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Análise de Redes no Domínio do Tempo © Clever Pereira

ELIMINAÇÃO DE OSCILAÇÕES NUMÉRICAS NO EMPT/ATP

1. INTRODUÇÃO

Um dos fatores mais importantes para a grande difusão do


programa ATP/EMTP na simulação de transitórios
eletromagnéticos em SEP é provavelmente sua regra de
integração numérica das equações diferenciais dos elementos
destas redes. No ATP/EMTP é utilizada a regra de integração
trapezoidal, que converte as equações diferenciais de cada
elemento da rede em simples equações algébricas, envolvendo
tensão, corrente e termos passados.

A precisão da solução do sistema discretizado depende do


tamanho do intervalo (ou passo) de integração ∆t e da regra de
integração utilizada. O tamanho do ∆t determina a máxima
freqüência que pode ser simulada e a regra de integração
determina as possíveis distorções para cada freqüência de
interesse. A máxima freqüência que pode ser simulada independe
da regra de integração utilizada, sendo determinada apenas pela
taxa de amostragem, dada pelo inverso de ∆t. Seu valor é ditado
pelo “teorema da amostragem” e dado pela freqüência de Nyquist
(fNyq), metade da freqüência de amostragem (fA), ou seja
f Amo 1 ∆t 1
f max = f Nyq = = = (1)
2 2 2 ∆t
A distorção apresentada pela regra de integração utilizada se
torna maior para freqüências próximas à freqüência de Nyquist.

Vários artigos na literatura técnica têm mostrado que a regra de


integração trapezoidal possui boas características em termos de
distorção e estabilidade numérica. No entanto, toda vez que ela
trabalha como um diferenciador puro, como no caso de se calcular
a tensão aos terminais de um indutor devido à variação abrupta de
sua corrente ou a corrente num capacitor devido à variação
abrupta de sua tensão, ela pode apresentar oscilações numéricas

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espúrias. A maneira inicial para se evitar este comportamento


oscilatório foi a introdução de um termo artificial de
amortecimento no circuito (introdução de resistor fictício em
paralelo com o indutor ou em série com o capacitor). No entanto,
será mostrado mais tarde que o amortecimento pode ser
introduzido pela própria regra de integração, como por exemplo, a
regra de integração Backward Euler. O maior problema em se
adicionar o amortecimento artificial, seja pela introdução de
resistores fictícios, seja pela regra de integração, é que a resposta
do resto do sistema pode ser distorcida, principalmente pelos
erros de fase introduzidos juntamente com o amortecimento.

2. SOLUÇÃO EXATA DE UMA EQUAÇÃO DIFERENCIAL

Seja a equação diferencial dada pela equação (2) a seguir


dx(t )
y (t ) = k ⋅ (2)
dt
Sua solução entre os instantes t0 e t é obtida fazendo-se
x t t
1 1 1
dx(t ) = ⋅ y (t ) dt ⇒
k ∫x x (t ) dx =
k
⋅ ∫t y (t ) dt ⇒ x (t ) − x0 =
k
⋅ ∫ y (t ) dt
t0
(3)
0 0

ou finalmente
t
1
x(t ) = x0 + ⋅ ∫ y (t ) dt (4)
k t0

A solução numérica desta equação é obtida em instantes de


tempo discretos, dada por
x (t ) t t
1 1

x ( t − ∆t )
x dx =
k
⋅ ∫
t −∆t
y (t ) dt ⇒ x (t ) = x (t − ∆ t ) +
k
⋅ ∫ y (t ) dt
t −∆t
(5)

A solução da equação (5) envolve a integração numérica de uma


função discreta y(t), que deve ser executada em passos discretos
de tamanho ∆t, cuja solução é a área abaixo da curva, limitada
pelos instantes t e t-∆t, conforme mostra a Fig. 1 a seguir.

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y(.) y(.)
y(t) y(t)

y(t-∆t) y(t-∆t)

t-∆t t t-∆t t

Fig. 1 – Função y(t) discreta a ser integrada Fig. 2 – Regra de integração trapezoidal

3. REGRA DE INTEGRAÇÃO TRAPEZOIDAL (TR)

Resolvendo a equação (5) pela regra de integração trapezoidal,


que admite uma variação linear entre y(t-∆t) e y(t) da função
integrada, conforme mostra a Fig. 2, ou seja
1 y (t ) + y (t − ∆t )
t
1
x(t ) = x(t − ∆t ) + ⋅ ∫ y (t ) dt = x(t − ∆t ) + ⋅ ⋅ ∆t (6)
k t −∆t k 2
ou ainda que
∆t ⎡ ∆t ⎤
x(t ) = ⋅ y (t ) + ⎢ x(t − ∆t ) + ⋅ y (t − ∆t ) ⎥ (7)
2k ⎣ 2k ⎦
ou seja

x(t ) = CTR ⋅ y (t ) + hTR (t − ∆t ) (8)


onde
⎧ ∆t
⎪⎪ C TR =
2k

⎪h (t − ∆t ) = x(t − ∆t ) + ∆t ⋅ y (t − ∆t )
(9)
⎪⎩ TR 2k

Pode-se notar que o termo histórico hTR(t-∆t) depende de x(t) e de


y(t) em instantes passados t-∆t, ou seja, já conhecidos durante o
processo de solução.
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4. REGRA DE INTEGRAÇÃO BACKWARD EULER (BE)


Resolvendo a equação (5) pela regra de integração Backward
Euler (Euler Regressivo), que admite um valor constante para a
função y(t) entre t-∆t e t, conforme mostra a Fig. 3, vem que
t
1 1
x(t ) = x(t − ∆t ) + ⋅ ∫ y (t ) dt = x(t − ∆t ) + ⋅ y (t ) ⋅ ∆t (10)
k t −∆t k

y(.)
y(t)

y(t-∆t)

t-∆t t

Fig. 3 – Regra de integração Backward Euler


ou ainda que
∆t
x(t ) = ⋅ y (t ) + x (t − ∆t ) (11)
k
ou seja
x(t ) = CBE ⋅ y (t ) + hBE (t − ∆t ) (12)
onde
⎧ ∆t
⎪CBE =
⎨ k (13)
⎪⎩hBE (t − ∆t ) = x(t − ∆t )

Pode-se notar nas equações (12) e (13) que o termo histórico


hBE(t-∆t) depende apenas de x(t), também em instantes passados
t-∆t, ou seja, já conhecidos durante o processo de solução.
Nota-se também que o termo constante CBE é o dobro da constante
CTR, de forma que, se o passo de integração para o método BE for
metade do passo de integração para o método TR, os dois termos
se equivalem.
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5. SOLUÇÃO NUMÉRICA DE CIRCUITO RL SÉRIE


Seja o circuito RL série mostrado na Fig. 4 a seguir, onde se aplica
um degrau de corrente em t0 = ∆t, como na fig. 5.
R L i(t)
i(t)

+ vR(t) – + vL(t) –
1
– v(t) +

i(t)

t 0-∆t t t 0+∆t
0

Fig. 4 – Circuito RL Série Fig. 5 – Degrau unitário de corrente aplicado em t0.

A equação diferencial para este circuito é da forma


di (t )
v(t ) = vR (t ) + vL (t ) = R ⋅ i (t ) + L ⋅ (14)
dt
ou seja
v(t ) ⋅ dt = R ⋅ i (t ) ⋅ dt + L ⋅ di (t ) (15)

cuja solução é da forma


t t i

∫ v(t ) ⋅ dt = R ⋅ ∫ i(t ) ⋅ dt + L ⋅ ∫ di(t )


t0 t0 i0
(16)

A solução em instantes discretos fica da forma


t t i (t )

t −∆t
∫ v(t ) ⋅ dt = R ⋅ ∫
t − ∆t
i (t ) ⋅ dt + L ⋅ ∫
i ( t −∆t )
di (t ) (17)

ou ainda
t t

∫ v(t ) ⋅ dt = R ⋅ ∫ i (t ) ⋅ dt + L ⋅ [i (t ) − i (t − ∆t ) ] (18)
t −∆t t − ∆t

Utilizando a regra de integração trapezoidal a equação (18) fica


v(t ) + v(t − ∆t ) i (t ) + i (t − ∆t )
⋅ ∆t = R ⋅ ⋅ ∆t + L ⋅ [i (t ) − i (t − ∆t ) ] (19)
2 2

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Multiplicando por 2/∆t em ambos os lados resulta em

2L
v(t ) + v(t − ∆t ) = R ⋅ [i (t ) + i (t − ∆t ) ] + ⋅ [i (t ) − i (t − ∆t ) ] (20)
∆t

Resolvendo para v(t), resulta finalmente que

v(t ) = ( R + RTR ) ⋅ i (t ) + {[ R − RTR ] ⋅ i (t − ∆t ) − v(t − ∆t )}


(21)
onde

2L
RTR = (22)
∆t

O leitor pode perceber que a expressão em (21) é da forma


semelhante à apresentada em (8).
Considerando, para exemplificação, que R = 1 Ω, L = 1 H, ∆t = 1 s e
t0 = 1 s, a equação (21) fica como

v(t ) = 3 ⋅ i (t ) − [i (t − ∆t ) + v(t − ∆t ) ] (23)

A tabela 1 a seguir apresenta a solução do circuito passo a passo


até o instante t = 5 s.

Tabela 1 – Solução passo a passo do circuito RL série da fig. 4

t i(t) i(t-∆t) v(t-∆t) v(t)


0 0 0 0 0
1 1 0 0 3
2 1 1 3 -1
3 1 1 -1 3
4 1 1 3 -1
5 1 1 -1 3

Os gráficos da Fig. 6 a seguir mostram as curvas para as funções


v(t), vR(t) = R. i(t) e vL(t) = v(t) - vR(t).

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v(t) v(t)
Solução exata
3
vL(t) = v (t) – vR(t)
δ (t-1)
2 vR(t) = R.i(t) 2

1 1

t t
-1 1
v(t)
-2

Fig. 6 – Tensões v(t), vR(t) e vL(t) em um circuito RL série para i(t) um degrau unitário, obtidas utilizando a regra de
integração trapezoidal.

Nota-se claramente o comportamento oscilatório tanto para v(t),


quanto para vL(t), que na realidade não ocorre, pois a tensão aos
terminais do indutor é nula após a subida da corrente, enquanto a
tensão v(t) nos terminais da fonte de corrente é igual a vR(t) quando
a tensão no indutor vai a zero. Percebe-se no entanto que as
tensões obtidas pela regra de integração trapezoidal, embora de
caráter oscilatório, esta oscilação se dá em torno dos valores
corretos, mostrando a robustez da regra de integração utilizada.

5. UTILIZAÇÃO DE RESISTOR FICTÍCIO DE AMORTECIMENTO


PARA ELIMINAR OSCILAÇÕES NO ATP/EMTP

O problema das oscilações devido a chaveamentos de circuitos


indutivos ou capacitivos foi inicialmente contornado, tanto no
ATP, quanto no EMTP, através da inclusão de um resistor de
amortecimento fictício, em paralelo com o indutor, e em série com
o capacitor. O dimensionamento deste resistor fictício foi tratado
por V. Brandwajn no artigo “Damping of numerical noise in the EMTP
solution”, EMTP Newsletter, Vol. 2, no. 3, pp 10-19, 02/1982.

Neste texto será mencionado apenas o dimensionamento para o


resistor em paralelo Rp com o indutor. Para maiores referências, o
leitor deve se reportar ao artigo acima indicado.

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Para o dimensionamento deste resistor fictício de amortecimento,


o autor sugere, a partir de diversos testes realizados, limites
máximo e mínimo. Assim, o limite máximo é adotado de tal forma
que
Rp
≤6 (24)
2π f max L
onde
1 f
f max = = amo = f Nyq (25)
2 ∆t 2
Substituindo a equação (25) na equação (24) resulta que
1 2L
R p ≤ 6 ⋅ 2π L ⇒ R p ≤ 3π (26)
2∆t ∆t
ou finalmente que
2L
R p ≤ 9, 4 ⋅ (27)
∆t
O limite mínimo é tal que se admite um erro máximo βmax para a
fase de 0,2º, à freqüência síncrona, ou seja, se β é o erro de fase,
então
π ⎛ R ⎞
β= − arctg ⎜ p ⎟ ≤ β max (28)
2 ⎝ ωs L ⎠
Resolvendo a equação (28) para R vem que
⎛ R ⎞ π
arctg ⎜ p ⎟ ≥ − β max (29)
⎝ ωs L ⎠ 2
ou ainda
Rp ⎛π ⎞
≥ tg ⎜ − β max ⎟ (30)
ωs L ⎝2 ⎠

ou seja
⎛π ⎞ ⎛π ⎞ 2π L ⎛π ⎞
R p ≥ ωs L ⋅ tg ⎜ − β max ⎟ = 2π f s L ⋅ tg ⎜ − β max ⎟ = ⋅ tg ⎜ − β max ⎟ (31)
⎝2 ⎠ ⎝2 ⎠ Ts ⎝2 ⎠
onde Ts é o período da onda da fonte.
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Substituindo em (31) βmax= 0,2º = 0,2π/180 rad, vem que


2π L
R p ≥ 286, 4777 ⋅ (32)
Ts

Para ∆t = 100 µs (muito comum em simulações de transitórios


eletromagnéticos lentos: energizações e curtos-circuitos em LTs)
e fonte em 60 Hz, vem que
Ts 0,016667
= = 166,67 ⇒ Ts = 166,67 ⋅ ∆t (33)
∆t 0,000100

Substituindo a equação (33) na equação (32) vem que


2π L π ⋅ 286, 4777 2 L 2L
R p ≥ 286, 4777 ⋅ = ⋅ = 5, 4 ⋅ (34)
166,67 ⋅ ∆t 166,67 ∆t ∆t

Assim, para ∆t = 100 µs, tem-se que

2L 2L
5, 4 ⋅ ≤ R p ≤ 9, 4 ⋅ (35)
∆t ∆t

Generalizando, pode-se dizer que, se


Ts
= kT ⇒ Ts = kT ⋅ ∆t (36)
∆t
e desta forma, substituindo (36) em (32) vem que
2π L 2π ⋅ 286, 4777 2 L 900 2 L
R p ≥ 286, 4777 ⋅ = ⋅ ≈ ⋅ (37)
kT ∆t kT ∆t kT ∆t

Assim sendo, a equação (35), para um intervalo de simulação


genérico ∆t qualquer, fica como

900 2 L 2L
⋅ ≤ R ≤ 9, 4 ⋅ (38)
kT ∆t ∆t

sendo kT definido em (36).

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5. UTILIZAÇÃO DO CDA (CRITICAL DAMPING ADJUSTMENT)


PARA ELIMINAR OSCILAÇÕES NO EMTP

Enquanto no âmbito ATP deu-se por encerrado os problemas


relativos às oscilações devido a chaveamentos com a utilização
do resistor fictício de amortecimento, no EMTP foi introduzido um
método alternativo denominado Critical Damping Adjustment (CDA).
Este método consiste em mudar da regra de integração
trapezoidal para a regra de integração Backward Euler por dois
passos de integração, a saber, no primeiro e segundo passos
subseqüentes após a introdução de descontinuidade na rede.
Também o intervalo de integração para a nova regra de integração
utilizada é considerado a metade do intervalo de integração
utilizado para a regra de integração trapezoidal, de forma que as
constantes CTR e CBE nas equações (9) e (13) sejam idênticas.
Esquema CDA (descontinuidade em t0)
1. Calcular resposta da rede em t = t0 – ∆t utilizando TR;
2. Calcular resposta da rede em t = t0 utilizando TR;
3. Calcular resposta da rede em t = t0 + ∆t/2 utilizando BE;
4. Calcular resposta da rede em t = t0 + ∆t utilizando BE;
5. Calcular resposta da rede em t = t0 + 2∆t utilizando TR;
6. Continuar cálculos utilizando TR até nova descontinuidade.
A apresentação deste método, bem como a análise dos erros
introduzidos podem ser encontrados no artigo técnico de José R.
Marti & Jiming Lin denominado “Suppression of numerical oscillations in
the EMTP”, IEEE Transactions on Power Systems, Vol. 4, no. 2, pp 739-747,
05/1989.
É interessante notar que o autor define descontinuidade não só a
atuação de uma chave, abrindo ou fechando circuitos elétricos. Na
verdade o método CDA é aplicado nos seguintes eventos:
1. Chaves, incluindo também neste grupo outros componentes que
abrem e fecham circuitos, tais como diodos;
2. Pára-raios com gap de disrupção;
3. Fontes que iniciam ou param durante a solução transitória do
circuito;
4. Durante o movimento de uma região para a outra na característica
de uma indutância não linear, linearizada por partes.

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