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Levo minhas mãos ao rosto e fecho os olhos, não pelo irritar da claridade. Eu olho ao
meu lado, e não vejo nenhuma face confortante. Lembro quem sou, como estou, onde estou,
e principalmente, me esforço para não deixar escapar nenhuma memória do sono. Ficar na
cama até as Seis da tarde, para depois notar que estou morto, parecia tentador, mas hoje não.
Eu me esforço e fico sentado no leito, olhando os arredores silenciosos do quarto cuja única
janela deixava entrar uma claridade em marrs green da manhã. Eu coloco meus pés
descalços no chão gelado, e fico de pé. Vou até a vidraça e olho lá fora. Os céus continuam o
mesmo, alimentados pela fumaça das fábricas próximas, que une os vapores às alturas
cinzentas. Não há contraste entre elas e os prédios, exceto por finas delineações que se
perdem no nublado. O vento continua frio como a noite, e eu olho para a rua que leva às
luzes da cidade, imaginando que se eu saísse agora e fosse para o mesmo ponto que vi antes
de ser tragado de volta, esperanças ainda estariam lá para encontrar o que foi perdido. Mas
minha vontade é fraca, e eu permaneço. Em outros dias, devo descer para o andar de baixo,
e seguir para rua, e simplesmente ir. Vou a lugares vazios, e passo por outros enquanto isso,
sem ter a chance de atracar naqueles que são perfumados com a essência que desperta
alguma lembrança das tardes de dias antigos e chuvosos. Contudo, concluo que isso é ruim
para mim. Não se pode sair, eles dizem, é perigoso agora. Apesar de que, mesmo se eu
tivesse saído, como fiz inúmeras vezes quando fui procurar o que perdi, voltaria sem
resultados.
Me lembro que vivo só. E que todo dia cansativo de confusão e decadência eu escuto
uma melodia reconfortante, da qual eu abuso até enjoar, mas nunca enjoo. Se eu fosse sair,
ela continuava tocando. Eu, agora, ando pela casa sem afazeres, e ela continua tocando.
Coloco o volume em seu máximo. Posso ouvir de todos os cantos da casa, não importando o
andar. Ouço em meu banho frio, ou enquanto como na cozinha, e também quando eu olho e
questiono a risível aparência própria quando passo por um espelho.
Ou quando penso em suicídio ao olhar velhas fotos dela, que não mais está por aqui.
Nunca morou comigo, e provavelmente nunca sentiu todo o meu amor, exceto por pequenas
declarações que se apagaram no tempo, e mesmo assim, ela se refletiu em mim como uma
preciosa maravilha. Munida de frases e gestos do passado, por cinco curtos meses, onde eu
me lembro que podia sorrir ao seu lado, sem um esforço voluntário. As fotos são de um
pouco antes que ela sumiu, e muito antes de saber que as sombras se transportaram dos
sonhos e saudades, vieram para a realidade, e levaram sua vida. E todas as suas lembranças
físicas que restaram se tornaram adornos funerários, desde cheiros, ao tom da roupa que
mais usava, a até mesmo os contornos simples que faziam sua absoluta beldade, que consigo
ver em canto ou outro. Mas a riqueza de saber que ela existiu em minha vida é reservada
apenas em meus pensamentos.
Eu dou passos quietos, e retorno à minha cama. Fecho os olhos e sorrio como ela pedia
que eu sorrisse, para que os sonhos diurnos tomem conta da minha realidade.