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Título Original do artigo: Treat the patient, Not the Label: A Pain Neuroscience Update.
Com frequência utilizo a frase “saber sobre anatômica e biomecânica não é mais
o suficiente” para o manejo adequado da dor. Cabe ressaltar que essa fala não é
excludente enquanto ao desuso e/ou não emprego de uma análise minuciosa de
componentes estruturais (anatomia e biomecânica) em nossa prática clínica. Somente
trago à tona a necessidade de analisar outras dimensões além do patoanatômico,
concomitante a avaliação da integridade dos sistemas nervoso periférico e central.
Nessa tradução, os autores propõem com maestria a necessidade de olhar além
dos “rótulos”, isto é, o diagnóstico prévio, mas sim focar a abordagem na pessoa e não
na condição o qual encontra-se “rotulado”.
Àqueles que estão familiarizados com o assunto irão notar que as considerações
levantadas ao longo da tradução são pertinentes e cabem a nossa prática clínica diária.
Aos demais (não familiarizados com o assunto), é uma grande oportunidade para
aproximar-se.
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Trate o paciente, não o rótulo diagnóstico: Atualização em
neurociência da dor.
Resumo:
Ao lidar com a dor crônica, muitas vezes não é possível aos clínicos fornecer
respostas adequadas aos seus pacientes sobre o que pode estar errado, e por que
eles continuam sentindo dor. Isso levou a um maior uso de “rótulos” diagnósticos para
condições como fibromialgia, síndrome da fadiga crônica, síndrome do intestino
irritável, doença de Lyme crônica e muitos outros. Atribuir esses “rótulos” aos pacientes
com dor crônica tem consequências de longo alcance para todos os envolvidos. O
objetivo deste material é destacar similaridades entre 4 condições particulares comuns
às mulheres - fibromialgia, síndrome da fadiga crônica, síndrome do intestino irritável
e doença de Lyme crônica - quando se trata da neurobiologia subjacente e suas
consequências para o paciente e tratamento clínico. Tomando uma visão geral da dor
como uma saída (output) de um sistema múltiplo ativado em resposta à ameaça,
discutimos como os vários sistemas de produção ativados podem levar a problemas e
produção de sintomas que podem predispor os pacientes a uma das quatro condições
diagnósticas supracitadas. Atualmente, existem evidências emergentes de que,
durante a resposta biológica à ameaça, um sistema de saída (output) pode ser mais
afetado do que os outros e dominar o quadro clínico, manifestando-se, portanto, como
uma condição diagnóstica particular. Propomos que, em última análise, essas
condições essencialmente significam a mesma coisa, que o paciente tem dor crônica
e defendemos o tratamento do paciente, não a condição. A capacidade de olhar além
do “rótulo” diagnóstico e ver a pessoa à sua frente é imperativa quando se trata de
fornecer esperança.
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BACKGROUND – Investigando desde o início, à fundo.
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aumentando o número total de pessoas afetadas pelo CLD.7 As taxas de Síndrome do
Intestino Irritável (IBS) estão aumentando, com estudos estimando a IBS afetando
aproximadamente 10% a 20% da população nos EUA.8 Este aumento da “rotulagem”
de indivíduos afeta fortemente o fisioterapeuta, principalmente aqueles que lidam com
a saúde das mulheres, tendo em vista a maior prevalência de dor crônica em mulheres.
Primeiro, foi demonstrado que muitas destas condições têm vários sinais e sintomas
sobrepostos, e muitos indivíduos com FM também podem ter o rótulo Síndrome de
Fadiga Crônica (CFS) ligado a eles, complicando assim a busca da pessoa por
respostas e tratamentos.9,12 para muitas dessas condições diagnósticas, não há
exames médicos definitivos e muitas vezes o diagnóstico é feito por meio de um
processo de eliminação, o que aumenta a incerteza para os indivíduos e complica ainda
mais o processo diagnóstico.9,13,14 Por fim, acrescentando a palavra “síndrome ” ou
fornecendo um rótulo não-descritivo não ajuda os indivíduos com sua pergunta inicial
“o que há de errado comigo?”, mas pode na verdade alimentar mais incerteza. O
diagnóstico preciso de algumas condições médicas (ou seja, câncer) que têm uma
fonte mecânica específica de doença ou patologia é vital para aplicar o tratamento mais
adequado a essas condições. Para pacientes que sofrem de dor crônica, o rótulo da
condição pode não agregar valor à seleção do tratamento apropriado. Um exame
apropriado deve ocorrer para descartar patologias médicas significativas que possam
ser a fonte da dor crônica. No entanto, uma vez descartada, a consideração da
condição do paciente de uma perspectiva biopsicossocial é mais apropriada do que o
tratamento para um rótulo médico de uma condição.15-17 Segundo diretrizes de prática
clínica direcionadas às condições de dor crônica, os pacientes devem ser instruídos
sobre a natureza do problema, garantindo que a educação esteja intimamente ligada à
evidência da natureza biológica de seu problema e evitando as “síndromes” e
referências a regiões propriamente dita (exemplo; a região lombar). Argumenta-se que
uma explicação da “síndrome” pode não apenas deixar de fornecer uma compreensão
clara e biológica do “que está errado comigo”, mas pode de fato aumentar o medo e a
evitação, que por sua vez aumenta a experiência de dor.1,18 As diretrizes requerem
modelos educacionais para diminuir o medo desnecessário relacionado às atividades
de movimento, lazer e trabalho. Um modelo educacional que demonstrou algum
sucesso em ajudar pacientes com uma compreensão biológica “do que está errado
comigo?” foi o ensino de neurociência da dor (PNE).19 A pain neuroscience education
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(PNE) é uma estratégia educacional que se concentra em ensinar aos pacientes mais
sobre os processos neurobiológicos e neurofisiológicos envolvidos em sua experiência
dolorosa.19,20 A melhor evidência atual em relação à dor musculoesquelética fornece
forte suporte para que a PNE influencie positivamente a avaliação da dor, disfunção,
evitação do medo e catastrofização da dor, limitações no movimento, conhecimento
sobre a dor e utilização de cuidados de saúde, mesmo em pacientes com FM e
CFS.19,21–24.
Agora está bem estabelecido que, durante uma experiência de dor (humana), múltiplas
áreas do cérebro são ativadas e essas áreas trabalhando juntas se tornaram
conhecidas como a neuromatriz da dor.25,26 Vários estudos de imagem destacaram as
áreas cerebrais mais comuns dar neuromatriz da dor.27 As áreas mais comumente
ativadas são o córtex cingulado anterior, o córtex sensitivo primário (S1), o tálamo, a
ínsula anterior, o córtex pré-frontal e os córtices parietais posteriores.27,28 Durante uma
tarefa dolorosa, acredita-se que essas áreas cerebrais cada vez mais ativas se
comuniquem umas com as outras, desenvolvendo em essência um “mapa da dor”.25
Nenhuma das regiões ativadas na neuromatriz da dor refere-se apenas ao
processamento da dor, mas tem outras funções necessárias, tais como execução de
movimento, localização sensorial e consciência emocional. Durante os estados de dor
crônica, essas regiões podem ficar cada vez mais sobrecarregadas pelas tarefas
envolvidas no processamento da dor e, assim, sofrer em seu papel primário.28 A teoria
da neuromatriz da dor explica muitos problemas comumente vistos em pacientes com
dor crônica, como alterações na concentração, regulação da temperatura corporal,
distúrbios do sono e problemas de memória de curto prazo.25,28 Dada a enorme
complexidade de ativação neuronal, atividade sináptica, neurotransmissores e
moduladores, o “mapa da dor” primário também pode ser influenciado por circuitos
neurais vizinhos, o que provavelmente influencia a experiência da dor individual.29 O
fato de o “mapa da dor” de uma pessoa poder ser modulado pelos mapas adjacentes
em relação a seus conhecimentos, memórias, experiências passadas, crenças, etc.,
torna a experiência de dor de cada pessoa individualizada e pessoal.25 26,29
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Saída (output)
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Ameaça
A dor é produzida pelo cérebro quando o cérebro conclui que há uma ameaça e
a ação é necessária. Ameaças vêm em uma variedade de formas, incluindo lesões,
acidentes, doenças, cirurgias, traumas emocionais e até mesmo alterações na
neuroplasticidade.4,29,32 Agora está bem estabelecido que os problemas teciduais
(lesão, doença, cirurgia, etc.) são fortemente influenciados por fatores como medo,
evitação do medo, catastrofização da dor, fatores sociais e ambientais, entre
outros.17,33 Esses fatores tornaram-se conhecidos como bandeiras amarelas e
demonstraram aumentar e retardar a experiência dolorosa.17 Algumas bandeiras
amarelas incluem o aumento do medo e da ansiedade, problemas financeiros e de
emprego, tratamentos fracassados, vários exames médicos e diferentes explicações
para a dor (Figura 1).17 Por exemplo, uma pessoa que sofre de FM, tendo procurado
atendimento de múltiplos provedores, também pode ter outras questões psicossociais,
que poderiam influenciar as decisões de cuidados.
Propõe-se que os indivíduos que lutam com essas várias condições vivam sob
constante ameaça das várias questões que enfrentam e da ambiguidade de um
diagnóstico incerto.34 A ameaça é real e nunca desaparece. Com ameaça constante, a
neuromatriz da dor é ativada e vários sistemas (ou seja, dor, imunológico, simpático,
endócrino, etc) reagem e alteram sua função, mas devido à cronicidade da situação,
29,31,34
nunca permitem que os sistemas retornem aos níveis normais. Essa resposta
de saída alterada dos múltiplos sistemas influencia ainda mais a apresentação clínica
do paciente, culminando em imunodeficiência, sistema GI sensibilizado, controle motor
alterado e outros déficits (Figura 2).31,34 Há agora evidências emergentes que, durante
essa resposta biológica, um sistema é mais afetado que outros. Dependendo de qual
sistema é o mais afetado, ele pode se manifestar como uma condição clínica diferente,
embora parte da biologia subjacente seja relativamente a mesma (Figura 1) .13,31,34–38
Um corpo crescente de literatura apoia essa noção de ativação de vários sistemas
biológicos que se manifestam como “rótulos” diagnósticos diferentes. A semelhança
demonstrada na biologia resulta em várias questões sobrepostas na apresentação
clínica.31,34
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Se fôssemos considerar a ideia de que biologicamente FM, CFS, CLD, IBS e
sensibilidade ao glúten não-celíaca são os mesmos, deve-se considerar por que certos
sistemas biológicos são mais afetados que outros? O mecanismo preciso é
desconhecido, complexo e provavelmente multifatorial. Alguns autores têm implicado
predisposições genéticas, “memória” biológica de episódios anteriores de estresse e a
teoria do “elo fraco”.14,31,34,35 Outra possível consideração pode ser o especialista que
um paciente vê. Quando os pacientes apresentam ao clínico um grande número de
sinais e sintomas (Tabela 1), eles provavelmente serão encaminhados a um
especialista que melhor corresponda ao número de sintomas, seja um reumatologista,
endocrinologista, imunologista, etc. Argumenta-se que cada disciplina, com seu foco
estreito em um sistema particular, pode de fato ser uma fonte de classificação
dependente do sistema que elas exploram. Essa suposição concorda com as
evidências atuais que investigam o sistema imune na FM,13 sistema endócrino na
CFS14 e CLD,37 e o sistema gastrointestinal na SII.43
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Semelhanças: apresentação clínica, diagnóstico e tratamento
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fato, alguns pesquisadores de FM afirmaram que “ hipotireoidismo pode mimetizar os
sintomas da FM.”39
Para complicar ainda mais a situação para indivíduos com condições de dor crônica,
agora está bem estabelecido que muitas dessas condições só podem ser
diagnosticadas de fato por um processo de eliminação (Tabela 1). Com a ausência de
dados concretos, objetiváveis (isto é, exames de imagem ou exames de sangue), o
processo de diagnóstico provavelmente acrescentará ainda mais incerteza e
contribuirá ainda mais para a noção de uma semelhança entre os vários rótulos.
Embora a imagem seja comum a essas condições, a utilidade clínica tem pouco valor
devido a resultados falso-positivos e negativos.54,55 O uso de exames de sangue no
processo de diagnóstico também é de pouco valor devido a potenciais biomarcadores,
como citocinas, uma meia vida curta. Isso torna o uso de exames de sangue para
diagnosticar clinicamente muito desafiador devido à precisão questionável.13,39,51
À medida que nos movemos além da semelhança de sintomas e falta de testes
diagnósticos e para o melhor tratamento atual de evidências para FM, CFS, IBS e CLD,
a sobreposição se torna ainda mais aparente. Em consonância com uma visão geral,
o melhor tratamento atual de evidências para FM, CFS, IBS e CLD inclui uma
combinação de terapia cognitiva, movimento/exercício e medicação para acalmar o
sistema nervoso central, isto é, antidepressivos ou estabilizadores de membrana
(Tabela 1).
Se considerarmos o FM, CFS, IBS e CLD a partir de uma visão geral em termos
dos pensamentos atuais relativos à biologia subjacente, um padrão semelhante
emerge (Tabela 2) em relação aos processos biológicos encontrados com cada
condição.
Fibromialgia
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e agora respostas imunes.13,51 Vários autores ressaltam a ideia de que o sistema neuro-
imuno-endócrino é a força motriz por trás da apresentação da FM. Da mesma forma, é
mostrado que indivíduos com FM apresentam alterações no eixo HPA, o que altera a
produção de cortisol (Figura 2).13,51,58 A importância aqui é que o cortisol regula o
sistema imunológico, especificamente a produção de citocinas. Estudos mostram, com
um eixo HPA alterado e subsequente aumento de cortisol, maiores quantidades de
citocinas pró-inflamatórias, como interleucina-1, interleucina-6 e fator de necrose
tumoral-α, são produzidas, que com o tempo levam a um estado pró-inflamatório em
indivíduos com FM.13,51,58 Acredita-se que o sistema imunológico, via sinalização de
citocinas, desempenha um papel importante na FM.58 Para complicar ainda mais, o
hormônio feminino estrogênio, quando adicionado ao já estado pró-inflamatório por
citocinas pode exacerbar ainda mais esse estado.60 Isso pode explicar em parte porque
a FM é 10 vezes mais comum em mulheres do que em homens.39,51
13
Síndrome do intestino irritável
14
e IBS mostram ativação em áreas similares.27,64,65 Novamente, isso não é
surpreendente, considerando que a ativação da neuromatriz da dor não se restringe a
um tecido ou doença.
15
conseguir isso seria a educação do paciente (isto é, a PNE).19 O paciente com uma
compreensão mais profunda sobre a biologia da experiência da dor pode obter uma
resposta para a pergunta: “O que há de errado comigo?” não relacionado à região ou
a uma síndrome, mas de acordo com as diretrizes atuais de melhores evidências.15–17
PNE demonstrou influenciar positivamente a catastrofização da dor e a evitação do
medo,19,21 especificamente na FM e na SFC.22,23 Pesquisas mostram que a entrega da
PNE é melhor alcançada pelo uso de metáforas, exemplos e imagens.19,21,67,68 Um
exemplo de uma metáfora da PNE que pode ser usada para explicar como a dor crônica
pode ser vista como um estado de estresse crônico é uma história sobre um leão
entrando em uma sala. Essa metáfora de uma situação altamente estressante, o leão
na sala, pode ser usada para ajudar o paciente a entender melhor alguns dos
processos biológicos pelos quais seu corpo está passando.67,68 Nessa metáfora, os
vários estressores psicossociais e físicos são descritos como um leão, que mora com
eles diariamente. O terapeuta orienta o paciente a ver os benefícios de uma resposta
adaptativa imediata de "luta ou fuga" que é normal por períodos curtos. Em contraste,
essa resposta adaptativa com um cenário onde o leão permanece na sala por meses
e anos34 pode ser usada para mostrar o efeito mal adaptativo de longo prazo do
estresse nos vários sistemas biológicos, incluindo fadiga, distúrbios do sono,
sensibilidade gastrointestinal, problemas intestinais e da bexiga, sensibilidade nervosa
e músculos doloridos (Figura 2).
No entanto, a educação sozinha não é a resposta. Evidências atuais mostram
que a educação deve estar ligada à ação, especialmente ao movimento.19 Evidências
corroboram que os exercícios aeróbicos são benéficos para várias condições
discutidas ao longo desse material44,47. Além dos vários efeitos biológicos celulares
diretos (isto é, nutrição celular, oxigenação dos tecidos68), o exercício aeróbico tem
benefícios muito definidos para lidar com a dor crônica. Demonstrou-se que o exercício
aeróbico envolve vários mecanismos endógenos através da liberação de endorfinas e
encefalinas, o que pode aliviar a dor.69,70 Além disso, o exercício aeróbico demonstrou
diminuir a sensibilização do nervo,71 o que é importante, já que FM, CFS, IBS, e CLD
apresentam uma apresentação clínica de sensibilização central.12,61 Não é preciso
muito exercício para evocar mudanças positivas. Por exemplo, Hoffman e cols.70
mostraram que 10 minutos de exercício aeróbico a 50% do consumo máximo de
oxigênio (VO2 max) resultam em um efeito hipoalgésico. Fulcher e White72 mostraram
16
que, com o exercício aeróbico a partir de 3 minutos de caminhada, a adição de 1 a 2
minutos a cada dois dias com o objetivo de 30 minutos, 5 dias por semana, resultou
em uma mudança positiva na dor e na função dos pacientes com SFC. O exercício
aeróbico estimula poderosamente o sistema imunológico.73,74 Intervenções adicionais
complementares ao PNE e um programa de exercícios habilidosos devem incluir outras
estratégias comportamentais, como higiene do sono, consulta alimentar, relaxamento
e meditação, exercícios respiratórios e estabelecimento de metas.67,68
CONCLUSÃO
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respeite e valorize o trabalho e tempo dedicados ao processo por parte do tradutor.
Desta forma, não dissemine.
Cordialmente, Leonardo Avila.
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