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Neuroanatomy of mood disorders

euroanatomia dos transtornos

N de humor

LUCIANA VISMARI
Mestre em Psicobiologia – UNIFESP;
Farmacêutica Bioquímica – UNESP;
Professora de Fisiologia – UNINOVE.
luvismari@uninove.br

ARTIGOS
RESUMO ABSTRACT
Diversas alterações neuroanatômicas e bioquímicas têm Several neuroanatomical and biochemical alterations
sido encontradas em pacientes portadores dos mais have been reported in patients with different kinds of
diferentes tipos de transtornos psiquiátricos, entre eles a psychiatric disorders, like depression. These findings
depressão. Isso tem levado os pesquisadores a tentar have conducted many researchers to identify which
identificar qual seria o padrão de alterações comuns a would be the pattern of abnormalities of each psychiatric
cada tipo de patologia psiquiátrica. Este trabalho procura pathology. The objective of this paper is to review the
fazer uma revisão da literatura a respeito das principais literature about the main neuroanatomical abnormalities
anormalidades neuroanatômicas observadas em observed in unipolar and bipolar patients. The main
pacientes unipolares e bipolares, com destaque para os structures reported were prefrontal, frontal and temporal
lobos pré-frontal, frontal e temporal, córtex orbitofrontal, lobus, orbitofrontal cortex, thalamus, amygdale,
tálamo, amígdala, hipocampo, núcleos da base e eixo hippocampus, basal ganglia and hypothalamus-
hipotálamo-hipófise-adrenal. Apesar de os dados da hypophysis-adrenal axis. Although many controversies
literatura se mostrarem bastante controversos, existe in the literature, there is an important expectation about
uma grande expectativa de que haja um padrão a differential pattern in the neuroanatomy of unipolar
diferencial de envolvimento cerebral em pacientes and bipolar patients, suggesting that these disorders are
unipolares e bipolares, sugerindo que esses dois tipos de biologically different.
transtorno de humor são biologicamente diferentes.

Palavras-chave: Depressão. Diferenças neuroanatômicas. Key words: Depression. Mania. Mood disorders.
Mania. Transtornos de humor. Neuroanatomical differences.

Recebido em: 24 maio 2004


Aceito em: 31 maio 2004

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Neuroanatomia dos transtornos de humor
ConScientiae Saúde, v. 3, p. 95-102. São Paulo: UNINOVE, 2004.

Introdução parecer estranha, a visão de que os transtornos

S
egundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de psicológicos refletem processos físicos ainda hoje
Transtornos Mentais 4 (DSM4), os transtornos de é correta (KANDEL, 1991).
humor são divididos em:
• Transtornos depressivos (depressão unipolar); Material e método
• Transtornos bipolares; 1. A neuroanatomia
• Transtorno de humor devido a uma condição dos transtornos de humor
médica geral; Uma variedade de distúrbios
• Transtorno de humor induzido por substâncias. neuroanatômicos e bioquímicos tem sido
encontrada em várias populações de indivíduos
Os transtornos depressivos (transtorno que sofrem dos mais diferentes tipos de
depressivo maior, distimia e transtorno transtornos psiquiátricos, entre eles a depressão
depressivo não especificado) são distinguidos (JOSEPH, 1996). A possibilidade de que tais
dos transtornos bipolares pelo fato de não haver anormalidades cerebrais possam ser detectáveis
história de episódios de hipomania, mania ou tem estimulado a realização de diversos estudos
mistos. Os transtornos bipolares (bipolar tipo 1 de neuroimagem, os quais vêm apresentando
[I], tipo 2 [II], ciclotímico e bipolar não crescente importância na investigação de
especificado) envolvem a presença (ou história) transtornos afetivos, com pesquisadores
de episódios de mania, mistos ou hipomaníacos, examinando tanto mudanças volumétricas de
normalmente acompanhados pela presença (ou estruturas específicas do cérebro quanto
história) de episódio depressivo maior. alterações vasculares dentro da substância
O deprimido apresenta distúrbios de sono branca e cinzenta. Estudos recentes estabelecem
(usualmente insônia), diminuição do apetite, correlações, inclusive entre alterações na
perda de peso (mas algumas vezes hiperfagia), neuroimagem de transtornos unipolares e
perda de prazer ou interesse (anedonia), humor bipolares (STEFFENS; KRISHNAN, 1998).
deprimido, além de mudanças no Ao se falar em estudos de neuroimagem,
comportamento psicomotor. Os episódios uma distinção deve ser feita entre os estudos
maníacos, em contraste à depressão, são funcionais, realizados por meio de tomografia
caracterizados por humor elevado, expansivo ou por emissão de pósitrons (PET) e por tomografia
irritado, acompanhado de hiperatividade, por emissão de fóton único (SPECT) e os
energia e libido aumentados, diminuição do estruturais, desenvolvidos por tomografia
sono, aumento do apetite e níveis elevados de computadorizada (TC) e imagem por ressonância
atividade (KANDEL, 1991). magnética (MRI). (DREVETS, 1998).
O Transtorno Afetivo mais comum, a Segundo revisão feita por Soares; Mann
depressão unipolar, foi descrito no século V a. C. (1997), diversos estudos têm buscado uma
por Hipócrates, que acreditava ser o humor compreensão da neuroanatomia dos transtornos
dependente do balanço de quatro líquidos de humor, sendo proposto que tanto as
corpóreos – sangue, fleuma, bile amarela e bile desordens primárias de humor quanto as
negra – cujo excesso causaria a depressão. De secundárias podem envolver anormalidades em
fato, na Grécia antiga, o termo para depressão – circuitos neuroanatômicos fronto-subcorticais
melancolia – significava bile negra. Apesar de cerebrais específicos. O córtex pré-frontal tem
essa explicação para a etiologia da depressão extensa conexão com os circuitos corticais e

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subcorticais, que podem reforçar sua transmissão sináptica (DREVETS, 1998). Assim, é
importância nas funções cognitivas e na possível afirmar que anormalidades nessas
modulação da atividade límbica. As principais regiões do cérebro, ou em áreas contíguas que
estruturas subcorticais participantes desse afetem a conexão entre essas regiões, reflitam
circuito são os núcleos da base, o tálamo, o mau funcionamento desses circuitos, associado
hipotálamo, o tronco cerebral e os tratos da com o desenvolvimento de transtornos de humor.
substância branca que conectam essas estruturas, Alternativamente, anormalidades desses circuitos
entre elas e o córtex cerebral. confeririam vulnerabilidade aos transtornos de

ARTIGOS
Um circuito límbico-tálamo-cortical que humor, e seu início poderia ser determinado por
consiste da amígdala, núcleo mediodorsal do interações com fatores genéticos e ambientais.
tálamo e o córtex pré-frontal ventrolateral e Portanto, as influências genética, ambiental e de
medial e um circuito límbico-estriatal-palidal- fatores degenerativos durante o desenvolvimento
talâmico compreendendo o estriato, o pálido dessas estruturas cerebrais, de forma ainda não
ventral e os componentes do outro circuito são os esclarecida, podem determinar o início dos
principais circuitos neuroanatômicos que têm transtornos de humor (SOARES; MANN, 1997)
sido propostos na fisiopatologia dos transtornos Diversos estudos têm procurado esclarecer
de humor. Além disso, o cerebelo, por meio de as anormalidades neuroanatômicas presentes
conexões com o tronco e estruturas límbicas, nos cérebros de pacientes unipolares e bipolares.
pode também estar envolvido na regulação do As principais alterações implicadas nos
humor (SOARES; MANN, 1997; DREVETS, 1998). Tal transtornos de humor podem ser resumidas da
circuito pode ser conferido na Figura 1: seguinte forma:

1. Anormalidades cerebrais generalizadas


• Atrofia cerebral (medidas ventriculares,
medidas sulcais, volume cerebral
• Lesões da substância branca

2. Anormalidades cerebrais regionais


• Regiões corticais
• Regiões subcorticais (tálamo, amígdala e
hipocampo, gânglios da base)
Figura 1 – Modelo neuroanatômico de regulação • Estruturas da fossa posterior (cerebelo)
de humor (SOARES; MANN, 1997).
• Outros (eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
A transmissão através desses circuitos difere [HPA]; núcleo supraquiasmático [SCN];
de acordo com os subtipos de depressão, uma vez lateralidade das lesões anatômicas)
que lesões envolvendo o córtex pré-frontal (Ex.:
tumor) e doenças dos núcleos da base (Ex.: Apesar de a literatura apresentar grande
Síndrome de Parkinson ou de Huntington), as número de estruturas envolvidas nos transtornos
quais são associadas aos mais altos níveis de de humor, o texto a seguir busca descrever, de
depressão em relação a outras condições uma forma geral, algumas das principais
similarmente debilitantes, resultam em disfunção anormalidades encontradas principalmente nos
em pontos distintos desse circuito que afeta a transtornos unipolares e bipolares, a saber:

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2. Regiões corticais apesar de apenas os pacientes do sexo masculino


2.1 Lobos pré-frontal e frontal terem exibido volumes do COF medial direito e
Diversos estudos têm observado, por meio esquerdo menores que os do controle do mesmo
de PET, que pacientes unipolares e bipolares sexo. O significado funcional e psicopatológico
apresentam hipometabolismo no córtex pré- de tais diferenças necessita de maiores estudos
frontal anterolateral esquerdo e que a severidade (LACERDA et al., 2004).
da depressão é correlacionada com a diminuição
do metabolismo frontal esquerdo. (GEORGE; 2.3 Lobo temporal
KETTER; POST, 1993). Há discordância no que diz respeito à
Alguns estudos utilizando SPECT presença de anormalidades estruturais no lobo
encontraram que o metabolismo do lobo frontal temporal de pacientes bipolares. Alterações
retorna ao normal após o tratamento com foram encontradas em quatro de sete estudos por
drogas e conseqüente resolução do episódio MRI, realizados em pacientes bipolares, mas não
depressivo, e que a normalização no lobo frontal em unipolares (SOARES; MANN, 1997). A maioria
esquerdo ocorre com a melhora sintomática da dos trabalhos constatou diminuição do volume
depressão independentemente de o tratamento do lobo temporal, porém alguns verificaram
ter sido farmacológico ou terapia cognitiva aumento. Assim, estudos com um melhor
(GEORGE et al., 1993). delineamento dessa região são necessários, tendo
A partir da análise de diversos trabalhos, em vista as evidências de um maior
Soares; Mann (1997) encontraram evidências de envolvimento dessa área em depressões
anormalidades estruturais no lobo frontal de bipolares (STEFFENS; KRISHNAN, 1998).
pacientes com depressão unipolar, mas não em
pacientes bipolares. Levando-se em consideração 3. Regiões subcorticais
que a maioria dos estudos analisou o lobo frontal 3.1 Tálamo
e apenas um trabalhou com regiões do córtex Um estudo recente utilizando MRI em 25
pré-frontal, há necessidade de melhores estudos pacientes bipolares, 17 unipolares e 39 controles
do volume da substância cinzenta do córtex pré- sadios não encontrou diferenças significativas nos
frontal. Tal região parece ser a chave do modelo volumes talâmicos direito e esquerdo entre os
neuroanatômico de regulação do humor, sendo grupos avaliados. Apesar de alterações funcionais
provavelmente uma área anatômica importante no tálamo serem implicadas na fisiopatologia dos
na depressão unipolar. transtornos de humor, parece não haver
anormalidade quanto ao seu tamanho em
2.2 Córtex orbitofrontal pacientes unipolares e bipolares (CAETANO et al.,
O córtex orbitofrontal (COF) desempenha 2001), embora alguns trabalhos tenham relatado
um papel importante em diversas funções que infartos do tálamo direito podem estar
neuropsicológicas, entre elas a regulação do relacionados ao desenvolvimento de mania.
humor. Um estudo recente examinou o COF em (SOARES; MANN, 1997).
31 pacientes com depressão maior, não
medicados, comparados a 34 controles saudáveis 3.2 Amígdala e hipocampo
por meio de MRI. Os resultados mostraram que A participação do hipocampo na depressão
pacientes com depressão maior apresentam tem sido investigada. Níveis cerebrais
volume reduzido de sustância cinzenta no COF, cronicamente elevados de glicocorticóides

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associados com depressão têm levado estimula os neurônios que contêm o hormônio
investigadores a procurar evidências de atrofia liberador de corticotropina (CRH) no núcleo
hipocampal como uma conseqüência do excesso paraventricular do hipotálamo para liberar CRH
desses glicocorticóides. Estudos prévios eram via projeções diretas e indiretas. Durante
freqüentemente limitados por uma pobre episódios depressivos, o metabolismo da
resolução entre o hipocampo e a amígdala, amígdala se correlaciona positivamente com os
gerando relatos sobre o volume do complexo níveis de cortisol plasmático, porque seu
amígdala-hipocampo, com alguns achados hipermetabolismo e a liberação de cortisol

ARTIGOS
positivos e outros negativos em depressão podem estar ligados na depressão. A falência em
(STEFFENS; KRISHNAN, 1998). normalizar a função de glicocorticóides durante
A amígdala, por sua vez, é a única o tratamento com antidepressivos pode estar
estrutura na qual o fluxo sangüíneo regional (FS) associada com risco aumentado de relapsos
e o metabolismo de glicose consistentemente se depressivos (DREVETS, 1998).
correlacionam de forma positiva com a Atualmente já se discute a liberação de
severidade da depressão (DREVETS, 1998). Além CRH por estruturas extra-hipotalâmicas, sendo o
de estar elevada nos estados deprimidos, FS e núcleo central da amígdala responsável por sua
metabolismo na amígdala esquerda parecem liberação em condições de estresse psicogênico
anormalmente elevados, embora em menor (MERALI et al., 2003). Nesse sentido, têm sido
proporção, em pacientes assintomáticos, isto é, estudadas drogas que bloqueiam CRH para
entre episódios depressivos e que não estejam diminuir a ansiedade e a depressão (NEMEROFF,
em tratamento. Alternativamente, durante 2002; SAPOLSKI, 2003).
tratamentos antidepressivos que tanto Um outro estudo comparando 24 pacientes
melhoram os sintomas de depressão quanto bipolares com 36 indivíduos saudáveis observou
ajudam a prevenir as recaídas, o metabolismo da que os pacientes apresentavam um volume
amígdala diminui em direção à normalidade maior de amígdala esquerda quando
(DREVETS, 1998). comparados aos controles (BRAMBILLA et al.,
Em termos morfológicos, Pearlson et al. 2003). Por outro lado, Hastings e colaboradores
(1997), com o uso de MRI, encontraram que (2004) observaram que mulheres deprimidas
pacientes bipolares apresentam amígdala apresentavam um volume menor de amígdala
esquerda menor e um maior giro temporal, quando comparadas aos seus controles; tal
quando comparados a controles normais ou alteração não foi constatada em homens
pacientes esquizofrênicos. deprimidos. Este estudo sugere que a biologia
Há fortes evidências de que a atividade da dos transtornos de humor em mulheres pode
amígdala anormalmente elevada pode conferir diferir, em alguns aspectos, da dos homens, o que
susceptibilidade às recaídas e recorrências de talvez contribua para a compreensão da alta
episódios depressivos. Alguns estudos têm incidência de depressão em mulheres.
constatado que a amígdala confere significado
emocional aos estímulos e organiza as 3.3 Núcleos da base
manifestações comportamentais, autonômicas e Diversos trabalhos encontraram um menor
neuroendócrinas da expressão emocional. Assim, volume dos núcleos da base (do caudado
uma possível explicação para o bilateralmente, do putâmen ou do estriado como
hipermetabolismo é que a atividade da amígdala um todo) em pacientes unipolares, mas não em

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bipolares (SOARES; MANN, 1997), com achados volume do globo pálido, além de os volumes do
particularmente marcantes em idosos deprimidos putâmen esquerdo se correlacionarem
(STEFFENS; KRISHNAN, 1998). Os pacientes inversamente com a duração da doença e o do
bipolares, por sua vez, parecem apresentar um globo pálido esquerdo diretamente com o
alargamento do caudado, como observado por número de episódios prévios. Esses resultados
Aylward et al. (1994) na análise do caudado- sugerem que anormalidades na lateralização e
putâmen e globo pálido de 30 pacientes bipolares, alterações neurodegenerativas podem participar
por meio da qual encontraram um maior volume da patofisiologia da depressão maior (LACERDA et
do caudado comparado aos controles. al., 2003).
Alguns autores não encontraram diferenças
entre idosos com início de depressão cedo ou 3.4 Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA)
tardio, quando eles controlaram por idade e Entre alguns grupos que sofrem de
fatores de risco cérebro-vasculares, sugerindo depressão, parece que há uma disfunção no
que a severidade das hiperintensidades sistema de feedback regulatório de secreção de
associadas com a depressão de início tardio cortisol e, conseqüentemente, do eixo HPA. Isso
parece, em estudos prévios, estar relacionada resulta em uma hipersecreção de hormônio
com idade e doenças cérebro-vasculares. adrenocorticotrófico (ACTH) e cortisol com um
(STEFFENS; KRISHNAN, 1998). correspondente decréscimo dos níveis de
A depressão também foi examinada nos noradrenalina, o que resultaria em depressão
transtornos degenerativos subcorticais. Estudos (JOSEPH, 1996).
transversais da doença de Parkinson (DP) Esse eixo está criticamente envolvido na
mostraram que 20% dos pacientes podem adaptação às mudanças estressantes no ambiente
apresentar depressão maior e aproximadamente interno ou externo, sendo a hiperatividade das
20% apresentam formas menores. glândulas adrenais claramente associada com a
Longitudinalmente, entretanto, mais de 59% dos depressão maior (JOSEPH, 1996). De fato, tais
pacientes com DP podem apresentar episódio glândulas têm apresentado um aumento de
depressivo maior em alguma etapa da doença. tamanho na depressão maior, voltando ao
Por haver uma degeneração de fibras normal em períodos de remissão. Em parte, isso
dopaminérgicas nigroestriadas em Parkinson e a pode ser secundário ao estresse (interno ou
sobreposição de alguns sintomas entre ambos os externamente induzido) e/ou uma disfunção do
transtornos, estes achados estariam a indicar um sistema regulatório de feedback do HPA, como já
papel do sistema dopaminérgico na fisiopatologia descrito (JOSEPH, 1996).
da depressão (LAFER; RENSHAW; SACHS, 1998). Dadas as evidências de uma hiperatividade
Diversos estudos têm relatado uma de HPA na depressão, investigadores têm
diminuição no volume dos núcleos da base em examinado a glândula hipófise nos Transtornos
pacientes com depressão maior. Um estudo de Humor. Observou-se que pacientes
recente avaliou o volume do caudado, putâmen e deprimidos possuem uma área seccional cruzada
globo pálido de 25 pacientes com depressão e volume da hipófise maiores do que os controles,
maior e de 48 voluntários sadios, utilizando MRI. sendo a diferença especialmente proeminente em
Os resultados não mostraram diferenças entre os idosos (STEFFENS; KRISHNAN, 1998).
dois grupos quanto ao volume. No entanto, os Segundo revisão de Barden; Reul; Holsboer
pacientes apresentaram menor assimetria no (1995), a normalização do eixo HPA hiperativo

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ocorre durante uma terapia bem-sucedida com As anormalidades mais consistentes


antidepressivos, o que pode ser o resultado de encontradas em pacientes unipolares foram
um aumento no número de receptores celulares evidências de uma diminuição dos núcleos da
para glicocorticóides, conferindo ao sistema HPA base, cerebelo e, possivelmente, do lobo frontal, o
maior susceptibilidade ao feedback inibitório do que pode refletir uma atrofia local. O transtorno
cortisol. Isso sugere que os antidepressivos bipolar, por sua vez, parece estar associado com
teriam um mecanismo de ação em comum, um alargamento do terceiro ventrículo, uma
agindo nos genes para receptores de diminuição do cerebelo e talvez do lobo

ARTIGOS
glicocorticóides (BARDEN et al., 1995). temporal, além de possíveis mudanças no
Em um estudo mais recente, Sassi e hipocampo. Tanto os pacientes bipolares como os
colaboradores (2001) avaliaram, por meio de idosos unipolares apresentam níveis aumentados
MRI, o volume da glândula hipófise em 23 de substância branca subcortical e
pacientes bipolares, 13 pacientes unipolares e 34 hiperintensidades periventriculares. A depressão
indivíduos sadios. Os pacientes bipolares bipolar tende a apresentar características mais
apresentaram volumes de hipófise melancólicas e severas, enquanto a unipolar
significativamente menores do que os demais parece ter um padrão mais amplo de
grupos estudados. Tal resultado confirma os apresentação de sintomas (SOARES; MANN, 1997).
indícios de uma disfunção do eixo HPA na base Em um estudo mais recente, padrões
do transtorno bipolar. diferentes de alterações neuroanatômicas foram
encontrados em pacientes com transtornos de
Resultado e discussão humor. A depressão unipolar parece associar-se a
A maioria dos estudos de PET e SPECT na anormalidades no lobo frontal (particularmente
depressão primária e secundária tem no córtex pré-frontal subgenual), gânglios da
demonstrado uma diminuição na atividade do base (especialmente estriado), cerebelo e
córtex frontal, a qual é, em alguns casos, complexo amígdala/hipocampo. Na depressão
proporcional à severidade da depressão. O bipolar, são notadas anormalidades no terceiro
hipometabolismo frontal parece ser relacionado ventrículo, lobo frontal, cerebelo e,
ao estado do indivíduo, uma vez que há uma possivelmente, no lobo temporal. (BEYER;
normalização após o tratamento. Apesar de os KRISHNAN, 2002). Esse padrão diferencial de
lobos frontais terem implicações mais envolvimento cerebral em pacientes unipolares e
consistentes, outras regiões cerebrais também bipolares sugere que estes dois tipos de
funcionam anormalmente e é possível que transtorno de humor são biologicamente
estejam relacionadas a subtipos clínicos ou diferentes, o que poderia ressaltar as diferenças
fenomenológicos (GEORGE et al., 1993). na apresentação da depressão nesses dois
Estudos neuroanatômicos sobre as subtipos (SOARES; MANN, 1997).
depressões unipolar e bipolar encontraram várias
alterações estruturais, reforçando a hipótese de
que os transtornos de humor são associados com Referências
anormalidades da estrutura regional do cérebro, AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Mood disorders. In:
em particular de regiões envolvidas com a Diagnostic and statistical manual of mental disorders, 4 ed., p.
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