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A felicidade em tempos de Facebook, por Cássia Tavares

Meu Facebook parece o paraíso, os perfis são perfeitos, as pessoas divertidíssimas, as melhores festas, os
melhores amigos, as melhores famílias, os melhores empregos, os melhores namoros, as melhores viagens, blá blá
blá…. No Facebook não existe fim de mês, não existe demissão, TPM, “discutir a relação”, se afastar dos amigos ou
curtir uma fossa. No Facebook ninguém recebe um “não”, ninguém fica inseguro, ninguém sente medo, ninguém
briga, ninguém sofre. Na rede social, lemos os melhores livros, ouvimos as melhores músicas e nos transformamos
em exímios críticos de cinema. Acho que algumas pessoas, quando usam o Facebook, levam bem a sério aquela ideia
de Beleza Americana “Se você quer ter uma vida de sucesso projete uma imagem de sucesso” (algo assim). Onde
está essa vida tão empolgante no nosso dia a dia?
Quando as pessoas são próximas da gente na vida real fica fácil saber o que é imagem e o que é verdade. Às
vezes, a diferença entre a pessoa do teu lado e a pessoa na tela do computador é tão grande que chega a irritar, ou
vira alvo de piada. Briga com o namorado ~ 2 minutos depois~ post dos dois juntos com textinho romântico e sorriso
no rosto; reclama da família e ~2 minutos depois~ “jantinha com a melhor família do mundo”; reclama todos os dias
do trabalho, do chefe e dos colegas, mas não esquece de postar uma foto com a legenda “partiu trabalhar” e a
hashtag “#melhoremprego”; não sai de casa a semana inteira, mas posta uma foto no pátio com a legenda “curtindo
a natureza”. Enfim, os exemplos são inúmeros e, provavelmente, se você está lendo esse texto já se lembrou de
algum(a) amig@ com seus exemplos particulares.
Quando as pessoas não são próximas da gente seus perfis descolados, engraçados e cults podem gerar duas
sensações em nós: 1- admiração, vontade de conhecer a pessoa, de ir nas mesmas festas e viagens, de conhecer
aqueles amigos legais, conversar sobre aqueles filmes, livros e discos. (essa sensação geralmente vem seguida de
uma grande decepção) ou 2- sensação de fracasso (essa sensação geralmente vem seguida de uma pergunta
“porque eu não consigo ter uma vida assim?”). Sim, nós, as mesmas pessoas que rimos e/ou nos irritamos com a
falsa imagem dos nossos amigos nas redes sociais (e também montamos a nossa), nos iludimos com a imagem das
pessoas que não conhecemos, mesmo sabendo que provavelmente elas vêm da mesma mentira. Às vezes, a própria
pessoa cria uma imagem irreal de si mesma, fingindo ter uma vida bem melhor do que de fato tem.
Porque perdemos tanto tempo tentando projetar uma imagem das nossas vidas? Porque os likes se
tornaram tão importantes? Porque a vida real está nos causando tão pouca admiração? Em seu trabalho “Life on the
Screen” (Vida na Tela), Sherry Turkle estuda “como a mídia digital interativa nos permite viver vidas paralelas à que
temos no cotidiano”. Inicialmente, a autora acreditava que essa característica das novas mídias poderia ser valiosa
como uma forma de explorar “as várias tendências do eu”, a diversidade que encontramos dentro de nós mesmos.
Posteriormente, a autora concluiu que, em excesso, a criação de avatares virtuais pode levar as pessoas à frustração
com o seu cotidiano e com o contato junto às pessoas reais. Segundo ela, cada vez mais o contato virtual é
preferível à experiência concreta, fazendo com que evitemos os demais fora da nossa zona de conforto. Turkle
afirma que “[…] não é incomum para as pessoas se sentirem mais confortáveis em um lugar irreal do que no real,
porque elas sentem que, na simulação, elas revelam seu melhor e talvez mais verdadeiro eu”.
Talvez esse mundo virtual povoado de vidas perfeitas faça com que, no balanço da felicidade (expectativa
versus realidade), as expectativas acabem sempre sendo maiores do que os resultados alcançados e a grama do
vizinho seja sempre mais verde (mesmo que o tal “vizinho” esteja na mesma situação que a nossa).
É estranho pensar que hoje em dia a felicidade, a realização e o sucesso de alguém são medidos pelo
número de likes (em sua maioria vindos de pessoas pouco ou nada conhecidas). É mais estranho ainda pensar o
quanto isso nos afeta, o quanto dedicamos nosso tempo e nossos esforços para atingir esse tal reconhecimento. É
como se um momento feliz só valesse alguma coisa se as outras pessoas soubessem (e curtissem), como se a
felicidade só valesse de algo se alguém a invejasse.
Acho que isso tem mais a ver com as pessoas e com problemas da nossa sociedade do que com as
tecnologias em si, talvez elas tenham somente facilitado, intensificado e ampliado essa supervalorização da imagem
de si mesmo e essa preocupação em projetar uma imagem de vida perfeita. Todo mundo fica feliz com um like e
todo mundo quer ter uma imagem legal perante os outros, o problema é quando a preocupação com a aprovação
por parte das outras pessoas se torna mais importante do que a nossa busca por uma autorrealização. Existe um
problema também quando a imagem que queremos e/ou conseguimos projetar se distancia muito da pessoa que
somos de verdade, afinal, se fazemos isso é porque provavelmente não estamos felizes com o que estamos fazendo
da nossa vida. Enfim, esse não é um texto para conclusões, é um texto para questionamentos.
Disponível em: https://www.ufrgs.br/vies/ciencia-e-tecnologia/a-felicidade-em-tempos-de-facebook/. Acesso em: 17 set. 2018.

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