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Wacker, P.; Nunes. P.V.; Forlenza, O.V. Rev. Psiq. Clín. 32 (3); 97-103, 2005
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Abstract
Delirium remained a stable psychiatric category until the early 19th century
when it underwent etiological and phenomenological redefinition, precipitating
the transformation of the functional insanities into psychoses. Confusion,
introduced by French workers during the second half of the century, referred
to a syndrome wider than (but including) delirium. It emphasized chaotic
thinking and cognitive failure. The notion of clouding of consciousness (and
temporo-spatial disorientation) established a common denominator for the
two concepts, while Chaslin and Bonhoeffer redefined confusion and delirium
as the stereotyped manifestations of acute brain failure.
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intoxicação por mandrake1, com a hemorragia e a cerebral aguda. Outras denominações como letargia,
gangrena, e ainda com quadros histéricos. A causa do frenite e parafrenite são gradualmente retirados do
delirium era então explicada pela alta temperatura vocabulário médico e o termo delirium passa a ser
do sangue, ou pela presença de “partículas venenosas” usado consistentemente como doença cerebral aguda
no mesmo (Lipowsky, 1990b). e reversível, não somente associada à febre, mas
No final do século XVII, os sintomas do delirium também a diversas doenças sistêmicas (Berrios, 1981).
já estavam bem definidos, mas sua terminologia man- Apesar do progresso na denominação e classifi-
tinha-se inconsistente e confusa. Até o fim do século cação do delirium, esta condição continuava sendo mal
XVIII, delirium significava loucura, enquanto frenite diagnosticada, e pouco se sabia a respeito de sua epide-
referia-se a delirium associado à febre ou doenças miologia, patogênese e fisiopatologia. No século XX,
sistêmicas (Berrios, 1990). particularmente no período entre 1940 e 1946, Romano
Em meados do século XVIII, o termo delirium foi e Engel (1944) realizaram estudos pioneiros sobre a
definido em dois dicionários médicos: (1) Quincy, em sua fisiopatologia. Foram correlacionados os dados clí-
1719, definiu-o como “a incapacidade dos órgãos dos nicos, psicológicos e eletrencefalográficos de pacientes
sentidos realizarem suas funções como usualmente portadores de delirium secundário a várias doenças
fazem, de forma que a mente não consegue avaliar e sistêmicas. Concluíram que: (1) o delirium era um
compreender a realidade externa como tal, como ocorre transtorno do nível de consciência, o que se evidenciava
na febre, que acelera o sangue e altera a sua secreção pelo desempenho precário desses indivíduos em testes
no cérebro, prejudicando, assim, todo o sistema ner- cognitivos; (2) a síndrome dependia da presença de
voso”. Segundo o autor, mania ou loucura correspon- uma quebra da homeostase cerebral, o que se eviden-
deria ao delirium sem febre. (2) James (1745), em seu ciava pela lentificação generalizada dos traçados
Dicionário Médico, ressaltou a relação entre o delirium eletrencefalográficos.
e as alterações do ciclo sono–vigília, acreditando que
um sono tumultuado, entrecortado, poderia corres- Aspectos neuropsicológicos do delirium
ponder às primeiras manifestações do delirium.
No final do século XVIII, James Sims (1799) A terceira edição revisada do Manual de Diagnóstico e
publicou um artigo médico sobre o delirium, no qual o Estatística dos Transtornos Mentais, DSM-IIIR
diferenciava da loucura, e também o subdividia em (American Psychiatric Association, 1987), caracteriza
duas variantes clínicas: hipoativo (apático) ou hipera- o delirium como transtorno fundamental da atenção.
tivo (agitado), de acordo com o estado de alerta e o Ainda no século XIX, médicos como Ferrier (1876) e
comportamento motor do indivíduo. Pode-se dizer que, James (1890) apontavam a atenção como função básica
pela primeira vez, o delirium recebe uma atribuição da integração mental. Igualmente, o neurocientista
única, sem ser confundido com loucura ou confusão, contemporâneo Mesulam (2000) afirmou que a atenção
como até então. é o mais importante pré-requisito para a manifestação
No século XIX, desenvolve-se o conceito e o trata- harmônica e integrada das capacidades intelectuais.
mento do delirium, que passa a ser reconhecido como A matriz atencional (definida como: eficiência de
doença reversível da cognição e do comportamento, detecção, poder de concentração, grau de vigilância,
associada à disfunção cerebral, por sua vez decorrente resistência a interferências e capacidade de processa-
de inúmeras causas orgânicas. Bonhoeffer (1909), com mento mental) organiza quais dos muitos estímulos
sua teoria das “reações exógenas” (Vallejo Nágera, internos e externos devem ser colocados preferencial-
1954) caracterizou o delirium e os quadros confusionais mente no centro da consciência para posterior execu-
agudos como manifestações estereotipadas da falência ção. Atenção é um termo genérico que designa todos os
processos que mediam essa escolha. A presença de
modulação atencional é percebida quando eventos
idênticos causam respostas variáveis de acordo com o
momento e a significância do evento. No nível psicoló-
1 Mandrake é uma planta com flores violáceas e longa raiz, gico, essa modulação atencional implica em alocação
semelhante ao nabo, da qual se obtém extrato rico em alcalóides. preferencial de eventos que tenham adquirido rele-
Em torno de seus supostos efeitos mágicos sempre houve muita vância emocional; no nível neural, a atenção refere-se
superstição, e até mesmo associações com bruxaria. Acreditava- às alterações na seletividade, intensidade e duração das
se que, ao ser arrancada da terra, a raiz emitia gritos capazes
de provocar a morte ou a loucura àqueles que os escutassem.
respostas neurais para cada evento (Mesulam, 2000).
Por essa razão, a planta era usualmente colhida por cães trei- A atenção humana tem inúmeras limitações. Os
nados. Pelas suas propriedades narcóticas e analgésicas, foi órgãos sensoriais têm um limite de acuidade ótima
muito utilizado na Idade Média para o tratamento da dor, mas que precisa ser constantemente regulada para captar
também como afrodisíaco e para o tratamento da infertilidade.
eventos relevantes. A capacidade de processamento dos
O mandrake também provocava alucinações e delírios, além
de sedação profunda e estupor, podendo facilmente causar a estímulos é limitada. O acesso aos canais de respostas
morte por depressão respiratória (Budavari et al., 1989; Martin- também tem limites (uma analogia a essa limitação
dale et al., 1993). seria o fato de só possuirmos duas mãos, sendo
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geralmente difícil realizar duas atividades indepen- sintomas do delirium. Outra crítica aos critérios
dentes com cada uma delas). Essas limitações criam diagnósticos DSM-IIIR seria a dificuldade de aplicação
uma competição constante pelos canais de processa- em pacientes letárgicos e não cooperativos (comprome-
mento do sistema nervoso central, com a complexidade tendo, por exemplo, a avaliação do grau de organização
de conexões sinápticas, no qual um mesmo estímulo do pensamento). Além dessas limitações, os critérios
pode promover atenção ou indiferença dependendo do do DSM-IIIR para o diagnóstico do delirium foram
contexto e da experiência passada. considerados muito complexos para o uso por outros
Aspectos do processo atencional incluem o estado profissionais não-psiquiatras (Liptzin et al., 1991).
de vigilância e orientação, a atenção seletiva, a atenção Os critérios diagnósticos do DSM-IV (American
mantida e a atenção dividida. A capacidade de orienta- Psychiatric Association, 1994) (Anexo 2) foram alterados
ção, de exploração, concentração e vigilância são em relação aos do DSM-IIIR, tornando-se menos
aspectos da atenção saudável, enquanto a distratibili- restritivos e aproximando-se dos critérios diagnósticos
dade, a falta de persistência e a confusão são aspectos da 10a revisão da Classificação Internacional de Doenças
de atenção deficitária (Adams e Victor, 1974). – CID-10 (Anexo 3). Segundo essas classificações, o
Pacientes com delirium estão menos conscientes comprometimento da consciência passou a ser conside-
do ambiente, distraem-se facilmente e têm dificuldade rado o aspecto principal do delirium. Essas novas clas-
para concentrar-se e seguir comandos. Acredita-se que sificações reconhecem a associação entre o delirium e
as outras manifestações do delirium, tais como outras condições orgânicas crônicas (como, por exemplo,
pensamento desorganizado, alteração do nível de as síndromes demenciais ou a encefalopatia hepática),
consciência, alterações perceptuais (alucinações e especificam o tempo de início e a duração dos sintomas.
visuais ou, mais freqüentemente, interpretações O DSM-IV subdivide o delirium de acordo com sua
errôneas de estímulos reais: ilusões visuais), distúrbios etiologia, definindo: (1) delirium por condição médica
do ciclo sono–vigília, atividade motora aumentada ou geral; (2) delirium devido à intoxicação por sustâncias;
diminuída, também decorrem de falha na matriz (3) delirium devido à abstinência de substâncias; e (4)
atencional (Geschwind, 1982, Francis, 1992). delirium devido a múltiplas etiologias. Se nenhuma
etiologia for encontrada, define-se: (5) delirium sem
outras especificações.
Conceito de delirium nos dias de hoje No DSM-IV, não são valorizados determinados
sintomas como alteração do ciclo sono–vigília, alte-
Segundo a definição atual, o delirium é uma síndrome rações psicomotoras e flutuações do humor, como se
neurocomportamental, causada pelo comprometimento faz na CID-10. O DSM-IV tampouco registra a exis-
transitório da atividade cerebral, invariavelmente tência de subtipos hiperativo ou hipoativo de delirium.
secundário a distúrbios sistêmicos. Pode ser compa- O tipo hipoativo foi encontrado em 19% de pacientes
rado a uma síndrome de insuficiência cerebral aguda, com diagnóstico de delirium (Liptzin e Levkoff, 1992),
decorrente da quebra da homeostase cerebral e da sendo caracterizado por sonolência, letargia, olhar fixo,
desorganização da atividade neural (Engel e Romano, rebaixamento do nível de consciência, apatia e discurso
1959; Lipowski, 1990b). raro ou lento. Esse perfil de sintomas está mais sujeito
Observam-se alterações da consciência e da ao subdiagnóstico, pois usualmente não demanda de
atenção, déficits cognitivos específicos (desorientação avaliação psiquiátrica.
temporoespacial, comprometimento da memória, do Mais recentemente, admitiu-se a ocorrência de
pensamento e do juízo), alterações da sensopercepção estados subsindrômicos do delirium. Muitos apresentam
(alucinações ou ilusões visuais, auditivas etc.), pertur- apenas sintomas menores ou isolados, tais como
bações da psicomotricidade, do comportamento (apatia diminuição da concentração, ansiedade, irritabilidade,
e agitação) e do humor. O início é geralmente agudo, agitação, hipersensibilidade a estímulos ou pesadelos,
variando de algumas horas até poucos dias. O curso é sem, contudo, preencher todos os critérios diagnósticos
flutuante ao longo das 24 horas, freqüentemente para o delirium segundo o DSM-IV ou a CID-10. Possi-
acompanhado de alterações do ciclo sono–vigília. velmente correspondam a manifestações de transição
Caracteristicamente, o paciente em delirium apresenta entre a normalidade cognitiva e o delirium manifesto,
sonolência diurna e agitação noturna (American ou ainda decorram de modificações menores da homeos-
Psychiatric Association, 1994). tase cerebral em indivíduos com boa reserva adaptativa
Os critérios diagnósticos para delirium segundo (Cole et al., 2003). A revisão do DSM-IV (American
DSM-IIIR (Anexo 1) eram mais restritivos e, em alguns Psychiatric Association, 2000) já reconhece as apresen-
pontos, ambíguos. Não ficava claro quanto tempo tações subclínicas do delirium, mas não especifica quais
poderia ser considerado como início agudo dos são os sintomas que precedem o seu quadro, nem aqueles
sintomas; além disso, os critérios não estabeleciam se que nunca evoluem para o delirium completo.
os sintomas decorrentes de alterações comporta- Em um estudo prospectivo longitudinal, 325
mentais crônicas (por exemplo, alterações da memória idosos foram avaliados em uma unidade de terapia
devido à síndrome demencial) seriam aceitos como intensiva desde 48 horas após a admissão e diaria-
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mente até duas semanas de permanência. Após excluir 50% dos pacientes (Perez e Silverman, 1984; Gustafson
aqueles que já apresentavam delirium no momento et al., 1991). A flutuação dos sintomas pode ser difícil
da admissão, os autores dividiram os pacientes rema- de se detectar, principalmente devido ao tempo limitado
nescentes em três grupos: os pacientes que desen- que o médico dispõe para permanecer com o paciente. A
volveram delirium, os que desenvolveram delirium equipe de enfermagem, que está em maior contato com
subsindrômico, e os que evoluíram sem comprometi- o paciente, é que efetivamente documenta a maioria
mento cognitivo–atencional. Os fatores de risco para dos sintomas decorrentes do delirium (60% a 90%)
o grupo que desenvolveu formas subsindrômicas de (Perez e Silverman, 1984; Gustafson et al., 1991).
delirium eram semelhantes àqueles identificados entre Estima-se que 25% a 60% dos idosos admitidos
os pacientes que desenvolveram delirium. Após a alta, em serviços de emergência apresentem delirium em
44% daqueles que tiveram delirium foram institucio- sua evolução (Erkinjuntti et al., 1986; Gustafson et
nalizados, comparado com 10% daqueles com diag- al., 1988; Francis e Kapoor, 1990; Rockwood, 1993).
nóstico de delirium subsindrômico, e nenhum entre O delirium é, portanto, uma das complicações mais
os normais (Levkoff, 1996). comuns entre pacientes idosos hospitalizados. Está
Enfim, o diagnóstico de delirium continua sendo associado à maior taxa de morbimortalidade (Thomas
ato clínico, baseado na observação cautelosa do et al., 1988), mais sinais de deterioração física e com-
paciente, e na valorização dos dados fornecidos pela plicações pós-cirúrgicas (Gustafson et al, 1988; Murray
família e pela equipe que presta assistência ao et al., 1993), maiores taxas de admissão em unidades
paciente. Médicos não-psiquiatras, se atentos à de terapia intensiva, maior tempo de permanência
possibilidade de desenvolvimento dessa síndrome, hospitalar (O’Keeffe e Lavan, 1997), e maiores índices
podem fazer diagnóstico acurado, com sensibilidade de institucionalização após a alta (Francis e Kapoor,
comparável ao diagnóstico feito por psiquiatras. 1990; Gustafson et al., 1988; Levkoff et al., 1992).
(Liptzin et al.,1991) Em conjunto, esses dados indicam a necessidade de
Nas práticas clínica e cirúrgica, no entanto, o se aprimorar o diagnóstico de delirium em contextos
diagnóstico correto de delirium só é feito em 30% a clínicos ou cirúrgicos.
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