Você está na página 1de 12

SEMIOLOGIA DA DOR

Mecanismo fisiopatológico:

A dor compreende três mecanismos básicos: transdução, transmissão e modulação, pertencentes ao


componente sensorial-discriminativo da sensação dolorosa.

Transdução
É o mecanismo de ativação dos nociceptores, fenômeno que ocorre pela transformação de um
estímulo nóxico - mecânico, térmico ou químico - em potencial de ação.
Os nociceptores nada mais são do que terminações nervosas livres de fibras mielínicas finas (A-delta
ou III) sensíveis aos estímulos mecânicos e/ ou térmicos nóxicos, ou amielínicas (C ou IV), sensíveis
aos estímulos citados e aos químicos (nociceptores C polimodais).

Os estímulos mecânicos e térmicos nóxicos, além de excitarem os nociceptores sensíveis a eles,


promovem dano tecidual e vascular local, liberando ou formando uma série de substâncias, tais como
os íons hidrogênio e potássio, serotonina, histamina, cininas, leucotrienos, prostaglandinas e substância
P, as quais, por sua vez, atuam nos nociceptores a elas sensíveis por meio de três mecanismos distintos:
ativação direta (potássio, hidrogênio, cininas, serotonina e histamina), sensibilização (cininas,
prostaglandinas e substância P) e produção de extravasamento do plasma (substância P e cininas).

Cumpre assinalar que, no ser humano, a estimulação isolada de fibras A-delta cutâneas produz dor em
pontada, a de fibras C cutâneas, dor em queimação, e a de fibras A-delta e C musculares, dolorimento
(aching pain) ou cãibra.

Admitindo-se que a dor seja um sinal de alarme, compreende- se que o estímulo adequado para
provocá-la em um tecido é aquele que, em geral, é capaz de lesioná-lo. Assim, os nociceptores
musculares são mais sensíveis ao estiramento e à contração isquêmica; os articulares, aos processos
inflamatórios e aos movimentos extremos; os viscerais, à distensão, à tração, à isquemia, ao processo
inflamatório e à contração espasmódica; os das cápsulas das vísceras maciças, à distensão; os
miocárdicos, à isquemia; e os tegumentares, a uma variedade de estímulos mecânicos, térmicos e
químicos nóxicos, mas não à distensão e à tração.

Observa-se, também, uma extrema variabilidade na sensibilidade dos diferentes tecidos e órgãos aos
estímulos dolorosos, o que reflete a distinta concentração e distribuição de terminações nociceptivas
neles. Os parênquimas cerebral, hepático, esplênico e pulmonar, por exemplo, são praticamente
indolores. Em contrapartida, o tegumento e o revestimento fibroso do sistema nervoso (meninges), dos
ossos (periósteo) e das cavidades abdominal (peritônio parietal) e torácica (pleura parietal) são
extremamente sensíveis.

Transmissão
É o conjunto de vias e mecanismos que possibilita que o impulso nervoso, gerado ao nível dos
nociceptores, seja conduzido para estruturas do sistema nervoso central comprometidas com o
reconhecimento da dor (Figura 7.2).

As fibras nociceptivas (A-delta e C), oriundas da periferia, constituem os prolongamentos periféricos


dos neurônios pseudounipolares situados nos gânglios espinais e de alguns nervos cranianos (trigêmeo,
principalmente, facial, glossofaríngeo e vago). As provenientes de estruturas somáticas cursam por
nervos sensoriais ou mistos e apresentam uma distribuição dermatomérica. Já as que vêm das vísceras
cursam por nervos autônomos simpáticos (cardíacos médio e inferior, esplâncnico maior, menor e
médio, esplâncnicos lombares) e paras simpáticos (vago, glossofaríngeo e esplâncnicos pélvicos - S2,
S3 e S4).

O nervo vago é responsável pela inervação dolorosa do parênquima pulmonar {muito discreta) e dos
2/3 superiores do esôfago. O parassimpático pélvico é responsável pela inervação do cólon
descendente, sigmoide, reto e boa parte da bexiga e uretra proximal. Os nervos simpáticos, por sua
vez, são responsáveis pela inervação dolorosa do coração, da maior parte do trato gastrintestinal (1/3
inferior do esôfago, estômago, delgado, cólon ascendente e transverso, figado, vias biliares e pâncreas)
e de grande parte do trato geniturinário, observando-se que a bexiga e a uretra proximal têm inervação
parassimpática e simpática.

Os impulsos que seguem pelos nervos simpáticos passam pelo tronco simpático e alcançam os nervos
espinais pelos ramos comunicantes brancos. Os aferentes nociceptivos cardíacos adentram a medula
entre os 1 a e 5Jl segmentos torácicos, os do trato digestivo, entre o 5° segmento torácico e o 2° lombar,
e os do trato geniturinário, entre o 1 Oº torácico e o 2º lombar. Os impulsos que trafegam pelo
parassimpático pélvico atingem a medula entre os 2° e 4° segmentos sacrais, por meio dos respectivos
nervos espinais.

Os prolongamentos centrais dos neurônios pseudounipolares adentram a medula espinal (ou o tronco
cerebral) sobretudo pela raiz dorsal (porção ventrolateral), mas também pela raiz ventral, na qual se
bifurcam em ramos ascendente e descendente, constituindo o trato dorsolateral ou de Lissauer. Tais
ramos fazem sinapse com neurônios do corno dorsal; as fibras C cutâneas terminam principalmente
nas lâminas I e IIo de Rexed, as fibras A-delta cutâneas, bem como os aferentes musculares (A-delta
e C), nas lâminas I e V, e os aferentes viscerais (C e A-delta), nas lâminas I, IIo, V e X.
Vários são os neurotransmissores nesses aferentes, destacando- se o glutamato, aparentemente
responsável pela excitação rápida dos neurônios medulares, e a substância P, envolvida
com a excitação lenta dos mesmos. Outras substâncias, tais como a somatostatina, o polipeptídio
intestinal vasoativo e o polipeptídio relacionado com o gene da calcitonina, dentre
outras, parecem atuar não pela ativação ou inibição direta dos neurônios medulares, mas sim pela
modulação da transmissão sináptica.

Dos neurônios do corno dorsal originam-se as vias nociceptivas, que podem ser divididas em dois
grupos principais:

 Vias do grupo lateral: Por serem essas vias e estruturas somatotopicamente organizadas,
estão elas envolvidas com o aspecto sensorial-discriminativo da dor.

 Vias do grupo medial: As vias do grupo mediai não são somatotopicamente organizadas e estão
relacionadas com o aspecto afetivo-motivacional da dor (Figura 7.2).

Independentemente de sua origem (somática ou visceral), as fibras nociceptivas parecem trafegar no


sistema nervoso central pelas mesmas vias, cursando, em sua maioria, pelo quadrante anterolateral da
medula espinal.

Modulação
Além de vias e centros responsáveis pela transmissão da dor, há também os responsáveis por sua
supressão. E, curiosamente, as vias modulatórias são ativadas pelas nociceptivas. A estimulação
elétrica de outras estruturas, como o funículo posterior da medula espinal, lemnisco mediai, tálamo
ventrocaudal, cápsula inte.rna, córtex somestésico e córtex
motor, também pode proporcionar alívio da dor. Em vista disso, percebe-se que todas essas estruturas
estão, de alguma forma, envolvidas na modulação da sensação dolorosa. A partir desse conhecimento,
Vilela Filho, em 1996, propôs a existência do circuito modulatório prosencéfalo-mesencefálico, que
justificaria a analgesia obtida pela estimulação dessas áreas do sistema nervoso (Figura 7.5).

Conclui-se que a dor pode ser provocada tanto pela ativação das vias nociceptivas como pela lesão das
vias modulatórias (supressoras), o que a torna semelhante a outras funções envolvidas na manutenção
da homeostase, como a pressão arterial e a temperatura.
Características semiológicas da dor

Todo paciente deve ser sistematicamente avaliado, levando-se em consideração as 1O características


semiológicas da dor (decálogo da dor): localização, irradiação, qualidade ou caráter, intensidade,
duração, evolução, relação com funções orgânicas, fatores desencadeantes ou agravantes, fatores
atenuantes e manifestações concomitantes.

Localização: Refere-se à região onde o paciente sente a dor. Descrições como "dor na vesícula"
carecem de valor semiótico e devem ser desencorajadas, pois dependem da imagem corporal que o
paciente tem, a qual pode ser completamente equivocada. Deve-se solicitar ao paciente que aponte
com um dedo a área dolorida, que deve ser registrada de acordo com a nomenclatura das regiões da
superfície corporal.

Irradiação: Dor irradiada pode surgir em decorrência do comprometimento de praticamente qualquer


raiz nervosa, podendo ser o território de irradiação predito pelo exame do mapa dermatomérico.

Qualidade ou caráter: Para que seja definida a qualidade ou o caráter da dor, o paciente é solicitado
a descrevê-la ou dizer que tipo de sensação e emoção ela lhe traz. Vários termos são utilizados para
descrever sua qualidade. Tal variabilidade pode indicar diferentes processos fisiopatológicos
subjacentes ou apenas características socioculturais. Não raro o paciente experimenta extrema
dificuldade em qualificar sua dor. Quando isso ocorre, o médico deve oferecer a ele uma relação de
termos "descritores" mais comumente usados e solicitar que escolha aquele ou aqueles que
caracterizam sua dor de maneira mais adequada. Então, deve-se definir se esta é espontânea e/ou
evocada.

Intensidade: É um componente extremamente relevante da dor, aliás é o que apresenta maior


importância para o paciente. Resulta da interpretação global dos seus aspectos sensoriais, emocionais
e culturais. Sua magnitude é o principal determinante do esquema terapêutico a ser instituído ou
modificado.
Duração: Inicialmente, determina-se com a máxima precisão possível a data de início da dor. Quando
ela é contínua, calcula-se sua duração de acordo com o tempo transcorrido entre seu início e o momento
da anamnese. Se é cíclica, interessa registrar a data e a duração de cada episódio doloroso. Se é
intermitente e ocorre várias vezes ao dia, é suficiente que sejam registrados a data de seu início, a
duração média dos episódios dolorosos, o número médio de crises por dia e de dias por mês em que se
sente dor. Dependendo de sua duração, a dor pode ser classificada como aguda ou crônica. Aguda é
aquela que dura menos de 1 mês (ou 3 meses, conforme outros autores), e desaparece dias ou semanas
após a cura de uma doença ou lesão. Dor crônica é a que persiste por 1 mês além do necessário para a
cura da doença ou lesão causal, durando, habitualmente, mais de 3 meses (1 mês ou 6 meses, segundo
outros autores).

Evolução: Trata-se de uma característica semiológica de extrema relevância, que nos revela a maneira
como a dor evoluiu, desde o seu início até o momento da anamnese. Sua investigação é iniciada por
seu modo de instalação: se súbito ou insidioso. Assim, devemos nos interessar não somente pelas
características da dor na fase inicial ou no momento atual, mas por todas as alterações ocorridas no
transcurso de sua evolução. Tais dados fornecem valiosas pistas para o esclarecimento diagnóstico.

Relação com funções orgânicas: Essa relação é avaliada de acordo com a localização da dor e os
órgãos e estruturas situados na mesma área. Como regra geral, pode-se dizer que a dor é acentuada
pela solicitação funcional da estrutura em que se origina.

Fatores desencadeantes ou agravantes. São os fatores que desencadeiam a dor, em sua ausência, ou
que a agravam, se estiverem presentes. As funções orgânicas estão entre eles, porém uma série de
outros fatores pode ser determinada. Devem ser procurados ativamente, pois, além de nos ajudarem a
esclarecer a enfermidade subjacente, seu afastamento constitui parte importante da terapêutica a ser
instituída.

Fatores atenuantes. São aqueles que aliviam a dor, como algumas funções orgânicas, posturas ou
atitudes que resguardam a estrutura ou órgão onde está é originada (atitudes antálgicas), distração,
ambientes apropriados, medicamentos (analgésicos opioides e não opioides, anti-inflamatórios
hormonais e não hormonais, relaxantes musculares, antidepressivos, anticonvulsivantes, neurolépticos,
anestésicos locais), fisioterapia, acupuntura, bloqueios anestésicos e procedimentos cirúrgicos.

Manifestações concomitantes: Várias manifestações clínicas associadas à dor e relacionadas com a


enfermidade de base são de grande valia para o diagnóstico, ainda mais quando outros dados como
sexo, idade, doenças prévias e hábitos de vida são considerados.

Classificação fisiopatológica da dor

Do ponto de vista fisiopatológico, a dor pode ser classificada em nociceptiva, neuropática, mista e
psicogênica.

Dor nociceptiva
É causada pela ativação dos nociceptores e pela transmissão dos impulsos gerados, que percorrem as
vias nociceptivas até as regiões do sistema nervoso central, onde são interpretados.

A dor secundária a agressões externas (picada de um inseto, fratura de um osso, corte da pele), a dor
visceral (cólica nefrética, apendicite), a neuralgia do trigêmeo, a dor da artrite e da invasão neoplásica
dos ossos são exemplos de dor nociceptiva.

Características:
- A dor nociceptiva começa simultaneamente ao início da atividade do fator causal, o qual pode ser,
em geral, identificado.
- Sua remoção frequentemente culmina com o alívio da sensação dolorosa.
- Nenhum déficit sensorial é identificado nesses pacientes, e a distribuição da dor corresponde à das
fibras nociceptivas estimuladas.
- Quanto menor é o número de segmentos medulares envolvidos na inervação de uma estrutura, mais
localizada é a dor (somática superficial). Em contrapartida, quanto maior o número de segmentos
medulares,mais difusa é a dor (visceral e somática profunda). A dor nociceptiva pode ser espontânea
ou evocada.
A espontânea pode ser expressa com as mais variadas
designações: pontada, facada, agulhada, aguda, rasgando, latejante, surda, contínua, profunda, vaga,
dolorimento. Todas essas denominações sugerem lesão tissular.

A evocada pode ser desencadeada por algumas manobras como: manobra de Lasegue na ciatalgia, a
dor provocada pelo estiramento da raiz nervosa, obtida pela elevação do membro inferior afetado,
estando o indivíduo em decúbito dorsal, e lavar o rosto e escovar os dentes, nos pacientes com neuralgia
do trigêmeo. Esse tipo de dor reproduz a sentida pelo paciente.

Dor neuropática
Também denominada dor por lesão neural, por desaferentação (privação de um neurônio de suas
aferências), ou central (quando secundária às lesões do sistema nervoso central). Decorre de lesão de
qualquer tipo infligida ao sistema nervoso periférico ou central, e pode apresentar-se de três formas:
constante, intermitente e evocada.

Ainda não há certeza sobre quais mecanismos fisiopatológicos estão envolvidos, mas a lesão do trato
neoespinotalâmico (ou neotrigeminotalâmico, para a dor facial) parece ser condição sine qua non para
o seu aparecimento. Sabe-se também que esse tipo de dor é gerado dentro do sistema nervoso,
independentemente de qualquer estímulo externo ou interno (componente constante). A secção do trato
neoespinotalâmico, tão eficaz em eliminar a dor nociceptiva, agrava a neuropática (componente
constante). Embora haja várias hipóteses sobre essa questão, este último fato sugere que o mecanismo
mais provavelmente envolvido em sua gênese é o da desaferentação.

São exemplos de dores neuropática as que ocorrem: (1) nas polineuropatias (em sua forma diabética,
na qual há acometimento predominante de fibras mielínicas finas e arnielínicas, na alcoólica, que
compromete indistintamente qualquer tipo de fibra, e na causada por carência de vitamina B12), (2) na
neuralgia pós-herpética (acomete preferencialmente fibras mielínicas grossas do ramo oftálmico do
nervo trigêmeo ou
dos nervos intercostais, manifestando-se, em geral, como uma mononeuropatia dolorosa), (3) no
membro fantasma, (4) por avulsão do plexo braquial, (5) pós-trauma raquimedular e (6) pós-acidente
vascular encefálico ("dor talâmica").

Características da dor neuropática


Sua etiologia é variada, incluindo afecções traumáticas, inflamatórias, vasculares, infecciosas,
neoplásicas, degenerativas, desmielinizantes e iatrogênicas.
- A dor neuropática apresenta-se pelo menos em uma das seguintes formas: constante, intermitente
(ambas são espontâneas) e evocada.
- A dor constante ocorre em praticamente 100% dos casos, sendo, em geral, descrita como dor em
queimação ou dormente ou em formigamento, ou como um mero dolorimento. Trata-se de uma
disestesia (sensação anormal desagradável) normalmente nunca experimentada pelo paciente.
- A dor intermitente é mais frequente nas lesões nervosas periféricas e da medula espinal, sendo rara
nas lesões encefálicas, e relatada como dor em choque, aguda. Lembra a dor da ciatalgia, mas,
diferentemente desta, seu trajeto não segue o de qualquer nervo. Decorre da ativação das vias
nociceptivas pela cicatriz formada no foco lesional ou por efapse (impulsos motores descendentes
cruzam para as vias nociceptivas no sítio de lesão do sistema nervoso). A secção cirúrgica completa
da via neoespinotalâmica (ou neotrigeminotalâmica, na dor facial) elimina essa modalidade de dor.
- A dor evocada, presente em mais da metade dos casos,
conquanto mais comum nas lesões encefálicas, é também frequente nas lesões medulares e do sistema
nervoso periférico, podendo manifestar-se sob a forma de alodínia ou de hiperpatia. Se deve aos
rearranjos sinápticos. São decorrentes da desaferentação. A reinervação de células nociceptivas
desaferentadas por aferentes táteis, por exemplo, faria com que a estimulação tátil, ao ativar neurônios
nociceptivos, produzisse uma sensação dolorosa, desagradável (alodínia). A substituição de sinapses
inibitórias por excitatórias, o aumento da eficácia de sinapses outrora pouco efetivas e a ativação das
anteriormente inativas, por outro lado, poderiam tomar tais células hiper-responsivas aos estímulos
dolorosos, manifestando-se clinicamente sob a forma de hiperpatia. Como a dor evocada depende da
estimulação dos receptores e do tráfego dos impulsos pelas vias nociceptivas, ela pode ser aliviada pela
secção cirúrgica da via neoespinotalâmica (ou neotrigeminotalâmica, na dor facial).
- A forma constante da dor neuropática, ao contrário da dor nociceptiva, tende a ser agravada pela
interrupção cirúrgica das vias da dor, pois tais procedimentos acentuam a desaferentação.

Dor mista
É aquela que decorre dos dois mecanismos anteriores. Ocorre, por exemplo, em certos casos de dor
por neoplasia maligna, quando ela se deve tanto ao excessivo estímulo dos nociceptores quanto à
destruição das fibras nociceptivas.

Dor psicogênica
Toda dor tem um componente emocional associado, o que varia é sua magnitude. A dor psicogênica,
porém, é uma condição inteiramente distinta, para a qual não há qualquer substrato orgânico, sendo
gerada por mecanismos puramente psíquicos
Características da dor psicogênica
- Tende a ser difusa, generalizada, imprecisa. Algumas vezes, pode ser localizada e, nesse caso, em
geral, sua topografia corresponde à da imagem corporal que o paciente tem da estrutura que julga
doente.
- Muda de localização sem qualquer razão aparente.
- Quando irradiada, não segue o trajeto de qualquer nervo. Sua intensidade é variável, sendo agravada
pelas condições emocionais do paciente, o que, em geral, é contestado por ele. Pode ser relatada como
muito intensa, excruciante, lancinante, incapacitante. Costuma ser descrita de maneira dramática
("como um canivete introduzido no corpo", 'como tendo a pele arrancada''). Não infrequentemente é
possível estabelecer-se a concomitância de um evento negativo relevante na vida do paciente e o início
da dor.
- Sinais e sintomas de depressão e ansiedade crônicas são com frequência identificáveis. Estes
pacientes são neuroticamente fixados em sua dor, trazendo à consulta uma lista interminável de
medicamentos já usados e de centros de tratamento e especialistas já procurados.

Dor somática profunda, superficial e visceral

Dor somática superficial. É a forma de dor nociceptiva decorrente da estimulação de nociceptores do


tegumento. Tende a ser bem localizada e se apresentar de maneira bem distinta
(picada, pontada, rasgando, queimor), de acordo com o estímulo aplicado. Sua intensidade é variável
e, de certa maneira, proporcional à intensidade do estímulo. Decorre, em geral, de trauma, queimadura
e processo inflamatório.

Dor somática profunda. É a modalidade de dor nociceptiva consequente à ativação de nociceptores


dos músculos, fáscias, tendões, ligamentos e articulações. Suas principais causas são: estiramento
muscular, contração muscular isquêmica (exercício exaustivo prolongado), contusão, ruptura
tendinosa e ligamentar, síndrome miofascial, artrite e artrose. É mais difusa que a dor somática
superficial, apresenta localização imprecisa, sendo em geral descrita como dolorimento (aching pain),
dor surda, dor profunda e, no caso da contração muscular isquêmica, como cãibra. Sua intensidade é
proporcional à do estímulo causal, mas comumente vai de leve à moderada. Às vezes, pode manifestar-
se como dor referida.

Dor visceral. É a dor nociceptiva decorrente da estimulação dos nociceptores viscerais. É profunda, e
tem características similares às da dor somática profunda, ou seja, é difusa, de difícil localização e
descrita como um dolorimento ou uma dor surda, vaga, contínua, profunda, que tende a acentuar-se
com a solicitação funcional do órgão acometido. Tais características se devem às peculiaridades da
inervação nociceptiva visceral. De um modo geral, a dor visceral pode ser relacionada com quatro
condições: (a) comprometimento da própria víscera (dor visceral verdadeira); (b) comprometimento
secundário do peritônio ou pleura parietal (dor somática profunda); (c) irritação do diafragma ou do
nervo frênico; (d) reflexo viscerocutâneo (dor referida).

Dor referida

Pode ser definida como uma sensação dolorosa superficial, que está distante da estrutura profunda
(visceral ou somática) cuja estimulação nóxica é a responsável pela dor. Obedece à distribuição
metamérica. A explicação mais aceita para esse fenômeno é a convergência de impulsos dolorosos
viscerais e somáticos superficiais e profundos para neurônios nociceptivos comuns localizados no
corno bilical (dor referida) e, posteriormente, por irritação do peritônio parietal suprajacente, passa a
ser sentida na fossa ilíaca direita (dor somática profunda).

A irritação do diafragma ou do nervo frênico não é incomum nas doenças de órgãos torácicos e do
andar superior do abdome. Quando ocorre, o paciente apresenta dor referida no ombro (dermátomo de
C4) porque o nervo frênico, responsável pela inervação do diafragma, origina-se predominantemente
do quarto segmento medular cervical. Porém, as afecções da vesícula biliar (colecistite, colelitíase),
que não têm qualquer relação com o diafragma, também podem cursar com dor referida no ombro.
Neste caso, ela é explicada pela participação do nervo frênico na inervação nociceptiva da vesícula
biliar.

Relação da dor e função orgânica (dor cervical, torácica, hipocôndrio direito, etc)

Essa relação é avaliada de acordo com a localização da dor e os órgãos e estruturas situados na mesma
área. Assim, se a dor for cervical, dorsal ou lombar, pesquisa-se sua relação com os movimentos da
coluna (flexão, extensão, rotação e inclinação); se for torácica, com a respiração, movimentos do tórax,
tosse, espirro e esforços físicos; se tiver localização retroestemal, com a deglutição, posição e esforço
físico; se for periumbilical ou epigástrica, com a ingestão de alimentos; se no hipocôndrio direito, com
a ingestão de alimentos gordurosos; se no baixo ventre, com a micção, evacuação e menstruação; se
articular ou muscular, com a movimentação daquela articulação ou músculo; se nos membros
inferiores, com a deambulação, e assim por diante.

Como regra geral, pode-se dizer que a dor é acentuada pela solicitação funcional da estrutura em que
se origina. Assim, na insuficiência arterial mesentérica (dor surda periumbilical) esta é intensificada
pela alimentação por provocar aumento do peristaltismo intestinal. Na colecistite (dor surda no
hipocôndrio direito), ela é exacerbada por substâncias que estimulam a liberação de colecistoquinina
(a vesícula contrai e o esfíncter de Oddi relaxa, fazendo com que a bile, tão importante para a digestão
dos lipídios, seja lançada no tubo digestivo) pela mucosa intestinal (alimentos gordurosos). A dor em
uma articulação ou músculo é acentuada pela movimentação daquela articulação ou a contração do
músculo. A retroesternal que é acentuada pela deglutição, pelo decúbito dorsal horizontal ou pela
flexão do tronco (essas duas posturas favorecem o refluxo de suco gástrico para o esôfago em
indivíduos com esfíncter cárdico hipoativo, como na hérnia hiatal), é sugestiva de esofagite de refluxo,
ao passo que a retroesternal acentuada pelo esforço físico é mais indicativa de insuficiência coronária
(o exercício determina um aumento do trabalho do miocárdio e quando seu suprimento arterial está
comprometido, ocorre isquemia, fazendo com que haja a sensação dolorosa). Uma exceção a essa regra
é o alívio da dor da úlcera péptica duodenal pela ingestão de alimentos; isso ocorre porque ela se deve
à hipercloridria e não à atividade duodenal propriamente.

Evolução da dor (modo de instalação, mudanças da característica da dor)

Trata-se de uma característica semiológica de extrema relevância, que nos revela a maneira como a
dor evoluiu, desde o seu início até o momento da anamnese. Assim, devemos nos interessar não
somente pelas características da dor na fase inicial ou no momento atual, mas por todas as alterações
ocorridas no transcurso de sua evolução. Tais dados fornecem valiosas pistas para o esclarecimento
diagnóstico.

O não reconhecimento da forma inicial de apresentação da dor (caso o paciente só seja visto
tardiamente) torna o diagnóstico extremamente difícil.

Sua investigação é iniciada por seu modo de instalação: se súbito ou insidioso. Se é súbita, em cólica,
e está localizada no hipocôndrio direito, por exemplo, sugere colelitíase, ao passo que uma dor de
início insidioso, surda, na mesma área, traduz. mais provavelmente, colecistite ou hepatopatia. Em
ambos os casos pode haver irradiação da dor para a área escapular e/ou ombro direito. É também
relevante definir a concomitância da atuação do fator causal e o início da sensação dolorosa. A dor
neuropática pode iniciar-se semanas, meses ou mesmo anos após a atuação do fator causal em mais da
metade dos casos. Já o início da dor nociceptiva é sempre simultâneo ao da atuação do fator causal.

Durante sua evolução, pode haver as mais variadas modificações na dor. Devido ao uso abusivo e
inadequado de analgésicos, pacientes com enxaqueca ou cefaleia tensional crônica podem evoluir para
uma forma diferente de cefaleia, designada cefaleia crônica diária, de tratamento muito mais difícil.
Indivíduos com síndrome complexa de dor regional tipo li(causalgia) provocada por lesão traumática
do nervo mediano direito, por exemplo, que inicialmente apresentam dor restrita ao território
desaferentado, podem, ao longo dos meses e anos, sentir também dor no tronco e em outras
extremidades.

A intensidade da dor também pode variar de acordo com a evolução. Sua redução progressiva, sem
qualquer alteração na terapêutica, pode sugerir que o quadro doloroso está entrando em remissão, como
acontece frequentemente com a dor aguda e em certos casos de dor crônica. Intensidade inalterada ou
progressiva acentuação ao longo dos meses, a despeito de terapêutica adequada, por outro lado, podem
sugerir que ela se instalou de forma definitiva.

A dor crônica, em sua evolução, pode também mostrar surtos em relação às ocorrências em um mesmo
dia (ritmicidade) e surtos periódicos ao longo dos meses e anos (periodicidade).

Como se pode notar, a mudança das características clínicas pode indicar apenas uma alteração
evolutiva (p. ex., ampliação da área da dor na causalgia), complicação da mesma enfermidade (p. ex.,
perfuração da úlcera) ou uma afecção distinta (p. ex., pancreatite aguda na paciente com doença biliar
prévia). Assim, devemos nos interessar não somente pelas características da dor na fase inicial ou no
momento atual, mas por todas as alterações ocorridas no transcurso de sua evolução. Tais dados
fornecem valiosas pistas para o esclarecimento diagnóstico.

REFERÊNCIA:
Semiologia Médica - Celmo Celeno Porto - 7ª Edição. 2013. Editora Guanabara Koogan.

Você também pode gostar