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ARTIGO

NOTAS SOBRE TÉCNICAS DE RESPIRAÇÃO E APOIO NAS PRINCIPAIS


ESCOLAS DE CANTO EUROPÉIAS
(ALEMÃ, INGLESA, FRANCESA E ITALIANA)

Exclusivo para o Boletim da A.B.C. .

Vera do Canto Mello

Todos nós, cantores e professores, que lidamos com o canto, sabemos a incrível polêmica que
existe em relação aos diferentes mecanismos de respiração e apoio, que variam
consideravelmente de acordo com as Escolas de Canto. Cada um deles tem fervorosos
defensores, implacáveis detratores, cientistas que os corroboram e os invalidam
alternadamente, etc. Porém, essas escolas européias ( a alemã, a inglesa, a francesa e a italiana)
produziram e continuam a produzir alguns dos mais magníficos cantores da cena lírica mundial,
o que nos permite concluir que, em matéria de técnicas de respiração e apoio, não há a verdade
absoluta e final.

Vamos destacar os principais pontos-de-vista de cada uma dessas tradicionais Escolas de


Canto, segundo descrição do grande professor americano Richard Miller, em sua obra
Techniques of Singing (Scarecrow Press, USA, 1977).

A ESCOLA ALEMÃ

O professor de canto alemão se identifica com princípios de respiração que apontam


caracteristicamente para a técnica de respiração baixa. Mesmo com a maior expansão das
costelas na inspiração ocorrendo abaixo do osso esterno, a escola alemã acredita que um colo
elevado pode impedir uma expansão completa dos pulmões; por isso, defende (em geral) uma
postura de colo relativamente baixo.

O apoio (Stutze ou Atemstutze) é conseguido com o retardamento dos movimentos para dentro
da parede abdominal e para cima do diafragma. Deve-se então exercer uma pressão para fora
dos músculos abdominais. Como é difícil manter a elevação do esterno durante a pressão para
fora do abdômen, o alemão prefere uma postura relaxada do tórax. Para conseguir maior apoio,
a área pélvica se firma, as nádegas se contraem e entra em jogo um movimento dos músculos
inferiores das costas.

Como resultado dessas convicções, existe um consenso dos seguintes movimentos:


. Expansão dorsal inferior . Contração glúteo-pélvica
. Fixação baixa do diafragma . Distensão do abdômen

- EXPANSÃO DORSAL INFERIOR:

A melhor maneira de livrar o peito ou tórax de “elevar o ar” é a de transferir uma “ação de
retenção” das massas inferiores de ar para o nível da base das costelas. A região da base dos
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pulmões tem capacidade de receber maior quantidade de ar e a ressonância conseqüente na


estrutura óssea da espinha dorsal desencadeia vibrações que reagem como uma pilastra
conectada ao crânio.

Esta ação de retenção é o elemento mais importante no controle do ar. Uma vez que se
consegue manter aberta a área de expansão da base posterior das costelas, acrescenta-se o
desenvolvimento da ação de outros músculos, como os da região inferior da musculatura
abdominal, ajudando a fixar a posição mais baixa da coluna de ar.

Segundo os defensores desta técnica, os músculos mais fortes que ligam o diafragma à
caixa torácica estão na parte interna das costas, gerando a expressão utilizada por muitos
cantores: “cantar com as costas”.

- CONTRAÇÃO GLÚTEO-PÉLVICA

Também conhecida como “apoio pélvico” e “apoio glúteo”. Embora reconheçam que os
pulmões, a região intercostal e o diafragma sejam os elementos mais importantes do
mecanismo respiratório, muitos praticantes da técnica alemã sustentam que a origem
muscular para a emissão do ar se localiza bem abaixo no tronco. Recomenda-se que a
pélvis seja ligeiramente inclinada para a frente (muitas vezes com um pé mais avançado
que o outro) e que as nádegas sejam contraídas. Esta postura tem a intenção de
proporcionar o apoio essencial para o som cantado (“sentar no ar”).

- FIXAÇÃO BAIXA DO DIAFRAGMA

Defensores deste sistema afirmam que o movimento ascendente do diafragma pode ser
retardado voluntariamente mantendo-o baixo durante a maior parte da expiração. O
conceito é mais expressado como “Mantenha seu diafragma baixo”.

- DISTENÇÃO DO ABDOMEN

É caracterizada pela pressão “para fora” da parede abdominal. A pressão é sustentada até o
final da frase cantada e até o novo ar começar a entrar. Alguns cantores usam um colete ou
cinto para aumentar o apoio muscular e para fazer pressão contrária às vísceras abdominais.

A ESCOLA INGLESA

As técnicas da escola inglesa incluem:


. respiração dorsal superior . respiração diafragmática estável
. tórax elevado . abdômen contraído
. fixação costal

Enquanto a técnica alemã se concentra na região dorsal inferior, a inglesa se restringe mais
à dorsal superior. Freqüentemente observam-se cantores, especialmente em oratórios, com
ombros arredondados à volta da partitura, na tentativa de expandir lateralmente alguns
músculos da parte superior das costas. Não se deve, entretanto, perder a liberdade e a
elasticidade nos ombros e o colo deve se elevar apenas ligeiramente. Essa respiração na
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região superior das costas é freqüentemente feita em combinação com os sistemas de


respiração costal e de diafragma estável.

Qualquer professor lecionando canto na Inglaterra terá passado por um exame da Academia
Real de Música e do Colégio Real ou Faculdade Real de Medicina, que possuem um
volume oficial preparado por David Salter sobre Fisiologia da Voz e o Ensino do Canto,
contendo um capítulo sobre “A Respiração Correta” que apresenta o seguinte:

1 – Se a inspiração é feita muito profundamente, causando distensão do abdômen, será


impossível conseguir uma ação livre das costelas e uma expansão apropriada do tórax.
2 – Inspire para baixo até que haja uma ligeira expansão da parte superior do abdômen
(região epigástrica), pressionando-o imediatamente em seguida para dentro, e elevando e
expandindo as costelas.
3 – Por meio desta pressão do abdômen, os órgãos internos são pressionados para cima,
dando apoio então para a “fixação” do diafragma.
4 – Não eleve os ombros.
5 – Não expanda o abdômen inferior.
6 – Não segure o ar na “garganta”, mas com os músculos do diafragma e os intercostais.

Esta postura do tronco é tida como facilitadora em trazer mais compressão ao ar inspirado e
maior proximidade dele com a laringe. Alguns exercícios são feitos para desenvolver os
músculos peitorais e superiores do abdômen, como levantar uma cadeira ou objeto pesado
com os braços esticados durante vocalises. A atenção é dirigida para o alto grau de adução
das pregas vocais e também para as sensações correspondentes de apoio no alto abdômen e
no tórax.

Em resumo pode-se dizer que a respiração na escola inglesa é direcionada à região


epigástrico-torácica, com ação conjunta do abdômen superior e atividade intercostal,
evitando-se quase totalmente a técnica alemão de respiração baixa.

A ESCOLA FRANCESA

Na escola francesa, pouca atenção é dada à conscientização do manejamento da respiração.


Os alunos são orientados para uma boa postura e para o relaxamento e raramente dirigidos
para procedimentos mais específicos. Algumas discussões sobre o papel do diafragma e da
atividade intercostal podem ocorrer, mas sem nenhum esquema sistemático de controle de
ar. A escola francesa defende a respiração natural.

Os professores filosoficamente ligados à escola francesa acreditam que não há diferenças


essenciais entre os mecanismos de respiração utilizados na fala e no canto. Há uma forte
discordância entre professores que acreditam na crescente ação muscular presente na alta
atividade que ocorre durante o canto e aqueles que crêem na respiração natural. A atenção é
dirigida a fatores musicais, e que a frase por si só irá ditar o controle do ar.
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Alguns conselhos:

1 – Respirar é instintivo – o aluno respira desde que nasceu e o vem fazendo


satisfatoriamente; aprendeu a usar a respiração instintivamente para falar e deverá faze-lo
instintivamente para cantar.

2 – Respirar deve se conservar como ação instintiva. Nada mais perigoso que entregar um
ato tão automático como a respiração a intervenções cerebrais a tentar se tornar
excessivamente consciente de um mecanismo tão complexo.

3 – Pensamos numa frase e respiramos apropriadamente.

Os professores da escola francesa freq6uentemente conferem o grau de relaxamento


muscular, pedindo ao aluno que mova a cabeça de forma solta, que balance os braços, que
dobre a cintura, e deixe o corpo livre e solto.

A energização do som está num nível possivelmente mais baixo que nas outras escolas. O
cantor tipicamente francês tem uma respiração basicamente rasa por causa da noção
prevalecente de que não se deve aumentar a atividade respiratória para o canto.

A ESCOLA ITALIANA

Há um grau surpreendente de uniformidade através da escola italiana com respeito à técnica


de respiração. Ela se posiciona em oposição direta aos sistemas que advogam o
rebaixamento do esterno e queda da caixa torácica, e igualmente àqueles que visam à
estabilização dos intercostais e do diafragma. Ainda mais decisivamente, a escola italiana
considera as técnicas de respiração baixa e da pressão abdominal protusa da escola alemã
violações funcionais, contrárias aos processos naturais.
ler com os alunos essa parte do texto e fazer pratica

O appoggio (apoio) é o termo utilizado para sintetizar o tipo de coordenação muscular no


qual a escola italiana baseia o manejamento da respiração. Pode ser definido como uma
combinação de respiração esterno-intercostal-diafragmática-epigástrica.

O “appoggio” começa com uma atitude postural: o esterno deve estar numa posição
moderadamente alta durante o ciclo respiratório. Esta posição é obtida elevando-se os
braços acima da cabeça e depois baixando-os ao longo do corpo. Relaxam-se os ombros,
assegurando-se de que o esterno não desceu. Esta postura talvez seja a marca registrada da
escola italiana.

Se o esterno baixar, o diafragma fica impossibilitado de manter o grau apropriado de


distensão durante o ciclo respiratório, e a caixa torácica, ligada ao esterno pelas sete
costelas superiores, tenderá a despencar. As costelas se mantêm numa posição de expansão.
A sensação de equilíbrio das musculaturas interna e externa ocorre durante o curso de uma
frase cantada porque os músculos da região epigástrica (muitas vezes confundidos com o
diafragma) estão ligados ao diafragma. Esta sensação de equilíbrio aumenta com a
demanda de afinação e energia.
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Para se obter a sustentação do som, o ar deverá ser expelido lentamente. Para isso, os
músculos inspiratórios, numa ação contínua, empenham-se em segurar o ar dentro dos
pulmões e se opõem à ação dos músculos expiratórios. A isso se chama lutta vocale (luta
vocal).

O professor italiano pede que, durante todo o tempo do ato de cantar, o esterno fique
relativamente estável, nem se elevando nem baixando. Isto assegura que a caixa torácica
permaneça bem posicionada. Uma sensação de expansão transversa através do corpo inteiro
ocorrerá na inspiração e durante toda a frase cantada.

A parede abdominal superior move-se lentamente para dentro, mas a sensação de apoio é
conseguida mantendo-se a sensação de equilíbrio muscular em toda a área lombo-dorsal,
assim como na área epigástrica-torácica.

A estabilização muscular resulta de uma alinhamento postural de cabeça-pescoço-ombros-


torso-pélvis.

No “appoggio”, não há pressão para fora contra as vísceras durante a inalação, nem para
baixo com o abdômen, nem contração das nádegas, nem báscula da pélvis, tampouco
tensão muscular localizada nas pernas. Equilíbrio muscular do corpo interno é o objetivo
principal.

A inspiração deve se silenciosa, podendo ocorrer numa fração de segundo, ou rítmica e


tranqüilamente durante vários segundos, pela boca ou nariz, dependendo da situação, mas
sempre silenciosa.

A expressão utilizada pelos italianos é: “Respire no som”. Para eles, inspirar e cantar não
são atos opostos.

Bem, agora cabe a você chegar às suas próprias conclusões. Boa sorte!!!

*Vera do Canto e Mello é cantora, professora de canto e Presidente da A. B. C.

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