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Para Valéria, o filho se casar com alguém dependente do favor, era uma vergonha, o
filho deveria se casar com uma mulher do mesmo nível social privilegiado que ele.
Ao invés do casamento com Estela, Valéria tinha outros planos para o filho,
no trecho seguinte, o narrador fala sobre o desejo que a mãe tem de Jorge se casar
com a jovem Eulália, uma parente distante da família. Esse trecho revela, tanto
aspectos da estrutura do social, como características românticas de Jorge.
“Era uma moça sem ilusões nem vaidades, talvez sem paixões, dotada de juízo reto e
coração simples, e sobre tudo isso uma beleza sem mácula e uma elegância sem
espavento. — Uma pérola! dizia Valéria quando insinuou ao filho a conveniência de
casar com Eulália. A pérola, entretanto, não parecia ansiosa de ornar a fronte de
ninguém. Quando Valéria fez as primeiras sondagens no coração da jovem parenta,
achou ali uma água tranquila, sem curso nem recurso de marés. Tratou de saber se
alguma brisa lhe roçara a asa, e descobriu que não; então chamou em seu auxílio o
siroco e o pampeiro. Não foi difícil a Eulália perceber os desejos da viúva, nem resistiu
quando chegou a entendê-la A razão disse-lhe que o casamento era aceitável; esperou.”
(Machado de Assis. Obra Completa, vol. I. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.)
O casamento é tratado como um ato conveniente que trará benefícios para as famílias,
uma prática com fins exclusivamente sociais, sem nenhum sentimentalismo
envolvido. O narrador, ao descrever a possível pretendente de Jorge afirma que ela
não tem ilusões e que talvez não tenha também paixões, para ela o casamento é
aceitável, apenas, a jovem não apresenta grandes pretensões, ela concorda em casar
apenas por conta de um dever social, como uma típica moça da época. Revela-se
assim, uma cultura regida pelas relações sociais na qual o casamento não é nada além
de um mecanismo utilizado para o benefício familiar, mais que isso, é um mecanismo
muito importante, tanto que, como foi dito sobre o trecho anterior, a Valéria faz com
que o filho vá a guerra, simplesmente para que ele não efetivasse um casamento
indigno, aos olhos da mãe. Porém, o romântico Jorge não se mostra favorável a esse
casamento.
“Para conhecer exatamente o motivo da repulsa de Jorge em relação a uma moça, cujas
qualidades deviam tentar qualquer outro, convém não esquecer que essas qualidades
eram justamente as mais avessas à índole do filho de Valeria. Não bastava ser elegante
e bonita, discreta e mansa; era preciso alguma coisa mais, que exatamente
correspondesse à imaginação dele; faltava-lhe um grão de romanesco.” (Machado de
Assis. Obra Completa, vol. I. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.)
Mais uma vez o lado romântico e imaginativo do jovem se mostra mais forte, o
casamento não lhe é desejado pois falta algo de sentimental, algo que carecia na
sociedade da época. Jorge aparece um tanto deslocado no romance, suas atitudes e
idealizações não parecem compatíveis com o ambiente social no qual a obra se
desenvolve.
No trecho acima vê-se que, enquanto no romance da primeira fase, nas ações
de Jorge, não existia profundidade crítica nem ironia, em Memórias Póstumas,
Machado, na voz do próprio narrador, demonstra o ridículo dos sentimentos
impulsivos e efêmeros do mesmo. Outra parte da obra que revela, cômica e
criticamente, a volubilidade do protagonista, desta vez relacionada aos seus planos de
promoção social, são os capítulos que contam como a carreira política de Brás Cubas
acabou. Após o filósofo Quincas Borba ter lhe orientado, Brás faz um discurso na
câmara dos deputados, a fim de aumentar sua popularidade, porém o discurso é sobre
o tamanho da barretina da guarda nacional, um assunto sem importância nenhuma,
chega até a ser patético o fato desse assunto ser apresentado em um discurso na
câmara. Dois capítulos depois, o narrador informa, em um capítulo que literalmente
não diz nada, que não se tornou ministro, uma das ambições que o pai tinha para o
filho. O protagonista decide, então, abrir um jornal oposicionista, o qual em menos de
um ano também acaba.
“Há em cada empresa, afeição ou idade um ciclo inteiro da vida humana. O primeiro
número do meu jornal encheu-me a alma de uma vasta aurora, coroou-me de verduras,
restituiu-me a lepidez da mocidade. Seis meses depois batia a hora da velhice, e daí a
duas semanas a da morte, que foi clandestina, como a de D. Plácida. No dia em que o
jornal amanheceu morto, respirei como um homem que vem de longo caminho. De
modo que, se eu disser que a vida humana nutre de si mesma outras vidas, mais ou
menos efêmeras, como o corpo alimenta os seus parasitas, creio não dizer uma coisa
inteiramente absurda.” (Machado de Assis. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994.)
Vê-se que um atrás do outro, os planos de Brás vão falhando, ele mesmo, no trecho
acima, afirma que a vida é, de certa forma, composta por “outras vidas, mais ou
menos efêmeras”. O que mostra alguma consciência da própria volubilidade que o
impede de efetivar seus planos.