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Novos Dados na Relação

entre Córtex Pré-frontal e Doença Bipolar


Joana Alexandre*, Alice Luís**, António Gamito***

Resumo: dication. There is a great variability in results,


Apresentam-se alguns dados de novos estudos que which can be explained by factors such as vari-
vêm evidenciar a relação próxima entre córtex pré- ability in patients or in methods of research.
frontal e neurofisiologia da doença bipolar. As Key-Words: Pre-frontal cortex; Bipolar
alterações generalizadas mais frequentes em estu- disorder; Neurophysiology.
dos imagiológicos são hiperintensidades da subs-
tância branca subcortical e periventricular. No cór- 1. INTRODUÇÃO
tex pré-frontal, a nível subregional, encontra-se O córtex pré-frontal é uma região chave no mode-
uma diminuição do volume da substância cinzenta, lo neuroanatómico de regulação do humor.
com perda de células gliais e atrofia celular. Uma Representa cerca de 30% do neocórtex e possui
das áreas mais afectadas por esta redução é a área extensas ligações a circuitos corticais e subcorti-
subgenual. Em estudos funcionais encontra-se cais envolvidos no processamento emocional –
diminuição da activação do lobo pré-frontal em amígdala, corpos mamilares, hipocampo, córtex
algumas tarefas. Outros estudos procuraram tam- entorrinal, tálamo, gânglios da base, ínsula. Lesões
bém relacionar efeitos de fármacos com algumas nesta área podem dar origem a sintomas como
das alterações encontradas. Há grande variabili- euforia, irritabilidade, distractibilidade, hiperac-
dade nos resultados, que pode ser explicada por tividade, desinibição – sintomas esses que podem
vários factores, como a heterogeneidade dos aparecer também em perturbações afectivas, como
doentes ou dos métodos de imagem. a doença bipolar.
Palavras-chave: Córtex pré-frontal; Doença bipo- Estudos recentes demonstram que a relação bidi-
lar; Neurofisiologia. reccional entre áreas corticais e áreas límbicas
pode estar na base da regulação afectiva.
ABSTRACT: Anomalias nestes circuitos podem conferir vulner-
In the article, some recent studies are discussed, abilidade para perturbações afectivas como a
that show the close relationship between pre- doença bipolar ou a depressão unipolar, cujo iní-
frontal cortex and the neurophysiology of bipo- cio é determinado pela interacção genética/ambi-
lar disorder. The most frequent findings in ima- ente.
giologic studies are hyperintensities in subcorti- Apresentam-se seguidamente alguns dados
cal and periventricular white matter. In the pre- recentes de estudos que vêm evidenciar um pouco
frontal cortex, at the subregional level, there is a mais a relação próxima entre córtex pré-frontal e
loss of grey matter volume, and loss or atrophy of neurofisiologia da doença bipolar.
glial cells. One of the areas that is more affected
is the subgenual area. Functional studies find 2. O CÓRTEX PRÉ-FRONTAL
less pre-frontal activation in specific tasks. O córtex pré-frontal é funcional e estruturalmente
Other studies relate some of the changes to me- heterogéneo. Pode delimitar-se a área dorsal

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* Interna do Internato de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca
** Assistente Hospitalar do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca
*** Directora do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca
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(superior, média e inferior), a área ventral data, e a maior parte tem pequeno número de
(orbital) e a área do cíngulo. doentes e populações heterogéneas.
A nível cognitivo, o córtex pré-frontal está implica- Em 1980 foi feito o primeiro estudo por TAC em
do no comportamento dirigido a objectivos – a área doentes com patologias afectivas, em 1983 o
dorsal à aplicação de regras, à criação de sequên- primeiro estudo por RMN4. Mais recentemente, o
cias de comportamento e à formulação de planos tipo de estudos funcionais disponíveis inclui estu-
de acção; a área orbital à motivação e adequação de dos metabólicos, estudos vasculares e estudos de
comportamentos (modificação ou supressão de activação com tarefas cognitivas, com estímulos
respostas quando se mudam as circunstâncias). emocionais ou com activadores farmacológicos.
Ambas as áreas referidas estão envolvidas na Nos estudos histopatológicos há a aplicação de téc-
memória de trabalho. O cíngulo anterior está impli- nicas de pesquisa bioquímica cada vez mais com-
cado na resposta a situações em que há um confli- plexas.
to de informação.
Lesões do córtex dorsolateral pré-frontal estão 3.1 Alterações estruturais
associadas a alterações da atenção e a instabi- Nas perturbações afectivas ocorrem mais fre-
lidade afectiva; lesões do córtex orbitofrontal a difi- quentemente alterações estruturais localizadas nos
culdades na mudança de estratégia conforme as circuitos neuroanatómicos, e não alterações gene-
situações e a desinibição; lesões da área subgenual ralizadas, como ocorre noutras patologias4. No
(cíngulo anterior) a respostas autonómicas anó- entanto, há também alterações generalizadas: as
malas a estímulos emocionais e à incapacidade de mais frequentes em RMN de doentes bipolares são
sentir emoções normais 1. hiperintensidades da substância branca subcortical
A lateralidade é também importante – lesões e periventricular3,4,5,6,7. Estas alterações podem ocor-
frontais esquerdas estão mais associadas a rer tanto em indivíduos jovens como em idosos,
depressão, lesões frontais direitas a mania. Esta estão presentes desde fases precoces da doença,
relação inverte-se na área parietooccipital. No são mais frequentes na doença bipolar com grande
entanto, após uma lesão, o aparecimento de componente familiar e parecem estar relacionadas
depressão é muito mais frequente que o apareci- com uma pior resposta ao tratamento. Não se co-
mento de mania 2,3. nhece para já o seu significado exacto - podem ser
específicas da doença, do tratamento ou podem
3. TIPOS DE ESTUDOS estar relacionadas com o risco cardiovascular
PARA O CÓRTEX PRÉ-FRONTAL aumentado nestes doentes. Estão, no entanto, tam-
As novas tecnologias oferecem meios cada vez mais bém presentes na depressão unipolar 7.
poderosos para obter imagens estruturais, bio-
químicas e funcionais do cérebro. No entanto, na 3.2 Alterações volumétricas
doença bipolar, poucos estudos foram feitos até à É discutível se há alterações do volume total do lobo

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frontal em doentes bipolares, embora a maior parte contrário do que ocorre na esquizofrenia, em que
dos estudos não o confirme 4,8. Pelo contrário, em são mais aparentes as alterações neuronais). No
quase todos os estudos se encontra uma redução córtex pré-frontal destes doentes pode ver-se perda
selectiva em certos segmentos do lobo frontal, o celular de células gliais (no córtex pré-frontal sub-
que parece indicar que nos doentes bipolares as genual)13 e atrofia celular (no córtex pré-frontal
anomalias funcionais e bioquímicas no córtex pré- dorsolateral ou orbitofrontal)12. As anomalias neu-
frontal existem a nível subregional (no cíngulo ronais subjacentes à expressão da doença bipolar
anterior e área subgenual, área orbital e área dor- permanecem, por enquanto, pouco definidas.
solateral)1,4,5,6.
Um estudo feito por López-Larson9 encontrou 3.4 Alterações funcionais
diminuição do volume da substância cinzenta pré- A alteração mais consistente encontrada em
frontal esquerda, mais acentuado nas regiões doentes bipolares, nos estudos funcionais já referi-
médias e superiores (parte da região dorsolateral dos, é a diminuição da activação do lobo pré-
pré-frontal). À direita havia também diminuição da frontal em vários tipos de tarefas 2,8,14,15.
substância cinzenta, mais acentuada nas regiões As alterações funcionais que se podem encontrar
médias e inferiores. Não havia, no entanto, modifi- são diferentes na fase de depressão ou na fase de
cação dos volumes globais. mania, mas ambas convergem no córtex pré-frontal
Uma das subregiões do lobo frontal mais consisten- e córtex do cíngulo. A localização ventral ou dorsal
temente afectada na doença bipolar é o córtex pré- e a direcção em que diferem do normal varia entre
frontal subgenual (parte do córtex anterior do cín- a depressão e a mania de forma oposta, embora
gulo, ventral ao joelho do corpo caloso). A alte- com grande variabilidade - na depressão há aumen-
ração mais frequente é a sua redução volumétrica, to da actividade cortical ventral e diminuição da
nalguns estudos mais acentuada à esquerda1,10. actividade dorsal, com diminuição da actividade à
Estas alterações ocorrem também na depressão esquerda. Na mania ocorre exactamente o inverso8.
unipolar. Estas alterações podem ter implicações clínicas
interessantes, se relacionadas com a função das
3.3 Alterações histopatológicas áreas específicas envolvidas – lesões na área ventral
Na doença bipolar há alterações no número e podem provocar desinibição, lesões na área dorsal
dimensões das células do córtex pré-frontal, na podem provocar deficits no planeamento e na
substância branca e cinzenta11,12. Estas alterações atenção.
podem estar na base das alterações já referidas, Em ambas as situações - depressão e mania - há um
detectadas em estudos neuroimagiológicos. aumento da actividade do cíngulo anterior (que se
As diminuições regionais do volume do córtex pré- supõe ser compensatório).
frontal em doentes bipolares são devidas a redução Nos estudos funcionais é importante distinguir mar-
glial, e não a redução ou alteração neuronal (ao cadores de estado (de depressão ou de mania) e

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marcadores de traço (de bipolaridade). Muitas das atribuível à medicação. Nos doentes medicados
alterações encontradas podem ser inespecíficas, com carbonato de lítio havia até um aumento do
características da fase depressiva ou maníaca, e volume, que se aproximava dos controles, facto que
não constituírem verdadeiros marcadores da pode sugerir que o lítio terá uma função neuropro-
doença bipolar. tectora.
As anomalias em testes cognitivos de doentes bipo-
lares eutímicos (disfunções cognitivas globais, mais 4. ALTERAÇÕES NOUTRAS ÁREAS
acentuadas no funcionamento executivo) corrobo- Não foi apenas no córtex pré-frontal que foram
ram a hipótese do traço - haveria então alterações encontradas alterações em doentes bipolares. Foi
estruturais típicas da doença bipolar e indepen- também encontrado nalguns estudos um aumento
dentes do estado mental8. A disfunção no córtex do terceiro ventrículo, uma diminuição do volume
pré-frontal aparente nos estudos funcionais é, no cerebeloso (replicado em vários estudos) e um
entanto, independente da disfunção cognitiva, já alargamento de estruturas mesencefálicas (como o
que mesmo doentes eutímicos sem disfunção co- tálamo)2,4,17,18.
gnitiva apresentam alterações em testes neuroima- No lobo temporal, os dados são contraditórios17 -
giológicos funcionais com execução de tarefas. A nuns estudos foi encontrado aumento do volume
área mais afectada nestes doentes parece ser o cór- global, noutros foi encontrada diminuição. Um
tex pré-frontal orbital 14. dado interessante é que alterações do hipocampo
A referida diminuição do volume pré-frontal subre- podem conferir susceptibilidade para a psicose em
gional da substância cinzenta e a diminuição da várias doenças, incluindo a doença bipolar19.
densidade glial em doentes bipolares é indepen-
dente do estado mental (depressão, mania, 5. DISCUSSÃO
eutimia) e pode constituir um suposto marcador de A grande variabilidade nos resultados dos dife-
traço8. rentes estudos pode ser explicada por vários fac-
tores, entre os quais:
3.5 Efeitos de fármacos • a heterogeneidade dos doentes (quanto à idade,
Dois dos estudos referidos procuraram relacionar estado mental, nível educacional, tipo de resposta
os efeitos de fármacos com algumas das alterações ao tratamento...);
encontradas8,16. O estudo de Blumberg8 concluiu • a heterogeneidade dos métodos (diferentes
que a duração do tratamento com antidepressivos modos de análise dos dados, diferentes critérios
diminui o volume da área pré-frontal inferior di- para delimitação de estruturas anatómicas...);
reita. O estudo de Figueroa16 concluiu que mesmo • efeitos da medicação (os estabilizadores do
em doentes bipolares não medicados ocorre uma humor podem ter um efeito neuroprotector/neu-
redução da substância cinzenta no córtex dorsola- rotrófico, os antidepressivos podem ser respon-
teral pré-frontal, não sendo portanto um efeito sáveis por algumas das alterações encontradas...);

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• outros factores confundentes (como o álcool e Bibliografia


abuso de outras substâncias, tão frequente nos
doentes bipolares). 1. Ketter, T; Drevets, W."Neuroimaging studies of bipolar
Um dos problemas posto pelos estudos neuroima- depression: functional neuropathology, treatment effects,
giológicos e neurofuncionais prende-se com as and predictors of clinical response." Neuroscience
dificuldades em definir causa e efeito. O grau com Research, 2002, 2(3-4):182-192.
que as anomalias descritas reflecte patofisiologia
2. Baumann, B., Bogerts, B."Neuroanatomical stu-
primária (que causa a doença afectiva) ou apenas dies on bipolar disorder." The British Journal of Psychiatry,
respostas secundárias (a alterações de comporta- 2001, 178:s142-s147.
mento, a adaptação à doença crónica ou a fárma-
cos) é desconhecida. 3. O'Brien, J., Barber, B."Neuroimaging in dementia and
depression." Advances in Psychiatric Treatment, 2000,
6. CONCLUSÕES 6:109-119.
As alterações estruturais mais frequentes em estu-
dos neuroimagiológicos de doentes bipolares são 4. Soares, JC., Mann, J. "The anatomy of mood disorders –
Review of structural neuroimaging studies." Biological
hiperintensidades da substância branca subcortical
Psychiatry, 1997, 41:86–106.
e periventricular, de significado, por enquanto,
desconhecido. No córtex pré-frontal há alterações 5. Drevets, WC. "Neuroimaging studies of mood di-
volumétricas subregionais, mais aparentes na sorders." Biological Psychiatry, 2000, 48(8):813-829.
região subgenual (cíngulo anterior). A nível his-
tológico, no córtex pré-frontal de doentes bipolares 6. Stoll, A. et al. "Neuroimaging in bipolar disorder: what
há uma diminuição do volume da substância have we learned?" Biological Psychiatry, 2000, 48(6):505.
cinzenta, com perda de células gliais e atrofia celu-
lar. Em estudos neuroimagiológicos funcionais 7. Steffens, D., Krishnam, K. "Structural neuroimaging
and mood disorders." Biological Psychiatry, 1998,
encontra-se diminuição da activação do lobo pré-
43:705-712.
frontal em algumas tarefas. Os fármacos podem
estar relacionados com algumas das alterações 8. Blumberg, HP. et al. "A Functional Magnetic
encontradas, podendo o lítio ter um efeito neu- Resonance Imaging Study of Bipolar Disorder -State- and
rotrófico. Trait-Related Dysfunction in Ventral Prefrontal Cortices."
Examinando subregiões específicas do córtex pré- Archives of General Psychiatry, 2003,60:601-609.
frontal e relacionando-as com dados de neuroima-
giologia funcional e de testes cognitivos, o papel 9. López-Larson, M. et al. "Regional prefrontal gray and
desta área cerebral na expressão da doença bipolar white matter abnormalities in bipolar disorder."
Biological Psychiatry; 2002, 52(2):93-100.
pode ser melhor clarificado no futuro.

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Novos Dados na Relação entre Córtex Pré-frontal e Doença Bipolar

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11. Rajkowska, G. "Postmortem studies in mood 16. Figueroa, R. et al. "Dorsolateral pre-frontal cortex
disorders indicate altered numbers of neurons and glial abnormalities in bipolar disorder–possible effects of lithi-
cells." Biological Psychiatry; 2000, 48(8):766-777. um treatment." Biological Psychiatry; 2000: 47(8),
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