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TEMA 2 – QUAIS AS RELAÇÕES ENTRE SAÚDE E CULTURA?

Texto1. Saúde, doença e cultura

Trecho extraído de: Knauth, Daniela Riva; Arsego de Oliveira, Francisco; Castro Rodrigo
Caprio Leite. Antropologia e Atenção Primaria à Saúde. In: Duncan, Bruce B. et al.
Medicina Ambulatorial: Condutas de Atenção Primária Baseadas em Evidências.
Artmed, Porto Alegre, 2014. p66 a 68.

ANTROPOLOGIA E SAÚDE
A antropologia classicamente tem sido definida como o “estudo do ser
humano”. Ela tem se ocupado, de maneira geral, de todos os fenômenos relacionados
com o ser humano, suas origens, a vida em sociedade, as formas como ele se relaciona
com os outros seres humanos e com outros grupos sociais, suas religiões, enfim, sua
cultura. Na sociedade moderna, embora se tenha uma cultura dominante (a famosa
“cultura de massa”), há uma série de subculturas que possuem seus próprios valores e
crenças. Pertencemos a sociedades multiculturais, com diferentes grupos sociais
convivendo muito proximamente e interagindo entre si. Não se pode concluir que, por
pertencerem ao mesmo território, falarem a mesma língua, usarem roupas
semelhantes, as pessoas pertençam a mesma cultura. Essa diversidade cultural tem
exigido dos médicos de qualquer especialidade, mas particularmente dos profissionais
que atuam em Atenção Primária à Saúde, um entendimento profundo sobre o
contexto sociocultural dos indivíduos com os quais trabalham, pois se sabe que esse
contexto exerce uma influencia decisiva nas manifestações das doenças, na busca de
tratamento e na relação que as pessoas estabelecem com os serviços de saúde.
Ha uma relação direta da cultura com o corpo, ou seja, são as ideias que as
pessoas tem sobre o corpo que vão determinar, por exemplo, o que e considerado
“normal” e “anormal”, sua lógica de funcionamento, suas comunicações internas e
trocas com o meio externo e os cuidados a ele dispensados. E essas ideias variam de
acordo com o grupo social (subcultura). A cultura e tão importante que e possível dizer
que se “aprende a ficar doente”. Dessa forma, para melhor intervir sobre os

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indivíduos, e fundamental conhecer o universo sociocultural no qual estes se
encontram inseridos.
As ciências sociais, e mais especificamente a antropologia, possuem
ferramentas que podem auxiliar os profissionais da área da saúde a compreender
melhor esses universos. Um conceito-chave para esse entendimento e o de cultura.
A cultura pode ser definida como um sistema de crenças e valores
compartilhados que influenciam decisivamente o comportamento das pessoas. A
cultura indica aos indivíduos padrões que dizem respeito aos modos mais apropriados
de comportamento diante de diferentes situações. Alem disso, a cultura dá significado
as praticas e pensamentos envolvidos na vida em sociedade.
As regras que formam a cultura permitem a relação de indivíduos entre si e do
próprio grupo com o ambiente onde vive. Assim, ela terá, por exemplo, implicações no
gosto das pessoas, nas suas posturas corporais, na forma como as pessoas percebem e
manipulam os seus corpos. Mesmo sem perceber, esse conjunto de noções é
incorporado e passa a orientar a maneira como se vê o mundo e se interage com ele,
a língua que se fala, o jeito de vestir, o que se come, como se relaciona com as outras
pessoas, etc. Por esse motivo, e muito perigoso falar-se de uma “cultura brasileira” ou
uma “cultura regional única”. O melhor seria dizer “culturas”, no plural.

CRENCAS E PRATICAS SOBRE CORPO, SAUDE E DOENCA


Desde que a antropologia se constituiu como disciplina, os antropólogos se
preocuparam em elucidar os aspectos relacionados com a saúde nos grupos sociais
que estudavam, já que isso e, em geral, uma parte importante da dinâmica social,
assim como a religião e as relações comerciais. Antropologia medica é a área que trata,
mais especificamente, das questões vinculadas ao corpo, a saúde e a doença. Pode-se
dizer que a antropologia medica “trata de como as pessoas, nas diferentes culturas e
grupos sociais, explicam as causas das doenças, os tipos de tratamento em que
acreditam e a quem recorrem se ficam doentes. Também é o estudo de como essas
crenças e práticas estão relacionadas com as mudancas biológicas e psicológicas no
organismo humano, tanto na saúde quanto na doenca”. (2) Os estudos da antropologia
medica tem ajudado, sobretudo, a relativizar valores. E relativizar e perceber as
diferenças enquanto tal, não as colocando em uma escala hierárquica. Relativizar e

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buscar entender a diferença e o outro a partir de sua própria cultura. Essa e a posição
contrária ao etnocentrismo, visão do mundo em que o próprio grupo é tomado como
centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos por meio dos próprios
valores, modelos e definições do que e a existencia.(3) O etnocentrismo confronta,
então, o grupo do eu com o grupo do outro, separando os dois e hierarquizando os
grupos sociais a partir dessas diferenças, entre “bons” e “maus”, “cultos” e
“ignorantes”, “avançados” e “atrasados”. Essa é uma noção importante também na
área da saúde, porque, sob alguns aspectos, pode-se considerar a prática médica como
estando, em geral, muito impregnada de etnocentrismo. Ou seja, muitas vezes,
analisam-se e julgam-se os pacientes a partir da perspectiva exclusivamente médica,
sem considerar suas crenças e valores.
É evidente, então, que há perspectivas diferentes em relação à saúde e a
doençaa, dependendo da cultura a qual se esta referindo, se do médico ou do paciente
(leigo). Para dar conta dessas perspectivas distintas, a antropologia médica se utiliza da
diferença entre as noções de disease e illness. Disease, que corresponderia, em
português, ao termo Patologia (ou doença), é a visão médica da doença, isto é, a
doença vista como um problema físico-biológico. E a forma como a experiência da
doença é interpretada pelos profissionais de saúde à luz de seus modelos teóricos e
que os orienta em seu trabalho clínico. E, portanto, uma definição de disfuncão,
assentada em um substrato essencialmente biomédico.
A noção de illness, que poderia ser traduzida por problema ou perturbação,
refere-se ao modo como as pessoas percebem a sua doença, ou seja, a resposta
subjetiva do indivíduo e/ou de sua rede de relações (familiares, amigos, vizinhos)
frente à situação de doença. E um fenômeno que engloba aspectos individuais, sociais
e culturais da experiência de doença. A illness contempla ainda o significado atribuído
à doença, isto é, as respostas que o indivíduo e seu meio social dão a um conjunto de
perguntas.
É importante compreender que não existem duas formas de experienciar a
doença que sejam iguais, ou seja, a illness é unica, não se repete, cada pessoa
experiencia o adoecimento de uma forma, não podendo ser, assim, generalizada. Por
outro lado, a disease é o que pode ser generalizado, e o que as pessoas com a mesma
doença apresentam em comum, são os critérios diagnósticos das doenças.

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