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I – Os limites da semelhança.………………………………………….…….

1.1. Da luz à tinta………………………………………………………


1.2. Verdade e estereótipo……………………………………………
II – Função e forma…...………………………………………………………
2.1. O poder de Pigmalião………………………….………………..
2.2. Filosofia da arte e a revolução grega………………….
2.2.1. Ilusionismo e mimese………………………….
2.3. Fórmula e experiência………………………………………….
2.3.1. A arte e a ciência……………………………………….
III – A participação do observador…………………………………………..
3.1. A imagem nas nuvens..………………………………………...
3.2. Condições de ilusão….………………………………………..
3.3. ambiguidade da terceira dimensão…………………………..
IV – Invenção e descoberta…...……………………………………………..
4.1. O experimento da caricatura………………………………...
4.2. Da representação à expressão…………………………….. ~

INTRODUÇÃO

O presente relatório foi elaborado de forma meticuloso e, servirá de meio de verificação


e instrumento para atestar o nível de compreensão e interpretação dos capítulos que compõem a
obra do histórico e teórico, Ernst Hans Gombrich, intitulada “ Arte e Ilusão – Um estudo da
psicologia da representação pictórica”. Abordou aspectos relacionados com a pintura,
eliminando os mal-entendidos e explicando os problemas da pintura que surgiram a séculos. Para
além da introdução, a obra está organizada por quatro (4) partes interligadas com os seus
respectivos subtemas, nomeadamente: os limites da semelhança, função e forma, a participação
do observador e invenção e descoberta. Segundo Kenneth Clarke, a obra em estudo é
importantíssima para a história da arte. Ele explica que o autor tendo em conta, a sua profunda
capacidade de pesquisa em história e psicologia da representação pictórica, também se baseou
em outros áreas de saber. A obra que estudamos, contém uma variedade de conhecimentos
práticos analisados por artistas e professores de arte e, que servirá de suporte para todo estudante
de arte e amadores. E, também encontramos vários questionamentos sobre a resolução de alguns
problemas indagados com a pintura, na antiguidade e no período moderno.
O historiador da arte (Ernst Hans Gombrich) completa sua tarefa quando descreve as
mudanças ocorridas no mundo das belas-artes. Por outro, ele se preocupou com as diferenças de
estilo1 entre uma escola de arte e outra, e refinou seus métodos de descrição a fim de agrupar,
organizar e identificar as obras de arte do passado que chegaram até aos nossos dias.
Os métodos de representação diziam respeito ao crítico de arte. Julgava as obras de arte
contemporânea antes de mais nada por padrões de exactidão representativa, não tinha dúvidas de
que essas habilidades fizeram progresso desde os seus começos até a perfeição da ilusão:
“Exemplo, a arte egípcia adoptava métodos infantis, porque os artistas egípcios não sabiam
fazer melhor as suas pinturas com essa perfeição da ilusão”. Quando nos referimos dos mestres
da pintura do passado como Constable (que o autor deste livro não deixou de parte na sua
análise), Velásquez, Giotto, Pollaiuolo, Rembrandt, Lorrain, Reynolds, Manet, Daumier,
Cezanne, Leonardo da Vinci, Donatello, Picasso, Dürer, Gainsborough, Ticiano, Bellini,
Rafael, Rubens, Caravaggio, Hogarth, Turner, Cozens e outros, que foram, ao mesmo tempo,
grandes artistas e grandes ilusionistas, o estudo da arte e ilusão, não podem ser mantidos sempre
de fora. As descobertas e os efeitos de representação eram o orgulho de artistas de outros
tempos.
O processo da arte tornou-se, triunfo sobre os preconceitos da tradição. A história da arte
é interpretada como um processo até a verdade visual, na tradição que começou com Plínio e
Vasari. Porém, Plínio o velho resumiu a posição da Antiguidade clássica quando escreveu que:
“a mente é o verdadeiro instrumento da visão e da observação, os olhos funcionam como uma
espécie de veículo, que recebe e transmite a porção visível da consciência”.
A percepção de uma forma ou de um espaço é permitirá todos os nossos sentidos que se
associem, para fazer uma leitura, completa das características do objecto ou do espaço e
transmitir informação ao nosso cérebro onde se vai processar a descodificação e a interpretação
da mesma.
Há percepção auditiva, táctil, olfactiva, gustativa, conforme o órgão estimulado. Quando
a percepção se faz através da visão chama-se “percepção visual”. Um elemento fundamental
para que haja percepção visual é a “Luz”. Para entender a percepção visual é necessário
compreendermos o mecanismo da visão. O olho humano é semelhante a uma câmara fotográfica.
Todas as ideias de imitação da natureza, idealização ou abstracção repousam na noção
de que aquilo que vem primeiro são “impressões dos sentidos”, que são subsequentemente
elaboradas, distorcidas e generalizadas. Para Karl Popper, chamou essas pressuposições de
“teoria do balde da mente”, isto é, o quadro de uma mente em que “dados sensoriais” são
depositados e processados.
Portanto, a maioria parte dos capítulos desta obra, suas ideias provém da que nos
antecede “A história da arte”, e espelha a destreza dos artista bem como, as experiências e as
descobertas realizadas na área da pintura. Visto que o pintor nas suas produções deve fazer
funcionar o poder da imaginação no observador e a fidelidade à natureza também deve ser
1
Segundo Cícero, a palavra estilo deriva de “stilus”.

2
alcançada dentro dos limites da técnica do artista. Se não existir uma ligação entre o artista e
observador, haverá uma invasão da fronteira da arte.
Se tornou conhecido o tema “Arte e ilusão” há uns quarenta (40) anos e teve o seu
subtítulo “Estudo da psicologia da representação pictórica” não permite mal-entendido.
A estruturação dos capítulos obedece uma sequência lógica, nos permitindo a obtenção
de saberes sobre a história da arte e ilusão. Para o desenvolvimento deste relato obedeceu-se a
seguinte estruturação:
I – Os limites da semelhança: neste capítulo faremos uma análise meticulosa sobre
algumas técnicas de pintura como a descoberta de Constable e os problemas da tradição através
da cópia e motivos não familiares ao público apreciador da arte.
II – Função e forma: neste capítulo realizaremos uma pequena análise sobre a imitação
da Natureza e as fórmulas de esquemas e correcção na arte grega, bem como, as experiências
que adquiriram ao longo dos séculos.
III – Participação do observador: neste capítulo iremos realizar uma reflexão
esplêndida e exaustiva sobre as implicações dessa observação das pinturas e examinaremos a
participação do observador na interpretação de imagens, bem como os grandes problemas nas
imagens surgidos da ambiguidade.
IV – Invenção e descoberta: neste capítulo efectuaremos uma abordagem sobre a
história das descobertas das aparecias e a invenção de efeitos pictóricos.

PALAVRAS-CHAVES: Arte, ilusão, representação e pictórica.

I – OS LIMITES DA SEMELHANÇA

A pintura é uma disciplina onde se conserva vestígios antigos. Rigorosamente


relacionada com o suporte em que á aplicada, existem inúmeras técnicas e tipos de pigmentos
que permitiram a sua evolução formal e estética. Em muitas ocasiões, a pintura esteve
subordinada à arquitectura, porém, também em diversos momentos da história da arte soube
autonomizar-se e constituir uma forma de expressão própria. A partir do século XX, a tendência
transgressora que caracteriza os artistas deste século levou os pintores a criarem composições em
que integram materiais estranhos à pintura, como a palha, o cartão e os tecidos.

1.1. Da luz e tinta

A cor resulta da existência da luz. Sem luz o que vemos é tudo negro. A luz solar contém
vários tipos de radiações que formam o espectro electromagnético. – Exemplo: raios luminosos
e de calor, raios X, ondas de radar, ondas de rádio, raios ultravioletas, infravermelhos etc.

3
Apenas uma pequena faixa dessas radiações situada entre os raios ultravioletas e
infravermelhos é captada pelos nossos olhos - Espectro visível.
Foi no século XVII que o físico Isaac Newton descobriu que a luz branca do sol é
constituída por várias luzes coloridas. Com um prisma de vidro, Newton fez a decomposição da
luz solar e descobriu que um feixe de luz branca se decompõe num feixe de luzes, como as cores
do arco-íris. A cada cor corresponde um determinado comprimento de onda. Quando a luz incide
sobre os objectos, estes absorvem todas as radiações, excepto aquela correspondente à sua cor,
que é reflectida.
Uma superfície é azul porque, ao ser iluminada, absorve todas as radiações e reflecte
apenas as que já possui, que correspondem ao comprimento de onda da sua cor, azul. Esta ao ser
reflectida vai ser captada e impressionar os nossos olhos.
Uma superfície branca reflecte todas as radiações que recebe, ao contrário da negra que
absorve todas as radiações. Todos nós sabemos que, quando estamos vestidos de negro, temos
mais calor do que vestidos de branco.
Para análise este item partir do pensamento de Gombrich. Ele se baseou na pintura de
John Constable realizada em 1816 com o título “Wivenhoe Park” que eram um quadro composto
de um encanto rural da paisagem, devotando a perícia do artista e sua sensibilidade ao expressar
o jogo da luz do sol nos verdes pastos, as leves ondulações do lago com seus cisnes (aves
aquáticas cujo pescoço longo), e a pitoresca massa de nuvens que envolve o conjunto.
Assumimos afirmar que o quadro é tão natural e fácil de interpretação.
Sabemos que pintar é uma ciência e disse Constable: “ela deve ser praticada como uma
investigação das leis da natureza”. Por que, então, não pode o paisagismo ser considerado
como ramo da filosofia natural, da qual os quadros não passam de experiências? Essa filosofia
natural referenciada pelo Constable, actualmente é considerada com física.
Na tradição ocidental, a pintura foi tratado como ciência. Porém, todas as obras que são
fruto dessas tradições e que vemos expostas nas nossas grandes colecções usam descobertas que
são o resultado de incessante experimentação.
Ficamos saber que o artista também não pode transcrever em conformidade o que vê,
porque apenas o traduzi para os termos do meio que utiliza. E quando ele trabalha com o preto e
branco, essa transposição é fácil dever. O autor apresenta dois desenhos 2 feitos por Constable
que apontam o contraste da luz entre uma a outra.
O primeiro, parece ter usado um lápis de ponta muito dura, ajustando todas as suas
gradações ao que é, objectivamente, uma gama muito diminuta de tonalidades, que vai do cavalo
preto no primeiro plano às arvores distantes, através das quais parece brilhar a luz do céu,

2
Desenhos pintados à lápis por Constable, cujo títulos: Dedham Vale. C. (1811) e
Dedham from langham (1813), E.H. Gombrich, Arte e Ilusão – um estudo da psicologia da
representação pictórica, 4ª edição, São Paulo, 2007, pág. 32.

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representada pelo papel acinzentado. O segundo, ele empregou um meio mais escuro e mais cru
que lhe permitiu um contraste mais vigoroso e eficaz.
Contraste é uma gradação muito pequena na intensidade da luz reflectida de diferente
área no desenho.
Quando dizemos que uma imagem se parece exactamente a com o seu protótipo, em
geral queremos dizer que as duas seriam difíceis de distinguir uma outra quando são vistas de
lado a lado, à mesma luz.
Se a diferença fora pequena, poderemos ainda restaurar a “semelhança” avivando as
cores do objecto que estiver à luz coada, mas não se estiver na sombra e o outro à luz do sol. Por
essa razão, foram aconselhados os pintores, desde os tempos antigos a instalarem os seus estudos
voltados para o norte. Porque, se o pintor de um retrato ou de uma natureza-morta tem a intenção
de copiar a cor do seu motivo por área, não pode permitir que um raio de sol desencaminhe o
processo. Vejamos, se esse artista estivesse observando se o seu branco mais branco se iguala ao
de uma toalha de mesa – como poderia a paleta dar ainda aquela claridade extra de um ponto
em que o sol bate, o brilho de um reflexo fascinante? O pintor paisagista tem ainda menos
campo para a imitação formal.
“O autor nos lembra sobre as dificuldades do fotógrafo. Se ele
quiser que admiremos as belas cores do Outono que fotografou na uma
sua última viagem, terá de nos levar à câmara escura onde exibe seus
diapositivos numa tela prateada”.
Só a luz do projector, ajudada pela adaptabilidade dos nossos olhos, lhe permitirá
reproduzir gama de intensidades de luz de que gozou na natureza.
O Constable teve ocasião de tecer comentários sobre um expediente como esse.
Descrevendo em carta a nova invenção conhecida como “diorama3”, que sendo exibida na
década de 1920, diz: “É, em parte, uma transparência; o espectador está numa câmara escura,
e é muito agradável, e a ilusão é admirável. Escapa ao campo da arte, porque seu objecto é a
impostura. A arte agrada por recordar e não por enganar”. Ele também, nos recorda que o
artista não pode copiar um gramado banhado de sol, mais pode sugeri-lo.
O Sir. Winston Churchill, afirmou que: “olhamos para com um olhar atento, depois
para a paleta e em terceiro lugar para a tela. A tela recebe a mensagem despachada, via regra,
alguns segundos antes pelo objecto natural”. Essas mensagens são transmitidas em código,
chegando à tela sob a forma de um criptograma. Até que seja posta em relação correcta com tudo
o mais que se encontra na tela não pode ser decifrada ou o seu significado feito aparente,
traduzido uma vez mais de um mero pigmento em luz. E a luz, dessa vez, não é da natureza,
mais sim da arte.

3
Diorama: é um modo de apresentação artística de maneira muito realista de cenas da
vida real (…).

5
A técnica têxtil, na qual a “inversão de relações” fosse frequente e automático, que
primeiro deu ao artesão a ideia de que a imagem negativa é tão fácil de decifrar quanto a
positiva. Sabe-se que os gregos pintavam vasos fizeram uso desse princípio de reversão quando
passaram para a primeira técnica, de figuras negras, para o estilo de figuras vermelhas, em que o
tom da argila queimada é reservado para a figura.
Os gregos partiram daí e desenvolveram criptogramas para as formas em relevo,
enquanto distintas das silhuetas4 planas, isto é, o código em três tons para a modelagem em luz e
sombra (…).
“Um vaso do Sul da Itália, em que a forma do gargalo é
avivado com tinta branca de um lado para sugerir luz e sombreada com
um tom mais escuro do lado oposto (…)”.
A gradação em quatro tons das tesselas 5 bastou aos mosaicistas da Antiguidade clássica
para sugerir as relações básicas da forma no espaço. Ficamos tão satisfeito com as sugestões do
artista, que respondemos com maior naturalidade à notação em que linha pretas indicam tanto a
distinção entre fundo do quadro e figura quanto as gradações de sombreado que se tornaram
tradicionais em todas as técnicas gráficas. O Baldung Grien nos apresenta uma xilogravura cujo
título “A queda” considerada completa e legível na sua notação de preto e branco. Ele aplicou
em algumas das suas obras a técnica de “Chiaroscuro” isto é, diminuindo o tom do fundo,
usando o branco d papel para indicar luz. A técnica de chiaroscuro na xilogravura podemos
sentir o desenho escamoso como uma serpente.
Se contemplarmos os quadros de Reynolds e Gainsborough6, poderemos verificar o valor
de uma gradação uniforme em primeiro plano (…). A experiência da arte não constitui excepção
á regra geral. Um estilo, como uma cultura, cria um horizonte de expectativas, um conjunto de
“contexos mentais”7, que regista desvios e alterações com exagerada sensibilidade.

1.2. Verdade e estereótipo

O ilustrador alemão Ludwig Richter e seus amigos, ambos estudantes da arte em Roma
na década de 1820, decidiram visitar num certo dia a bela Tivoli e se instalaram para desenhar.
Com isso, se depararam com um grupo de artistas franceses e se faziam acompanhados de

4
Silhuetas são desenhos de perfil em que se seguem apenas os contornos da sombra
projectada pelo objecto ou pessoa.
5
Pedra quadrangular para revestir pavimentos (mosaico).
6
Pinturas cujo títulos “Lady Elizabeth Delmé and Her Children e Landscape with a
Bridge”, nas págs.: 41e 42.
7
Contextos mentais são registos das situações ou saber a pertence do objecto
observado.

6
grandes quantidades de tinta que passaram a aplicar na tela com grandes pincéis grosseiros. O
Richter e outros seleccionaram os lápis mais duros, mais bem apontados, capazes de reproduzir o
motivo com toda minúcia, em todos seus detalhes. Cada um deles se debruçou sobre a sua folha
de papel, tentando transcrever o que via com toda fidelidade.
O temperamento ou personalidade do artista, suas preferências selectivas, podem ser
uma das razões da transformação por que passa o motivo nas suas mãos do artista (…).
Na verdade, tudo aquilo que reunimos na palavra “estilo”, o estilo da época e o estilo do
artista. Por exemplo: quando a transformação for muito notável, afirmamos que o motivo foi
muito estilizado (…).
Segundo Richter, em toda obra de arte, o estilo domina o artista quando deseja
reproduzir fielmente a “Natureza”. Consideramos isso como um limite à objectividade para
acabar com o enigma do estilo. Realmente, o artista pode transmitir só o que o seu instrumento e
veículo são capazes de executar. Sua técnica restringe sua liberdade de escolha. As
características e relações que o lápis é capaz de captar diferem das que o pincel reproduz. O
artista sentado diante do seu motivo, com o lápis na mão, procura, então, aqueles aspectos que
pode representar em linhas (ele tende a ver o seu motivo em termos de linhas), ao passo que,
com o pincel na mão, ele o vê em termos de massas.
O desenhista começa por classificar o “borrão”, enquadrando-o em algum “esquema
familiar”. Escolhendo uma esquema que se adapta aproximadamente à forma, procurará ajusta-
lo melhor. Um borrão de tinta não-estrutura ou qualquer mancha irregular crie consigo o que
chamamos “figuras sem sentido”.
O acto de copiar prossegue-se num ritmo de esquema e correcção. O esquema não é
produto de um processo de abstracção de uma tendência a simplificar, mas representa uma
primeira categoria, aproximada e pouco rígido, que aos poucos se estreitará para adaptar-se à
forma a ser reproduzida.
Se uma figura é projectada numa tela por um breve momento, não podemos retê-la sem
alguma classificação apropriada. O rótulo que dermos essa figura terá sido influenciado a
selecção de um esquema. Para o historiador da arte, experiências desse tipo são do maior
interesse pois ajudam a elucidar certos fundamentos. A figura ao ser copiada e recopiada fica
assimilada na “shemata8” dos seus artesãos. O estilo, como veículo, cria uma atitude mental que
leva o artista a procurar na paisagem que o cerca, elementos que seja capaz de reproduzir. A

8
Shemata ou mapa cognitivo são valores, crenças e papéis actualizados pelo
indivíduo por assimilação activa. Uma vez em contacto com uma cultura, seja de uma
sociedade, organização ou grupo social, o indivíduo irá assimilar seus elementos e reconstruí-
los internamente. São também importante na constituição da visão do mundo das pessoas e
estando ligados a factor motivacional.

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pintura é uma actividade, e o artista tende, consequentemente, a ver o que pinta em vez de pintar
o que vê. Foi essa interacção entre estilo e preferência que Nietzsche comentou:
“Toda a Natureza, fielmente – mas por qual estratagema será
possível sujeitar a Natureza ao jugo da Arte? Seu menor fragmento é
ainda infinito! E assim ele pinta somente o que nela lhe agrada. E o que
é que lhe agrada? O que sabe pintar!”.
A arte pressupõe mestria, e quanto maior for o artista mais seguramente ele evitará,
instintivamente, uma tarefa na qual a sua mestria de nada lhe servirá. O leigo pode se perguntar
se Giotto seria capaz de pintar uma vista de Fiesole ao sol, mas o historiador suspeitará de que,
por carecer dos meios necessários, ele não desejaria fazê-lo (…). O indivíduo pode enriquecer os
meios que a cultura a que pertence lhe oferecer.
Segundo Gombrich, a “linguagem da arte” é mais do que uma metáfora, de que mesmo
para descrever o mundo visível em imagens precisamos de um sistema de shemata bem
desenvolvido.
Desde o fim do século XIX, que a arte primitiva e a arte infantil empregam uma
linguagem simbólica de preferência, sendo sinais naturais utilizados para imitar a realidade. Este
é uma arte baseada não na visão, mas no conhecimento e que opera com imagens conceituais:
“Durante um determinado desenho que seja casa ou carro a
criança não olha nas suas característica, contentando-se com o
esquema conceitual que não corresponde a qualquer realidade do
objecto em representação”.
Segundo Gustav Britsch e Rudolf Arnheim, mostraram que não existe oposição entre
grosseiro mapa-múndi feito por uma criança e um mapa mais rico, apresentado em imagens
naturalistas. Toda arte tem origem na “mente humana”, em nossas reacções ao mundo mais que
no mundo visível em si, e é exactamente por ser toda arte conceitual que todas as representações
são reconhecíveis pelo seu estilo.
Sem algum ponto de partida, sem algum esquema inicial, nunca poderíamos captar o
fluxo da experiência. Sem categorias (grupo do objectos desenhos), não poderíamos classificar
as nossas impressões. Na verdade, se o esquema mantém-se elástica e flexível, a imprecisão
inicial mencionada neste capítulo pode vir a ser não um obstáculo, mas um trunfo.O progresso
do conhecimento, dos ajustes através de ensaio e erro pode ser comparado ao jogo das “vinte
perguntas”, em que temos de identificar um objecto por inclusão ou exclusão com base em
qualquer conjunto de classes. O tradicional esquema inicial de animais, vegetal ou mineral não é
científico nem muito apropriado, mas serve, via de regra, suficientemente bem para reduzir os
nossos conceitos submetendo-os ao teste correctivo do “sim ou não”.

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Portanto, o Benjamin Lee Whorf numa das suas pesquisas salientou de que aquilo que “a
linguagem faz não é dar nome a coisa ou conceitos preexistentes, mas articular o mundo da
nossa experiência”.
As diferenças de estilos ou linguagens não se interpõem necessariamente no caminho
das respostas correctas e das descrições. O mundo pode ser abordado de um ângulo diferente e,
todavia, a informação dada pode ser ainda a mesma. Os estilos, como as línguas, diferem quanto
à sequência da articulação e ao número de perguntas que permitem ao artista perguntar. São
complexa a informação que nos chega do mundo visível que nenhum quadro pintado poderá
abrangê-la toda. Isso não se deve à subjectividade da visão, mas à sua riqueza. Vejamos, onde o
artista tem de copiar um produto humano, ele pode, de facto, produzir um fac-símile9 (...).

II – FUNÇÃO E FORMA

2.1. O poder de Pigmalião

Os filósofos gregos chamaram a arte de “imitação da Natureza” e os seus sucessores se


ocuparam em corroborar, desmentir ou qualificar essa definição. Por outro lado, procuraram
mostrar alguns dos limites desse pressuposto de atingir a imitação perfeita, sugerida pela
natureza do meio empregado e pela psicologia do procedimento artístico.
Actualmente essa imitação deixou portanto, de ser uma grande preocupação para os
artistas e fazedores da arte. Podemos concluir que os gregos não tinham razão, porque a
principio eles possuíam a sua mitologia que lhes tinha narrado outra história. Essa fala de uma
função mais antiga e mais aterradora da arte, quando os artistas não procuravam “imitar” a
criação, mas rivalizar com ela.
O mais famoso dos mitos que cristalizaram a crença no poder da arte para criar em vez
de retratar é a história de Pigmalião. Ele é um escultor, que deseja modelar uma figura de
mulher a seu gosto e se apaixona pela estátua que faz. Roga a Vénus que lhe dê uma noiva à sua
imagem, e a deusa converte o frio marfim num corpo vivo. Esse mito cativou, naturalmente, a
imaginação dos artistas, os sonhos solenes (…).
Sem promessa subjacente desse mito, os secretos temores e esperanças que acompanham
o acto de criação, talvez não houvesse a arte como tal como a entendemos. Um dos mais
originais entre os jovens pintores da Inglaterra, Lucien Freud, escreveu:
“Um momento de completa felicidade é coisa que jamais ocorre
durante a criação de uma obra de arte. A promessa que ela encerra
pode ser sentida no acto da criação, mas desaparece ao final do
trabalho, porque é então que o artista se dá conta de que aquilo é
9
Fac-símile é a reprodução exacta de um desenho ou quadro.

9
apenas um quadro que ele está pintando. Até então ousara quase
esperar que o quadro pudesse de repente adquirir vida”.
Disse Lucien Freud, “apenas um quadro”. Pois é um motivo que encontramos em toda a
história da arte ocidental. Vasari conta como Donatello, trabalhando no seu “Zuccone”, de
repente olhou para ele e ameaçou a pedra com uma praga medonha. O maior feiticeiro de todos
eles, Leonardo da Vinci, exaltou o poder que tem o artista de criar. O hino em louvor da pintura,
como o título “Paragone”, ele chama o pintor de “senhor de todas as pessoas e de todas as
coisas”:
“Se ele quiser ver belezas e se apaixonar por elas, basta-lhe
criá-las, pois tem poder para isso; e se desejar ver coisas monstruosas,
que causem terror, ou que sejam tolas, ou que provoquem riso ou
compaixão, ele é delas Senhor e Deus”.
Na verdade, o poder da arte para despertar paixões, para Leonardo, é um símbolo da sua
magia. Ele escreveu:
“O pintor dominar a tal ponte as mentes dos homens que eles
podem se apaixonar por um quadro que não representa uma mulher
real”.

2.2. Filosofia da arte e a revolução grega

A imitação da Natureza foi descoberta e definida pelos gregos no século IV. Neste
período poucas discussões revolutearam sobre a filosofia da representação (…). O Platão na sua
obra “República” introduz a comparação entre uma “pintura” e uma “imagem no espelho”. A
fim de examinar a sua teoria das ideias, Platão compara o pintor ao carpinteiro. O carpinteiro ao
fazer uma cadeira traduz a ideia, ou conceito, de cadeira em matéria. O pintor que representa a
cadeira do carpinteiro em um dos seus quadros apenas copia aparência de uma cadeira
determinada.
Um pintor que esboça o interior de um quadro não precisa forçar a cabeça para designar
correctamente os nomes dados no comércio de móveis às peças que tem à sua frente.
Segundo Platão, a “função” numa obra de arte depende da “realidade” e de “aparência”.
“Fazer vem antes de contrapor”. Pois antes de o artista pensar em “igualar” o que via do
mundo, queria criar coisas por elas mesmas. Este processo de igualar passa pelas frases de
“esquema” e “correcção”. Todo artista tem de conhecer e construir um esquema antes de pensar
em ajustá-lo às necessidades de retratar alguma coisa.
O Platão recorda os seus contemporâneos que, o que o artista é capaz de igualar são as
aparências porque o seu mundo é da ilusão, o mundo dos espelhos que enganam o olho humano.

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A história da pintura grega, tanto quanto podemos acompanhá-la através da cerâmica,
nos revela a descoberta do escorço, a conquista do espaço no século V e a da luz no século IV.
Os gregos depois desses séculos evoluíram muito na aplicação das fórmulas de “ esquema” e
“correcção”, de fazer antes de comparar.
Foi nesta área específica que Emanuel Loewy, na virada do século, pela primeira vez,
esboçou suas teorias sobre a representação da natureza na arte, com prioridade para os modos
conceituais e seu ajustamento gradual às aparências.
A arte arcaica parte do esquema, da figura frontal, simétrica, concebida sob um único
aspecto. A conquista do naturalismo pode ser descrita como a acumulação gradual de
“correcção” devidas à observação da realidade.
Para os gregos, o período arcaico representava a aurora da história. Naturalmente, o
despertar da arte, livrou os artistas gregos dos métodos primitivos, coincidindo com o
surgimento de todas as outras actividades que, para o humanista. Portanto, houve o
desenvolvimento da filosofia, da ciência e da poesia dramática (…).
O nosso horizonte histórico deve ser ampliado isto é, pesquisando as outras civilizações
ou culturas para que déssemos conta com perfeita justiça chamado de “o milagre grego”, a
singularidade da arte grega.
De facto, foi um egiptólogo, Heinrich Shäffer, quem ampliou a descoberta de Loewy e
reconheceu a relevância da contribuição grega através da sua análise da maneira egípcia de
representar o mundo visível.
O teórico Shäffer sublinhou que as “correcções” introduzidas pelos artistas gregos para
"igualar” a realidade são únicas na história da arte. Longe de constituírem um procedimento
natural. O que é normal para o homem e para a criança no mundo inteiro é ficar com a shemata,
com aquilo que se chama de arte conceitual.
Do ponto de vista funcional, a arte infantil é mais impuro. Os motivos e propósitos que
inspiram as crianças que desenham são mistos e confusos. Elas crescem num mundo, onde as
imagens já assumiram suas múltiplas funções: retratar, ilustrar, decorar, atrair ou expressar
emoção. Se quisermos estudar a relação entre forma e função num quadro contemporâneo deve-
se dar um golpe de vista na arte infantil para o rígido contexto dos jogos.
A arte egípcia estava, há muito, adaptada à função de retratar, de representar
informações visuais e memórias de campanhas e de cerimónias.
Nunca devemos esquecer que olhamos a arte egípcia com disposição de espírito que
todos derivamos dos gregos.
Enquanto assumirmos que as imagens no Egipto significam mais ou menos o mesmo
que significam hoje, no mundo pós-grego, teremos de considerá-las um tanto infantis e ingénuas.
Platão, como se sabe, via com nostalgia a shemata imóvel da arte egípcia.

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2.2.1. Ilusionismo e mimese10

Plínio conservou para nós a observação de um crítico helenístico que louvava a perícia
do famoso pintor Parrásio ao criar a ilusão do volume pelo contorno das suas figuras. Essa é a
parte mais sutil da pintura. Porque o contorno deve arredondar-se e assim terminar, de maneira
que prometa alguma coisa mais que continua do outro lado, mostrando até mesmo o que
esconde.
Quando comparamos qualquer figura conceitual da arte pré-grega ou da arte grega
primitiva com os milagres das figuras que se movem livremente tais como estudamos as pinturas
murais clássicas (Donzela colhendo flores), podemos perceber onde está o triunfo de Parrásio.
Suas figuras sugerem o que já não mostram. Sentimos até a presença de traços que não vemos,
de tal modo que ele consegue mostrar uma dançarina a girar (…).
A força da gravidade que os inventores gregos tiveram de superar foi a tracção
psicológica para a imagem conceitual distintiva que dominara a representação até então e a que
todos temos de nos contrapor quando aprendemos as arte mimese. Sem esses esforços
sistemáticos, a arte nunca se teria levantado, nas asas da ilusão, à zona dos sonhos (…). Portanto,
os artistas como Míron e Fídias, de Zêuxis e Apeles, descobriram novos efeitos para aumentar a
ilusão e o realismo na representação. Estes permaneceram vivos na história da arte e
conservaram seu prestígio. O esforço dirigido, a modificação continua e sistemática da shemata
da arte conceitual, até que o fazer foi substituído pela imitação da realidade, através da nova
habilidade da “mimese”. A natureza não pode ser imitada ou transcrita sem ser primeiro
desmontada e montada de novo. Esse é um trabalho não só de observação, mas também de
experimentação incessante. Não há motivo para pensar que os artistas gregos ofereceram um
inventário visual mais completo ou mais aprimorado do mundo do que a arte egípcia,
Mesopotâmia ou de Creta. Nessa antigas civilizações, a “shemata” de animais e plantas era, por
vezes, refinada a um grau surpreendente. A arte se fez, de novo, um instrumento, e a mudança de
função resulta numa mudança de forma.

2.3. Fórmula e experiência

A revolução grega por ter mudado a função e as formas da arte. Não pôde mudar a
lógica da fabricação de imagens, o simples facto de que sem um meio expressivo e sem um
esquema capaz de ser moldado e modificado nenhum artista pode imitar a realidade (mimese).

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Mimese é recriação da realidade, a partir dos preceitos platónicos, segundo os quais
o artista, ao dar forma à matéria, imita o mundo das ideias.

12
Sabemos quê nome os antigos davam às suas “shematas”, referiam-se a elas como
“cânon”, isto é, as relações básicas, geométricas, que o artista tem de conhecer para a construção
de uma figura aceitável.
O cânon foi um problema que acabou por ser suplantado na arte grega pela “ busca da
verdade e da proporção”, de modo que talvez devamos escolher outro ponto de partida à
margem dos domínios da grande arte para continuar a nossa investigação da mimese.
Na sua tese de doutoramento, o psicólogo F. C. Ayer, disse: “o artista profissional
adquire uma grande quantidade de “shemata” com a qual produz rapidamente no papel o
esquema de animais, de uma flor, de uma casa”. Esse esquema lhe serve de apoio para a
representação de imagens da sua a memória, e ele modifica gradualmente o esquema, até que
corresponda aquilo que deseja exprimir. Muitos desenhistas deficientes em “shemata” que
“sabem copiar outro desenho não sabem copiar o objecto”.
Conceituamos a “Patologia do retrato”, os curiosos erros feitos por copistas e artistas
topográficos, que muitas vezes tem sido causado por falta de um esquema a obedecer na
representação das suas obras de arte. Certamente, não acreditamos hoje ter havido “ desenhistas
profissionais” que gostariam se inclinar nesses erros.
O psicólogo no seu relato, não deixa de lembrar aqueles manuais para os amadores que
prometem ensinar “como desenhar uma árvore, um passarinho, navios a vela, aeroplanos ou
cavalos”. A quantidade de livros dessa espécie que as maquinas impressoras vomitam ano sim
ano não deve ser tão grande quanto o sagrado horror do artista a esses “truques”. Existem livros
para os interessados, mostrando como desenhar mãos, pés e olhos, bem como, excelentes
enciclopédias que ensinam tudo isso e muito mais em meia dúzia de lições. Mas todos esses
livros partem do princípio que seria de esperar da fórmula “esquema e correcção”. Ensinam um
cânon singelo e mostram como construir o requerido vocabulário com base em formas
geométricas, fáceis de lembrar e fáceis de desenha. Entre os mais simples, devemos citar o ABC
do desenho de Allen, Graphic Art in Easy stages, mais o princípio é o mesmo livros mais sérios,
como How to Draw Birds, de R. Sheppard.
Essas lições para o artista principiante podem ser comparadas a certos “métodos de
construção de imagens observados na arte primitiva”. As civilizações antigas aprenderam a
representar os olhos classificando-os como conchas de caurim. O amador aprende hoje a
classificar e ordenar as formas básicas das coisas em termos de algumas distinções geométricas.
Só depois que aprendeu a construir a imagem de uma ave, ele deve sair estudar as aves que
deseja retratar, só no fim deve registar as características que identificam primeiro a espécie e
depois a ave, individualmente.
O clima da arte do nosso tempo é hostil a tais processos. Pois não acabamos nos livrar
dos processos enfadonhas e lúgubres pelos quais os meninos do tempo da rainha Vitória
aprendiam a desenhar o esquema de uma folha que mal tinham visto a distancia (…).

13
Não bastava ter um manual com grandiosos modelos de cães em disparada. Era
necessário visualizar o modelo tridimensional do cão se o pintor quisesse que ele parecesse
“convincente” quando visto em diversas posições.
As pesquisas de Dürer estão ligadas á sua busca do segredo da beleza, mais também aos
seus objectivos práticos, de educador. Pode-se ver que ele se interessa pela construção de uma
figura adequada que possa servir como um esquema acessível ás futuras gerações.
De maneira geral, porém aos livros de desenho do século XVI, com sua ênfase na
geometria progressiva, faltava a simplicidade indispensável à instrução de principiante.

III – A PARTICIPAÇÃO DO OBSERVADOR

3.1. A imagem nas nuvens

A “faculdade de projecção” despertou o interesse e a curiosidade de artistas em muitas


circunstâncias. A mais interessante para nós é a tentativa de utilizar formas causais para aquilo
que chamamos de “shematas”, que são os pontos de partida do vocabulário do artista. A mancha
de tinta tornou-se o adversário do livro de modelos. Acontece que justamente um desses livros,
com modelos de “céus e nuvens”, que Constable copiou, demonstra essa possibilidade dual.
Porque essas permutações de possíveis tipos de céu faziam parte do estranho livro de Alexander
Cozens intitulada “um novo método para ajudar a criação no desenho de composições originais
de paisagens”. Neste livro Cozens advoga um “método” a que chama “dos borrões”. O uso de
manchas causais de tinta como sugestão de motivos para o pintor de paisagens amador. O
método, na época, foi objecto de ridicularização. Paul Oppé, em sua recente biografia do artista,
sentiu-se obrigado a defendê-lo contra a acusação de que se fundava em mero acidente. O
prefácio do próprio Cozens mostra maior compreensão psicológica do que a invenção de formas
envolve. Seu método é apresentado por ele como um desafio deliberado ao ensino tradicional de
arte.
Portanto, esses livros de modelos, tiveram algumas desvantagens, porque um tempo
exagerado é gasto em copiar a obra dos outros autores, o que tende a enfraquecer a capacidade
de invenção por parte do artista. O tempo poderia ser mais bem empregado copiando-se a
paisagem directamente da Natureza.
“Desenhar…é transferir ideias da mente para o papel…fazer
borrões é fazer manchas…produzindo formas ao acaso…das quais a
mente recebe sugestão…desenhar é delinear ideias; fazer borrões é
sugeri-las ”.
Para Cozens, fazer manchas do mesmo tipo era um método destinado a propor
motivos de paisagem. A diferença está no princípio de selecção em funcionamento, descrito

14
como contexto mental. Compreende as atitudes e expectativas que influem sobre as nossas
percepções e nos predispõem de ver ou ouvir uma coisa em vez da outra.
Os alunos de Cozens, usavam as manchas de tinta para ter ideias de paisagens e pintá-
las. São motivos de paisagens o que encontravam nelas. Eles não foram somente treinados para
ver paisagens nas suas manchas de tinta. O que eles viam, e queriam ver eram pinturas de
paisagens. Afinal, tratava-se de homens e mulheres do século XVIII, educados no culto dos
desenhos de Claude Lorrain. Foram esses desenhos que fixaram o padrão da paisagem ideal, e
eram esses desenhos que os estudantes de arte queriam igualar. Toda uma linguagem de forma
estava pronta a ser projectada nas manchas de tinta, e o que eles desejavam eram novas
combinações e variações dessas ideias, e não um vocabulário inteiramente novo.
Por isso mesmo poucos são os exemplos que mostram o complexo processo de
interacção entre “fazer e emular”, ou entre “sugestão e projecção”, com maior clareza que essas
demonstrações do “novo método” de Cozens. Sem um conhecimento do idioma de Lorrain, o
amador inglês jamais pensaria em descobrir o que ele chamava de “motivos pitorescos” na sua
paisagem nativa.
Mas esse hábito e os quadros a que deu origem reforçaram aquela disposição de ver as
formas tão estimadas em tudo o que parecesse, mesmo de longe, desenho de paisagens –
inclusive um borrão de tinta nanquim 11 num pedaço de papel. Alguns ajustes bastariam para
convertê-lo numa paisagem imitando vários motivos, como o Lorrain.
Isso pode ser um exemplo extremo da predominância do fazer sobre copiar. Mais o
princípio de que faz uso tem seu papel em maior ou menor grau em toda arte. Talvez a melhor
aproximação ao método de Cozens seja a da anedota contada pelo ilustre escritor holandês
Hoogstraeten, do século XVII:
“Três pintores de paisagens holandeses discutiam qual deles
seria capaz de pintar um quadro mais depressa. O primeiro,
Knipbergen, esboçou o motivo como se já o tivesse pronto de memória.
O segundo, Jan Van Goyen, todavia, procedeu de maneira muito
diferente. Espalhou a tinta sobre a tela – aqui claro, ali escuro até que
ela ficasse rajada como uma pedra ágata. Então, sem esforço nenhum,
fez com que uma pintura emergisse num instante daquele caos de cores
misturadas. Van Goyen usara o seu preparo da tela como se fosse um
borrão, em que projectou rapidamente seus próprios motivos favoritos.
Para o Hoogstraeten, nenhum dos dois ganhou a aposta. A vitória foi
atribuída, a Perselles, que passou várias horas sem tocar com o pincel
na tela. Quando terminou o quadro mentalmente, pintou-o num
instante”.
11
Tinta nanquim é chamada tinta – da – china

15
Sejam quais forem os méritos desse último processo, de planejamento racional, há
provas de que o valor de projecção foi descoberto independentemente por pintores de paisagens,
em diversas partes do mundo. O paralelo mais curioso vem da China.
O artista Sung Ti, do século XI, teria criticado da seguinte maneira da pintura de
paisagem de Ch`en Yiung - chih:
“A técnica aqui é muito boa, mas falta o efeito natural. Você
deveria ter escolhido um muro em minas e lançado por cima um pedaço
de seda branca. Depois, de manhã e a noite, olharia para ele até
conseguir ver o muro através da seda, com as suas protuberâncias, seus
vários níveis, ziguezagues, fendas, armazenando tudo na memória,
fixando tudo muito bem na retina, fazendo protuberâncias suas
montanhas, da parte mais baixo a água, das concavidades as ravinas,
das fendas os riachos, das partes claras seu primeiro plano, das escuras
os mais distantes. Absorva tudo isso muito bem e logo verá plantas e
árvores, homens que se movem por entre árvores, pássaros que voam de
um lado para o outro… ”.
O conselho do artista chinês se aproxima de várias passagens do “Tratado de pintura” de
Leonardo da Vinci (1651).

3. 2. O artista e observador

“Sabemos que os reis e os quadros se parecem desde que


Ptolomeu o disse, na Almagesto: quem quiser ver bem um quadro, que
se afaste dele, pois todos os defeitos da tela desaparecerão; assim
também as coisas que de longe nos parecem admiráveis revelam-se de
rude execução se contempladas de perto”.
Os artistas devem dar mais atenção a isso, pois a experiência mostra que todas as coisas
distantes, sejam elas pinturas, esculturas ou o que for, têm mais beleza e maior impacto quando
são apenas um esboço “una bella bozza” do que quando bem-acabadas.
“E, além da distância, que tem esse efeito, ele aparece
frequentemente em desenhos feitos às pressas, na emoção da arte que
quer expressar a ideia em poucos traços, enquanto um esforço
laborioso e um excesso de indústria podem prejudicar os que jamais
dão por terminada uma obra”.
O relato de Vasari é interessante por mostrar que ele tinha consciência da relação entre a
imaginação do artista e a do público. Só as obras criadas num estado de exaltação da
imaginação, disse ele com efeito, são capazes de empolgar a imaginação. No contexto das

16
teorias e preconceitos do Renascimento, a insistência na inspiração e na imaginação vai de par
com a ênfase na arte como a mais alta actividade intelectual e com rejeição da mera habilidade
subalterna. O acabamento esmerado trai o artesão, que é obrigado a observar os padrões da sua
corporação. O verdadeiro artista, como o verdadeiro “gentleman”, está à vontade em tudo o que
faz. É a famosa doutrina de Castiglione da “sprezzatura”, a “nonchalance” que distingue o
verdadeiro cortesão e o artista perfeito.
“Uma única linha, traçada sem maior concentração, uma
simples pincelada, dada com desembaraço, como se a mão se movesse
sem esforço ou intenção e atingisse seu alvo como que por si mesma,
revelam a excelência do artista”.
É claro que uma ideia inteiramente nova de arte começa a tomar forma aí. Portanto, é
uma arte na qual a capacidade de sugestão do pintor vai dar de par com a capacidade de
compreensão do público. O filistino, que toma tudo ao pé da letra, está excluído desse círculo
fechado. Ele não percebe a mágica da spreezatura porque não aprendeu a usar sua imaginação
para projectar. Carece do contexto mental adequado para reconhecer nas pinceladas
aparentemente soltas de uma “obra descuidada” as imagens intencionais do artista. É, sobretudo,
incapaz de apreciar a perícia secreta e a sagacidade que se escondem sob essa falta deliberada de
acabamento.
O livro de Vasari, de grande influência, levou a mensagem ao Norte (Europa): o método
tradicional do cuidado meticuloso no acabamento das pinturas era apenas uma de suas
abordagens possíveis. No seu poema didáctico sobre a arte de pintar, escrito por volta de 1600,
Carel Mander traduziu o relato feito por Vasari das duas maneiras de Ticiano em uma “stanza”
rimada. E continuou: “E aqui, aprendizes, quero pôr diante de vossos olhos duas perfeitas
maneiras para as quais deveis orientar doravante vossos passos segundo a inclinação de cada
um, mas meu voto é pela maneira aplicada…seja essa a escolhida, seja a outra…cumpre
sempre evitar uma iluminação muito crua ou muito vivida”.
Uma das poucas observações que se conhecem de Rembrandt sobre a sua arte revela
adesão à segunda maneira: “Não enfiem o nariz nos meus quadros”, teria dito ele, “ou o cheiro
da tinta os envenenará”.
Palomino, biógrafo de Velásquez, conta que o artista pintava com pincéis
excessivamente compridos para guardar distância da tela, e acrescenta que seus retratos são
ininteligíveis quando vistos de muito perto, mas miraculosos quando vistos a distância.
O Boschini, pintor veneziano no seu poema de 1660, compara o diligente e o maneiroso,
prefigurando a diferença entre a obra de Canaletto e Guardi, intitulada “Campo San Zanipolo,
Veneza”. Ressaltou o seguinte:
“No trabalho industrioso, qualquer pintor que tenha paciência,
amor e um bom olha pode ter sucesso. Mas alcançar a maneira ou

17
qualidade de um Paolo, de um Bassano, de um Palma, de um Tintoretto
ou de um Ticiano – por Deus, isso é coisa de deixar qualquer um
louco!”.
No prefácio póstumo de um dos seus guias, Boschini estendeu-se em torno da
importância que a compreensão dos estilos desses mestres tem para o connaisseur e associa a
ideia do traço autêntico à tradicional noção de sprezzatura.
“Mesmo os pintores que efectuam pinturas delicadamente,
sobretudo Ticiano, acabaram com algumas pinceladas nas partes que
recebem mais luz ou nas de mais sombra, dando por terminado o seu
trabalho com bravura para remover a impressão do esforço que tinham
empregado em pintá-lo. De modo que quando tais pinceladas bruscas
não são visíveis, principalmente nas cabeças, a obra deve ser
considerada uma cópia, pos aquele que imita o quadro com toda a
atenção acaba por produzir um trabalho elaborado”.
Ao connaisseur12, portanto, já não se recomenda simplesmente permanecer recuada. Ele
deve examinar de perto o trabalho do pintor, admirar o seu toque e a magia do seu pincel, que
conjurou assim uma imagem. Há
Na virada do século XVIII, Roger de Piles debateu a questão sobre o prazer na
projecção: “Assim como há estilos de pensamento, há também estilos de execução…o estilo
firme e o polido… o estilo firme dá vida ao trabalho e faz revelar uma escolha má. O polido dá
bom acabamento a tudo e tudo anima. Não deixa margem à imaginação do espectador, que se
compraz no entanto em descobrir coisas e completar coisas que ele atribui ao artista”.
Com maior astúcia ainda e perspicácia, o grande crítico francês Conde Caylus investiga
os motivos pelos quais ele e outros preferiam um esboço inacabado e rápido, uma simples
alusão, a uma imagem explícita “bem informado”.
Portanto, emergiu uma teoria psicológica da pintura que levou em conta essa interacção
entre o artista e o observador.

3. 3. Condições de ilusão

Filistrato atribui ao seu herói Apolónia de Tiana, a ideia de que “aquele que contempla
obras de desenho e de pintura deve ter faculdade imitativa” e de que “ninguém será capaz de
entender um cavalo ou um touro pintado se nunca viu tais criaturas antes” Vejamos, toda
representação depende, até certo ponto, daquilo que chamamos de “projecção dirigida”.
Quando dizemos que os borrões de tinta e as pinceladas das paisagens impressionistas

12
Connaisseur é o apreciador ou conhecidor da arte.

18
“adquirem vida subitamente (…)”, queremos dizer que fomos levados a projectar uma paisagem
naqueles salpicos de pigmento.
Qualquer pessoa capaz de manejar uma agulha com destreza nos fará ver uma linha
inexistência. A mágica torna-se arte quando um mágico produz uma dança com um par de garfos
e dois pãezinhos que se transmudam em pernas ágeis diante dos nossos olhos.
Essas experiências são relevantes por mostrarem como o contexto da acção cria
condições de ilusão. Quando um cavalo de brinquedo está encosta no canto, é apenas um cabo de
vassoura: basta montar nele para que se torne o foco da imaginação da criança e se transforme
em cavalo. As imagens da arte também estiveram certas vezes encostadas a um canto. Deve ter
sido uma visão estranha a pintura de um bisão todo espetado de lanças na escuridão da caverna.
Foi quando a arte saiu da fase de acção pigmaliónica que teve de buscar meios de
reforçar a ilusão e de criar aquele reino crepuscular da incredulidade suspensa que os gregos
foram os primeiros a explorar.
A ilusão podia transforma-se em trapaça apenas quando o contexto da acção provocasse
uma expectativa que reforçasse o trabalho manual do artista. Por mais que os apologistas dos
artistas tenham dito, quadros e estátuas não têm voz, e a arte tem de satisfazer-se produzindo
maravilha s com os meios de que dispõe e no isolamento do seu próprio mundo.
Sabemos que a pintura inacabada pode despertar a imaginação do observador e projectar
no quadro o que nele não se acha. Há, obviamente, duas condições que têm de ser cumprida para
que o mecanismo da projecção se ponha em movimento. Uma é que o observador não deve ser
deixado em dúvida sobre a maneira de preencher a lacuna; outro é que ele receba uma “tela”,
uma área vazia ou mal definida, sobre a qual possa projectar a imagem esperada.
Portanto, a passagem de Filostrato sugere que a arte clássica compreendia esses meios de
despertar a nossa “faculdade imitativa”. E muitas das pinturas ilusionistas de Pompéia e Roma
confirmam essa impressão de absoluta mestria.
Mas nenhuma tradição artística tem maior compreensão daquilo que se chamou de “tela”
do que a arte do Extremo Oriente. A teoria da arte chinesa discute o poder de expressar pela
ausência de pincel e tinta. “Figura embora pintadas sem olhos, devem dar a impressão de
olhar; sem ouvidos, devem parecer que escutam…há coisas que dez mil pinceladas não podem
representar mas que se capturam com uns poucos traços singelos, desde que acertados. É a isso
que se chama dar expressão ao invisível”.
Mas é fácil demonstrar que, dadas as duas condições – familiaridade e um fundo vazio –
a coisa fica de facto tão difícil (…).
Mas o estratagema certamente não funcionaria sem a nossa contribuição à ilusão. Nos
casos em que não sabemos nada a respeito do tipo de superfície representada, nossa
interpretação pode ser ainda muito errada. Escrevendo sobre as suas experiências quando chegou
à Inglaterra, vindo da África do Sul, Roy Campbell diz: “A estranha consistência da neve,

19
friável, um tanto salgada, era outra enigma. Eu imaginava, a partir de quadros, que fosse como
cera, e os flocos de neve como aparas de sebo de vela”. Poucos artistas que pintaram paisagens
de Inverno tiveram consciência de que se basearam naquilo que Filostrato chamou de “nossa
faculdade imitativa”, nosso conhecimento de neve, para que a ilusão funcionasse.
Uma vez entendido isso fica mais fácil ver por que a grande quantidade de informações
contida na pintura pode atrapalhar a ilusão tão frequentemente quanto a ajuda.
A razão está precisamente nas limitações do meio, que podem, ocasionalmente, ficar
atravessadas no caminho e contradizer a impressão que o pintor quis projectar.
Não é de admirar, portanto, que o maior de todos os protagonistas da ilusão naturalista
na pintura, Leonardo da Vinci, seja também o inventor da imagem deliberadamente anuviada, do
“sfumato”, ou forma embaçada, que reduz a informação dada na tela e com isso estimula o
mecanismo da projecção. Ao descrever essa proeza da “maneira perfeita” em pintura, Vasari
louva os contornos “que oscilam entre o visto e o não visto”.
No mesmo contexto, Daniele Bárbaro, contemporâneo de Ticiano, adapta o elogio de
Plínio aos contornos de Parássio à técnica do “sfumato”, que nos faz “a compreende o que não
se vê”. Bárbaro fala de objectos que se escondem suavemente da nossa visão no horizonte, o que
“só pode ser conseguido com uma infinita prática, deleitando os não estão a par do artifício e
causando assombro aos que estão”.
Portanto, o carácter da ilusão é difícil de descrever e pode variar de pessoa para pessoa.
Mais se não existisse essas dificuldades para nos divertir e intrigar, não compreendemos a sua
complexidade (…).

3. 4. Ambiguidades da terceira dimensão

“O sentido da visão discerne as diferenças de forma, onde quer


que estejam…sem demora nem interrupções, empregando cálculos
cuidadosos com habilidade quase inacreditável; e, todavia,
despercebidamente, dada a rapidez…Quando o sentido não é capaz de
ver o objecto com seus próprios meios de acção, reconhece-o através de
manifestações de outras diferenças, percebendo às vezes imaginando
incorrectamente…”.
A Ambiguidade é sem a menor dúvida, a chave de todo o problema da interpretação da
imagem. Ela nos permite testar a ideia de que tal interpretação implica uma projecção
experimental, um “tiro de ensaio”, que transforma a imagem, se acertar. E é justamente por

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sermos hábeis nesse processo, por falharmos tão poucas vezes, que nem sempre temos
consciência desse acto de interpretação. Poucas pessoas se dão conta de que o desenho do
contorno de uma mão é ambíguo. É impossível dizer se é a mão esquerda vista de frente ou a
mão direita vista de costas. Diante de um desenho como esse, ficamos pasmos com a falta da
informação. Essas mãos ambíguas estão fora da nossa experiência e, provavelmente, teremos de
usar nossas mãos como guia, sobrepondo-as à imagem para comparar e projectando as
alternativas até nos convencermos da ambiguidade. Só então compreenderemos que era puro
acidente adoptar primeiro uma ou outra das interpretações. Para destacar a projecção, uma vez
feita, temos de transferir a alternativa. Não há para nós outra maneira de ver a ambiguidade.
Existe um delicioso desenho de Saul Steinberg em que uma mão que desenha está
desenhando outra mão que a desenha. Não temos sobre qual das mão é verdadeira e qual a
imagem. As duas interpretações são possíveis, mas nenhuma é consistente. Se fosse necessária
uma prova do parentesco entre a linguagem da arte e a linguagem das palavras, ela seria ser
encontrada nesse desenho.
A gravura é a meditação de um artista sobre o espaço, mas é também uma demonstração
da parte do observador (…). Piranesi, um mestre da perspectiva, utilizou sua perícia numa série
de gravuras que representam masmorras de pesadelo e conjuram cenários improváveis, mal-
assombrados.
Na luz e sombra, os artistas ocidentais descobriram um meio de reduzir muito a
ambiguidade das formas quando vistas de um lado. Hogarth, o grande empirista que com tanto
humor lidou com os efeitos da “falsa perspectiva”, explica com admirável lucidez o que entende
por “a sombra que recua”: “É igualmente instrumental com linhas convergentes mostrar o
quanto os objectos, ou partes deles, retrocedem ou se afastam do olho. Sem isso, um soalho, ou
qualquer plano horizontal, pareceria muitas vezes erguer-se verticalmente como uma parede. E,
apesar de todas as outras maneiras pelas quais aprendemos a saber a que distância as coisas
estão de nós, muitas vezes o olho se engana por causa de deficiências na sombra: porque, se
acaso a luz cai sobre os objectos de modo que não dê à sua sombra sua verdadeira aparência
matizada, não só os espaços se confundem como as coisas esféricas parecem achatadas e as
chatas esféricas”.
Hogarth sabia que a sombra tem um carácter definidor apenas quando é usada para
produzir o artifício de um escorço, “completando assim, mutuamente, a ideia daquelas
recessões que nenhum deles poderia fazer sozinho”. Mas sabia também que, em determinadas
situações, mesmo esses dois recursos juntos não conseguem excluir a ambiguidade, a menos que
um terceiro reflexo complete a definição (…).

IV – INVENÇÃO E DESCOBERTA

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De um ponto de vista, toda a história da arte pode ser resumida como uma história da
descoberta gradual das aparências. A arte primitiva começa, como a arte das crianças, com
símbolos de conceitos. A faculdade de descobrir e de fazer está por trás das descobertas da
criança, mas também dos achados do artista. Portanto, “descobrir” precede mesmo o “fazer”,
mas é só fazendo coisas e tentando fazê-las à semelhança de outras coisas que o homem pode
ampliar a sua consciência do mundo visível. Konrad Fiedler sublinhou constantemente esse
aspecto da “criatividade humana”. Ele também subestimou a faculdade de ampliar nosso
conhecimento, fazer progressos no sentido da “descobertas das exterioridades”, que é, afinal de
contas, a descoberta das ambiguidades da visão.
No desenho que a criança faz de um rosto, um círculo simboliza a máscara; dois pontos,
os olhos; e dois traços; o nariz e a boca. Gradualmente, o simbolismo se aproxima da aparência
verdadeira, mas os hábitos conceituais, necessários à vida, dificultam muito, mesmo aos artistas,
descobrir como são efectivamente as coisas para um olho imparcial.

4.1. Aperfeiçoamento da descoberta

A arte europeia progrediu mais ou menos continuamente, desde o tempo de Giotto. A


descoberta da perspectiva linear marcou um estágio importante, enquanto a exploração completa
da cor atmosférica e da perspectiva em cores teve de esperar pela obra dos impressionistas
francês. Os impressionistas tinham ensinado as pessoas não ver a Natureza com um olho
inocente, mas a explorar uma alternativa inesperada que acabou por ajustar-se a certas
experiências melhores do que quaisquer pinturas anteriores.
Segundo Roger Fry, a história do naturalismo em arte, dos gregos aos impressionistas, é
a história de um experimento dos mais bem sucedidos, a verdadeira descoberta das aparências.
Também dizia ele, “que só se pode descobrir o que sempre existiu”. A expressão implica a ideia
do olho inocente. Por sua função e interacção, a arte naturalista foi levada a buscar alternativas
que se pudessem desenvolver nos veículos da pintura.
Não há maneira de descobrir a verdade senão por ensaio e erros, ou seja, pintando.

4.2. As histórias humorísticas

As histórias ilustradas humorísticas de Töpffer, a primeira das quais Goethe admirou,


encorajando o autor a publicá-la, são os inocentes antepassados dos sonhos manufacturados de
hoje. Töpffer, filho de um conhecido pintor de paisagens e de quadro de género, fizera-se
também pintor do mesmo tipo, mas tinha um problema de visão e passou a escrever. Alguns dos
seus contos e idílios estão entre as preciosidades da literatura suiça.

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Embora seus olhos não suportassem o esforço de uma técnica meticulosa, ele sentia
ânsia de continuar como artista. E foi aí que a invenção de nossas técnicas gráficas veio
justamente a calhar. A litografia permitiu-lhe desenhar sem maiores dificuldades e ter seus
desenhos a traço, leves e despretensiosos, reproduzidos a preço acessível. O pequeno tratado de
Töpffer sobre a fisiognomonia parece profético. “Há duas maneira de escrever histórias: um em
capítulos, linhas e palavras”. Por isso que chamamos de “literatura”; ou, alternativamente, por
uma sucessão de ilustrações (histórias ilustradas) …
Por outro lado, uma da grande descoberta psicológica de Töpffer é desenvolver uma
linguagem pictórica sem qualquer referência à Natureza e sem aprender a desenhar com modelo.
O desenho linear, diz ele, é puro simbolismo convencional e, por isso mesmo, imediatamente
inteligível a uma criança, que teria dificuldade em destrinçar uma pintura naturalista.
O artista que usa um estilo abreviatório pode sempre contar com o observador para
suplementar aquilo que omitiu. Numa pintura completa e bem-feita, um vazio seria perturbador.
Portanto, na narração pictórica se exige o “conhecimento da fisionomia e da expressão
humana”. Também deve comunicar a sua reacção e deixar que a história se desenrole em termos
de expressões fáceis de ler.

4.3. A história caricatura

Começamos pela caricatura-retrato que é a distorção jocosa do rosto de uma vítima. O


termo caricatura e a caricatura como instituição datam apenas dos últimos anos do século XVI. E
os inventores da arte não foram propagandistas pictóricos, que existiam, de uma forma ou de
outra, séculos antes, mas dois artistas altamente sofisticados e refinados, os irmãos Carracci.
Eles inventaram também a brincadeira que consistia em transformar a cara da vítima na de um
animal ou na de um utensílio inanimado, praticada pelos caricaturistas.
A invenção da caricatura-retrato pressupõe a descoberta teórica da diferença entre
semelhança e equivalência. O grande crítico do século XVII, Filippo Baldinucci, define a arte do
retrato de zombaria: “entre pintores e escultores”, explica ele no seu dicionário de termos
artísticos, editado em 1981, “a palavra significa um método de fazer retratos no qual se procura
o máximo de semelhança com o conjunto da pessoa retratada, enquanto, por brincadeira e às
vezes por zombaria, os defeitos dos traços copiados são exagerados e acentuados
desproporcionalmente, de modo que, no todo, o retrato é o modelo enquanto seus componentes
são mudados”. As caricaturas que Baldinucci tinha em mente eram aquelas feitas por Bernini, o
grande escultor que adquirira perfeito domínio da arte da redução fisionómica. Portanto, a
licença de que goza a arte humorística, uma liberdade sem peias, permitiu aos mestres da sátira
grotesca um grau de experimentação impossível a um artista sério. A diferença fica
perfeitamente clara através da evolução da fisiognomonia empírica.

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O verdadeiro descobridor do método experimental na arte foi Alexander Cozens. Ele
divulgou ainda um outro sistema de desenhar e, aí, antecipou Töpffer. E, assim, o antecessor
dessas duas descobertas. Numa interessante série de gravuras, Cozens apresenta um rosto-padrão
de beleza clássica, com aquela expressão vazia que tantas vezes se vê nas estátuas antigas.

CONCLUSÃO

Terminado com abordagem dos diversos temas constantes nesta obra e comprovando o
grau de interpretação, me sento prontificado e necessário para apresentar as conclusões finais de
forma sintetizada:
A arte se torna, o instrumento do inovador para sondar a realidade. A palavra “estilo”
deriva naturalmente, de stilus. Como veículo, cria uma atitude mental que leva o artista a
procurar na paisagem que o cerca, elementos que seja capaz de reproduzir.
Os artistas aprendem pela observação atenta da natureza, e com esta adquirem habilidade
na imitação da realidade.
Na antiguidade, a conquista da ilusão pela arte era da proeza e a discussão sobre a
pintura e escultura girava em torno da imitação (mimesis). O progresso da arte nessa direcção
era, para o mundo antigo, o que actualmente consideramos para o moderno (progresso técnico).
O pintor Polignoto foi o primeiro a representar gente de boca aberta e com dentes; o
escultor Pitágoras, o primeiro a representar nervos e veias nas suas obras de arte; o pintor
Nícias, o primeiro a se preocupar com a luz e sombra.
A revolução grega por ter mudado a função e as formas da arte. Não pôde mudar a
lógica da fabricação de imagens, o simples facto de que sem um meio expressivo e sem um
esquema capaz de ser moldado e modificado nenhum artista pode imitar a realidade.
O artista grego, como todo artista, precisa de um vocabulário, e esse só poderia ser
articulado num processo gradual de aprendizagem.
Em toda história da arte ocidental é frequente a interacção entre interacção narrativa e
realismo pictórico. A arte grega do período clássico concentrou-se na imagem do homem, com

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exclusão quase absoluta de outros motivos, e, mesmo ao retratar o homem, permaneceu presa a
tipos.
Durante muitos anos, isto é, entre os séculos III e XIII d. C., o contacto da arte com o
mundo visível foi extremamente débil. Era para os fins da narrativa e do ensino da doutrina, o
artista confiava nas fórmulas elaboradas pela arte clássica, sutilmente adaptadas e transformadas
para ajustarem aos novos. A arte medieval mais antiga é dos copistas, da descrição de ciclos
pictóricos tradicionais para um idioma mais ou menos tradicionais.
No Renascimento, foi o Vasari quem aplicou a técnica (luz e sombra) à história das artes
na Itália do século XIII ao século XVI. Este artista nunca deixava de rendar tributo aos artistas
antes do seu tempo que fizeram uma distinta contribuição, à mestria na representação.
As imitações da arte primitiva são exactamente como as das crianças. A arte de ver a
natureza, observou John Constable, na sua maneira pungente de dizer as coisas é adquirida como
a arte de ler a escrita hieroglífica dos egípcios.
O processo da arte torna-se, um triunfo sobre os preconceitos da tradição. E o alvo do
pintor tinha de ser a volta à verdade não adulterada da óptica natural.
O panorama da ilusão é o poder da expectativa, mais do que o poder do conhecimento
conceitual, que molda o que vemos, na vida não menos que na arte. Três gerações depois,
aproximadamente, Jan van Eyck foi ainda mais longe na expectativa.
As raízes teóricas do ilusionismo pictórico podem ser encontradas entre os paladinos
renascentistas da perspectiva. Foi Alberti quem primeiro sugeriu a ideia de considerar uma
pintura como uma janela através da qual contemplamos o mundo visível. E foi Leonardo da
Vinci que deu substância a essa ideia, sugerindo que “perspectiva nada mais é do que ver um
lugar através de uma vidraça transparente, na superfície da qual os objectos que estão do outro
lado devem ser desenhados”.

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