um edifício
estranho na rua a sorrir
procura-se um amor
que seja de si e queira
viajar até mim
procura-se um amor
que me dê cãibras nas
pernas e molhe o colchão
procura-se um amor
que a companhia em
me estar seja voar
procura-se uma amor
repartido, múltiplo
como orgasmo
procura-se um amor
que distraído ou espontâneo vamos nos achar
procura-se um amor
duas gingas e tapioca
procura-se um amor
que recíprocos de fraqueza na guerra vamos nos abraçar
procura-se um amor
que venha na linguística
do verso livre
procura-se um amor
que chegue, talvez, em tempo de rugas ou cabelos brancos,
conhecedor que ao tempo o charme.
procura-se um amor
como quem nada procura
*** 103
pós bruxa
***
a preencher me a desmedida do corpo ao copo
eu apreendi a contemplar os dias que ao mundo posso
gritar e
assumo: SOU FRACA
de uma leveza rarefeita
soufraca
egrito
MEDEIXEM
eu desvario em encruzilhada
MEBASTO
***
***
a esquizofrenia
***
capricorniana
105
felina como sou
se quero carinho
espera, primeiro
eu passar
entre tuas pernas.
acaso e
ao contrário,
fujo pra cima de
qualquer muro.
***
anarquia de um corpo
nesse corpo
livre substituo
o concreto
dos órgãos
por nome
de mulheres
mas o
coração
vou pinxar
com meu
próprio nome,
só, meu
falho.
***
***
***
107
jota mombaça
***
monólogo a dois
***
artistas do mercado de trabalho, uni-vos !
(24/9/2011)
dai-vos as mãos
agora.
dai-vos as mãos
depressa.
dai-vos as mãos
sem medo.
e fechem os olhos,
e rasguem a língua.
com a benção dos padres,
se encham de publicidade (!)
da felicidade
na publicidade.
***
***
o pai
Tétrico,
Triste,
carrancudo.
Fúnebre,
medonho,
horrível.
110 ***
***
111
Jarbas Martins,
você não percebeu minh’art-pop?
minha linguagem Ti Ti Ti total…
gestada na barriga da miséria…
***
auschiwitz quer dizer alagadiço
***
carnaval em chernobyl
***
fotografia
***
cantinela nuclear
tudo esgotado
dos esgotos
junto a lama da boca do lobo
escorrem obus e poetas
empurrados pela maré dos canos
meu coração:
iminente bomba
anti-rosa
ao Império!
***
gessyka santos
O menino do sertão
De chão batido, retalhado pelo facão
Sonha em ser pescador
De nuvem.
Vê o céu sem beira, azul mermim o açude que sua avó
Neide tanto lhe enfeita
E pensa que as águas arribaram, mermo, foi pro céu e
quem sabe pescando, ele possa furar o peito da nuvem e
dela correr todo açude
Fazendo com que as rachaduras que pisa e as do rosto de 115
vó Neide
se inundem.
***
***
***
As turbinas rasgam o céu
Levando seus olhos de sol escaldante
Transformando os meus em garoa
Fina
Fria
Condensando o ar
Deixando rastro dos km que separam
Natal de sp
E eu espero
[Com as cortinas entre abertas]
Sentir os teus primeiros raios
Queimarem novamente minha pele.
***
***
Minhas mãos têm
Urgência
De colher do pé
O teu fruto
E de pensar na
Explosão do sabor no palato
Salivo
Como quem está
Em jejum a meses
Como quem há tempos
Não sente na ponta dos dedos
A aspereza de teu sumo
E se contorce de desejo
E come desesperadamente
Sem regras
Sem etiqueta
Como um bicho
118 Estraçalhando sua presa.
***
***
feito porra
um fio de luz me bate a cara
desperto
com olhos semicerrados vejo a hora
[caralho,já são sete horas!]
noite passada eu só consegui dormir às cinco
pensando na falta de dinheiro
e no macarrão velho que jantei no dia anterior
puxo o lençol que ainda tem o cheiro de suor daquele escroto
o que fudeu minha vida.
[preciso lavar essa porra]
foda é que depois de tanta merda só quero dormir mais um
pouco
esquecer as últimas bombas que foram jogadas na minha vida.
[dormir sempre é a melhor saída]
o ventilador espalha ainda mais o corpo dele na cara
sinto falta
minhas mãos descem o corpo tentando refazer o caminho
qu’ele fizera da última vez
[peitos-barriga-coxas-virilha...]
com três dedos estimulo o clitóris
recordo da língua macia fazendo sempre os movimentos certos
que meu corpo exige. 119
o dedo indicador me penetra, numa tentativa desesperada de
recobrar a lembrança do seu pau-médio entrando
centímetro por centímetro em mim.
o suor aumenta
a mente brinca com as lembranças
os dedos acompanham
[de-quatro-de-costas-de-lado-em-cima-em-baixo-chupando...]
o corpo contorce e enquanto grito o nome dele
GOZO!
[pernas-trêmulas-boca-seca-cheiro-de-corpo-espalhado]
meus músculos relaxam
pego o lençol uma outra vez e fecho os olhos
[esse escroto vai sempre fuder minha vida - e a boceta]
adormeço.
***
Caminho com o mundo entre as pernas
que vê por debaixo da saia meu sexo
e aplaude e saúda
o nascimento de mais um
o mesmo mundo
que abre o guarda-chuva
quando de mim chove sangue
e pelos
e meus mais íntimos desejos
***
***
***
***
El Greco me escreve
diz que posso tirar os alfinetes da ásia
e atravessar os furinhos no mapa
ao ponto de ver um bicho da seda tecer um rio
uma margem que por trás das minhas unhas
é o traço que renova minhas pálpebras
aqui é a ásia e me comovo como se fosse abraçado por rochedos
como se finalmente achasse um deus que me acariciasse no
fim da chuva
e atravessasse a rua para te perder do outro lado
como se estivesse no rio em sampa ou em floripa
e não me vissem num sinal cuspindo o fogo que antecede a
mágica
ou como se de repente tudo isso fosse costurado aqui ao lado
e uma gueixa finalmente lesse meu futuro no fundo de uma xícara
hoje é o dia em que converso com o silêncio
que encolho e vejo o céu sendo sustentado por joelhos
o dia em que me sirvo dos cadarços para descer a janela
ou lars von trier me amarra nos galhos de alguma mãe protetora
ou pasolini estraçalha meu corpo apara meu sangue e garante
a próxima colheita
viajo no lombo de uns morcegos imaginários
parece que o retrato da família não acumula poeira
mas acumula e por isso
é hora de abrir meu peito para estes trens passarem
dançando o mal-me-quer-bem-me-quer com meus brônquios
e vejo a caricatura da ásia se fazendo na lua
uma pena são jorge matar todos os dragões
124
***
bataille
o tempo passa
e eu me masturbo para além do mar
***
P/ Victor H
125
***
***
P/ Lu Hiroshi
***
***
***
***
victor h azevedo
II.
quanto que tá o
o suco de caju?
quanto que tá (então) o
o pastel de forno?
quanto (então) que tá o
o café puro?
(então) quanto que tá o
o bombom?
quanto que tá o 129
o picolé de tutti-frutti (então)?
quanto que tá o
o refrigerante de (então) laranja?
quanto que tá o
o (então) sanduíche natural?
quanto que
que tá o
o preço?
quanto que tá
o preço do (então)
(então)
tá o
(então)
o
(café puro) pastel de forno?
(bombom) picolé de tutti-frutti?
(suco de caju) sanduíche natural?
[refrigerante de laranja (pastel de forno)] bombom?
[picolé de tutti-frutti (sorvete de pistache)] café puro?
[bolo de fubá (cigarro)] suco de caju?
{antídoto [para os dias (chuvosos)]} pastel de caju?
{sonolência [furta- (cor)]} picolé de café?
{pedagogia [das (pedras)]} sanduíche puro?
bombom de café de picolé de caju de tutti-frutti puro de
suco puro de refrigerante puro puro caju puro puro de cor
de forno de cor de cigarro de café de cigarro de caju de
pistache de sorvete de pedra de pedras de picolé de pastel
de tutti-frutti de caju de fubá de sorvete de cigarro de picolé
de cor de furta-cor de sanduíche de bombom de antídoto de
para de para de para os dias pedras dias-pedras dias de puro
suco de fubá de refrigerante de sanduíche de tutti-frutti de
furta-frutti de tutti-cor de pastel de café de caju de picolé de
cigarro de antídoto de forno de caju de antídoto de cigarro
de forno de pedra de pedras de sorvete de bombom de
pedagogia de tutti-frutti de pastel de laranja de sonolência
130 de fubá de pastel de cigarro de pedagogia de refrigerante de
picolé de bolo de chuva de antídoto de café de sonolência
de bolo de sonolência de café de antídoto de furta-forno
de furta-dias de furta-cigarro de furta-furta-cor de dias de
pastel de que sorvete de que pedagogia de que pedra de que
pedras de que dias de que chuvosos de que picolé de que
refrigerante de que laranja de que de que de que cigarro de
que pistache de que café de que suco de que tutti-frutti de
que bombom de que caju de que forno de que cor de que
furta de que puro de que sonolência de que antdoto de que
(então)
o preço
=
os dias chuvosos
de refrigerante
=
pastel de pedra
sanduíche de laranja
=
(bolo furta-
cor + suco de
café) ÷ picolé de
antídoto
=
cigarro
de tutti-frutti × [bombom de
pedagogia ( forno
de sonolência²)³]
=
ca-
ju
+ fu-
bá ×
puro
÷ natu-
ral 131
=
(então)
***
yahtzee
***
132
***
torquemada
Descobri há semanas,
pesquisando o preço a se pagar por uma serenata
e sobre a constelação de nevos na minha epiderme,
que o colégio que eu tanto temia estudar
tem o nome do primeiro poeta
a renunciar sua eternidade numa cadeira,
hoje provavelmente já carcomida
por cupins e topadas de pés desvairados.
***
11|12
(após ler alfonsina brión)
***
***
alô, quem é?
136
eu
ué
meditação
(porque ayrton pediu)
***
***
macondo
p/ otávio
***
138
p/ Ayrton Alves
***
fulô
***
***
amor_in_suficiente
na tua vez,
chegas como quem não quer nada,
dá uma analisada básica
140 como se comparasse preços no supermercado,
coça a barba,
faz cálculos,
conta nos dedos,
faz cara de dúvida,
dá uma volta e
vai embora.
Pseudo
azia no peito
coceira no couro cabeludo
cara de desassossego
receio prematuro
congênito distanciamento
indisponibilidade emocional
cárcere de autocuidado
fobia espiritual
língua ferina venenosa
perfeita para calar desafetos
repertório de narrativas pré-selecionadas
audição alheia não é deserto
vidas que doem agudas nos chakras
parceria relegada ao esgoto
sonâmbulo desviando-se de ciladas
vampiros brincando de vivo-morto
bolo de catarro na garganta estraçalhada
salgadas lágrimas que recusam suas apenadas
migalhas.
19/05/2016
***
Borderline
***
Incômodo soul
ranzinza
não me kahlo
bato o pé no chão com força
nego veementemente algo
questiono
duvido
contraponho
a lágrima não cai
142 me desenquadro
desencanto
não soluço
soluciono
a injustiça se esvai
resisto
alegro-me
supero
sobrevivo
sossego
problematizo
não desespero
incomodo soul
***
143