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A planta Cannabis sativa, grande responsável pela produção dos fitocanabinoides como
o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), é originária da Asia e se espalhou pelo mundo
devido a sua pluralidade de utilizações, que vão do uso espiritual ao industrial, passando pela
utilização alimentar e medicinal, o que faz essa planta tão especial. Com o passar do tempo,
diferentes interesses sociais, políticos e econômicos acabaram por criminalizar e inibir seu uso
e as possibilidades de pesquisá-la, o que poderia trazer um maior entendimento sobre os efeitos
de cada variedade de Cannabis em diferentes condições.
Mas isso não impediu que a sociedade continuasse usando essa planta, mesmo que de
maneira ilegal e sem nenhum controle, o que auxiliou a fomentar a associação de violência e
criminalidade com o tráfico e consequentemente com o uso dessa substância. Hoje, diversos
países já voltaram a descriminalizar o uso medicinal da Cannabis, e alguns locais até o que
chamamos de uso adulto ou “recreacional”. Dessa forma, diferentes dados já foram coletados,
fornecendo valiosas informações para os pesquisadores, como a associação entre usuários da
planta a menores índices de obesidade e diabetes, por exemplo. Isso pode auxiliar no
desenvolvimento de pesquisas científicas, apontando alguns caminhos para a descoberta de
novas utilizações para a planta e seus compostos. De acordo com a Organização Mundial da
Saúde, a prevalência atual do uso de Cannabis é de cerca de 2,5% da população mundial e, à
medida que as leis mudarem é esperado que esse número aumente.
Para entender melhor seu papel, podemos pensar no sistema endócrino como uma
empresa onde o hipotálamo, localizado no centro do cérebro, é o CEO (do inglês Chief Executive
Officer, que significa Diretor Executivo). Ele analisa a organização como um todo e decide onde
fazer mudanças no plano para garantir que a empresa – nosso corpo – permaneça em harmonia.
Assim como o CEO de uma empresa, o hipotálamo não faz nenhuma dessas mudanças sozinho.
Em vez disso, ele delega as funções a diferentes departamentos, compostos por outros órgãos
executivos, como rins, pâncreas, adrenal, tireoide, timo, útero, ovários, testículos etc.
Cada uma dessas glândulas serve como chefe de um departamento específico - algumas
controlam o metabolismo energético, o crescimento, a função imunológica, a temperatura
corporal ou a estrutura óssea. Quando o hipotálamo instrui, eles comandam suas próprias
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equipes de diferentes hormônios e neurotransmissores, pois são eles que realmente realizam
as mudanças solicitadas pelo hipotálamo. Esse sistema está em constante comunicação,
verificando como essas mudanças são implementadas e o que seus efeitos produzem. O sistema
endocanabinoide também está presente no sistema endócrino, ajudando a sinalizar qualquer
disfunção. Essa sinalização endocanabinoide desempenha uma ampla variedade de papéis
modulatórios em diferentes tecidos e células tanto no sistema nervoso central (SNC) quanto na
periferia.
O SEC foi originalmente descrito como uma rede de comunicação neural, mas pode ser
encontrado em quase todas as células do organismo e desempenha um papel crítico no
funcionamento normal de muitos sistemas orgânicos. Os efeitos endócrinos dos canabinoides
exógenos são principalmente mediados pela ligação aos receptores canabinoides em vários
órgãos diferentes. Essas ligações podem modular a expressão do receptor, afetando os efeitos
do alvo endocanabinoide, bem como a função desse órgão (Meah, 2022).
Figura 3. Vias de sinalização dos receptores CB1 e CB2. Os receptores canabinoides CB1 e CB2 estão
associados às proteínas G. A ativação destes receptores leva à inibição da atividade da adenilil ciclase e à
ativação das diferentes cascatas de MAPK. Além disso, o receptor CB1 regula negativamente os canais de
Ca2+ controlados por voltagem, e os canais de K+ de retificação interna são regulados positivamente. O
receptor CB1 também pode aumentar a concentração de Ca2+ intracelular livre com a ativação da
fosfolipase C (PLC). Além disso, a inibição da proteína quinase A (PKA) pelos canabinoides leva à inibição
da expressão gênica pela diminuição no AMPc, o que também resulta na ativação de cascatas MAPK
relacionadas à sobrevivência celular ou apoptose (Fonte: Ahmed et al., 2021).
Logo se percebeu que AEA e 2-AG, assim como vários outros mediadores lipídicos, são
bastante promíscuos em sua atividade farmacológica, na medida em que foram sugeridos para
modular a atividade de outras proteínas em concentrações muitas vezes, mas não
necessariamente, superiores às necessárias para ativar CB1 e CB2. Posteriormente, descobriu-
se que esses receptores eram alvos ainda melhores para outras moléculas de cadeia longa
semelhantes a AEA e 2-AG, como as N-aciletanolaminas (NAEs) e 2-monoacilgliceróis (2-MAGs),
respectivamente. Eles incluem (1) canais de receptores de potencial transiente termossensíveis
(TRP), como o “receptor de capsaicina ”, ou TRP vaniloide tipo 1 (TRPV1), o “receptor de mentol”
ou TRP de melastatina tipo 8 (TRPM8) e o TRP vanilóides tipo 2 (TRPV2), bem como canal de
Ca2+ tipo T (Cav.3.1); (2) alguns GPCRs órfãos, como GPR55, GPR110 ou GPR119; e (3)
receptores α e -γ ativados por proliferadores de peroxissoma (PPARα e PPARγ).
Vários outros derivados de ácidos graxos de cadeia longa também foram identificados
durante os últimos 15 anos, incluindo amidas de ácidos graxos primários e vários aminoácidos
N-acilados e neurotransmissores que frequentemente compartilham alvos e/ou enzimas com os
endocanabinoides. Essas descobertas levaram à definição do “sistema endocanabinoide
expandido” ou endocanabinoidoma (eCBoma), que inclui uma infinidade de mediadores
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De fato, a dieta, assim como hábitos de vida, a prática de exercícios e o meio ambiente
impactam fortemente no eCBoma – em uma extensão da qual tivemos, talvez, até agora, apenas
uma visão parcial. É provável que vários hábitos de vida saudáveis e “ruins”, em sinergia com
outros fatores ambientais, afetem independentemente tanto a sinalização do eCBoma quanto
o microbioma e, portanto, ajudem a determinar o metabolismo energético. Também é possível,
no entanto, que uma conexão entre eCBoma e microbioma - que ainda não foram totalmente
explorados - dirijam a maneira pela qual as dicas de estilo de vida resultam em círculos virtuosos
ou viciosos que podem, respectivamente, neutralizar ou acelerar o desenvolvimento da
síndrome metabólica, contribuindo para o desenvolvimento de diabetes tipo 2 e outros fatores
de risco cardiovascular (Di Marzo e Silvestri, 2019).
Figura 4. O eixo microbioma-endocanabinoidoma como mecanismo pelo qual as escolhas do estilo de vida
afeta vários aspectos do metabolismo, o que pode levar a síndrome metabólica quando desregulado. Isso
pode, por sua vez, impactar em ambas as sinalizações mediadas pelo endocanabinoidoma e micriobioma,
e por fim, também no estilo de vida, criando assim um potencial círculo vicioso (Fonte: Di Marzo e Silvestri,
2019).
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O SEC modula a regulação neuroendócrina da secreção hormonal, uma vez que os CB1R
estão presentes na hipófise e no hipotálamo, e a ativação desse receptor modula respostas em
vários órgãos endócrinos. Além disso, os receptores CB1 estão amplamente distribuídos por
todo o cérebro numa rede complexa de circuitos interligados, unindo as partes do córtex,
amígdala, núcleo accumbens e outras áreas do sistema límbico. Essa rede é envolvida na
regulação da fome e da saciedade, assim como nos aspectos de comportamento na alimentação,
além de compartilhar conexões neurais com o hipotálamo, que afeta sinais de saciedade,
entrada de alimento e metabolismo. Esses receptores canabinoides são co-expressos em regiões
do trato gastrointestinal onde expressam neuropeptídeos envolvidos no controle alimentar,
sugerindo um forte papel do sistema endocanabinoide na modulação da alimentação (Godoy-
Matos et al., 2006).
Mas, no início dos anos 2000 uma indústria farmacêutica se adiantou e colocou no
mercado de vários países, inclusive no Brasil, um fármaco a base de uma molécula sintética
canabinoide com ação antagonista/agonista inverso altamente seletivo para o receptor CB1
chamado rimonabanto ou Accomplia, com um forte apelo para o tratamento da obesidade. Isso
porque os ensaios clínicos com o fármaco demonstraram que o composto realmente era capaz
de produzir perda de peso em pacientes obesos, porém também apontavam efeitos colaterais
psiquiátricos importantes, como ansiedade e depressão - principalmente devido a sua forte
ligação ao receptor. E mesmo com os dados de ensaios pré-clínicos e clínicos demonstrando
esses efeitos, o fármaco foi aprovado por algumas agências de regulamentação.
Figura 5. Efeitos do bloqueio do receptor canabinoide CB1 na ingesta alimentar (Fonte: Godoy-Matos et
al., 2006).
Ainda não se sabe ao certo os mecanismos pelos quais o bloqueio do receptor CB1
aumenta a ansiedade e a depressão. Uma possibilidade poderia ser o desequilíbrio
neuroquímico entre neurotransmissores excitatórios e inibitórios (glutamato e GABA,
respectivamente) provocada pela falta do controle endocanabinoide. Conforme os
pesquisadores brasileiros Moreira e Crippa “Do ponto de vista clínico, as vantagens e restrições
dessa droga devem ser questionadas criticamente, embora a pesquisa e desenvolvimento de
novos compostos direcionados ao sistema endocanabinoide para o tratamento da obesidade,
diabetes, dependência do tabaco e outras condições sejam necessários e oportunos” (Moreira
e Crippa, 2009).
no corpo, mente e emoção. Dessa forma, o elemento mais estudado dentro desse contexto é a
modulação do estresse via eixo hipotálamo, hipófise ou pituitária e adrenal (HPA).
Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
Tabela 2. Resumo dos trabalhos sobre os efeitos dos canabinoides no eixo HPA (Fonte: Meah, 2022).
Tabela 3. Resumo dos trabalhos feitos sobre os efeitos do SEC na glicose e insulina (Fonte: Meah, 2022).
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O SEC é encontrado na retina e córtex visual e receptores CB1 e CB2 são expressos no
olho humano, mas o papel dos receptores CB2R na retinopatia diabética ainda é pouco
conhecida. Anormalidades moleculares e fisiológicas da retina têm sido associadas com
diabetes, inflamação e estresse oxidativo. A utilização da ativação do CB2R como anti-
inflamatório e antioxidante pode levar a uma abordagem potencial para o tratamento da
retinopatia diabética. O SEC também está presente no coração e a ativação CB2R causou uma
diminuição da resposta inflamatória, indicando potencial alvo terapêutico para cardiomiopatia
diabética.
Eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal
Tabela 4. Resumo dos efeitos dos canabinoides nas gônadas (Fonte: Meah, 2022).
Tabela 5. Resumo dos trabalhos sobre a ação dos canabinoides nos hormônios da tireoide (Fonte: Meah,
2022).
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Saúde óssea
Tabela 6. Resumo dos trabalhos com Cannabis nos ossos (Meah, 2022).
Conclusão
Assim, a modulação do SEC com o uso de fitocanabinoides como o CBD parece ser uma
alternativa promissora para auxiliar no tratamento das disfunções endócrinas. De qualquer
maneira é importante ressaltar que as evidências ainda são iniciais e os efeitos do tratamento
com derivados de Cannabis podem variar com base na composição química e pureza do produto,
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bem como na escolha da posologia, via de administração e tempo do tratamento, que deverão
ser indicados pelo profissional prescritor.
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