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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE MÚSICA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM MÚSICA – Bacharelado em Composição

SAMUEL RODRIGUES SIQUEIRA AMARO

MIMESIS & PURGE:


UM PROCESSO CRIATIVO COMPOSICIONAL ENVOLVENDO “EL PAISANO”,
VIDALITA TRADICIONAL ARGENTINA, ATRAVÉS DE RECURSOS COMO A
CITAÇÃO, METALINGUAGEM, E TÉCNICAS DE MONTAGEM
ELETROACÚSTICAS

Maringá-PR
2019
SAMUEL RODRIGUES SIQUEIRA AMARO

MIMESIS & PURGE:


UM PROCESSO CRIATIVO COMPOSICIONAL ENVOLVENDO “EL PAISANO”,
VIDALITA TRADICIONAL ARGENTINA, ATRAVÉS DE RECURSOS COMO A
CITAÇÃO, METALINGUAGEM, E TÉCNICAS DE MONTAGEM
ELETROACÚSTICAS

Trabalho apresentado ao Curso de Graduação


em Música da Universidade Estadual de Maringá
como requisito para obtenção do título de
Bacharel em Composição.
Trabalho de Conclusão de Curso.

Orientador: Marcus Alessi Bittencourt


SAMUEL RODRIGUES SIQUEIRA AMARO

MIMESIS & PURGE:


UM PROCESSO CRIATIVO COMPOSICIONAL ENVOLVENDO “EL PAISANO”,
VIDALITA TRADICIONAL ARGENTINA, ATRAVÉS DE RECURSOS COMO A
CITAÇÃO, METALINGUAGEM, E TÉCNICAS DE MONTAGEM
ELETROACÚSTICAS

Trabalho apresentado ao Curso de Graduação


em Música da Universidade Estadual de Maringá
como requisito para obtenção do título de
Bacharel em Composição.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

____________________________________
Prof. Dr. Marcus Alessi Bittencourt
Universidade Estadual de Maringá

____________________________________
Prof. Dr. Rael Bertarelli Gimenes Toffolo
Universidade Estadual de Maringá

____________________________________
Prof. Dr. Alexandre Gonçalves
Universidade Estadual de Maringá
RESUMO
O presente trabalho visa, através de estudos a respeito de dois estilos musicais argentinos, a vidala e
a vidalita, propôr a criação de duas obras, uma para orquestra de violões, e outra eletroacústica. A
criação e o desenvolvimento das músicas se basearam em recursos e técnicas desenvolvidas por
pioneiros da música eletrônica, como Pierre Schaeffer, Pierre Henry e Vladimir Ussachevsky, bem
como no uso da citação e metalinguagem. Além disso, o trabalho tem como objetivo fomentar a
pesquisa em relação a estes dois estilos musicais, tendo em vista que trabalhos envolvendo estes
elementos são escassos.

Palavras-chave: Composição musical. Eletroacústica. Vidala e vidalita


 Introdução

A fim de estabelecer uma contextualização para que fique clara a proposta deste projeto,
primeiramente faz-se necessária uma breve introdução ao objeto de pesquisa. O presente trabalho
envolverá um estudo dos ritmos folclóricos musicais argentinos vidala e vidalita, bem como a
implementação de um processo criativo composicional de duas obras, uma para orquestra de
violões, e outra eletroacústica, a qual trabalhará com técnicas clássicas elaboradas por pioneiros da
música eletrônica, tais como Pierre Schaeffer, Pierre Henry e Vladimir Ussachevsky.

Ademais, o estudo dos processos de hibridação cultural, processos os quais são de relevância
para o entendimento do resultado do projeto de pesquisa, também serão levados em consideração ao
longo deste projeto. No entanto, é estritamente importante ressaltar que o presente trabalho de
conclusão de curso possui um cunho muito mais composicional do que musicológico ou
etnomusicológico.

No que diz respeito ao estilos musicais, é sabido que no noroeste da Argentina, dentre todos
os diversos ritmos que coexistem nas regiões de Tucumán, Santiago del Estero e Catamarca, a
vidala e a vidalita predominam.

Agora consideramos uma vidalita. Vidalita é uma expressão crioula que


surgiu no final da colônia, cuja área de dispersão inicial era o noroeste da
Argentina. Posteriormente, entre o final do século XIX e o início do século
XX, como resultado da revitalização que o movimento tradicionalista
impregnou nas práticas e representações do campo, e do uso de vários
gêneros de música popular para o som e a atmosfera costumeira de cenários
teatrais e circenses, a área de dispersão da vidalita é significativamente
expandida para outras áreas do território argentino e para grandes áreas do
Chile e Uruguai1 (CHICOTE, 2010, p. 36, tradução nossa).
Suas origens remontam desde antes da chegada dos europeus na América onde a princípio
eram ritmos de origem indígena, porém, depois da conquista do continente e das diversas
imigrações que o país sofreu, tais ritmos sofreram algumas influências tanto europeias como
crioulas. Tratar destes ritmos, especialmente no tocante às suas origens é algo não muito
consistente. Segundo Lavín:

[…] Surpreende é a insistência com que sua origem é abordada no plano


literário exclusivo, no caso de uma criação especificamente musical; e, como
é lógico, as inúmeras opiniões e dissertações que abundaram neste século não

1Pasamos ahora a considerar una vidalita. La vidalita es una expresión criolla surgida en la colonia tardía, cuya área de
dispersión inicial era el noroeste argentino. Más tarde, entre fines del siglo XIX y principios del xx, como consecuencia
de la revitalización que el movimiento tradicionalista le impregnó a las prácticas y representaciones del campo, y de la
utilización de diversos géneros de la música popular para la ambientación sonora y costumbrista de los escenarios
teatrales y circenses, el área de dispersión de la vidalita sea amplió significativamente a otras áreas del territorio
argentino y a amplias zonas de Chile y Uruguay (CHICOTE, 2010, p. 36).
foram uniformizadas… Esse fermento, quase sempre cromático, qualifica as
espécies de hierarquia indo-europeias e as classifica de um modo especial e
conhecido no vasto repertório crioulo amplamente conhecido. É assim que a
vidala personifica a veia subjetiva e um certo modelo de canto lírico na
música popular argentina. Proceder a sua filiação supõe uma busca de
antecedentes de ordens diversas que exigem a preeminência de fatos
históricos (LAVÍN, 1952, p. 68, tradução nossa). 2
Segundo Carlos Lavín, no que diz respeito às suas características, apesar de serem parecidas,
a vidala e a vidalita se diferem. Ambas possuem fórmula de compasso ternário simples,
instrumentação caracterizada, principalmente, pelo violão, voz e percussão e não são ritmos
dançantes, por mais que estejam presentes em diversos eventos festivos e celebrações. Na vidala é
constante a presença do acompanhamento em terças. É um ritmo melancólico, assim como a
vidalita, e tratam de temas do cotidiano, são basicamente trovas, onde regularmente nota-se que a
música se desenvolve em função das letras, que retratam situações amorosas, tristes, alegres, mas
sempre na tonalidade menor, o que provoca no ouvinte a uma sensação melancólica, “triste”. A
vidalita se difere da vidala por ser mais lenta e por apresentar versos octosilábicos, e não
hexassilábicos como na vidala. Outra característica da vidalita é a presença da palavra “vidalita”
entre os versos da música, onde comumente é acentuada a última sílaba da palavra tornando-a
“vidalitá”.

A forma poética mais recorrente é a quadra hexassilábica com assonância ou


consonância em versos pares. O estribilho, que geralmente aparece após o
primeiro e o terceiro versos, é geralmente constituído por uma única palavra:
"vidalita", “Ay, vidalita”, “palomita”. Entre os tópicos que aborda, o do amor
não correspondido e o do infortúnio, se apresentam como o mais assíduo,
embora também desenvolva temas patrióticos, políticos, filiais e festivos 3
(CHICOTE, 2010, p. 36, 37, tradução nossa).
Outro fato interessante a respeito desse ritmo é a presença de um padrão rítmico conforme
pode ser observado na figura 1.

2 Es sorprendente la insistencia con que se encara su origen en el exclusivo plan literario, tratándose de una creación
específicamente musical; y, como es lógico no se consiguen uniformar las incontables opiniones y disertaciones que
sobre el particular han abundado en 10 que va del siglo… Ese fermento, casi siempre cromático, matiza la especie de
jerarquía indoeuropea y la clasifica en un tipo especial y bien destacado en todo el vasto repertorio criollo
sobremaneramente conocido. Es así como la vidala personifica la vena subjetiva y un determinado modelo de cantar
lírico en la música popular argentina. Proceder a su filiación supone una rebusca de antecedentes de diversos ordenes
que reclaman la preeminencia de hechos históricos (LAVÍN, 1952, p. 68).
3La forma poética más recurrente, la cuarteta hexasilábica con asonancia o consonancia en los versos pares. El
estribillo, que habitualmente aparece después de los versos primero y tercero, suele estar constituido por una sola
palabra: "vidalita'', ''Ay, vidalita'', "palomita''. Entre los temas que aborda, el del amor no correspondido o infortunado,
se presenta como el más asiduo, aunque también desarrolla temáticas patrióticas, políticas, filiales y festivas
(CHICOTE, 2010, p. 36, 37).
Figura 1: padrão rítmico notável na vidalita

Aqueles que estão lendo este trabalho, a essa altura já devem estar se perguntando a respeito
da relação entre os processos de hibridação com os ritmos em questão. Pois bem, antes de descrever
a relação entre esses objetos de pesquisa, há de se abordar o funcionamento e os “porquês” da
ocorrência da hibridação. Primeiramente, é importante ressaltar que o processo em questão é algo
que atua em todas as culturas do planeta há muito tempo, porém, apenas nos anos 90 do século XX
foi que se procedeu com a análise acerca desse processo. “É um processo usado para descrever
outros processos como globalizadores, interétnicos, viagens e cruzamentos de fronteiras, fusões
artísticas, literárias e comunicacionais”(CANCLINI, 2008, p. XXIII, tradução nossa). Ainda de
acordo com Canclini:
A ênfase na hibridação não enclausura apenas a pretensão de estabelecer
identidades “puras” ou “autênticas”. Além disso, põe em evidência o risco de
delimitar identidades locais autocontidas ou que tentem afirmar-se como
radicalmente opostas à sociedade nacional ou à globalização. (CANCLINI,
2008, p. XVIII, tradução nossa).
Portanto, segundo Canclini (2008, p. XIX), define-se o termo hibridação por “processos
socioculturais nos quais estruturas e práticas discretas, que antes agiam separadamente, se
combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”.

Além disso, é possível afirmar que fronteiras são contextos que condicionam os formatos,
estilos e as contradições específicas da hibridação, sejam elas fronteiras locais ou internacionais, e é
nesse ponto que começamos estreitar os laços desse trabalho, justamente por colocarmos em
evidência a existência de gêneros musicais que atuam em determinadas regiões da Argentina.
Poucas culturas podem ser consideradas estáveis pois suas fronteiras são, na maior parte das vezes,
infestadas de brechas, as quais dão abertura para a fusão de diversas práticas, mesmo as mais
rígidas. Diante desta situação, o intuito de um processo híbrido é gerar algo novo, seja através de
uma prática individual ou coletiva e, no caso desse projeto, o resultado visa a construção de duas
obras musicais utilizando a citação e metalinguagem como recursos fundamentais no decorrer do
processo criativo.

 Objetivos
– Gerais

 Compôr uma obra para orquestra de violão a partir do estudo dos gêneros argentinos vidala
e vidalita nos quesitos: rítmicos, melódicos, estruturais e estilísticos; bem como uma obra
eletroacústica visando a mesma abordagem técnica dos pioneiros da música eletrônica.

– Específicos

 Extrair e adaptar tratos estruturais e estilísticos dos estilos musicais no desenvolvimento de


processos composicionais;

 Criar estratégias de implementação dos processos composicionais na criação de uma peça


para orquestra de violões e de uma obra eletroacústica.

 Justificativa
O projeto em questão tem por consistência propor a interculturalidade, a fusão de culturas
musicais existentes nas regiões do norte da Argentina com tendências brasileiras e fomentar o
conhecimento a respeito dos ritmos mencionados, tendo em vista que é escassa a quantidade de
trabalhos de pesquisa envolvendo tais ritmos.

Este trabalho também visa resguardar a tradição argentina por meio de duas composições
musicais com traços característicos de uma vidalita tradicional argentina, o “El Paisano”.

 Primeiros Contatos
Como já mencionado, tal obra emergiu-se a partir de minha imersão em dois dos muitos
estilos musicais do folclore argentino, especificamente a vidala e a vidalita. Após o contato com tais
estilos, vi ali, neste singelo ambiente folclórico, o desejo e a possibilidade de criar uma composição
musical que objetivamente tivesse traços estilísticos que remetessem a estes estilos musicais, ou
seja, fazer uso da metalinguagem e da citação de elementos estruturadores para a criação de uma
canção, recurso vastamente utilizado por compositores. Gosto de citar como exemplo uma das obras
de Willy Corrêa de Oliveira, “Recife, Infância; Espelhos…”, peça para piano solo de 1989, na qual
o compositor elenca e “re-musicaliza” uma série de canções que aprendeu na infância:

Me decidi por repertoriar as músicas que aprendi na infância: as primeiras


que a gente canta; cantarola sem saber porque. Aquelas canções que formam
o tempo da vida, de um realismo assustador: ninguém jamais pediu para
aprendê-las. Elas, sim, se estabelecem em nós (e desafiam críticas e
indagações futuras) e preparam-nos, de algum modo, para receber todas as
músicas que virão depois. As que a gente buscou. As que escolhemos para
reter. Pensava – levemente – em fazer com que as músicas que vieram depois
(e em contraponto com a memória) reconstituíssem o que restava daquelas
primeiras músicas aprendidas na infância. (OLIVEIRA, 1989, p.4).
Esse anseio pela criação (ou pela reformulação de algo) pode surgir de incontáveis fatores.
Por exemplo, o que me levou a construir e gerar uma obra musical a partir dos estilos já citados foi
o simples fato de entrar em contato com uma informação errônea a respeito da vidala. Tal
informação basicamente afirmava que esse estilo possuía majoritariamente melodias “bimodais”,
sendo eles nos modos: dórico e lídio. Diante disso, despertou-se em mim uma curiosidade absurda
acerca desse repertório.

Em minhas buscas e escavações por essas características da vidala notei que nada do que
estava contido naquela informação era real. Com o intuito de elocubrar a ideia de que esse estilo
pudesse ser bimodal, gosto de pensar que, talvez, diante do fato de boa parte do repertório da vidala
conter melodias com acompanhamento de terças, isso possa ter acarretado, erroneamente, em uma
ideia de pensamento bimodal.
Vários grupos de melodias se distinguem segundo suas determinadas escalas,
os antigos modos: de Ré e Fá, a escala bimodal, com quarta aumentada, com
quarta justa, ou com ambas alternadas, com a tetrafônica e pentatônica, ou
escalas híbridas com mesclas destas últimas com europeias, modernas e
antigas. A mais corriqueira é a com acompanhamento de terças paralelas,
(exceto nas vidalas tetratônica e pentatônica)4 (VIDALA, 2019, tradução
nossa).
Acontece que, se não fosse pelo curioso fato de que uma (e apenas uma) informação não
estivesse equivocada, talvez eu já não estivesse tão interessado em criar, a partir dali, nada que
tivesse relação com esses estilos musicais argentinos. Essas procuras pela tal característica
“bimodal” da vidala não foram supérfluas (e nem deveriam ser); pelo contrário, me renderam
diversas horas de pesquisa, nas quais pude notar, além da escassez de informações sobre este estilo 5,
outras várias características e variantes do estilo. Por “variantes do estilo” quero dizer que entrei em
contato com a vidalita, e que nela também notei características similares às da vidala. No entanto,
foi na procura de temas do folclore argentino que estivessem dentro desse contexto que conheci “El
Paisano”, uma vidalita tradicional, cujo tema um tanto quanto comum me chamou a atenção, não
por possuir algo de extraordinário em relação à sua harmonia, mas que ao passar por um olhar e
uma escuta clínica, notei um perfil melódico charmoso, além de perfil rítmico constante durante a
peça, que fortemente estabelece-se como uma das características da mesma. A partir disto, me
afeiçoei por tal melopeia, coisa que me instigou a criar, a partir da metalinguagem e da citação, uma
obra que pudesse remeter a tal estilo.

É necessário ressaltar que esses recursos, a metalinguagem e a intertextualidade são


recursos literários que criam uma inter-relação entre discursos e geram um entendimento
relacionado em trabalhos diferentes. “A metalinguagem pode ser uma maneira de recuperar um
trabalho linguístico em toda a sua amplitude” (DE BONIS, 2012, p. 29). Ainda segundo De Bonis:

A consciência histórica da linguagem abre o horizonte para uma rede de


operações sintáticas e inter-sintáticas. Atinge-se assim, talvez, o vislumbre de
um novo significado para a operação semântica no seio da composição
musical: se o trabalho com a sintaxe é o campo em que se assentam as
resultantes semânticas, um processo de criação em música que leve em conta
uma proposta de operação semântica teria de se engendrar a partir de uma
metalinguagem, pela incorporação de materiais eminentemente sintáticos em
uma nova construção sintática (DE BONIS, 2012, p. 50).
Diante deste esclarecimento acredito que os processos construtivos, criativos e
metodológicos do presente artigo possam ser melhores compreendidos. Nesse sentido, o intuito

4 Se distinguen varios grupos de melodías, según sus determinadas escalas: los antiguos modos de RE y FA, la escala
Bimodal, con cuarta aumentada, con cuarta justa o con ambas alternadas, con la Tetrafónica y la Pentatónica, o escalas
híbridas con mezclas de estas últimas con europeas, modernas y antiguas. La más constante es el acoplamiento de
terceras paralelas, (excepto en las vidalas tetratónicas y pentatónicas) (VIDALA, 2019).
5Buscas em sistemas onlines de pesquisas de periódicos como Jstor comprovam a ausências de estudos e pesquisas com
enfoque tanto na vidala, como na vidalita
seria trazer à tona elementos pontuais de um trabalho preexistente (uma vidalita tradicional), torná-
los consistentes e relacioná-los de alguma forma através de sua incorporação em uma obra singular
(uma composição original de minha autoria).

 Mimesis e sua elaboração


“El Paisano” é tocada ao violão. Já foram feitos alguns arranjos vocais, com
acompanhamentos no piano, mas originalmente é uma obra interpretada pelo violão.
Estabelecida uma relação estreita com “El Paisano”, eu já tinha um norte, já sabia que seria
utilizando tal canção que estruturaria a minha obra e para isso concluí que utilizaria o próprio violão
como instrumentação para a primeira peça de duas. Além disso, é importante citar que o resultado
final constitui-se de duas obras, uma para orquestra de violões (Mimesis) e outra puramente
acusmática (Purge), na qual utilizei de maneira “retalhada” a gravação da primeira obra em um
software de edição de áudio para reestruturá-la e moldá-la, criando novas sonoridades, tendo assim,
duas obras finais.

É necessário ressaltar que não há nada na obra tida como base, em termos harmônicos, que
seja incomum ou complexo; longe disso, é uma canção que faz pouco uso de tríades que não
exerçam outras funções harmônicas que não sejam tônica ou dominante (ver figura 2). Isto, apesar
de parecer algo trivial, carece de atenção, pois o tema principal da mesma se configura justamente
pela alternância entre Dominante e Tônica, ou seja, seria necessário tomar cuidado para não obter
um resultado final que fugisse desta característica em questão. A fim de resolver tal obstáculo,
decidi inicializar a primeira peça com o próprio tema principal tocado em quartas justas paralelas, o
que além de engrossar a textura musical e providenciar uma harmonia mais intensa, de certa forma
já corrobora com a proposta do projeto.

Figura 2: funções harmônicas constituintes de "El Paisano", vidalita do folclore argentino

Diversos encontros com meu orientador, professor Marcus Alessi Bittencourt, foram de
extrema importância para o encaminhamento da composição da primeira peça, já que nessas sessões
eu apresentava vários esboços da mesma e em contrapartida Bittencourt me atentava para possíveis
obstáculos e alternativas para se proceder com os mesmos, além de sugerir caminhos alternativos
para se chegar em trechos específicos e conselhos sobre questões estruturais.

“El paisano” utiliza compasso ternário durante toda sua extensão, e isso se torna um desafio
um tanto quanto divertido, pois, como todo aprendiz de compositor (e assim como todo compositor
“veterano” gosta de inovações) utilizar uma peça ternária e não fazer uso de mudanças de fórmula
de compasso para tornar a obra final “apimentada”, ou no mínimo “diferenciada”, seria
considerado, pelo menos de um ponto de vista pessoal, ignorar que há uma infinidade de maneiras
de se explorar capacidades e caminhos composicionais dentro de um contexto em que a proposta é
justamente abordar a citação e a metalinguagem. Em outras palavras, até que ponto seria possível
deformar e elaborar exageros de uma obra com compasso ¾ sem que a mesma perdesse seu charme
e fisionomia?

Como compositor, seria necessário que eu construísse uma obra com traços que
contextualizassem e fizessem jus à época em que vivo, e à maneira de se lidar com experimentações
tendo em vista as vivências e experiências musicais guarnecidas em mim.

A obra original, em termos estruturais, é composta por três períodos, A, B e C (=A+B),


sendo A a apresentação do tema principal através de um período de duas frases idênticas; B a
apresentação de uma resposta ao tema por meio de um período contrastante focado no aparecimento
da tríade de subdominante; C um período que combina frases dos períodos A e B e mais uma
codetta (ver figura 3).

Já a minha obra para orquestra de violões, Mimesis, esquematizada para o presente trabalho
de conclusão de curso consiste em uma introdução seguida de uma parte A. Este fragmento de
Mimesis brinca, por meio da citação, com o tema principal de “El Paisano” reafirmando e
prolongando-se através perguntas e respostas que correspondem ao trecho A da peça original, além
de providenciar uma sonoridade mais colorida através de contracantos.

Garantindo o swing adequado e tendo influências no jazz (esta afirmação se deve ao fato de
uma cama harmônica estabelecida pelo “walking bass” dos violões 4 e pelo acordes ritmados dos
violões 3), o trecho B de Mimesis refere-se ao mesmo de “El Paisano”, no entanto aqui serve de
estribilho por ser um trecho vivaz.

A transição, parte C, de Mimesis é enérgica e caminha para uma região harmônica que não
existe em “El Paisano”, evoca agitação sonora e possui textura espessa em relação aos trechos A e
B. No entanto, tal sessão retoma a tonalidade original da peça com uma cadência conclusiva, a qual,
novamente, através de uma citação ao tema principal de “El Paisano” já providencia uma amálgama
para a próxima sessão de Mimesis, o seu desenvolvimento.
O desenvolvimento (D) de Mimesis caminha, a princípio (período antecedente), no campo
harmônico da tônica, no entanto, o segundo período de seu todo (período consequente) alonga-se na
região de subdominante. Este trecho de Mimesis, se comparado ao restante da obra, é o que mais se
distancia no que diz respeito à semelhança musical, que até então era nítida nas outras sessões.
Porém ainda mantém um traço estilístico de “El Paisano”, o ritmo melódico de alguns contracantos.
Seu período consequente não se resolve e é finalizado em uma dominante, a qual atrai novamente o
estribilho da peça, neste caso, B'.

O segundo estribilho de Mimesis é mais curto e apresenta uma intensificação de dinâmica e


de tensão harmônica ao fazer uso de células rítmicas que marcam os acordes de um ciclo de tétrades
diminutas o qual culmina em uma fermata súbita que entrega o desenrolar da música nas mão de
uma reafirmação do tema principal (A'), seguida de uma codetta que conclui a música. (ver figura
4).6

6Uma cópia da grade completa de Mimesis está incluída neste trabalho como Anexo I.
Figura 3: estrutura formal e análise harmônica funcional de "El Paisano", vidalita do folclore argentino
Figura 4: diagrama da estrutura formal de Mimesis
 O desenvolvimento da peça “Purge”
Com a primeira etapa deste trabalho concluída, após a montagem da peça acústica para
orquestra de violões, o próximo passo tomado neste processo composicional foi a construção de
uma peça eletroacústica moldada a partir de trechos de uma gravação da primeira obra, tendo como
objetivo destrinchar o que seria uma música acústica e recombiná-la eletroacusticamente para obter
um resultado sonoro distinto do anterior, mas ainda compartilhando algum tipo de relação através
de estruturas musicais motívicas.

Tendo isto em vista, tive como modelos de referência obras como “Suíte 14”, de Pierre
Schaeffer (1910-1995), pioneiro da “Musique Concrète” francesa, produzida em 1949
eletroacusticamente a partir da gravação de uma obra para orquestra de câmara, na qual Schaeffer
desmonta, modela, reestrutura, desconstrói a peça acústica até atingir um resultado sonoro que faça
jus ao propósito da peça. De acordo com Schaeffer:

Por uma questão de economia, limitei minha orquestra a quatorze


instrumentos. Por uma questão de discrição, não pedi a ninguém que anotasse
a partitura. Uma vez que essa partitura estava destinada à vivissecção, eu não
queria menosprezar o trabalho de outra pessoa. Eu preferia escrevê-la da
minha maneira amadora (é um pouco desajeitada, disse Jean-Michel Damase
educadamente, pois com virtuosismo deslumbrante ele me ajudou na
orquestração). Pelo menos eu tinha certeza de ter certos efeitos à minha
disposição antecipadamente: combinações de timbres, arranjos simétricos que
os procedimentos da música concreta mais tarde tomariam conta. Dessa
maneira, imaginei cinco peças formando uma suíte chamada Suite 14, o "14"
referente ao ponto de partida básico, os sons de quatorze instrumentos. De
fato, a composição deveria ser cada vez mais desconstruída, com cada uma
das cinco peças se afastando progressivamente da partitura original7
(SCHAEFFER, 1952, p. 30, tradução nossa).
“Le Tour de Monde En 80 Jours”, sexto movimento da obra estreada em 2005 “Comme une
symphonie, (envoi a Jules Verne)”, de Pierre Henry (1927-2017), outro pioneiro da “Musique
Concrète” francesa, é outra obra de inspiração, na qual há interações entre sons eletrônicos e trechos
de sinfonias de Bruckner. Ainda de Henry, também usei como fonte de inspiração “Psyche Rock”,
movimento da obra “Messe Pour Le Temps Présent”, de 1967, que opera interações entre gravações
de instrumentos e sons e eletrônicos. Além disso, tive como outro modelo de referência “Be²+
(Beryllium)”, obra para duo de violões e sons eletrônicos, de 2016, de Marcus Bittencourt.
7For economy's sake, I limited my orchestra to fourteen instruments. For discretion's sake, I didn't ask anyone to write
down the score. Once this score was destined for vivisection, I didn't want to cast a slur on someone else's work. I
preferred to write it down in my own amateur way (it's a bit clumsy, said Jean-Michel Damase politely, as with dazzling
virtuosity he helped me with the orchestration). At least I was sure of having certain effects at my disposal in advance:
combinations of timbres, symmetrical arrangements that the procedures of concrete music would later take up and
prolong. In this way I imagined five pieces forming a suite called Suite 14, the "14" referring to the basic starting point,
the sounds of fourteen instruments. In fact, the composition was to be more and more disrupted, with each of the five
pieces moving further away from the original score (SCHAEFFER, 1952, p. 30).
Para esta obra, foi concebida uma sonoridade geral na qual os violões
idealmente figuram tocados ao natural, ou seja, sem microfonação, com a
parte pré-gravada eletrônica de sons sintéticos pensada para soar como algo
no estilo de uma tambura indiana sobrenatural, tocada por um instrumentista
imaginário posicionado imediatamente atrás dos violonistas.

O nome da peça se refere à situação particular em que se encontra um cátion


divalente do elemento químico Berílio, na qual um solitário duo de elétrons
orbita um núcleo de nove componentes portadores de massa, dentre prótons e
nêutrons. (Bittencourt, Beryllium. Disponível em
<http://www.marcusalessi.com/site/pt-br/beryllium>. Acesso em: 22 outubro
2019.)
Partindo desta coleção de peças e tendo-as como fontes inspiradoras, fez-se necessário a
utilização de uma DAW (digital áudio workstation), ou seja, um programa de edição e mixagem de
áudio para a montagem desta segunda obra. Neste caso, o REAPER 8 serve muito bem a esse
propósito, pois nele encontram-se diversas ferramentas essenciais para a modelagem sonora, bem
como plug ins que garantem um resultado sonoro satisfatório.

Isto posto, foi necessário estruturar a peça eletroacústica dividindo-a em sessões, as quais
passaram por técnicas de montagem específicas. Tais técnicas foram, nas décadas de 50 e 60,
descritas como “Tape Techniques”. De acordo com Vladimir Ussachevsky (1911-1990), pioneira da
“tape music” norte-americana, “Tape Techniques” são métodos de preparo de material sonoro a
serem usados em composições em fita magnética, ou seja, técnicas composicionais da música
concreta.

Por preparação entende-se a remodelagem manual e eletrônica dos sinais de


vários geradores eletrônicos, dos sons instrumentais e vocais e dos sons
diversos do mundo em geral, bem como a organização subsequente desse
material em seqüência adequada. Operações manuais, como cortar e unir, que
são executadas na própria fita, alterando sua forma física, não afetam apenas
o início (ou o ataque) e o corpo do som gravado, mas permitem a organização
de sons evoluídos individualmente em uma sequência de tempo determinada
com precisão. (USSACHEVSKY, 1964, tradução nossa)9
Purge estabelece-se através de um conjunto de trechos de Mimesis que passaram por
transformações estéticas sonoras e de outras duas pré-composições reconstruídas e reinventadas por
meio da utilização de modulações de velocidade, efeitos como chorus, delay, reverbs e filtros passa
alta, baixa e banda. Estas duas pré-composições foram sobrepostas no software a fim de criar uma
8Para mais informações, acesse: <https://www.reaper.fm/ >.
9By preparation is meant manual and electronic reshaping of the signals from various electronics generators, of
instrumental and vocal sounds, and of the miscellaneous sounds from the world at large, as well as the subsequent
organization of this material in proper sequence. Manual operations, such as cutting and splicing, wich are performed
on the tape itself, changing its physical shape, do not only affect the inception (or the attack), and the body of the
recorded sound, but permit the organization of individually evolved sounds in a precisely determined time sequence
(USSACHEVSKY, 1964).
ambiência sonora que, muitas vezes caminha entre o inerte e caótico, devido aos diversos elementos
modificadores dos trechos originais, elementos estes que passaram pela modelagem dos plug ins e
métodos de montagem sonora. Além disso, a espacialização sonora utilizada garante uma sensação
de movimento à obra.

Ademais, é interessante comentar que Purge vaga no limiar da saturação auditiva que é
estabelecida por uma quase monotonia de elementos sonoros que, muitas vezes, aparecem e se
intensificam, o que causa a impressão de que a obra encontrará seu clímax, quando, no entanto, não
chega a encontrar.

Purge possui pedaços claros de Mimesis, o que além de assegurar uma similaridade entre
ambas as obras, também cria uma amálgama através do discurso musical. No entanto, estas
citações, quando presentes em determinados trechos de Purge se apresentam reestruturados e
carregados de efeitos.

 Dos processos pelos quais Purge foi submetida


Com a evolução e o desenvolvimento da tecnologia do meio eletrônico e musical, softwares
de criação e edição sonora foram criados a fim de, não somente facilitar o processo composicional,
mas também o registro destes sons, a partir da incorporação de ferramentas virtuais capazes de
executar os mesmos processos manuais de “Tape Techniques” digitalmente, técnicas essas como
cortes, fades ins e outs, junções, mudanças de velocidade, volume e amplitude, etc…

Nesse sentido, tomando por base principalmente compositores pioneiros da música


eletrônica como Pierre Schaeffer, Pierre Henry e Vladimir Ussachevsky, é necessário tecer
explicações acerca dos efeitos utilizados e compreender alguns termos do vocabulário da música
concreta que fizeram parte deste processo composicional.

Podemos elencar alguns destes termos levando em consideração o texto “In Search Of A
Concrete Music”, de Pierre Schaeffer, publicado em 1952, onde o autor expõe vinte e cinco termos
iniciais da música concreta e constrói breves explicações sobre estes. Dentre os termos
mencionados no texto listaremos aqui aqueles que estão dentro do universo criativo composicional
de Purge.

A. Extrato:

Qualquer ação que produza um som que é gravado em uma faixa de disco ou
em uma fita é um extrato. Os extratos pode, portanto, ser gravações de som
“ao vivo”, ou gravações de sons produzidos de registros preexistentes 10
(SCHAEFFER, 1952, p. 191, tradução nossa).
Ou seja, desta forma, Purge é constituída, indubitavelmente, de um extrato sonoro, Mimesis;

B. Sample (amostra):

Uma amostra é um extrato de qualquer duração (por exemplo, de segundos a


um minuto) que não é escolhido com nenhum centro de interesse bem
definido11 (SCHAEFFER, 1952, p. 191, tradução nossa).

C. Fragmento:

Um fragmento é um objeto sonoro de cerca de um a vários segundos em que


um “centro de interesse” pode ser identificado, desde que não exiba
desenvolvimento ou repetição. Se exibir estes, o fragmento deve ser limitado
à parte que não inclua qualquer “redundância” 12 (SCHAEFFER, 1952, p. 191,
tradução nossa).
Note a diferença entre amostra e fragmento, Purge é constituída majoritariamente de
fragmentos, no entanto, isto não significa que não haja amostras.

D. Elemento:

Se a análise for levada ainda mais longe, ao ponto de isolar um dos


componentes de um objeto sonoro (um componente que além disso, o ouvido
só pode ouvir com dificuldade quando está isolado e que, de qualquer forma,
não pode ser analisado diretamente de sua fonte sonora), dizemos que o
fragmento foi dividido em elementos. Exemplos de elementos são um ataque,
um decaimento (decay) e um pedaço da continuação de uma nota complexa 13
(SCHAEFFER, 1952, p. 191, tradução nossa).

E. Estruturas:

10Any action producing a sound that is then recorded on a track of a disc or a tape is an extract. Extracts can therefore
be either "live" sound recordings or sound recordings produced from preexisting recordings (SCHAEFFER,1952, p.
191).
11A sample is an extract of any duration (for example, from several seconds to a minute) that is not chosen for any
welldefined center of interest (SCHAEFFER,1952, p. 191).
12A fragment is a sound object of about one to several seconds in which a "center of interest" can be identified,
providing it does not display development or repetition. If it displays these, the fragment should be limited to the
portion that does not include any "redundancy" (SCHAEFFER,1952, p. 191).
13If the analysis is taken even further, to the point of isolating one of the components of a sound object (a component
that, furthermore, the ear can hear only with difficulty when it is isolated, and which in any case cannot be analyzed
directly from sound), we say that the fragment has been broken down into elements. Examples of elements are an
attack, a decay, and a piece from the continuation of a complex note (SCHAEFFER,1952, p. 191).
A totalidade do material que um compositor escolhe desde o início recebe o
nome “estruturas”. Podem ser células ou notas complexas. Elas também
podem ser notas comuns, preparadas ou não, de instrumentos não mediados,
clássicos, exóticos ou experimentais14 (SCHAEFFER, 1952, p. 192, tradução
nossa).

F. Manipulações:

Qualquer técnica que altere estruturas antes de qualquer tentativa de


composição é chamada de manipulação. Manipulações podem ser
transmutações, transformações ou modulações15 (SCHAEFFER, 1952, p. 192,
tradução nossa).

G. Transmutação:

Qualquer manipulação que exerça seu principal efeito sobre a questão da


estrutura sem alterar perceptivelmente sua forma é chamada transmutação 16
(SCHAEFFER, 1952, p. 192, tradução nossa).
Ao passar pelo processamento de plug ins, por exemplo, Purge sofre transmutações.

H. Transformação:

Qualquer manipulação destinada a alterar a forma da estrutura e não a sua


matéria é uma transformação.17 (SCHAEFFER, 1952, p. 192, tradução nossa).

I. Modulação:

Se, sem visar particularmente uma transmutação ou uma transformação, a


intenção é variar seletivamente um dos parâmetros de uma estrutura ou, de
maneira mais geral, se a intenção é desenvolver o som dado em um dos três
planos de referência de todas as áreas do som (tessituras, dinâmica e timbre),
haverá por definição uma modulação, seja do som fornecido, ou da estrutura
em questão, no que se refere à tessitura, dinâmica ou timbre 18 (SCHAEFFER,
1952, p. 193, tradução nossa).

14The totality of the material a composer chooses at the outset is given the name "structures." These may be cells or
complex notes. They can also be ordinary notes, prepared or not, from unmediated, classical, exotic, or experimental
instruments (SCHAEFFER, 1952, p. 192).
15Any technique that changes structures before any attempt at composition is called a manipulation. Manipulations may
be transmutations, transformations, or modulations (SCHAEFFER, 1952, p. 192).
16Any manipulation that exerts its main effect on the matter of the structure without perceptibly altering its form is
called a transmutation (SCHAEFFER, 1952, p. 192).
17Any manipulation that is intended to change the form of the structure rather than its matter is a transformation
(SCHAEFFER, 1952, p. 192).
18If, without particularly aiming for a transmutation ora transformation, the intention is to selectively vary one of the
parameters of a structure, or, more generally, if the intention is to develop the given sound in one of the three planes of
reference of all areas of sound (tessituras, dynamic, and timbre), there will by definition be a modulation of the given
sound, or the structure under consideration, in tessitura, dynamic, or timbre(SCHAEFFER, 1952, p. 193).
Agora que já nos familiarizamos com tais termos, fica perceptível o uso dos quatro últimos
itens da lista acima. Ou seja, Purge é esculpida por meio de manipulações sonoras. Ademais, dentro
dessas manipulações sonoras, trechos da obra foram submetidos à aplicação de efeitos de áudio, que
são distribuídos através dos famosos plug ins. Esses efeitos são gerados através de hardwares ou
softwares que modificam o sinal de áudio, o que implica em modificação de parâmetros sonoros
como drive, feedback e rate.

Esses efeitos podem ser divididos em sete categorias:

A. Delay;

B. Flanger;

A. Phaser;

B. Chorus;

C. Reverb;

D. Pitch Shifting/Harmony;

E. Amplitude.

Tendo em vista essa relação de categorias é relevante indicar como cada um dos efeitos atua.

A. Delay

Delays são literalmente, ao pé da letra, atrasos. Tal efeito replica um sinal de áudio e o
reproduz juntamente ao original criando, assim, um efeito de retardo sonoro. Tendo como base o
livro “The Audio Programming Book”, de Richard Boulanger e Victor Lazzarini (2011), é possível
fazer a seguinte citação:

Linhas de atraso são o componente básico de todas as técnicas de


processamento discutidas aqui. Sua função básica é atrasar um sinal por um
certo período de tempo, que pode ser definido em segundos, milissegundos
ou amostras (considerando a taxa de amostragem) 19 (BOULANGER &
LAZZARINI, 2011, 491, tradução nossa).
Além disso, de acordo com Steven McManus, colaborador do livro “Handbook for Sound
Engineers”, o efeito de delay é tido como:

O delay é relativo. Para que um delay tenha efeito em um som, deve-se ser
ouvido em conjunto com o original, o som não retardado. Existem duas
maneiras de isso ocorrer. Um único som pode chegar ao ouvinte através de
dois diferentes percursos de comprimento, como um som direto e um som
refletido ou dois sinais com atrasos diferentes podem ser adicionado
19Delay lines are the basic component of all the processing techniques discussed here. Their basic function is to delay a
signal by a certain amount of time, which can be set in seconds, milliseconds, or samples (taking the sampling rate in
consideration) (BOULANGER & LAZZARINI, 2011, 491).
eletricamente e depois ouvido em um único local 20 (MCMANUS, 2008, p.
805, tradução nossa).
O delay utiliza como parâmetros o delay time – responsável por controlar o tempo que o
áudio será atrasado pelo buffer eletrônico – o feedback – que controla a quantidade de sinal com
latência que será reinserido no efeito – o filtro passa-baixa, de acordo com Iazetta (2019), “em
ambientes acústicos reais, as frequências mais altas são atenuadas nos sons atrasados, e essa
atenuação aumenta proporcionalmente ao número de repetições. Para simular esse efeito, usa-se um
filtro passa-baixa a cada repetição do sinal”.

Efeitos como o flanger, chorus e phase utilizam como base a defasagem dos períodos de
oscilações de uma sonora audível (20Hz e 20kHz), que podem variar entre 50ms e 0,05ms. Essa
defasagem interfere nas oscilações de frequências periódicas causando o cancelamento de fases
entre as ondas sonoras. O que diferenciará esses efeitos é o tempo de delay aplicados a eles.

B. Flanger

Flange é um efeito de áudio causado pela mistura de uma cópia original


(seca) de um som com uma cópia atrasada (úmida). A quantidade de atraso é
variada ao longo do tempo, criando um padrão variável de pente combinados
que se movem para cima e para baixo no espectro de áudio 21 (MCMANUS,
2008, p. 809, tradução nossa).
Assim como no delay, o flanger também modifica parâmetros como o rate, feedback e delay,
além de modificar o depth, que especifica a relação entre o delay mínimo e máximo.

C. Phaser

O phaser é semelhante ao flanger, mas o som de "agitação" produzido pelo


comb filter de varredura geralmente não é tão pronunciado. No phaser, um
sinal espectralmente rico é normalmente enviado através de uma série de
filtros allpass (Hartman 1978; Beigel 1979; Smith 1984). Os filtros allpass
têm uma resposta de frequência plana (ou seja, eles não atenuam nenhuma
frequência), mas mudam a fase do sinal original. Um oscilador de baixa
frequência pode ser usado para varrer a quantidade de mudança de fase
introduzida por cada filtro allpass. As saídas dos filtros são misturadas com
ganho de unidade com o sinal original. Como no flanger, o resultado é uma
espécie de efeito de comb filter.22 (ROADS, 1995, p. 439, tradução nossa).
20Delay is relative. For a delay to have an effect on a sound it must be heard in conjunction with the original,
nondelayed sound. There are two ways that this can occur. A single sound can arrive at the listener via two different
length paths, such as a direct sound and a reflected sound, or two signals with different delays can be added electrically
and then heard from a single location (MCMANUS, 2008, p. 805).
21Flange is an audio effect caused by mixing an original (dry) copy of a sound with a delayed (wet) copy. The amount
of delay is varied over time, creating a varying pattern of comb filters that sweep up and down through the audio
spectrum (MCMANUS, 2008, p. 809).
22Phasing is similar in effect to flanging but the "churning" sound produced by the sweeping comb filter is usually not
as pronounced. In phasing, a spectrally rich signal is typically sent through a series of allpass filters (Hartman 1978;
Beigel 1979; Smith 1984). The allpass filters have a flat frequency response (i.e., they do not attentuate any
frequencies) but they shift the phase of the original signal. A low-frequency oscillator can be used to sweep the amount
Os parâmetros utilizados na implementação do efeito são o rate, que determina a velocidade
com que o modulador varrerá ciclicamente a faixa de espectro determinada e o range, o qual
determina a faixa do espectro submetida à varredura do modulador.

D. Chorus
Um dos principais efeitos utilizados em Purge.

A busca por efeitos chorus sempre fascinou músicos e engenheiros musicais.


Dado um instrumento com uma voz (que pode ser qualquer timbre
eletrônico), existe uma maneira de processar esse sinal para que fique tão
cheio quanto um coro de vozes semelhantes? Tal efeito requer que existam
pequenas diferenças entre as várias vozes do conjunto simulado, incluindo
pequenos atrasos, alterações da frequência fundamental (resultando em
efeitos de batimentos) e vibrato assíncrono23 (ROADS, 1995, p. 439, tradução
nossa).

E. Reverb
Além de tê-lo utilizado em Purge, o reverb também foi utilizado em larga escala na
gravação de Mimesis.

A reverberação é o resultado de muitas reflexões do som original. O que


acontece em um padrão de eventos sonoro, é que primeiro existe um som
direto, seguido por um curto espaço, chamado de intervalo de tempo inicial.
Em seguida, vêm os primeiros ecos distintos da reflexão inicial causado pelo
som refletido nas superfícies próximas à fonte ou ao ouvinte. Depois disso, os
sons refletidos começam a gerar suas próprias reflexões de segunda, terceira e
superior ordem e o nível de energia se estabelece em uma taxa de decaimento
constante. Essa taxa de decaimento está relacionada às distâncias percorridas
e à quantidade de absorção na sala 24 (MCMANUS, 2008, p. 808, tradução
nossa).
Os reverbs são classificados de acordo com o tipo de espaço que eles buscam simular (room
type). Room, hall, plate e spring são os padrões mais comuns econtrados em softwares de áudio.
Ainda do ponto de vista de McManus, alguns parâmetros devem ser essencialmente levados em

of phase shift introduced by each allpass filter. The outputs of the filters are mixed at unity gain with the original signal.
As in flanging, a kind of sweeping comb filter effect results (ROADS,1995, p. 439).
23 The quest for chorus effects has long fascinated musicians and musical engineers. Given an instrument with one
voice (which can be any electronic timbre), is there a way to process this signal so that it becomes as full as a chorus of
like voices? Such an effect requires that there be small differences between the various voices of the simulated
ensemble, including slight delays, alterations of fundamental frequency (resulting in beating effects), and asynchronous
vibrato. (ROADS, 1995, p. 439).
24 Reverberation is the result of many reflections of the original sound. The general pattern of events, as shown in Fig.
24-8 is that there is first a direct sound, followed by a short gap, referred to as the initial time gap (ITG). Next come the
first distinct early reflection echoes caused by sound bouncing off surfaces near either the source or the listener.
Thereafter the reflected sounds start to generate their own second, third and higher-order reflections and the energy
level settles down to a constant decay rate. This decay rate is related to the distances traveled and the amount of
absorption in the room (MCMANUS, 2008, p. 808).
consideração na síntese de uma boa reverberação, são eles: distância da fonte sonora, room size,
brilho, caráter e envelope.

• Distância da fonte: a percepção da distância é controlada principalmente


pelos níveis de energia relativa dos componentes diretos e dos componentes
do decaimento.

• Tamanho da sala: O tamanho percebido da sala é controlado pelo tempo de


atraso desde o primeiro agrupamento de sons diretos e reflexões precoces até
o início do decay e pelo comprimento do mesmo. […]

[…] • Brilho: o equilíbrio espectral do decay determina o caráter da


reverberação. Muitas saídas de alta frequência simulam uma sala com muita
absorção de tapetes, cortinas ou dispositivos de absorção projetados e emitem
um som sombrio. […]

[…]• Caráter: a suavidade da deterioração determina o caráter do som. Uma


sala com grandes superfícies planas opostas exibirá um eco flutuante, onde o
som oscila entre as paredes com pouca difusão. Uma sala com mais recursos
arquitetônicos ou múltiplas superfícies tenderá a espalhar mais o som, criando
uma deterioração mais densa e distribuída de maneira uniforme.

• Envelope: a sensação da reverberação vinda de todos os lados e não de um


local específico é controlada, criando padrões diferentes para os diferentes
canais de reprodução. Isso pode ser alcançado efetivamente usando estéreo de
dois canais, bem como em sistemas com vários alto-falantes dedicados. As
diferenças mais importantes estão no padrão das primeiras reflexões. As
partes da cauda do decay devem manter com a razão de energia direta para
reverberante e o tempo de decaimento, mas podem ser randomizados para
produzir um campo sonoro mais denso. Partes do sinal aleatório podem ser
alteradas em sua resposta de frequência para imitar a resposta não uniforme
do ouvido a sons por trás, aumentando a sensação de envolvimento 25
(MCMANUS, 2008, p. 808, tradução nossa).
25• Distance from Source. The perception of distance is controlled primarily by the relative energy levels of the direct
components and the decay components.
• Room size. The perceived room size is controlled by the delay time from the first grouping of direct sound
and early reflections to the start of the decay tail and by the length of the decay tail. The requirements for the decay tail
are the same as for an acoustically well- designed room. A relatively smooth decay rate is desirable, with longer decay
times at lower frequencies than at higher frequencies to simulate the high-frequency losses as sound travels through the
air.
• Brightness. The spectral balance of the decay tail determines the character of the reverberation. A lot of high-
frequency roll-off simulates a room with a lot of absorption from carpets, curtains, or designed absorption devices and
gives a dark sound. Less height frequency roll-off simulates a hard-surfaced room such as the inside of a stone church,
giving a bright sound.
• Character. The smoothness of the decay determines the character of the sound. A room with large opposing
flat surfaces will exhibit a flutter echo where the sound bounces back and forth between the walls with little diffusion. A
room with more architectural features or multiple surfaces will tend to scatter the sound more, creating a denser and
more evenly distributed decay.
• Envelopment. The sense of the reverberation coming from all around you rather than a specific location is
controlled, making different patterns for the different playback channels. This can be effectively achieved using two-
channel stereo as well as in systems with multiple dedicated speakers. The most important differences are in the pattern
of the early reflections. The decay tail portions should keep the same with the direct to reverberant energy ratio and
decay time but can be randomized to produce a denser sound field. Portions of the randomized signal can be altered in
their frequency response to mimic the ear’s nonuniform response to sounds from behind, further increasing the sense of
envelopment (MCMANUS, 2008, p. 808).
F. Pitch Shifting/Harmony
Também utilizado em grande quantidade em Purge.

Algumas transformações sonoras são combinações de manipulações no


domínio do tempo e da frequência. Isso inclui um par de técnicas relacionadas
chamadas compressão/expansão do tempo e mudança de altura definida.
Como essas técnicas geralmente são usadas juntas, esta seção as conjuga sob
o termo alteração de tempo/afinação. Essas técnicas têm dois lados. Por um
lado, a duração de um som pode ser esticada ou reduzida enquanto o tom
permanece constante. Por outro lado, a afinação do som pode ser alterada
para cima ou para baixo enquanto a duração permanece constante 26 (ROADS,
1995, p. 440, tradução nossa).
Este efeito tem como parâmetro, basicamente, a transposição, que permite que o som seja
transposto para uma altura definida mais aguda ou mais grave. Dentre os tipos de transposições
encontram-se a transposição harmônica que concede ao som transposições de um em um semitom; e
a transposição de ajuste fino, que permite ajustes em centésimos de semitono.

G. Efeitos de Amplitude

Modificam a amplitude do sinal criando efeitos como tremolo e panning. É


uma das poucas categorias de efeito que não empregam algoritmos baseados
em transformações temporais. Geralmente um modulador é aplicado à
amplitude do sinal que é direcionado para o(s) canal(ais) de saída.
(IAZETTA, 2019).
Os parâmetros aqui utilizados são a taxa de modulação, que determina a frequência da
modulação, e o depth, que determina quanto o sinal vai ser modulado.

Além dos efeitos até então descritos, também é possível citar o panning como um dos
protagonistas da criação de ambas as obras. Responsável pela espacialização sonora, o panning diz
respeito à reprodução de um som estéreo, ou seja, com no mínimo dois canais, um esquerdo e um
direito, e funciona direcionando mais ou menos sinais de áudio pra cada um desses canais
permitindo ao ouvinte a sensação de movimentação sonora e a capacidade de identificar a
localização do som no espaço. É interessante ressaltar que há plug ins que permitem a
implementação deste efeito, mas também é possível efetuar tal efeito através da automação, ou seja,
o controle automatizado através de predeterminações do som. Os escritos de Roads afirmam que:

A arte da espacialização do som assumiu hoje uma posição semelhante à da


orquestração no século XIX. Distribuir espaço é coreografar o som:
posicionando fontes e animando o movimento. Ao mergulhar o som em

26Some sound transformations are combinations of time and frequency-domain manipulations. This includes a pair of
related techniques called time compression/expansion and pitch-shifting. Since these techniques are usually used
together, this section conjoins them under the term time/pitch changing. These techniques have two sides. On the one
hand, the duration of a sound can be stretched or shrunk while the pitch remains constant. On the other hand, the pitch
of the sound can be shifted up or down while the duration remains constant (ROADS, 1995, p. 440).
reverberação, banhamos os ouvintes em seu ambiente exuberante. A
espacialização do som tem dois aspectos: o virtual e o físico. Na realidade
virtual do estúdio, os compositores espacializam sons impondo atrasos,
filtros, pan e reverberação, criando a ilusão de sons que emergem de
ambientes imaginários. Às vezes, esses espaços virtuais assumem
características que seriam impossíveis de realizar arquitetonicamente, como
um padrão de eco em constante mudança. No mundo físico das salas de
concerto, os sons podem ser projetados sobre um sistema de som multicanal a
partir de uma variedade de posições: ao redor, acima, abaixo e dentro da
plateia. A arquitetura ou espacialização do som evoluiu para um aspecto
importante da composição. Uma tendência para o uso “cinematográfico” do
espaço é vista em composições que apresentam aposições dramáticas entre
sons que são proximamente microfonados com sons reverberados à distância.
Alguns compositores usam técnicas de microfone e processamento espacial
de maneira semelhante ao uso cinematográfico do ângulo da câmera,
perspectiva da lente (largura) e profundidade de campo27 (ROADS, 1995, p.
451, tradução nossa).
Ainda há que se acrescentar no resultado sonoro deste trabalho o uso de filtros e
equalizadores que também foram adicionados aos processos de montagem de Purge. Por definição,
filtros são, do ponto de vista de McManus:

Um filtro é um dispositivo ou um meio de se separar sinais com base na sua


frequência. Os filtros ainda podem ser definidos em termos de passa-banda
onde somente as frequências de interesse são integradas à amostra sonora, ou
no termo de sua stop band, onde determinadas frequências são removidas. O
modo de design padrão para a maioria dos filtros é um filtro passa-baixa,
onde todas as frequências abaixo de uma frequência de corte predeterminada
estendendo-se até 0Hz, são permitidas passar. Uma simples reorganização
dessa frequência de corte geralmente permite que um filtro passa-alta seja a
transmissão de todas as frequências acima de uma frequência de corte
predeterminada. Outro complexo de respostas de frequências como o passa-
banda são construídos a partir desses elementos básicos28 (MCMANUS, 2008,
p. 785, tradução nossa).
Além disso, equalizadores segundo McManus são:

27The art of sound spatialization has assumed a similar position today as the art of orchestration had in the nineteenth
century. To deploy space is to choreograph sound: positioning sources and animating movement. Immersing sound in
reverberation, we bathe listeners in its lush ambience. Sound spatialization has two aspects: the virtual and the physical.
In the virtual reality of the studio, composers spatialize sounds by imposing delays, filters, panning, and reverberation
lending the illusion of sounds emerging from imaginary environments. Sometimes these virtual spaces take on
characteristics that would be impossible to realize architecturally, such as a continuously changing echo pattern. In the
physical world of concert halls, sounds can be projected over a multichannel sound system from a variety of positions:
around, above, below, and within the audience. Sound architecture or spatialization has evolved into an important aspect
of composition. A trend toward "cinematic" use of space is seen in compositions that feature dramatic appositions
between sounds that are closely miked and those that are distantly reverberated. Some composers use microphone
techniques and spatial processing in a manner similar to the cinematic use of camera angle, lens perspective (width),
and depth of field (ROADS,1995, p.451).
28A filter is a device or network for separating signals on the basis of their frequency. Filters can either be defined in
terms of their pass band only where, the frequencies of interest are allowed through, or in term of their stop band, where
certain frequencies are removed. The default design mode for most filters is as a low pass where all frequencies below a
cutoff frequency, and extending down to dc, are allowed to pass. A simple re-arrangement usually allows for a high pass
to be made, where all frequencies above a cutoff frequency, and extending upward, are transmitted. Other mode
complex responses such as bandpass are constructed from these basic elements (MCMANUS, 2008,p. 785).
[…] dispositivos ou componentes projetados para compensar características
indesejáveis na magnitude ou resposta de fase de outra parte do sistema e,
assim, tornar a resposta igual novamente. Os equalizadores consistem em
filtros implementados de maneira a fornecer controle sobre a resposta de
frequência em termos de como o operador pensa na curva de resposta que eles
estão tentando recriar. Os equalizadores dão controle sobre um ou mais dos
parâmetros que afetam a resposta ao longo faixa de áudio, geralmente de 20
Hz a 20 kHz, e idealmente de modo que os parâmetros não interajam. Os
controles são dispostos em termos de frequências centrais, larguras de banda
e ganhos em vez dos valores reais dos circuitos que controlam essas coisas 29
(MCMANUS, 2008, p. 800, tradução nossa).
A fim de terminar esta sessão de procedimentos pelos quais Purge sofreu, ainda resta
mencionar um dos efeitos mais utilizados na história da música eletroacústica, o loop. Sabe-se que o
mesmo é realizado pela repetição de uma amostra sonora ininterruptamente. Levando-se em conta
os escritos de Ussachevsky, por loop temos:

Um loop permite que o mesmo sinal de áudio seja tocado repetidamente sem
a necessidade da interrupção do gravador de fita para que seja rebobinada. O
comprimento de um loop varia de algumas polegadas a muitos pés 30
(USSACHEVSKY, 1964, tradução nossa).
Não obstante esta explicação é possível ainda denominar um loop pela utilização dos termos
em francês sillon fermé (e em inglês closed groove), os quais pelas suas respectivas traduções
literais significam “sulco fechado”, “ranhura fechada”, ou seja, uma alusão ao processo de se repetir
constantemente uma fração de um disco de vinil. Schaeffer afirma que:

Antes de se tornar um método, parecia um “truque”, um “efeito” sonoro. Mas,


por ser um efeito, pode se tornar uma causa e um meio de descoberta. Este
último (closed groove) surge de uma diferença simbólica: a diferença entre
uma espiral e um círculo. Acontece que a agulha de disco é uma máquina que
desenha seu próprio símbolo (fig. 3). A espiral da agulha não é apenas a
realização material, mas também a afirmação de que o tempo passa e que
nunca mais voltará. Se a agulha fechar seu círculo mágico, duas coisas podem
acontecer: ou um acidente e, quando o operador desatento percebe, ele
encontra a máquina danificada porque a agulha arranhou o disco diretamente
no coração (pois todo registro tem um “coração” metálico que é facilmente
prejudicado quando a fina camada de laca é perfurada); ou ele o fez
deliberadamente, e, habilmente erguendo o cortador assim que o sulco
“morder a cauda”, ele isolou um “fragmento sonoro” que não tem começo
nem fim, uma lasca de som isolada de qualquer contexto temporal, um cristal
de tempo reduzido, feito de um tempo que agora não pertence a nenhum
29Equalizers are devices or components that are designed to compensate for undesirable characteristics in the
magnitude or phase response of another part of the system and thus make the response equal again. Equalizers consist
of filters implemented in such away as to provide control over the frequency response in terms of how the operator
thinks of the response curve that they are trying to recreate. Equalizers give control over one or more of the parameters
that affect the response over the audio range, usually 20 Hz to 20 kHz, and ideally do so such that the parameters do not
interact. Controls are arranged in terms of center frequencies, bandwidths, and gains rather than actual circuit values
that control these things (MCMANUS, 2008, p. 800).
30A loop permits the same signal to be played repeatedly withou the necessity of stopping the tape recorder
to rewind. The length of the loop varies from a few inches to several feet. (USSACHEVSKY, 1964).
tempo (fig. 4) - quando tocado, o sulco fechado pode começar em A, B, C ou
D. Mas onde começou é logo esquecido e o objeto sonoro aparece na sua
totalidade, sem começo nem fim31 (SCHAEFFER, 1952, p. 31 e 32, tradução
nossa).
De acordo com as indicações de imagens de Schaeffer, suas figuras 3 e 4 (ver figura 5) são:

Figura 5: figuras 3 e 4 mencionadas na citação de Schaeffer (1952, p.32)

 Sobre a metodologia de trabalho utilizada


Tomado pela curiosidade e pelo sentimento desafiador de explorar gêneros pouco estudados,
decidi embarcar nessa caminhada criativa e composicional “enfrentando” a vidala e vidalita. O
propósito primeiro foi sim o de criar duas obras musicais para a minha própria satisfação; porém,
diante das condições observadas, é nítido que um projeto como esse sem dúvidas aborda temas
relacionados a processos criativos composicionais assim como um estímulo etnomusicológico no
tocante a gêneros argentinos.

Tendo isto em vista, vale ressaltar que a metodologia que foi aqui aplicada desenvolveu-se
em um ambiente artificial, ou seja, longe do local de origem dos gêneros musicais em questão,
devido à distância e à falta de recursos que possibilitariam o contato direto com tais eventos. Além

31Before becoming a method it appeared as a "gimmick," a sound "effect." But from being an effect, it can become a
cause and a means of discovery. The latter arises from a symbolic difference: the difference between a spiral and a
circle. It turns out that the disc cutter is a machine that draws its own symbol (fig. 3). The cutter's spiral is not only the
material realization but also the affirmation of time going by, time gone by, which will never come again. If the cutter
closes its magic circle in on itself, one of two things can happen: either it is an accident, and, when the inattentive
operator notices it, he finds the machine damaged because the cutter has scratched the record right to the heart (for
every record has a metallic "heart" that is easily harmed when the thin layer of lacquer is pierced); or he has done it
deliberately, and, skilfully raising the cutter once the groove has "bitten its tail," he has isolated a "sound fragment" that
has neither beginning nor end, a sliver of sound isolated from any temporal context, a clean-edged time crystal, made of
time that now belongs to no time (fig. 4)— when played, the closed groove can start at A, B, C, or D. But where it
began is soon forgotten and the sound object appears in its entirety, with neither beginning nor end (SCHAEFFER,
1952, p. 31 & 32).
disso, boa parte do processo de criação se constituiu na busca e elenco de possíveis obras do
repertório de vidalas e vidalitas argentinas.

A partir do conhecimento prévio deste material musical, foi necessário estabelecer qual a
instrumentação a ser utilizada, assim como o segmento estilístico de tais obras. A princípio, o intuito
era realizar apenas uma composição. Contudo, devido a influências externas, me decidi por compôr
duas obras, uma acústica e outra eletroacústica. No entanto, vale ressaltar que uma obra
complementa a outra, já que o esqueleto de Purge foi estruturado a partir da gravação de Mimesis.

Estabelecer um cronograma com prazo de conclusão certamente foi um dos primeiros passos
para que o resultado sonoro se concretizasse. A primeira metade do cronograma deste processo
composicional constavam períodos de escolha da instrumentação, de dedicação exclusiva à criação
de esboços, de decisões musicais, amálgamas entre os excertos estabelecidos, e de conclusão, de
fato, da obra acústica, assim como sua análise, revisão, gravação, mixagem e masterização em
homestudio.

A segunda parte do cronograma, aquela referente à obra eletroacústica, possuía etapas que
envolviam a dedicação exclusiva ao repertório eletroacústico, ao estudo das técnicas utilizadas neste
segmento musical, estéticas deste repertório, criação de esboços a partir de trechos da gravação da
obra acústica, definição de uma ossatura que buscasse principalmente estabelecer uma relação com
a obra acústica, amálgama entre trechos, análise do resultado sonoro, revisão, mixagem e
masterização.

Foram utilizados como locais de montagem, gravação, masterização e mixagem das obras o
Laboratório de Pesquisa e Produção Sonora (LAPPSO) da Universidade Estadual de Maringá e um
homestudio pessoal. Através da DAW (digital audio workstation) REAPER, software destinado à
captação, mixagem e masterização de áudio, foi desenvolvida a captação do áudio, bem como os
demais procedimentos já mencionados (mixagem e masterização).

As ferramentas utilizadas no processo de gravação e montagem das obras foram:

1. Notebook da marca HP modelo “G42”;

2. Microfone condensador Behringer modelo “C-1”;

3. Placa de áudio Behringer modelo “U-phoria UM2”;

4. Fone de ouvido AKG modelo “K52”;

A utilização de um cronograma contendo todas as etapas da pesquisa possibilitou, desde o


levantamento de dados até a conclusão das obras, um rendimento satisfatório e um bom
desempenho do presente trabalho.

As etapas que constaram no desenvolvimento de Mimesis foram:


1. Levantamento de obras icônicas da vidala e da vidalita;

2. Seleção de traços estilísticos (possíveis “cacoetes”) que seriam capazes de serem inseridos
em uma obra composicional de minha autoria sem que se perdesse a essência do gênero
musical tido como referência;

3. Criação de maneiras de extrair tratos estruturais a fim de organizar um esqueleto para a


peça;

4. Definição da instrumentação a ser usada;

5. Inserção de dados selecionados junto à estrutura já composta;

6. Análise do resultado prévio;

7. Gravação da obra;

8. Mixagem e masterização da obra.

As etapas que constaram no desenvolvimento de Purge foram:

1. Estudo das técnicas utilizadas pela música eletrônica;

2. Estudo de um repertório de músicas eletroacústicas;

3. Eleger “modelos” de músicas do repertório eletroacústico;

4. Criação de esboços a partir da gravação de Mimesis;

1. Estruturação da ossatura de Purge;

2. Montagem estrutural de Purge;

3. Implementação das técnicas estudadas;

4. Análise do resultado prévio;

5. Mixagem e masterização da obra.


 Considerações finais
É possível afirmar que apesar que a organização metodológica por meio de etapas utilizadas
aqui garantiu um processo composicional satisfatório, o que de certa forma, baseado em minhas
próprias experiências pessoais, me surpreendeu. Este trabalho de conclusão de curso ainda promete
instigar pesquisas acerca dos dois estilos aqui estudados no que diz respeito à musicologia, à
fenomenologia, à etnomusicologia, ao estudo da música eletrônica, eletroacústica e de fato a outros
trabalhos essencialmente composicionais.

Ademais, os processos aqui descritos garantiram que eu me aprofundasse mais nas técnicas
tanto composicionais como operacionais de recursos criados para esta finalidade. Nesta afirmação
incluem-se a estruturação de hábitos que estimulam o hábito da criação musical de modo geral,
além da manipulação de um software de edição de áudio.
 Referências
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MCMANUS, Steven. Delay. In: BALLOU, Glen (ed.). Handbook for Sound Engineers. Oxford:
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Cambridge, 2011, 916 p.

CANCLINI, Néstor Garcia, Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, XVII – XL, 2008.

DE BONIS, Maurício Funcia. Tabulae scriptae: a metalinguagem e as trajetórias de Henri Pousseur


e Willy Corrêa de Oliveira. 2012. 460 f. Tese (Doutorado em Musicologia) – Escola de
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IAZETTA, Fernando. Tutoriais de Áudio e Acústica, Universidade de São Paulo Disponível em:
<http://www2.eca.usp.br/prof/iazzetta/tutor/audio/efeitos/effx.html>. Acesso em: 4 novembro
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LAVÍN, Carlos, La vidalita argentina y el vidalay chileno, Revista Musical Chilena, Santiago, vol.
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OLIVEIRA, Willy Corrêa de, Recife, infância: espelhos…, São Paulo: Editora Novas Metas, 1989.

ROADS, Curtis. The Computer Music Tutorial. 4 ed. Londres, Cambridge, 1999. 1269 p.

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USSACHEVSKY, Vladimir. Tape Techniques. Cópia de manuscrito não publicado encontrado nos
arquivos do Computer Music Center da Columbia University, New York, NY, EUA, 1964.

VIDALA, Artigo da Wikipedia. Disponível em: <https://es.wikipedia.org/wiki/Vidala >, acesso em:


13 setembro 2019.
 Anexos

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