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A todos que se importam

Sexta-feira, 10 de Abril de 2020.

Antes do despertar de todas as coisas, abri os olhos e capturei, vulneráveis, os sonhadores.


O destino preenchia os espaços vazios e enfeitiçava todos os homens em um sonho de
ilusão. Contemplei o tempo em seu trabalho rotineiro de embalar lentamente aos que lhe
percorriam, conscientes ou não, da única certeza dos que respiram.

Então despertei e desativei o tempo. Sentei-me na cama. A vida me convocava a assistir ao


sol se desvelar no horizonte. Mas nesse dia a quente e cintilante esfera não me
acompanharia em meu ordinário movimentar de pernas, apressadas, resolutas, como se
elas pudessem enganar o tempo a caminho da eternidade.

Em cada canto desse vasto mundo, resignados pela ação de um ser meio vida meio coisa,
eu e todos os meus contemporâneos nos recolhemos em nossos aposentos, ansiosos pelo
dia de liberdade e certos de que enganaremos a morte. Embora confinados, por ironia da
vida, a distância de nossos corações de carne tornou-se o grito de uma razão compadecida
pela humanidade. Mas uma triste e moribunda melodia preencheu o mundo em um réquiem
aos que pneumonicamente entregavam ao vento seu último suspiro.

Eu vejo corpos incinerados. Despedidas adiadas. Lágrimas silenciosas. Cemitérios


alimentados. A brutalidade descomedida e virulenta de não ter escolha.

"É preciso achatar a curva" ecoava o mundo. Mas em nossos lábios, confundidos, o arco
não se desfazia. Quantas curvas poderíamos achatar sem que uma pandêmica
preocupação nos obrigasse a sermos irmãos, um só corpo, uma só voz?

A nossa última esperança é termos em nós, Fernando, todos os sonhos do mundo. E eles
nos guiarão na constante e necessária reconstrução da terra.

Robert Gonçalves

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