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Método Fenomenológico

de Investigação em Psicologia
Inserção da
Fenomenologia
na Psicologia
Fenomenologia na Psicologia
A utilização da fenomenologia na psicologia
ganhou impulso nos EUA na década de 1970.
Adrian Van Kaam (1959), Análise
fenomenológica exemplificada por um estudo da
experiência de se sentir realmente compreendido.
Ernest Keen (1975),  Introdução a
Psicologia Fenomenólogica.
Amedeo Giorgi
Psicologia como ciência humana: uma
abordagem de base fenomenológica, de 1978.
Phenomenology and Psychological Research, de
1985.
Sobre o método fenomenológico utilizado como
modo de pesquisa qualitativa nas ciências
humanas, 1997.
Método fenomenológico de investigação em
psicologia, de 2009.
Histórico
Movimento fenomenológico iniciado nos EUA, nas
décadas de 1960 e 1970.
Grupo de pesquisadores utilizando a redução
fenomenológica: (1) epoché e (2) investigação dos
constituintes invariáveis ou elementos essenciais na
experiência dos indivíduos.
A partir da década de 80, a aplicação do método
fenomenológico também se expandiu em dissertações,
teses e artigos, inclusive no Brasil.
Histórico
Na década de 1990, Forghieri (1992) publica um
mapeamento da produção científica brasileira: A
Investigação Fenomenológica da Vivência: Justificativa,
Origem, Desenvolvimento, Pesquisas Realizadas. Desse
mapeamento é possível observar inúmeras pesquisas
baseando-se no vivido como objeto de estudo,
partindo de situações concretas e específicas,
realizando coleta de relatos, tendo em vista a
elucidação de vivências em contextos particulares.
Histórico
Os recortes são temáticas relacionadas às
situações diversas como maternidade,
envelhecimento, luto, uso de substâncias, vivências
de adoecimento físico e psíquico e suas relações
com sofrimento e bem-estar.
Procedimento de investigação: delimitar uma
situação particular e concreta para investigar a
estrutura de vivências.
Análise e Compreensão Fenomenológica
em Psicologia
Redução Fenomenológica
P/ alcançar e conhecer vivências, não podemos se
colocar como um observador externo, mas é necessário
imergir na vivência do processo de conhecimento.
O conhecimento não pertencente à esfera da natureza
externa submetida à razão, mas à própria vivência de
um sujeito.
É um procedimento para conhecer vivências.
Aquele que busca conhecer reduzirá a sua orientação
frente ao fenômeno a uma vivência de conhecer >
Reduzir implica suspender.
Redução Fenomenológica
Redução fenomenológica é o procedimento
central da análise e compreensão
fenomenológica: deixar de dizer o que as coisas são
para além do campo de atividade vivencial da
consciência que busca conhecer.
Reduzir fenomenologicamente = articulação entre
um momento negativo de suspensão/abstenção
(epoché) e um momento positivo de descrição e
análise compreensiva em busca de essências
constitutivas.
Redução Fenomenológica
Redução Fenomenológica
“A redução fenomenológica é um modo de prestar
atenção”. (Keen, 1975, p. 30).
Colocar de lado a “atitude natural – pré-concepções
acerca daquilo que o acontecimento significa e nos
abrir ao acontecimento tão plenamente quanto
possível” (Keen, 1975, p. 31).
“A redução fenomenológica é um abertura consciente
e ativa de nós mesmos ao fenômeno enquanto
fenômeno.” (Keen, 1975, p. 31).
Momento negativo
O que é excluído como resultado da epoché é
nossa ingenuidade, pois implica uma mudança
de atitude em relação à realidade, a de
suspender ou neutralizar a atitude dogmática.
Exigência de abertura p/ colocar nossas
opiniões prévias em relação com a alteridade do
texto ou da narrativa.
Momento negativo
Essa receptividade não pressupõe nem
“neutralidade” com relação à coisa nem tampouco
anulamento de si, mas inclui a apropriação das
próprias opiniões prévias.
Dar-se conta das próprias antecipações, para que o
próprio texto ou narrativa possa apresentar-se em
sua alteridade e obtenha assim a possibilidade de
confrontar sua alteridade com nossas opiniões
prévias, corrigindo-as.
“O objetivo da epoché é não duvidar, negligenciar,
abandonar ou excluir a realidade de consideração; antes, o
objetivo é o de suspender ou neutralizar uma certa atitude
dogmática sobre a realidade, permitindo-nos focar, mais
restritiva e diretamente, sobre a realidade tal como esta é
dada - como é o seu aparecimento para nós em
experiência. Em suma, a epoché implica uma mudança de
atitude em relação à realidade, e não uma exclusão da
realidade. A única coisa que é excluída como um resultado
da epoché é uma certa ingenuidade, uma certa
ingenuidade de simplesmente tomar o mundo por
garantido, e, por esta razão, ignorar a contribuição da
consciência.” (Gallagher e Zahavi, 2008, p. 23).
Epoché e Compreensão
Uma compreensão guiada por uma consciência
metódica procurará não simplesmente realizar
suas antecipações, mas torná-las conscientes
para poder controlá-las e ganhar assim uma
compreensão correta a partir das próprias
coisas.
O horizonte daquele que compreende não é
uma fronteira rígida, mas algo que se desloca.
Momento Positivo
A epoché será a possibilidade de encontrar nos
vividos uma orientação de análise e
compreensão.
Com a suspensão e a abstenção ocorre a
imersão no campo das vivências, o que abre o
momento positivo da redução
fenomenológica: redução eidética com variação
livre imaginativa.
Redução Eidética
Essência ou eidos > aquilo que em meio a
variabilidade se apresenta como invariável.
“Para alcançar a essência, não se trata de comparar e
de concluir, mas de reduzir, isto é, de purificar o
fenômeno de tudo o que comporta de inessencial,
(...), para fazer aparecer o que lhe é essencial.”
(Dartigues, p. 30).
Husserl deixou uma técnica que dá ao pensamento a
evidência de reter apenas o essencial do fenômeno
em questão.
Particular x Específico
A análise fenomenológica aplicada em psicologia "tem
como objetivo, não a descrição da experiência
idiossincrática - 'aqui e agora, isto é aquilo que experiencio’,
antes, procura capturar as estruturas invariantes da
experiência" (Gallagher e Zahavi, 2008, p. 26).
A redução permite ir além do que a experiência significa
para as pessoas que tiveram a experiência em estudo.
Da particularidade das descrições individuais, encontra
significados ideais e específicos, isto é, essências ou
estrutura das experiências > A distinção entre a
particularidade dos relatos e o caráter específico do
vivido.
Redução Eidética
Deve-se colocar fora de circuito as
variações contingentes, pois o "objetivo
central da redução eidética é obter a
exclusão do contingente de modo a
alcançar o essencial." (Giorgi, 2010, p.
60).
Redução eidética com variação imaginativa
A redução eidética ocorre pela variação
imaginativa: "a metodologia levada a cabo pelo
fenomenólogo de variar os aspectos acidentais, as
contingências, até obter as essências do fenômeno
em estudo, denomina-se variação livre
imaginativa." (Giorgi, 2010, p. 60).
A essência é o invariante que emerge da variação
que submeto às coisas pela imaginação.
Redução eidética com variação imaginativa
O objetivo é identificar os elementos essenciais da
estrutura da experiência retirando "as
particularidades das quais o fenômeno não depende
para ser tal como ele é. Se, ao retirar-se uma das
características, objeto deixa de ser reconhecido,
então essa característica é considerada essencial."
(Giorgi & Sousa, 2010, p. 60).
A essência é o limite para a variação livre.
"A essência se definirá então como uma 'consciência de
impossibilidade', isto é, como aquilo que é impossível à
consciência pensar de outro modo: 'O que não se poderia
suprimir sem destruir o próprio objeto é uma lei ontológica de
seu ser, pertence à sua essência'. O processo pelo qual podemos
chegar a essa consciência consiste em imaginar, a propósito de
um objeto tomado por modelo, todas as variações que ele é
suscetível de sofrer: 'Revela-se, então, que a liberdade não
poderia ser absoluta, que há condições sem as quais as 'variantes'
não seriam mais variantes desse modelo, 'exemplos' da mesma
espécie. Este 'invariante' identificado através das diferenças
define precisamente a essência dos objetos dessa espécie, isto sem
o que seriam inimagináveis, no sentido de impensáveis'."
(Dartigues, 1992, 31).
Modelos Fenomenológicos em Psicologia
Dado esse cenário: (a) recorte de uma situação
vivenciada e (b) temas relacionadas com situações
concretas e específicas, temos o aparecimento de
pelos menos dois modelos de aplicação do método
fenomenológico em psicologia > Amedeo Giorgi e
van der Leew.
Níveis diferentes de auto-consciência
metodológica.
Diretrizes metodológicas
As diretrizes metodológicas fornecem o passo-a-passo
para se fazer análise fenomenológica em pesquisas no
campo da psicologia.
Amedeo Giorgi, livro Método fenomenológico de
investigação em psicologia (2010).
van der Leeuw, capítulo "Fenômeno e
Fenomenologia", epílogo do livro Fenomenologia da
Religião (1933).
Compreensão: experiência e
procedimento
metodológico
A situação daquele que procura
compreender

Delimitando a situação: aquele que


busca compreender + quem ou aquilo
que se tem em vista compreender.
A compreensão envolve um trabalho
sobre quem busca compreender.
O que é “compreender”
Compreender é capturar a individualidade de algo ou
de alguém. Contudo, nossa capacidade de capturar a
individualidade se encontra a cada vez limitada por
nossa própria individualidade.
A individualidade de algo ou alguém se revela na relação
entre particular e específico, entre partes e todo.
Círculo hermenêutico (Dilthey, Heidegger, Gadamer):
a compreensão (de um texto, narrativa ou história de
vida) emerge quando há uma circulação entre as partes e
o todo, entre o que se mostra e quem busca compreender.
Análise Compreensiva
Decompor para encontrar a ligação das partes
com o centro dessas partes: quanto mais se
divide, mais partes vão surgindo. Quanto mais
partes se encontra, mais encontra o nexo entre
essas partes.
Enquanto a análise decompõe, a compreensão
reconstrói > a decomposição da análise permite a
reconstrução da base comum a partir do qual os
fenômenos se mostram.
Auto-consciência metodológica
Ler ou escutar é colocar em questão suas posições
iniciais.
Abertura para o horizonte do outro sem perder de
vista o próprio horizonte.
Porque há o horizonte do outro que posso corrigir
minhas posições iniciais.
Em meio à uma abertura para o outro, correção
incessante do próprio.
Auto-consciência metodológica
Tradicionalmente, a objetividade foi entendida
como o descrédito dos pré-conceitos.
A ingenuidade da pretensão de objetividade: essa
ingenuidade se dá pela exigência de que na
compreensão deve-se deixar de lado a própria
subjetividade e os próprios conceitos.
Caráter produtivo dos pré-conceitos.
Auto-consciência metodológica
A ingenuidade não é que tal exigência não alcance
êxito porque não conseguimos atingir em grau
suficiente o ideal de deixar-se a si mesmo de lado. Isso
continuaria significando que se trata de um ideal
legítimo.
O pesquisador ou o investigador compreende a si
mesmo equivocadamente quando para compreender
pretende desconectar o que torna possível a
compreensão.
Auto-consciência metodológica
Querer evitar os próprios conceitos na
compreensão, não somente é impossível, mas
também é um absurdo.
Compreender significa justamente colocar em
jogo os próprios conceitos prévios, com a
finalidade de que a intencionalidade do
investigado seja trazida à compreensão.
A compreensão enquanto
experiência
Compreender algo ou alguém depende de um trabalho
sobre quem busca compreender
1) Ponto de partida
Quem lê um texto ou acompanha uma
narrativa, lê ou escuta a partir de
determinadas expectativas e na perspectiva
de um sentido determinado. Iniciamos a
compreensão sobre a base de expectativas de
sentido que extraímos de nossa própria
relação precedente com o assunto.
Posição (tomar de um lugar permite acentuar o
que é central), visão e concepções prévias (modo
de falar) daquele que busca compreender: se o
gesto de compreender se movimenta numa
antecipação de sentido não sabemos de antemão
quais preconceitos são obstáculos e quais são
produtivos.
Estamos abertos à possibilidade de que a pessoa
ou o texto entenda do assunto mais do que nossas
opiniões prévias nos induziram a supor?
2) Estrutura circular da
compreensão
A compreensão é constantemente
corrigida e depurada.
A estrutura circular da análise compreensiva:
supõe que não há marco zero ou ponto de
partida sem pressupostos.
Suspender a teoria não é suprimir seus conceitos mas
neutralizar o poder que eles tem de determinar o ser
das coisas.
O círculo não deve ser degradado a círculo vicioso: sua
tarefa primeira permanece sendo a de não receber de
antemão nem a posição prévia, nem a visão prévia,
nem a concepção prévia.
Compreender é sempre um mover-se nesse círculo, e
por isso o constante retorno do todo às partes e
vice-versa.
O círculo está sempre se ampliando.
O movimento da análise é uma relação
circular, onde as partes que se determinam
a partir do todo determinam, por sua vez,
esse todo.
Quando o movimento da análise e da
compreensão vai constantemente do todo às
partes e desta ao todo, temos o critério para a
auto-correção da própria compreensão.
3) Diferença entre posição inicial e final
Dá-se um movimento circular porque nada do que se
deve interpretar pode ser compreendido de uma só vez.
A estrutura da experiência é revelada no vai-e-vem do
movimento circular entre o todo e as partes.
A análise compreensiva abre o espaço para que a
estrutura vivencial do fenômeno (em seu conteúdo
específico) em questão se revele em sua estrutura e
invariância.
O horizonte daquele que busca compreender é
uma possibilidade que se aciona e que é colocada em
jogo, não como um ponto de vista que se impõe.
O algo a dizer do texto ou da narrativa é colocado em
relação com as antecipações de sentido de quem lê ou
acompanha.
Se quem alcança o conteúdo específico dos relatos é o
desempenho daquele que busca compreender, as
antecipações de sentido iniciais deverão ir sendo
constantemente revisadas.
4) Estrutura da experiência
A contínua revisão do projeto prévio se baseia na
antecipação de um novo projeto de sentido: a
compreensão começa com conceitos prévios que serão
substituídos por outros mais adequados.
Projetos rivais são colocados lado a lado na elaboração,
até que se estabeleça a unidade do sentido.
Compreender é se confrontar com elementos que
inviabilizam você manter o projeto de sentido inicial.
Esse movimento da compreensão deve ser
pensado como a radicalização e
metodologização de um procedimento que
exercemos sempre que compreendemos algo.
Devemos proteger um texto ou uma narrativa
da nossa pré-compreensão, pois quem procura
compreender está exposto a erros de opiniões
prévias, as quais não se confirmam nas próprias
coisas.

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