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RESENHA DOR

Florianópolis | Santa Catarina | Brasil | @dorecoluna


Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila | Tradução livre e


comentários: Leonardo Avila abril #2

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: Clinical Reasoning in Musculoskeletal Practice | Second


Edition - Elsevier

Revista científica publicada: Clinical Reasoning in Musculoskeletal Practice | Second


Edition – Elsevier. Chapter 2.

Ano de publicação do artigo: 2019.

Representações neurais e a matriz corporal cortical:


Entenda a dor para tratar a dor, a fim de
tratar pacientes com dor.
Olá,

Sejam bem-vindo(a) a edição número 2 de abril/2020 do ResenhaDor.


Apreciem a resenha livre e notas do tradutor.

Att., Leonardo Avila | @dorecoluna

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A dor não é a única razão pela qual as pessoas procuram o atendimento de
profissionais musculoesqueléticos, mas é claramente um dos sintomas mais comuns
relatados pelos pacientes. A dor associada às condições músculo-esqueléticas é a
principal causa de incapacidade global e, apesar dos avanços no conhecimento e do
aumento exponencial dos custos com saúde, o problema parece estar piorando (Vos
et al., 2012). Dada a prevalência de dor na sociedade, é imprescindível que a dor seja
contemplada nas graduações em saúde (Briggs et al., 2011, 2013; Jones e Hush,
2011).
Compreender a dor e os fatores que contribuem para ela é um primeiro passo
importante para o tratamento e o gerenciamento eficazes de pacientes com dor. O
conhecimento da teoria e da biologia da dor permite que os clínicos compreendam
melhor e expliquem todo o espectro de apresentações de dor que encontram, do
simples ao complexo (Mosely, 2003). Compreender a dor proporciona aos clínicos a
capacidade de raciocinar através dos potenciais contribuintes para a dor do paciente,
informando hipóteses sobre diagnóstico, tratamento e prognóstico. É importante
ressaltar que a compreensão da dor garante que todos os contribuintes hipotéticos
sejam gerenciados ou tratados adequadamente.
Na resenha deste capítulo, os autores revisam a complexidade da dor de uma
perspectiva teórica e foi descrito brevemente os processos biológicos e patobiológicos
associados a ela. Além disso, foi introduzido o tipo de dor como uma categoria de
hipótese importante na tentativa de vincular os sinais e sintomas clínicos observados
em pacientes com dor aos mecanismos que podem sustentá-los. Em conclusão, os
autores consideram como o raciocínio sobre os contribuintes para a dor pode
potencialmente melhorar os resultados dos pacientes.

Compreendendo a dor

Com raras exceções, todos sentimos dor, e essas experiências influenciam nossa
compreensão da dor. Que um pequeno arranhão geralmente dói menos do que um
arranhão profundo e que a dor aparentemente diminui à medida que uma lesão cura
implica que o grau de dor que sentimos está diretamente relacionado à extensão de
uma lesão. A dor é geralmente interpretada como um sintoma indicativo de dano ao

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corpo. Se a dor persistir, a explicação intuitiva é que o processo de lesão ou doença
que a iniciou não conseguiu resolver.
Infelizmente, o treinamento que muitos clínicos recebem reforço a compreensão
intuitiva da dor. Modelos patoanatômicos de dor que descrevem a dor como marcador
de dano tecidual permanecem influentes. A maioria dos livros didáticos de graduação
retrata inadvertidamente a dor como uma consequência inevitável da ativação de um
"caminho da dor". A dor é considerada um sintoma de patologia que só se resolve após
a cicatrização de uma lesão (Martini, 2006; Snell, 2010). Raramente reconhece-se que
tais representações não são fatos, mas trivialidades que refletem as idéias de teorias
antiquadas da dor que não resistem ao escrutínio, ou seja, investigação (Gatchel et al.,
2007; Moayedi e Davis, 2013).
Mal-entendidos sobre a dor são inúteis para pacientes e clínicos. Pacientes que vêem
a dor como um marcador do estado do tecido podem relutar em participar do tratamento
e das atividades da vida diária (George et al., 2006; Pincus et al., 2002). Nas
apresentações de dor aguda, esses participantes podem confiar apenas nas
estratégias de tratamento passivo e não perceber a necessidade de abordar fatores
predisponentes e contribuintes relevantes tanto para o resultado imediato quanto para
a minimização da recorrência. Nas apresentações de dor persistente, esses pacientes
podem adotar estratégias de enfrentamento de fuga mal-adaptativa, como descansar
ou alterar a maneira como se movem ou se posicionam na tentativa de proteger a parte
dolorosa do corpo (Darlow et al., 2015; Waddell, 1998). Eles podem buscar estratégias
de tratamento passivo que proporcionem apenas alívio temporário, talvez tentando
uma terapia após outra na busca de alívio ou uma explicação para a dor que faça
sentido (Watson, 2013).
Os clínicos que vêem a dor como um sintoma da patologia abordarão o tratamento das
pessoas com dor a partir de uma perspectiva puramente biomédica, focada apenas
nos tecidos. Eles podem desinformar os pacientes sobre o significado e a origem de
seus sintomas ou, involuntariamente, reforçar atitudes negativas em relação à dor em
seus pacientes (Bishop et al., 2008; Coudeyre et al., 2006; Darlow et al., 2013). Em
casos de dor persistente, alguns clínicos podem confiar apenas em tratamentos
passivos que ofereçam alívio temporário da dor, mas não abordam os fatores
contribuintes. A falta de compreensão da natureza biopsicossocial de toda a dor pode
resultar em alguns clínicos estigmatizando pacientes com dor persistente, que não

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respondem ao tratamento com base no modelo biomédico, como tendo "dor
psicogênica" ou sendo portadores de mal-estar, aumentando o sofrimento desses
pacientes em vez de aliviando-o (Synnott et al., 2015).
Existem argumentos convincentes quanto ao fato de que apenas os entendimentos de
dor baseados em tecidos devem ser rejeitados. Há muitas histórias de pessoas que
sofreram ferimentos graves, mas não sentiram dor, por exemplo, soldados que relatam
ferimentos horríveis e indolentes no meio da batalha, vítimas de ataques de tubarões
que relatam amputações indolores e esportistas que sofrem lesões sem dor (Butler e
Mosely, 2013; Melzack e Wall, 1996). Experiências cotidianas, como aqueles
arranhões ou contusões que notamos em nossos corpos, mas não conseguimos
lembrar quando ocorreram, também atestam isso. Tais exemplos demonstram que a
lesão e as informações sensoriais que ela gera podem ocorrer independentemente da
dor. Por outro lado, os relatos da dor fantasma nos membros destacam que a dor pode
ser sentida na clara ausência de patologia e informações sensoriais (Melzack, 1999;
Ramachandran e Blakeslee, 1999).
A relação entre dor e patologia não é clara. Uma em cada duas pessoas com alterações
osteoartríticas radiográficas moderadas a graves nos joelhos é assintomática,
enquanto 1 em cada 10 pessoas com dor intensa no joelho não apresenta evidências
de artrite radiográfica (Bedson e Croft, 2008). Uma discordância semelhante é
observada na dor de coluna, onde os achados de degeneração de imagens são
altamente prevalentes em pessoas assintomáticas e parecem ser uma parte normal do
envelhecimento (Brinjikji et al., 2015). O mesmo vale para as neuropatias. Em um
estudo de larga escala de pacientes com diabetes, apenas 60% daqueles com
neuropatia grave relataram dor (Abbott et al., 2011).
De fato, foi afirmado que nenhum estudo até o momento, para qualquer condição
relacionada à dor, demonstrou uma relação direta entre patologia e dor (Clauw, 2015).
Ou seja, nem a presença ou ausência de dor nem a intensidade da dor podem ser
previstas com precisão pela presença ou ausência de patologia.
Toda dor, seja associada a uma lesão significativa ou a um sentimento momentâneo
que facilita a proteção, depende do significado e do contexto. Experimentos que
manipulam o significado de estímulos nocivos ou o humor dos participantes que
recebem o estímulo influenciam diretamente a intensidade da dor (Arntz et al., 1994;
Butler e Mosely, 2013; Mosely e Arntz, 2007). Clinicamente, a severidade da dor

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demonstrou variar dependendo da causa percebida. Soldados feridos em batalha
relatam menos dor e requerem menos analgesia que civis submetidos a procedimentos
de impacto comparável (Melzack e Wall, 1996) e pacientes de mastectomia que
atribuem dor ao retorno do câncer relatam níveis mais elevados de dor do que aqueles
que não o fazem (Smith et al. 1998). Esses exemplos aparentemente sugerem que o
mecanismo da dor, a sobrevivência versus um evento potencialmente transformador
da vida, em um primeiro momento, e as expectativas de mortalidade no segundo,
influenciam a quantidade de dor que é sentida. Uma crescente literatura clínica
demonstra que a intensidade e a duração da dor estão associadas a fatores de humor,
catastrofização, medo e baixa expectativa de recuperação (Chapman e Vierck, 2017;
Edwards et al., 2016).
Em vez de um marcador preciso da patologia tecidual, a dor é um sentimento
desagradável (Mosely e Butler, 2017) que apresenta aspectos sensoriais e emocionais
multifatoriais (Merskey e Bogduk, 1994). A dor é influenciada por fatores dos domínios
biológico, psicológico e social (Gatchel et al., 2007) e exige a proteção (se é necessária
ou não) da parte do corpo na qual é sentida. Na próxima seção, os autores consideram
como o cérebro determina teoricamente a necessidade de proteção e como constrói
uma experiência de dor. Também foi descrito, de forma breve, alguns dos principais
mecanismos que captam a dor, extrapolando as ciências básicas e clínicas.

A biologia da dor, uma breve cartilha.


Dor é um sentimento.

Dor é um sentimento, e ocorre na consciência. Ela parece desagradável e tem uma


localização. Essas características a separam dos "sentidos", que envolvem a sensação
ou não deles, e a separa das emoções, que convencionalmente se refere a respostas
corporais automáticas. A dor pode ser considerada um sentimento de proteção,
juntamente com outras sensações como fome, sede e dispnéia. Todos os fatores
desagradáveis e atraentes desencadeiam o comportamento de todo o organismo.
Quando consideramos "mecanismos relacionados à dor", devemos considerar
mecanismos pelos quais os sentimentos emergem na consciência, sem dúvida um dos
difíceis problemas das ciências da vida; devemos considerar a detecção de eventos

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teciduais potencialmente perigosos; devemos considerar todos os pensamentos que
ocorrem entre eles.
Apesar de uma vasta quantidade de pensamentos, os humanos ainda não descobriram
como a consciência emerge. Existem relatos metafóricos, e existem estruturas e até
princípios norteadores, mas a noção de hardware, células neurais e imunológicas no
cérebro humano, produzindo coisas como sentimentos, permanece na categoria
"mágica" e pode muito bem permanecer por algum tempo. Embora não saibamos como
os sentimentos emergem, temos algumas estruturas sólidas que podem explicar muito
quando, por que e até que ponto eles emergem.

Neurotags

A teoria contemporânea sobre como o cérebro produz a grande variedade de


resultados que produz é capturada em certa medida por um modelo do cérebro como
uma coleção maciça de redes neuroimunes, ou representações que são
frequentemente chamadas de "neurotags" (Butler e Mosely, 2013) . As neurotags
podem ser vistas, ou entendidas, como o mecanismo relacionado à dor mais "proximal"
à dor, a última coisa que acontece.
Uma neurotag pode ser rotulada de acordo com a saída (output) que gera. Por
exemplo, uma neurotag que resulta em um determinado comando de movimento pode
ser rotulado como a neurotag desse comando de movimento. Uma neurotag que
resulta em dor nas costas pode ser rotulada como a "neurotag das costas". A
possibilidade de ocorrer dor nas costas em um dado momento pode ser considerada
de acordo com a influência da neurotag da dor nas costas. Os fatores que governam a
influência de uma neurotag incluem a eficácia de suas conexões sinápticas (neuro-
neurais e neuro-imunes), o número de células envolvidas (sua "massa") e a precisão
de suas conexões. Pode-se ver prontamente que, por exemplo, quanto mais dor nas
costas, mais eficazes se tornam suas conexões ("neuroplasticidade") e maior sua
influência. Clinicamente, pode se manifestar como alodinia (dor devido a um estímulo
que normalmente não provoca dor, ou seja, um estímulo inócuo) e hiperalgesia
(aumento da dor de um estímulo que normalmente provoca dor, ou seja, resposta
aumentada - desproporcional ao estímulo nocivo).

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A natureza verdadeiramente biopsicossocial da dor também é capturada por esse
modelo de neurotag. Cada neurotag está sob a influência de um número
potencialmente infinito de outras neurotags. Por exemplo, um evento nocivo nas costas
pode muito bem levar à ativação de uma neurotag da "nocicepção das costas", que é
altamente influenciada sobre a neurotag de "dor nas costas". Se o paciente acreditar
que possui as costas "desgastadas" ou "degeneradas", cada uma dessas crenças será
mantida pelas neurotags. Cada uma dessas neurotags irá exercer alguma influência
sobre a neurotag da dor nas costas. Sendo assim, a magnitude dessa influência será
determinada pela eficácia sináptica, massa e precisão dessas neurotags.
Essa ideia de que as neurotags competem e colaboram pela influência oferece
explicações sensatas para muitas observações que não são facilmente explicadas
pelos modelos anteriores. Por exemplo, experimentos perceptivos intrigantes, como os
que mostram estímulos muito frios, sentidos como calor e mais dolorosos, quando
coincidem com uma sugestão visual vermelha (Mosely e Arntz, 2007), vinhos mais
caros associados com um melhor sabor - pareamento entre valor e qualidade -
(ativando circuitos de recompensa cerebral).
Considere também que o medo tende a superar a dor: a neurotag do medo e a neurotag
da dor nas costas competem por prioridade; qualquer sugestão que sugira que todo o
organismo esteja em perigo e precise tomar ações protetoras aumentará a
probabilidade de ativação da neurotag do medo; qualquer sugestão que sugira que
uma parte específica do corpo deva ser protegida aumentará a probabilidade de ativar
a neurotag da dor. Isso faz sentido ecológico e evolutivo: dada a opção de proteger a
vida ou proteger o braço, por exemplo, seria mais benéfico optar pela primeira
condição. As interações de diversas neurotags e a natureza individual das neurotags,
correspondentes à formação biopsicossocial exclusiva do paciente, destacam a
necessidade de avaliação explícita e abrangente de fatores biológicos, psicológicos e
sociais.

A detecção de perigos é importante

É sensato, quando se pensa em mecanismos relacionados à dor, ter uma boa


compreensão do baixo perigo, que é detectado e transmitido ao cérebro. Essa
capacidade de detecção, transmissão e representação de perigo é chamada

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nocicepção (cabe salientar, dor e nocicepção não são sinônimos). De acordo com o
que sabemos atualmente sobre a atividade cerebral associada à nocicepção, as
neurotags nociceptivas são grandes e têm alta eficácia sináptica, o que significa que
terão grande influência sobre as neurotags da dor.
A nocicepção é bem estudada. Esses tecidos do corpo são, em geral, bem inervados
por terminações nervosas livres. Essas terminações nervosas livres (terminações livres
de axônios periféricos) são principalmente fibras de pequeno diâmetro e fibras
mielinizadas finas - pouco mielinizados (A-δ) ou não mielinizadas (C), embora algumas
sejam fibras mielinizadas mais calibrosas (A-β). As terminações nervosas livres variam
de várias maneiras. Por exemplo, algumas apresentar limiar baixo, outras alto; algumas
se adaptam rapidamente, outros lentamente; algumas têm pequenos campos
receptivos e outras grandes. Em um estado fisiológico normal, são as terminações
nervosas livres de limiares mais altos que funcionam como nociceptores (ou
"detectores de perigo"), que respondem apenas a mudanças grandes e rápidas no
ambiente do tecido.
As terminações nervosas livres terminam na medula espinhal, onde entram numa
complexa matriz de neurônios, interneurônios e células do sistema imunológico. Os
modelos neurofisiológicos contemporâneos da substância cinzenta da medula espinhal
relacionam-se mais com os do cérebro. Também podemos aplicar a idéia da neurotag
aqui, conceituando a medula espinhal como um longo tubo do cérebro, como redes
neuroimunes, ou neurotags, cercado pelas "estradas" da substância branca, através
das quais as mensagens viajam rapidamente e sem interrupção de e para os centros
superiores (Moseley e Butler, 2017). A saída (outputs) das neurotags da coluna
vertebral pode influenciar outras neurotags da coluna vertebral ou ativar os neurônios
de projeção que terminam no corpo (esses são neurônios motores, que ascendem ao
tálamo). Essa matriz completa na medula espinhal oferece um mecanismo pelo qual
uma capacidade computacional maciça pode ocorrer no nível espinhal. De fato, a teoria
contemporânea da dor rejeita a idéia de o corno dorsal trabalhar como uma estação de
retransmissão para entrada nociceptiva, endossando, em vez disso, a idéia de o corno
dorsal atuar uma como estação de processamento que determina as características
espaciais e temporais de quaisquer outros sinais de perigo transmitidos para o cérebro.
Os detectores de perigo possuem uma grande variedade de sensores em suas
paredes, canais de íons que respondem a alterações químicas, térmicas ou mecânicas

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nos tecidos ou a uma mudança na tensão através da membrana celular (Ringkamp et
al., 2013). O perfil de resposta de um determinado detector de perigo refletirá a ativação
de canais iônicos em sua membrana, alguns respondem a pequenas e inócuas
mudanças no ambiente do tecido (incluindo uma subclasse de nociceptores que
responde ao toque leve (Abraira e Ginty, 2013; McGlone et al., 2014); algumas
apresentam limiares tão altos que são efetivamente silenciosos nos casos de
inflamação.

Sensibilização periférica, alodinia primária e hiperalgesia

Uma característica notável dos detectores de perigo é sua resposta à inflamação.


Lesão desencadeia inflamação, o primeiro estágio do reparo tecidual. Uma gama de
sensores nos detectores de perigo desencadeia uma série de eventos que ocorrem
dentro do neurônio e torna seus sensores químicos, térmicos, mecânicos e de tensão
mais sensíveis. O efeito dessa resposta é sensibilizar os detectores de perigo e “deixá-
los online" (os detectores de perigo de limiar muito alto que normalmente são
silenciosos). Essas adaptações no perfil de resposta ao estímulo dos detectores de
perigo são chamadas de sensibilização periférica.
O efeito da sensibilização periférica na nocicepção espinal obedece ao princípio básico
da neurotag baseado na massa: mais neurotags espinais ativadas equivalem a mais
influência sobre os nociceptores espinais. Como tal, a vantagem da resposta ao
estímulo mediada no nível do tecido pela inflamação é replicada na medula espinal.
Sendo todas as coisas iguais (o que realmente nunca são), o resultado clínico será um
limiar de dor reduzido frente a estímulos inócuos (alodinia) e uma resposta aumentada
a um dado estímulo nocivo (hiperalgesia). A sensibilização periférica seguirá o estado
inflamatório dos tecidos e, como tal, a sensibilidade nociceptiva está intimamente ligada
à atividade imune. Uma revisão completa está muito além do escopo deste capítulo,
mas basta sugerir que, em condições normais, a inflamação começará a diminuir
dentro de uma semana após a lesão, um processo que geralmente desencadeia a
resolução da sensibilidade.

Sensibilização espinal, alodinia secundária e hiperalgesia

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A ativação das neurotags da coluna vertebral desencadeia a aprendizagem dentro do
corno dorsal. De acordo com o princípio da eficácia sináptica das neurotags, esse
aprendizado, ou eficácia sináptica aprimorada, aumenta a influência das neurotags da
coluna vertebral e, portanto, melhora ainda mais as adaptações da resposta ao
estímulo. Os mecanismos pelos quais esse aprendizado ocorre incluem mudanças
transitórias na tensão de linha de base através das membranas pós-sinápticas,
aumento da produção de receptores pós-sinápticos e uma mudança no "ponto de
ajuste" da sinapse neuroimune. Esse processo foi por algum tempo referido como
"sensibilização central" (diferente da sensibilização periférica), mas provavelmente é
melhor rotulado como "sensibilização espinhal". Produzindo uma mudança nos perfis
de resposta ao estímulo e aumento dos campos receptivos dos nociceptores da coluna
vertebral, que se manifesta clinicamente como limiares de dor reduzidos às entradas
mecânicas ("alodinia secundária") e aumento da resposta a um determinado estímulo
nocivo ("hiperalgesia sencundária"). Esses efeitos podem ser tão profundos que as
neurotags da coluna vertebral associados à entrada tátil podem obter acesso as
neurotags nociceptivas da coluna vertebral. Clinicamente, isso pode se manifestar
como dor ao toque leve, um sinal fundamental de doença ou lesão neural (dor
neuropática).

Modulação descendente da nocicepção

O sistema nociceptivo é um sistema bidirecional. Neurotags da coluna vertebral estão


sob uma ampla gama de entradas moduladoras descendentes. Os neurônios de
projeção dos núcleos do mesencéfalo (principalmente a substância cinzenta
periaquedutal ou PAG) terminam na substância cinzenta da medula espinhal. Essas
projeções descendentes podem exercer influências facilitadoras ou influências
inibitórias, categorizadas como "facilitação descendente" ou "inibição descendente".
Os núcleos do mesencéfalo recebem projeções de muitas áreas diferentes do cérebro,
fornecendo o hardware para uma modulação potente e diversa da nocicepção da
coluna vertebral. Essa capacidade traz a natureza verdadeiramente biopsicossocial da
dor e da proteção em relevância para qualquer episódio doloroso, agudo ou

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persistente, devido à capacidade clara de que qualquer sugestão dos domínios
biológico, psicológico e social influencie a atividade e a leitura na medula espinhal.
Enquanto a função do sistema nociceptivo é afetada pela atividade, inflamação e
influências moduladoras, a integridade do sistema nociceptivo pode ser afetada por
danos ou doenças do hardware, nervos periféricos, gânglios da raiz dorsal, raízes
nervosas ou componentes do sistema nervoso central. A interrupção da capacidade de
neurônios de grande diâmetro para transmitir mensagens comprometerá a
sensibilidade ou a força, os chamados sinais negativos. Talvez contra-intuitivamente,
a interrupção das terminações nervosas livres, ou nociceptores da coluna vertebral,
para transmitir mensagens pode resultar em mais sensibilidade, e não menos, nos
chamados sinais positivos (Nee e Butler, 2006). Mecanismos periféricos incluem
problemas com a parede celular, resultando em locais anormais de geração de impulso
(AIGSs), que normalmente são mecanicamente sensíveis, de modo que a estimulação
mecânica desencadeia uma descarga que supera o próprio estímulo em até 2 minutos.
Mesmo adaptando muito lentamente as terminações nervosas livres, esse tempo é
muito anormal. Essa interrupção pode resultar em um perfil de tempo semelhante.
AIGSs também podem resultar em disparo espontâneo, o que aumentará a eficácia
sináptica, replicando assim os efeitos de sensibilização da coluna vertebral descritos
anteriormente. A interrupção das terminações nervosas livres, ou neurotags
nociceptivas centrais, também pode resultar de doença, por exemplo, neuropatia
diabética ou esclerose múltipla; trauma grave, por exemplo, ferimentos relacionadas a
armas de fogo ou amputações; carga mecânica sustentada ou repetitiva em excesso,
por exemplo, síndrome compartimental; e irritação química ou comprometimento do
fluxo sanguíneo, por exemplo, irritação da raiz nervosa ou tumor.

Sensibilização Central, alodinia terciária e hiperalgesia

O mecanismo pelo qual as neurotags da coluna vertebral se tornam mais influentes, o


aprendizado (princípio da eficácia sináptica) e a colaboração (princípio da massa)
também se aplicam as neurotags corticais. No entanto, quando as neurotags corticais
que representam nocicepção sofrem essas alterações, os efeitos são, previsivelmente,
mais difundidos. Além disso, quando as neurotags que produzem saídas protetoras -
outputs - (incluindo dor, mas também as respostas motoras, endócrinas, modulatórias

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descendentes, autonômicas e imunológicas) sofrem essas alterações, os efeitos agora
aumentam a influência de quaisquer pistas relacionadas à proteção. Considerando a
natureza biopsicossocial da dor, a sensibilidade nessas neurotags protetoras resultará
em limiares de dor reduzidos para qualquer combinação de pistas nos domínios
biológicos, psicológicos e sociais e aumento da dor para uma determinada combinação
dessas pistas. A manifestação dessas alterações pode ser conceituada como alodinia
terciária (limiares de dor reduzidos) e hiperalgesia terciária (aumento da dor em
situações normalmente dolorosas).
Existem outras alterações que ocorrem na função da medula e córtex quando a dor
persiste. Essas mudanças são bem estudadas a partir de uma perspectiva clínica e
comportamental e de uma imagem cerebral e neurofisiológica. Vários grupos estão
trabalhando para integrar esses dois campos. Muitas das apresentações mais
"bizarras" de pessoas com dor persistente, por exemplo, a sensação de inchaço
quando não existe ou a sensação de que já não "possui" uma parte dolorosa do corpo,
podem ser explicadas por essas mudanças de função. Um modelo que procura
entender esse corpo mais amplo da literatura é a matriz do corpo cortical, e o leitor
pode buscar maiores informações em (Moseley et al. 2012).

Pontos-chave

Dor é um sentimento; é desagradável, localizável no corpo e serve para proteger


quando a proteção é necessária. A dor é uma das várias respostas (outputs) protetoras
- adaptativas fisiológicas, ou seja, necessárias (respostas motoras, endócrinas,
modulatórias descendentes, autonômicas e imunológicas) que são iniciadas quando o
cálculo da "melhor suposição" conclui que o tecido corporal está em perigo; juntas,
essas respostas normalmente garantem as condições ideais para o indivíduo escapar
da lesão ou se recuperar após a lesão. Além disso, o sistema nervoso se adapta em
sua capacidade de detectar perigo, tornando-se mais sensível, e essa sensibilização
serve para potencialmente aumentar a probabilidade de dor. Às vezes, no entanto, a
dor persiste quando a proteção não é mais necessária. Fatores biológicos, psicológicos
e contextuais podem influenciar a persistência da dor e a sensibilização do sistema
nervoso levando à desregulação.

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Classificação da Dor

A dor é tipicamente categorizada em termos de onde é sentida, como é descrita (por


exemplo, dor, queimação) e quanto tempo persiste. Aguda refere-se à dor de início
recente, enquanto crônica refere-se à dor que persistiu após o tempo normal de
cicatrização (Bonica, 1953), que na prática pode ser inferior a 1 mês ou mais de 6
meses, dependendo da extensão da lesão e os tecidos corporais afetados (Treede et
al., 2015).
A dor é algo categorizado em termos de por que ela pode ocorrer, e isso sustenta a
noção de tipo de dor (Butler, 2000; Gifford, 1998; Jones et al. 2002). O tipo de dor é
uma tentativa de categorizar a dor pelos mecanismos supostamente contribuintes para
ela. Esses contribuidores são deduzidos a partir de achados clínicos e investigações
associadas. Embora vários mecanismos estejam inevitavelmente presentes em todas
as apresentações de dor, os clínicos podem levantar hipóteses sobre quais
contribuintes são dominantes e provavelmente estão causando um estado de dor. O
processo de raciocínio é informado por uma compreensão abrangente dos
mecanismos relacionados à dor e dos sintomas e sinais que se pensa inferirem na sua
presença.
Os tipos aqui considerados são os mais discutidos na literatura: dor nociceptiva,
inflamatória, neuropática, mista, nociplástica e "dor amplificada". Foi reconhecido, no
entanto, que esta lista não é exaustiva e outros fatores colaboradores, incluindo o
autonômico, neuroendócrino e neuroimune, podem dominar algumas apresentações
(Smart et al., 2011). No entanto, as categorias discutidas neste capítulo incorporam os
outros contribuidores em princípio, respondendo, portanto, pela maioria das
apresentações clínicas. Aqui, revisamos os sintomas e sinais associados a cada tipo,
referenciando os mecanismos biológicos que eles provavelmente inferem.

Dor nociceptiva

A dor nociceptiva refere-se à dor que está associada a danos reais ou potenciais ao
tecido não-neural e envolve a ativação de nociceptores periféricos (IASP taxonomia,
2015). É importante notar que o termo dor nociceptiva, amplamente aceito na literatura,

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não implica causalidade (isto é, nocicepção é igual a dor) porque toda experiência de
dor envolve fatores cognitivos, contextuais e de humor. Em vez disso, sugere que os
mecanismos nociceptivos baseados em tecidos são contribuintes dominantes para a
experiência. A dor nociceptiva é claramente vantajosa porque facilita a proteção. Pode
ocorrer com tensão excessiva ou uma mudança no ambiente químico, sem lesão
evidente, por exemplo, nocicepção associada à postura desencadeada por um
aumento local do ácido lático. No caso de lesão, a dor inflamatória (ou seja, relacionada
à inflamação), um subtipo de dor nociceptiva (Loeser e Treed, 2008), garante que
comportamentos que otimizam o registro sejam adotados e geralmente resolvidos à
medida que os tecidos lesados cicatrizam (Costigan et al., 2009). Em algumas
condições, por exemplo, osteoartrite ou artrite reumatóide, a dor nociceptiva pode
persistir, embora esses casos também estejam associados à sensibilização da coluna
vertebral e córtex. Notavelmente, os achados radiológicos não constituem evidência de
dor inflamatória.
Como a dor nociceptiva sugere uma contribuição significativa das terminações
nervosas livres, pode estar associada a evidências de patologia, como sinais cardinais
de inflamação ou achados radiográficos que estão de acordo com a apresentação
clínica e, quando apropriado, os mecanismos de lesão relatados ( Costing et al., 2009;
Wolf 2010). A gravidade da dor nesse tipo de dor é considerada "proporcional" (mas
não igual) à extensão dos fatores, embora relevantes, não estão aumentando a dor em
grande parte. A dor nociceptiva pode estar associada a alguma condição somática,
mas geralmente é localizada na área da lesão. A presença de inflamação infere o
desenvolvimento de sensibilização periférica e espinhal; portanto, é de esperar alguma
alodinia local e hiperalgesia em torno da região lesada, mas "proporcional" à patologia
suspeita.
De acordo com a hipótese de sensibilização periférica, é razoável esperar que as
apresentações de dor nociceptiva apresentem padrões mecânicos claros de fatores de
agravamento e relaxamento e um mecanismo reconhecível de início (história), por
exemplo, trauma manifesto ou alguma forma de uso excessivo ou tensão excessiva
(Smart et al., 2010). Os testes de movimento e palpação que avaliam o tecido lesionado
devem ser capazes de provocar a dor e reproduzir os sintomas do paciente. A dor
nociceptiva, quando associada a lesão aguda, deve resolver-se bem dentro dos tempos

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normais de cicatrização do tecido, ou seja, a história natural doença (Costigan et al.,
2009).

Dor neuropática

Dor neuropática refere-se à dor associada a uma lesão ou doença do sistema nervoso
somatossensorial (Treede et al., 2008). Pode ser categorizado ainda pela localização,
dependendo se a lesão afeta o sistema nervoso central ou periférico (Merskey e
Bogduk, 1994), essa discussão limita-se as condições neuropáticas periféricas. Para
ser classificada como dor neuropática, é necessária evidência clara de uma lesão ou
doença neuropática (Jensen et al., 2011), e um sistema de classificação de certeza foi
proposto (Finnerup et al., 2016). O requisito de evidência impede que condições
dolorosas com colaboradores neuropáticos propostos, mas indetectáveis, por exemplo,
pequenos colaboradores neuropáticos de fibras de menor calibre, sejam incluídos
nessa categoria (Jense et al., 2011). Também exclui condições caracterizadas por
sinais de sensibilização espinhal ou central na ausência de drivers neuropáticos
detectáveis. Vale ressaltar que a neuropatia não é necessariamente dolorosa e, das
lesões agudas dos nervos associadas à dor, a maioria resolve. Como na dor
nociceptiva, a dor neuropática infere que os mecanismos neuropáticos são os
contribuintes dominantes, mas não os únicos, para a experiência.
Embora sofisticadas técnicas neurofisiológicas tenham sido descritas, uma entrevista
com o paciente e um exame físico ainda são considerados mais adequados (Haanpaa
et al., 2011). O mecanismo de lesão de um paciente, histórico clínico prévio ou histórico
cirúrgico pode inferir que os tecidos neurais foram lesados mecanicamente tornando-
se comprometidos.
A dor neuropática geralmente está localizada na distribuição do nervo que se pensa
ser afetado (embora o processamento da coluna vertebral possa levar a variações não
dermatomais [Schmid et al., 2013]) e pode ser acompanhado por outros sinais
indicativos de disfunção neuronal, como alfinetadas e agulhas, dormência e fraqueza.
Indicativo da formação de AIGS, a dor neuropática pode ser descrita como em
queimação, pontada, forte, dolorida ou como um choque elétrico (Smart et al., 2010).
Pode ser acionado mecanicamente pelo movimento ou pode ser de natureza
espontânea com uma persistência prolongada. Portanto, a dor neuropática pode ser

16
facilmente irritada. A provocação da dor com testes neurodinâmicos (por exemplo,
elevação da perna reta) que carregam fisicamente tecido neural ou palpação direta de
nervos na área que se acredita estar comprometida (por exemplo, teste de Tinnel) pode
reproduzir os sintomas do paciente (Nee e Butler, 2006).
Se houver hipótese de dor neuropática, uma avaliação neurológica completa deve ser
incluída como parte do exame físico. A avaliação da sensação tátil, picada, vibração,
frio e calor fornece os sinais positivos e negativos associados à neuropatia (Haanpaa
et al., 2011).
Várias ferramentas de triagem baseadas em questionário foram criadas para auxiliar
os clínicos ao longo da triagem de possíveis contribuintes neuropáticos. Embora
sozinhos sejam considerados inferiores à avaliação clínica, podem ajudar não clínicos
a diferenciar entre a provável predominância de contribuintes nociceptivos e
neuropáticos. Eles também fornecem uma medida do tipo de dor ao longo de um
continuum para fins de relatório e podem ser facilitados por telefone ou internet se os
pacientes forem tratados em locais remotos (Haanpaa et al., 2011). Algumas
ferramentas recomendadas, incluindo painDETECT (Freynhagen et al., 2006) e
Douleur Neuropathique (DN4) (Bouhassira et al., 2005, consistem apenas em itens de
autorrelato, enquanto outras, como a avaliação de Leeds de sintomas e sinais
neuropáticos (LANNS) (Bennett, 2001), incluem itens de auto-relatados e itens de
avaliação física.

Dor mista

Dor mista refere-se a apresentações que incluem evidências de colaboradores


neuropáticos e nociceptivos. Embora todas as apresentações incluam múltiplos
colaboradores, a dor mista como categoria é reservada para os casos que possuem
colaboradores nociceptivos e neuropáticos claros que podem estar direta ou
indiretamente relacionados e requerem considerações iguais no tratamento.

Dor nociplástica

Como definir o tipo de dor que persiste na ausência de patologia do tecido não-neural
ou neural é uma questão controversa, porque é uma categoria de inferência e não de

17
evidência (Hanson, 2014; Wool, 2014). Vários descritores foram apresentados,
incluindo dor de sensibilização algopática, nocipática e central mal adaptativa (Kosek
et al, m 2016; Nijs et al. 2014). O que eles compartilham em comum é a referência a
alterações funcionais nas vias nociceptivas centrais, embora, como observado
anteriormente, essas alterações estejam associadas à dor nociceptiva e neuropática.
Aqui, nos referimos a essa categoria de dor como nociplástica; um termo endossado
pela Força-Tarefa da IASP (Associação Internacional para o Estudo da Dor) em sua
Taxonomia que capta a plasticidade nociceptiva (Kosek et al., 2016). A dor nociplástica
é claramente disfuncional, pois não oferece benefício protetor às pessoas que a
experimentam.
A dor nociplástica é significativamente desproporcional a qualquer contribuição
plausível do tecido, persistente além do tempo esperado de cicatrização do tecido e
pode ser recorrente por natureza. É caracterizada por alodinia e hiperalgesia
generalizadas que persistem na ausência de drivers neuropáticos ou em tecidos não
neurais. Assim, infere-se que a sensibilização é mantida devido a alterações nas vias
modulatórias descendentes e desregulação dos demais sistemas de proteção. Na
ausência de biomarcadores viáveis, é, no entanto, uma categoria clínica de exclusão
(Vardeh et al., 2016).
A dor nociplástica é frequentemente associada ao sofrimento psicológico (Smart et al.,
2010); crenças mal adaptativas; baixa auto-eficácia; incapacidade física
desproporcional; alterações familiares; trabalho e vida social; além de sono perturbado
(Edwards et al., 2016). Esses fatores são consequências e contribuintes para a dor.
Conceituadas como neurotags, crenças inúteis, por exemplo, podem influenciar e
contribuir para a persistência da dor, facilitando a sensibilidade nas neurotags da
coluna vertebral pelas vias descendentes. Estressores psicológicos ou fatores de
humor podem ativar sistemas de proteção, influenciando indiretamente a sensibilização
periférica e espinhal. Condições como fibromialgia, dor nas costas crônica inespecífica,
síndrome da dor complexa regional (tipo 1) ou síndrome do intestino irritável são
exemplos desse tipo de dor (Clauw, 2015; Woolf, 2011).
A dor nociplástica pode ser desproporcionalmente intensa, de natureza difusa e varia
nos testes físicos ou funcionais das respostas. Os pacientes podem ter dificuldade em
localizar sua dor ou podem relatar que é de natureza migratória. A dor pode ser relatada
em várias regiões do corpo e pode refletir-se no membro contralateral. A alodinia pode

18
ser generalizada e não seguir uma distribuição anatômica lógica (Smart et al., 2010).
Os pacientes podem relatar distúrbios perceptivos, como sensações de inchaço ou
sintomas do tipo negligência - do segmento (Bray e Mosely, 2011; Mosely et al., 2006;
Stanton et al., 2012).
O Inventário de Sensibilização Central (CSI) foi desenvolvido para auxiliar os clínicos
na triagem de sintomas indicativos de Sensibilização Central (Mayer et al., 2012). Ele
contém 25 itens que avaliam sintomas relacionados à dor e à saúde, resultando em
uma pontuação total entre 0 e 100. Foi demonstrado que escores superiores a 40 (nota
de corte) diferenciam corretamente pacientes com e sem síndromes relacionadas à
Sensibilização Central (83% dos casos) (Neblett et al., 2013). Uma abordagem de
algoritmo, incorporando o CSI, foi descrita para identificar especificamente aqueles
pacientes com dor nociplástica (Nijs et al., 2014).
A abordagem prioriza a exclusão de colaboradores neuropáticos e, em seguida,
procura diferenciar a dor nociplástica da dor nociceptiva. Dois critérios são
considerados fundamentais: dor desproporcional à lesão ou patologia e dor que é
difusamente distribuída. O primeiro é considerado essencial, enquanto a presença do
segundo confirma o veredicto ou aconselha um interrogatório adicional via CSI (Nijs et
al., 2014). Ferramentas específicas para detectar a presença de distúrbios perceptivos
relacionados à dor foram desenvolvidas e validadas para algumas populações de dor.
O Fremantle Back Awareness Questionnaire (Wand et al., 2016) e Neurobehavioral
Questionnaire para pacientes com síndrome da dor complexa regional (Galer e Jenses,
1999) são exemplos.
A dor aumentada, um subtipo de dor nociplástica, refere-se a apresentações
nociceptivas ou neuropáticas, nas quais a dor e os comportamentos relacionados à dor
são claramente desproporcionais às contribuições dos drivers periféricos. Assim como
a dor nociplástica, a dor aumentada está associada ao sofrimento psicológico e às
expectativas de recuperação insuficiente. Está bem documentado que a probabilidade
de recuperação bem-sucedida diminui à medida que a dor persistir (Costa et al., 2009;
Itz et al., 2013; Waddell, 1998). Por esse motivo, optamos por diferenciar dor
aumentada de dor nociplástica para destacar a necessidade de identificar pacientes
agudos com risco significativo de cronicidade. Assim, a dor aumentada apresenta
sinais e sintomas clínicos indicativos de patologia neural ou tecidual em conjunto com
fatores de risco psicológicos, sociais e ambientais, as chamadas bandeiras amarelas.

19
As bandeiras amarelas foram desenvolvidas como diretrizes para auxiliar os clínicos
na identificação de fatores de risco em pacientes com dor lombar (Kendall et al., 1997)
e, desde então, foram adaptadas a outras condições de dor crônica. Elas são
categorizados de maneira ampla a respostas emocionais (Nicholas et al., 2011). As
crenças incluem, mas não se limitam a compreensão dos pacientes sobre dor (Mosely
e Butler, 2015), catatrofização (Sullivan et al., 2001), controle percebido (Jensen et al.,
2002; Nicholas et al., 2011) e expectativas de recuperação (Iles et al., 2008). Os
comportamentos incluem atividades de vida diária (Leeuw et al., 2007) e estratégias de
enfrentamento passivas, como repouso em momentos de dor, busca de medicamentos
e abandono da atividade física (Watson, 2013). A avaliação e o tratamento requerem
atenção à compreensão do paciente sobre sua condição, incluindo a avaliação de
ameaças do paciente e o gerenciamento de expectativas. É essencial garantir que os
pacientes entendam diagnósticos e resultados conflitantes ou complexos de futuras
investigações, assim como a evitação e esclarecimento do jargão diagnóstico. Como
observado anteriormente, muitas emoções diferentes são expressas pelos pacientes
com dor, a maioria sendo negativa. Isso inclui depressão e ansiedade, mas também
frustração e raiva (Gatchel et al., 2007). Garantir que os pacientes possam expressar
essas emoções livremente e que cada uma delas seja considerada no planejamento
de manejo é essencial. Embora sejam barreiras inúteis e potenciais à recuperação, as
bandeiras amarelas devem ser consideradas reações psicológicas normais aos
sintomas osteomusculares que podem ser passíveis de mudança por clínicos treinados
da equipe multidisciplinar quando identificados precocemente (Nicholas et al. 2011).

Outras cores que foram introduzidas no sistema de bandeiras incluem laranja, azul e
preto. As bandeiras laranja distinguem os fatores de risco psicológico que são
considerados anormais, os fatores psiquiátricos que atendem aos critérios da
psicopatologia e requerem referência especial à saúde mental (por exemplo,
depressão e transtorno de personalidade) (Main, 2013; Nicholas et al., 2011). As
bandeiras azul e preta que se relacionam com a percepção (por exemplo, pressões
percebidas no tempo, falta de satisfação, apoio do empregador, ambiente de trabalho
estressante) e as características (por exemplo, taxas de remuneração, condições de
trabalho) do local de trabalho dos pacientes, respectivamente, também devem ser
consideradas e abordadas (Mais e Spanswich, 2000).

20
Outros fatores de risco dignos de nota incluem altos níveis de dor, idade e sexo, onde
idosos e mulheres correm maior risco. Também digno de nota são o isolamento social,
relacionamentos (excessivamente favoráveis e não favoráveis), uma língua primária
diferente da do país de residência, baixos níveis de educação e maior duração da dor
ou um período maior de atividade reduzida antes da consulta (Costa et al. (2009); Flor
et al. 1987; Henshke et al., 2008; Nicholas et al., 2011; Romano et al., 1995; van Heck
et al., 2013).
Várias ferramentas de triagem foram criadas para ajudar os clínicos a identificar
bandeiras amarelas associadas a apresentações aumentadas ou nociplásticas, e estas
foram discutidas em mais detalhes em outros lugares (consulte a discussão sobre
triagem de fatores psicológicos pelo questionário no capítulo 4 deste livro). Exemplos
notáveis incluíram o Orebro Musclekeletal Pain Questionnaire (Linton e Halldén, 1998),
a Pain Catastrophizing Scale (Sullivan et al., 1995), Pain Self Efficacy Questionnaire
(Nicholas, 2007), Neurophysiology of Pain Questionnaire (Moseley, 2003) e o Escala
de Depressão, Ansiedade e Estresse (Lovibond e Lovibond, 1995), cada uma
mostrando razoáveis propriedades psicométricas (Catley et al., 2013; Di Pietro et al.,
2014; Parkitny et al., 2012; Watson et al., 2013; Westman et al., 2008).
Se um tipo de dor nociplástica ou dor aumentada for detectada, é indicada uma
abordagem de gerenciamento multifacetada e muitas vezes multidisciplinar que visa
abordar cada dimensão em especial. Na dor aumentada, a redução da intensidade da
dor é uma prioridade do tratamento. No entanto, para a dor nociplástica, a ênfase
geralmente muda para a função.

Pontos chave

O tipo de dor refere-se à categorização dos termos de dor dos mecanismos


supostamente contribuintes para ele. As categorias incluem dor nociceptiva,
inflamatória, neuropática, mista, nociplástica e aumentada. Como vários mecanismos
estão presentes em cada apresentação da dor, os descritores não inferem a causa,
mas descrevem ou qualificam o mecanismo contribuinte dominante. Os mecanismos
contribuintes são deduzidos a partir de achados clínicos e investigações associadas.

Implicações da categorização do tipo de dor

21
A consideração do tipo de dor incentiva uma abordagem biopsicossocial ao
atendimento do paciente. É informado por uma entrevista abrangente do paciente e
exame físico. Compreender a apresentação dos sintomas dos pacientes, suas
atividades e capacidades e restrições de participação, suas perspectivas sobre suas
experiências de dor e incapacidade e suas circunstâncias sociais fornece uma visão
geral que permite que o tipo de dor seja proposto como "teste"/inferência adicional
através do exame físico e avaliação contínua.
O raciocínio através dos contribuintes plausíveis para a dor informa o diagnóstico, o
prognóstico e o manejo. Observe que, neste texto, o raciocínio diagnóstico não se limita
à categorização clínica tradicional de patologia ou doença. Em vez disso, conforme
discutido no Capítulo 1, o diagnóstico da prática musculoesquelética encapsula a
análise clínica das limitações funcionais dos pacientes e deficiências físicas e de
movimentos associadas, considerando o tipo de dor, a patologia tecidual e o amplo
escopo de possíveis fatores contribuintes. Fatores contribuintes para o
desenvolvimento e manutenção dos problemas dos pacientes podem ser psicológicos,
sociais, ambientais, físicos e hereditários. Por exemplo, em algumas condições, como
dor aguda nas costas, as contribuições dos tecidos para a dor podem não ser claras,
mas o raciocínio através das fontes prováveis pode informar decisões clínicas sobre o
manejo e os conselhos fornecidos aos pacientes. A identificação precoce de uma dor
aumentada ou nociplástica garantirá que a estratégia de tratamento seja adaptada
adequadamente para acomodar possíveis barreiras psicossociais à recuperação. Ele
também informa o prognóstico, pois os pacientes com bandeiras amarelas
significativas provavelmente levarão mais tempo para se recuperar.
A consideração do tipo de dor, no entanto, deve garantir que as bandeiras vermelhas,
sinais sugestivos de patologia (red flags), sejam minuciosamente investigadas e não
sejam atribuídas erroneamente à sensibilização do sistema nervoso (Koess et al.
2010). Foram relatadas cerca de 50 bandeiras vermelhas e, quando consideradas
isoladamente, muitas apresentam altas taxas de falsos positivos (Henschke et al.,
2009); Williams et al., 2013). Se agir de forma acrítica, as bandeiras vermelhas podem
aumentar desnecessariamente o custo do tratamento e talvez impedir a recuperação
dos pacientes; por exemplo, há uma crescente apreciação do impacto negativo que o
uso excessivo da imagem pode ter (Brinjikji et al., 2015; Darlow et al., 2017). No

22
entanto, a presença de alguns fatores pode indicar que ações imediatas devem ser
tomadas (por exemplo, características da síndrome da cauda equina) e uma
combinação de bandeiras vermelhas (por exemplo, trauma, idade e sexo) ou a falha
na resolução de uma bandeira (por exemplo, febre) podem indicar a necessidade de
mais investigações (Henshke et al., 2009).
Embora o tipo de dor seja uma consideração importante, há várias limitações de
categorização que devem ser observadas. Primeiro, o tipo de dor informa o processo
de raciocínio, mas não é um diagnóstico. Qualquer hipótese sobre a dor e, portanto,
seu manejo deve ser considerada no contexto maior da apresentação do paciente
(Rabey et al., 2015). Segundo, os mecanismos subjacentes à dor são complexos e os
mecanismos individuais, inferidos pelo exame, não são necessariamente exclusivos de
nenhum processo patológico específico (Woolf e Mannio, 1999). De maneira
semelhante, os contribuidores da dor, especialmente os contribuintes psicológicos e
contextuais, variam continuamente a cada momento e podem diferir na influência ao
longo do tempo, indicando que o processo de raciocínio é contínuo. Terceiro, a
categorização do tipo de dor depende do conhecimento, expertise e experiência do
clínico.
Como as ciências da dor estão evoluindo continuamente à medida que novos
conhecimentos surgem, é imperativo que os clínicos se mantenham atualizados com a
literatura e continuem desenvolvendo suas habilidades clínicas. Quarto, as categorias
de tipo de dor ainda precisam ser validadas de forma abrangente contra técnicas
neurofisiológicas "padrão ouro", como testes sensoriais quantitativos em qualquer
condição de dor (Rabey et al., 2015). Em vez disso, eles são inferidos pela opinião de
especialistas com base na extrapolação de evidências científicas básicas (Smart et al.,
2010). Finalmente, a evidência clínica para apoiar a categorização dos pacientes de
acordo com o tipo de dor para melhorar o resultado do paciente é atualmente escassa
(Hensly e Courtney, 2014).

Conclusões

Dor é uma sensação. É influenciada por uma infinidade de fatores e sempre envolve a
proteção ao corpo. Compreender a dor como um sentimento protetor ao invés vez de
um marcador preciso de danos aos tecidos onde dói aumenta a confiança do clínico

23
quando confrontado com apresentações complexas, além melhorar a aliança
terapêutica entre o clínico e paciente, facilitando uma abordagem verdadeiramente
biopsicossocial. Embora os mecanismos subjacentes à dor sejam complexos e não
totalmente compreendidos, os clínicos bem informados são capazes de formular
hipóteses sobre os mecanismos contribuintes predominantes para a dor, através da
inferência dos sinais e sintomas apresentados. O tipo de dor, como categoria de
hipótese, reflete esses contribuintes dominantes, nos quais as apresentações de dor
podem ser categorizadas de maneira ampla como nociceptivo, neuropático e
nociplástico. Embora sejam necessárias mais pesquisas para validar o perfil dos
pacientes e determinar se a categorização melhora os resultados dos pacientes,
quando consideradas no contexto da estrutura de raciocínio, hipóteses sobre o tipo de
dor informam decisões de diagnóstico, manejo e prognóstico e incentivam uma
abordagem de gerenciamento multifacetada e quando necessário multidisciplinar,
conforme recomendado na maioria das diretrizes clínicas contemporâneas.

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