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A aplicabilidade do princípio da função social

no contrato de adesão
The applicability of the principle of social function in
the accession contract

Anemari Socreppa
Universidade Alto Vale do Rio do Peixe – UNIARP

Jociane Machiavelli Oufella


Universidade Alto Vale do Rio do Peixe – UNIARP

Everaldo da Silva
Centro Universitário de Brusque (UNIFEBE)
e Faculdade Metropolitana de Blumenau (FAMEBLU)

Resumo No presente artigo, objetiva-se fazer uma análise do princípio


da função social e sua aplicabilidade nos contratos de adesão. O pro-
pósito é tentar elidir a insegurança jurídica oponível em decorrência da
liberdade de contratar, com cláusulas contratuais postas às partes ade-
rentes do contrato, tidas, na maioria das vezes, como hipossuficientes
da relação contratual. A função social é vista como norma e preceito de
ordem pública, razão pela qual a necessidade de ser estudada a sua apli-
cabilidade nos contratos de adesão e a possibilidade de serem revistas
as cláusulas contratuais que contrariam tal princípio, em total afronta
a outros princípios do direito contratual, entre eles, o do pacta sunt
servanda. A legislação civil trouxe, em seu artigo 421, a previsão legal
da aplicabilidade do princípio da função social aos contratos. E, neste
estudo, visa-se averiguar a aplicação do referido princípio nos contratos
de adesão, que possuem como principal característica o fato de as cláu-
sulas contratuais estarem predispostas por uma das partes. A verificação

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de sua aplicabilidade justifica-se pelo fenômeno das multiplicações de


contratações idênticas de adesão. Busca-se estudar a possibilidade de
revisão de ofício pelo magistrado das cláusulas contratuais que ofen-
dem visivelmente o princípio da função social.
Palavras-chave: Contrato de adesão. Princípios. Função social.

Abstract The paper aims to analyze of the principle of the social func-
tion and its applicability in the contracts of adhesion. The objective
is to try to avoid legal uncertainty opposable as a result of the free-
dom to contract, with contractual clauses construct by the parties to the
contract, most of which are deemed to be excessive in the contractual
relationship. The social function is seen as a rule and precept of public
order, reason why its applicability must be studied with the possibility
of revising the contractual clauses that contradict this principle, in total
affront to other principles of law contract, including the pacta sunt ser-
vanda. In its article 421, the civil code brought the legal provision for
the applicability of the principle of social function to contracts. And,
in this study, it is sought to investigate the application of this principle
in the contracts of adhesion, which have as main characteristic the fact
that the contractual clauses are predisposed by one of the parties. The
verification of its applicability is justified by the phenomenon of multi-
plications of identical signatures of adhesion. It seeks to study the pos-
sibility of an official review by the judge of these contractual clauses
that visibly offend the principle of social function.
Key-words: Contract of membership. Principles. Social function.

1. Introdução

O contrato está presente na vida da humanidade desde os tempos


mais antigos. Deve-se ressaltar que se vive em tempos conturbados,
tempo da sociedade moderna, da tecnologia, principalmente no âmbito
da computação e internet. Porém, tudo isso não é capaz de reduzir as
desigualdades sociais e econômicas existentes no mundo.

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A aplicabilidade do princípio da função social no contrato de adesão

Vivemos tempos de mudanças, que acarretam inúmeros e incon-


táveis benefícios para a sociedade, haja vista a velocidade das informa-
ções e, principalmente, a quebra das fronteiras entre os países.
É neste mundo globalizado que se insere o contrato de adesão,
podendo ser entendido como aquele que objetiva facilitar a contratação
em massa. Dessa forma, o presente artigo é, indiscutivelmente, limi-
tado: o objetivo é analisar o contrato de adesão, instrumento base dos
negócios jurídicos modernos e a extensão e a aplicabilidade do princí-
pio da função social conforme o artigo 421 do Código Civil, frente à li-
mitação da liberdade de contratar e a sociedade de consumo em massa.
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma breve análise a
respeito da insegurança jurídica oponível em decorrência da liberdade
de contratar, com cláusulas contratuais postas às partes aderentes do
contrato, tidas, na maioria das vezes, como hipossuficientes da rela-
ção contratual.
Conclui-se, destarte, que não há como se entender o Direito Con-
tratual sem relacioná-lo aos princípios que o regem. E, entre os princí-
pios estudados, destaca-se a importância do princípio da função social.

2. Função social do contrato e função social


da propriedade

O contrato não pode significar reflexo de simples pretensões indi-


viduais dos contratantes, mas instrumento de convívio social e de pre-
servação dos interesses da coletividade (NERY JUNIOR, 2006).

Haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado


nas relações contratuais, no intuito de relativizar o anti-
go dogma da autonomia da vontade com as novas preo-
cupações de ordem social, com a imposição de um novo
paradigma, o princípio da boa-fé objetiva. É o contrato,
como instrumento à disposição dos indivíduos na socie-
dade de consumo, mas, assim, como o direito de pro-
priedade, agora limitado e eficazmente regulado para
que alcance a sua função social (MARQUES, 2006).

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O contrato possui diversas funções, entre elas, a função econômi-


ca. Isto porque o acordo de vontades na aquisição de bens e serviços,
extremamente necessários à vida cotidiana moderna, nem é percebido.
Na maioria das vezes, os contratantes, apesar de estarem praticando atos
da maior seriedade, não sabem que o ato que estão fazendo é um contra-
to. Porém, algumas vezes o contrato se reveste de complexidade, sendo
necessário utilizar todo o conhecimento técnico para a sua elaboração.
Da função econômica deriva a função social (SANTOS, 2004, p. 113).
Todavia, outras funções merecem ao menos serem mencionadas
no presente artigo, eis que foram objeto de estudo detalhado por Emílio
Betti, doutrinador citado por Antônio Jeová Santos, em sua obra. Essas
funções são: função de troca (circulação de bens); função de crédito
(oneroso); função de garantia (contratos acessórios); função de custódia
(guarda e conservação de bens); função laboral (contrato de trabalho);
função de previsão (contratos de seguro); função de recreação (contra-
to de turismo); função de cooperação (doação, mandato, sociedade de
pessoas) (SANTOS, 2004, p. 115).
De todas as funções destacadas, a mais relevante e sujeita a dis-
cussões doutrinárias é a função social do contrato. A concepção social
do contrato tornou-se um dos pilares da teoria contratual (GONÇAL-
VES, 2006, p. 5). Numa análise mais detalhada do assunto, merece
peculiar importância a definição trazida pela doutrina acerca da ex-
pressão função social.
A palavra função origina-se do latim, que tem como significado
exercer, desempenhar, podendo ser entendida como atribuição ou dever
de agir, necessário ao desempenho de uma atividade. Seria o conjunto
de direitos e obrigações de uma pessoa em sua atividade. É o poder de
agir (TONIAZZO, 2008, p. 60).
Dessa forma, extrai-se da palavra função dois elementos: o dever
agir e a finalidade, podendo, assim, ser conceituada função social como
“o dever de agir imposto a todos os membros da sociedade para a reali-
zação do bem estar social” (TONIAZZO, 2008, p. 61).
A função social pode ser entendida sob dois aspectos: um
individual e outro público. No que tange ao individual, relati-

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vo às pessoas contratantes, que utilizam o contrato para satisfa-


zer seus interesses; no que se refere ao público significa o inte-
resse da coletividade sobre o contrato. Assim, entende-se que o
contrato somente atingiu sua função – qual seja, a distribuição de ri-
quezas, quando o contrato apresentar uma fonte de equilíbrio social
(GONÇALVES, 2006, p. 6).
Passold, citado por Paulo Roberto Foes Toniazzo em sua obra, dis-
corre sobre a função social:

A função social pressupõe uma conveniente administra-


ção da oposição entre a ‘atividade livre’ e a ‘atividade
regulada’ na Sociedade e entre a ‘atividade autoritária’
e a ‘atividade social’ no Estado. A Função Social des-
tina-se a realizar a Justiça Social. Esta guarda relação
com o fenômeno da socialização, ou seja, a ‘multipli-
cação progressiva das relações dentro da convivência
social, e comporta a associação de várias formas de
vida e de atividade, e a criação de instituições jurídicas,
efeito e causa duma crescente intervenção dos poderes
públicos’ e de uma ‘tendência natural, quase irrepri-
mível dos seres humanos, qual seja a de se agregarem
para atingir objetivos que exigem capacidades e meios
que ultrapassam o que o indivíduo isolado passa dispor
(TONIAZZO, 2008, p. 63-64).

Percebe-se, portanto, que o contrato sofreu grandes transforma-


ções ao longo dos anos, saindo da aplicação irrestrita do princípio da
força obrigatória dos contratos, chegando-se à realidade moderna da
tendência de socialização, devendo ter o contrato um aspecto social, no
sentido de que os direitos e deveres devem ser exercidos sem desviar-se
dos fins econômicos, éticos, sociais (SANTOS, 2004, p. 116).
A socialização da ideia do contrato pugna por um tratamento idô-
neo às partes, considerando, desde logo, a desigualdade real de pode-
res contratuais. Repercute no trato ético e leal que deve ser observado
pelos contratantes. Assim, ressurgem outras obrigações decorrentes do

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contrato: dever de informação, de confidencialidade, de assistência, de


lealdade, etc. (GAGLIANO, 2006, p. 47).
Tem-se também que o contrato deve ser considerado como um ins-
trumento de desenvolvimento social, pois sem o contrato a sociedade
e a economia estagnariam por completo (GAGLIANO, 2006, p. 47).
De igual modo, não se pode entender a função social do contrato
sem se remeter à função social da propriedade. Muitos doutrinadores,
quando tratam da função social do contrato, remetem sua origem à fun-
ção social da propriedade. Diz-se que:

...a instituição jurídica do contrato é um reflexo da ins-


tituição jurídica da propriedade privada. Ela é o veículo
da circulação da riqueza, enquanto se admita (não in-
teressa em que medida) uma riqueza (isto é, uma pro-
priedade) privada. Se não fosse admitida a riqueza (pro-
priedade) privada, esta não poderia circular e o contrato
careceria quase inteiramente de função prática. Com o
reconhecimento da propriedade privada se enlaça ide-
almente o princípio da liberdade contratual, o qual, se
bem limitado em diversas formas, constitui, como se
tem dito, a pedra angular da disciplina geral do contrato
(MESSINEO apud SANTOS, 2004, p. 118).

Parte da doutrina entende que a partir do momento em que o di-


reito constitucional brasileiro considerou que a propriedade tinha uma
função social, tal princípio deveria ser aplicado aos direitos de créditos,
ou seja, às obrigações e, por consequência, aos contratos (TONIAZZO,
2008, p. 67).
Na sua forma original, tanto o contrato como a propriedade surgi-
ram com exacerbado individualismo e com a ideia de absolutismo. Com
isso, o pensamento da Igreja Católica desenvolveu-se no sentido de que
o direito de propriedade e o de contratar não podem ficar submetidos ao
arbítrio do proprietário, nem do contratante mais forte economicamente
(SANTOS, 2004, p. 119).
O jurista francês Duguit sustentou que todo indivíduo tem a obri-
gação de cumprir na sociedade uma função em razão do lugar em que

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ocupa nela. Assim, a propriedade não é o direito subjetivo do proprie-


tário; é a função social do possuidor da riqueza. Remetendo tais ideias
aos contratos, temos que a liberdade de contratar não é o direito subjeti-
vo do contratante, mas a função ou o dever social de quem possui maior
riqueza (SANTOS, 2004, p. 119).
Não cumprindo a sua função social ou, cumprindo com deficiên-
cia, por exemplo, não cultivando a sua terra ou deixar que estrague a
sua moradia, a intervenção do Estado é legítima no sentido de obrigar
o proprietário a cumprir a sua função social, consistente em assegurar o
emprego das riquezas que possui (TONIAZZO, 2008, p. 72).
Diz-se, ainda, que a propriedade sempre teve uma função social:

Quem mostrou isso expressamente foi Karl Renner, se-


gundo o qual a função social da propriedade se modifica
com as mudanças na relação de produção. E toda vez que
isso ocorreu, houve transformações na estrutura interna
do conceito de propriedade, surgindo nova concepção
sobre ela, de tal sorte que, ao estabelecer expressamen-
te que a propriedade atenderá a sua função social, mas
especificamente quando o reputou princípio da ordem
econômica, ou seja, como um princípio informador da
constituição econômica brasileira com o fim de assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justi-
ça social (art. 170, II e III), a Constituição não estava
simplesmente preordenando fundamentos às limitações,
obrigações e ônus relativamente à propriedade privada,
princípio também da ordem econômica e, portanto, sujei-
ta, só por si, ao cumprimento daquele fim (SILVA, 2000).

Relevante notar, ainda, que a função social da propriedade varia


de acordo com a propriedade de que se trate. A propriedade rural, por
exemplo, possui uma função social diferente da propriedade urbana.
Tais diferenças, da mesma forma, se transferem para o campo dos con-
tratos (FONSECA, 2007, p. 83).
Se a propriedade deve ter função social, o contrato também deverá
possuí-la, englobando os princípios da legislação ordinária e da Cons-
tituição Federal.

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Ora, a possibilidade de usar, gozar e dispor da propriedade ne-


cessita da intervenção do contrato, por exemplo, alugar, doar, dar em
comodato, vender etc. Assim também a exploração econômica da pro-
priedade não seria possível sem a existência de contratos (FONSECA,
2007, p. 83).
Portanto, sendo imposto que a propriedade cumpra sua função
social, deve o contrato igualmente fazê-lo, concluindo-se que estan-
do a função social da propriedade prevista na Constituição Federal,
precisa-se pensar também na função social do contrato (FONSECA,
2007, p. 85/90).
Precipuamente, a função social do contrato serve para limitar a
autonomia da vontade quando tal autonomia estiver em confronto com
o interesse social e este deva prevalecer. Tal princípio traz como conse-
quência, por exemplo, possibilitar que terceiros, que não sejam parte do
contrato, possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente
por ele atingidos (GONÇALVES, 2006, p. 5).
Cumprir uma função social poderia traduzir-se no interesse em
atingir uma finalidade útil para a sociedade e não apenas para os sujei-
tos diretamente envolvidos. Exercer uma função social é servir à socie-
dade. É certo que os contratantes não devem ser abandonados, porém o
benefício social é buscado (FONSECA, 2007, p. 87).

3 teoria da imprevisão e a possibilidade de revisão


judicial das cláusulas que ofendem o princípio
da função social

É certo que uma vez concluído o contrato, ele deve permanecer


imutável em suas disposições, em decorrência do princípio do pacta
sunt servanda. Sem tal força obrigatória, a sociedade estaria fadada ao
caos (VENOSA, 2006, p. 459).
Entretanto, tem-se admitido atenuações a esse princípio, podendo
o juiz rever as condições do contrato, sendo que a sentença substitui,
no caso concreto, a vontade de um dos contratantes. Tal revisão pode

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ocorrer quando se reconhece abuso de direito ou enriquecimento sem


causa (VENOSA, 2006, p. 460).
Diz-se que pode ocorrer a revisão judicial do contrato quando da
superveniência de casos extraordinários e imprevisíveis por ocasião da
formação do contrato, que o tornam, de um lado, excessivamente one-
roso para uma das partes, gerando a impossibilidade de sua execução
e de outro lado, lucro excessivo (DINIZ, 2005, p. 168). Tal fato é de-
nominado de teoria da imprevisão, que admite em todos os contratos a
cláusula rebus sic stantibus (das coisas como estão, estando assim as
coisas) (AZEVEDO, 2002, p. 30).
Ora, assim, a imprevisão também pode autorizar uma intervenção
judicial na vontade contratual, quando a situação refoge à previsibilida-
de. Tal imprevisão deve ser um fenômeno global, que atinja a sociedade
em geral, podendo ser exemplos, a guerra, a revolução, o golpe de Es-
tado (VENOSA, 2006, p. 461).
Impera na doutrina o entendimento de que se as partes convencio-
nassem livremente o ato negocial, sem que o juiz pudesse intervir, mes-
mo quando arruinasse uma das partes, a ordem jurídica não cumpriria
o seu objetivo de assegurar a igualdade econômica do contrato (DINIZ,
2005, p. 168).
Sobre a teoria da imprevisão, tem-se o conceito trazido pela doutrina:

A imprevisão consiste assim no desequilíbrio das pres-


tações recíprocas nos contratos de prestações sucessi-
vas ou deferidas, em consequência de acontecimentos
ulteriores à formação do contrato, independentemente
da vontade das partes, de tal forma extraordinários e
anormais que impossível se torna prevê-los razoável e
antecedentemente. São acontecimentos supervenientes
que alteram profundamente a economia do contrato,
por tal forma perturbando o seu equilíbrio, como
inicialmente estava fixado, que se torna certo que as
parte jamais contratariam se pudessem ter podido
antever esses fatos. Se, em tais circunstâncias, o
contrato fosse mantido, redundaria num enriquecimento
anormal, em benefício do credor, determinando um

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empobrecimento da mesma natureza, em relação


ao devedor. Conseqüentemente, a imprevisão tenda
a alterar ou excluir a força obrigatória do contrato
(LOPES apud JUNIOR, 2002).

O juiz para determinar a revisão do contrato pela onerosidade ex-


cessiva, deverá verificar os seguintes requisitos:
a) Vigência de um contrato comutativo de execução
continuada que não poderá ser aleatório, porque o risco
é de sua própria natureza, e, em regra, uma só das par-
tes assume deveres; b) Alteração radical das condições
econômicas no momento da execução do contrato, em
confronto com as do instante de sua formação; c) One-
rosidade excessiva para um dos contratantes e benefício
exagerado para o outro; c) Imprevisibilidade e extraor-
dinariedade daquela modificação, pois é necessário que
as partes, quando celebraram o contrato, não possam
ter previsto esse evento anormal, isto é, que está fora do
curso habitual das coisas (DINIZ, 2005, p. 169).

Assim, existem casos em que a onerosidade excessiva provém da


álea normal e não de acontecimento imprevisível, onde torna-se inca-
bível a revisão contratual. Nesse sentido, colhe-se do Enunciado 366,
na IV Jornada de Direito Civil que previu: “O fato extraordinário e
imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está
coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação”. Conclui-
-se, do referido enunciado, que a onerosidade excessiva não pode ser
invocada em decorrência de simples oscilação para mais ou menos do
valor da prestação, pois tal oscilação deriva dos riscos próprios do con-
trato (TARTUCE, 2007, p. 337).
Verificado que o contrato não atingiu sua função social, pode o juiz
rever o contrato, modificando suas cláusulas ou, por exemplo, determi-
nar a inexistência do contrato por falta de objeto, declarar sua nulidade
por fraude à lei imperativa, ou porque a norma do artigo 421 é de ordem
pública, convalidar o contrato anulável; determinar a indenização da
parte que desatendeu a função social do contrato etc.

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Ora, o Código de Defesa do Consumidor adotou, também, impli-


citamente o princípio da função social do contrato e, portanto, aceitou
a teoria da base objetiva do negócio ou revisão por simples onerosida-
de excessiva, que dispensa a prova de imprevisibilidade (TARTUCE,
2007, p. 343).
Dessa forma, comentou o jurista Emílio Betti, citado por Flávio Tar-
tuce, a respeito da revisão judicial dos contratos: “tal como os direitos
objetivos, também os poderes da autonomia, efetivamente, não devem
ser exercidos em oposição com a função social a que são destinados: o
instrumento da autonomia privada, colocado à disposição dos indivíduos,
não deve ser desviado de seu destino” (TARTUCE, 2007, p. 344).
A possibilidade de revisão judicial das cláusulas que ofendem o
princípio da função social encontra amparo na jurisprudência pátria
mais recente. Extrai-se do corpo do acórdão do processo 2007.016953-
2, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que tem como relator Paulo
Roberto Camargo Costa, que a possibilidade de revisão dos contratos
encontra-se inserida nos princípios consagrados pelo Código Civil vi-
gente, que condiciona a liberdade de contratar em razão e nos limites da
função social do contrato. Obriga, ainda, aos contratantes que guardem,
na conclusão do contrato e em sua execução os princípios da probidade
e boa-fé (COSTA, 2008).
Finaliza discorrendo ainda que o entendimento da possibilidade
da revisão dos contratos tem como sustentáculo o princípio da digni-
dade humana, norma fundamental encontrada na Constituição Federal
e também no Código de Defesa do Consumidor, os quais objetivam,
sobretudo, o equilíbrio das partes contratantes (COSTA, 2008).
Constatada a dificuldade na constatação dos fatos imprevisíveis
para possibilitar a revisão dos contratos, dois enunciados do Conselho
da Justiça Federal foram aprovados nas Jornadas de Direito Civil. O
primeiro é o Enunciado 17 que diz: “a interpretação da expressão ‘mo-
tivos imprevisíveis’ constante do art. 317 do novo Código Civil, deve
abarcar tanto causas de desproporção não previsíveis como também
causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis”. É uma tendência
de interpretação do fato imprevisível, possuindo como parâmetros as

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suas consequências para a parte contratante e não para o mercado. É


uma espécie de função social às avessas (TARTUCE, 2007, p. 345).
O segundo Enunciado, n.º 175, dispõe que: “A menção à imprevi-
sibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil,
deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o dese-
quilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz”.
Novamente, leva-se em consideração as consequências do fato impre-
visível quando da interpretação (TARTUCE, 2007, p. 346).
Não obstante a interpretação utilizada, verifica-se que a revisão
dos contratos, prevista no Código Civil e no Código de Defesa do Con-
sumidor, está em harmonia com o princípio da função social dos contra-
tos, que é considerada norma de ordem pública e interesse social.
Ora, o entendimento de alguns doutrinadores de que somente seria
possível a revisão judicial dos contratos se demonstrada a existência
de fatos imprevisíveis contraria originalmente o princípio da função
social dos contratos. Para tanto, outro dispositivo de lei deveria ter sido
inserido no Código Civil para facilitar tal interpretação (TARTUCE,
2007, p. 347).
Dessa forma, denota-se que a possibilidade de revisão judicial dos
contratos, atualmente reconhecida pelo Poder Judiciário, por meio das
decisões atuais proferidas, representa um avanço social. Verifica-se, as-
sim, a real supremacia do social sobre o individual, para assegurar o
equilíbrio do contrato, eis que esse é um bem jurídico que interessa à
sociedade (TONIAZZO, 2008, p. 120).

4 Análise do Artigo 421 do Código Civil frente aos


contratos de adesão

O Código Civil que entrou em vigor no ano de 2002 teve por obje-
tivo afastar-se das concepções individualistas que nortearam o diploma
legal anterior. Buscou seguir uma orientação firmada com a socializa-
ção do direito contemporâneo, que reflete a prevalência dos valores co-
letivos sobre os individuais (GONÇALVES, 2006, p. 4). Viu-se que a
socialização da propriedade refletiu na seara contratual, fazendo que o

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contrato deixasse de conceber o contrato para instrumento de manifes-


tação individual de vontade, para torná-lo como elemento socializador
(GAGLIANO, 2006, p. 48).
Nesse sentido, a análise do artigo 421 do Código Civil é de funda-
mental importância para a contextualização da pretendida socialização
ao direito material. Colhe-se, “Art. 421. A liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Ora, visivelmente se extrai três cláusulas gerais do dispositivo le-
gal, quais sejam: autonomia privada, caracterizada pela liberdade de
contratar; respeito à ordem pública e função social do contrato (NERY
JUNIOR, 2006).
A liberdade de contratar representa a autonomia privada que está
regulada no Código Civil, no artigo em análise. Tal autonomia encontra
limites, de igual modo, na ordem pública e na função social do contrato
(NERY JUNIOR, 2006). Efetivamente, há subordinação da liberdade
contratual à sua função social (GONÇALVES, 2006, p. 5).
O atendimento da função social pode ser enfocado sob dois aspectos:

...um individual, relativo aos contratantes, que se valem


do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e
outro, público, que é o interesse da coletividade sobre
o contrato. Nessa medida, a função social do contrato
somente estará cumprida quando a sua finalidade – dis-
tribuição de riquezas – for atingida de forma justa, ou
seja, quando o contrato representar uma fonte de equilí-
brio social (GONÇALVES, 2006, p. 6).

O que dá sustento constitucional à função social do contrato são os


princípios da ordem econômica equilibrada, respeito ao consumidor, ao
meio ambiente e à própria função social da propriedade (GAGLIANO,
2006, p. 53).
Devido à característica limitadora da liberdade contratual, a inter-
pretação do contrato de adesão não poderia ocorrer da mesma forma
que um contrato tradicional, onde ambas as partes têm a possibilidade
de discutir todos os seus termos (GAGLIANO, 2006, p. 53).

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Para solucionar tal problema, o Código Civil tratou de resolver


a questão, estabelecendo duas regras para a interpretação de tais con-
tratos, verbis:

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláu-


sulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a
interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusu-
las que estipulem a renúncia antecipada do aderente a
direito resultante da natureza do negócio.

O legislador, visivelmente, pretendeu afastar a concepção de con-


trato como um instrumento de manifestação privada de vontade para
passar a entendê-lo como elemento socialmente agregador (GAGLIA-
NO, 2006, p. 53).
Sendo sobremaneira estreita a liberdade de contratar nos pactos de
adesão, o legislador tentou compensar a ausência de liberdade com re-
gras interpretativas, que retirem a posição de fragilidade da parte, dian-
te da impossibilidade de se discutir as cláusulas do contrato (SANTOS,
2004, p. 129). Todavia, o banimento das cláusulas abusivas deve se dar
não somente no âmbito trabalhista ou do consumidor, mas de todo e
qualquer contrato, civil ou empresarial, entre partes economicamente
iguais ou não (GAGLIANO, 2006, p. 54).
Imagine-se, por exemplo, que se tenha pactuado um
contrato de engineering (para a instalação de uma fábri-
ca). Mesmo que o negócio pactuado seja formalmente
perfeito (agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou
não defesa em lei etc.), se a legislação ambiental ou de
segurança do trabalho, por exemplo, houver sido viola-
da, tal avença não haverá respeitado a sua função social,
não devendo ser chancelada pelo Poder Judiciário. Na
mesma linha, se se pretendeu instalar a indústria para
fim de lavagem de dinheiro (GAGLIANO, 2006, p. 54).

De igual modo, em seus últimos artigos, o Código Civil traz, espe-


cificamente no parágrafo único do artigo 2.035, que:

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A aplicabilidade do princípio da função social no contrato de adesão

Art. 2.035. [...]


Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se
contrariar preceitos de ordem pública, tais como os
estabelecidos por este Código para assegurar a função
social da propriedade e dos contratos.

Assim, percebe-se claramente que os contratos celebrados após o


Código Civil e que não obedeça ao seu fim social será considerado nulo.
Daí a importância da figura da função social no Código Civil, em seu
artigo 421, não importando que a origem seja de ordem constitucional
ou a partir da função social da propriedade (FONSECA, 2007, p. 252).
Ora, o artigo 421 do Código Civil traduz um conceito que há tem-
pos já vinha sendo aplicado pelos juristas, devido à sua origem da Cons-
tituição Federal, mas sem uma incidência tão clara nos casos concretos
e que agora é um princípio que obrigatoriamente deve ser considerado
(FONSECA, 2007, p. 29).
Nesse ínterim, verifica-se que existem muitos fatores atuais que
obrigam o surgimento de novos contratos e novas formas de contrata-
ção. O direito não pode ficar preso a dogmas que atenderam à determi-
nada ordem econômica, política e social não mais existente. O contrato
visto como acordo de vontades está dissociado da realidade. Os con-
tratos internacionais, de adesão, por telefone, via internet, demonstram
que o profissional do direito do século XXI deve se transformar para,
mais completo, tratar de tais assuntos. Não se pode dizer que o con-
trato está em crise, mas sim que houve uma mudança de enfoque: o
contrato de adesão, por exemplo, não se manifesta pela vontade livre e
consciente das partes, mas sim do que está sendo imposto pelas partes
(SANTOS, 2004, p. 64-65).
Sendo o homem o único animal que contrata, como observou
Adam Smith, percebe-se que o contrato vem com o objetivo de viabi-
lizar a vida em sociedade. E, o que a função social do contrato impõe,
em conjunto com outros princípios como o da boa-fé objetiva, é que as
partes possuam um bom funcionamento contratual, nunca eliminando
os interesses individuais, todavia, eliminando deslealdades ou atitudes
contrárias à ordem econômica e social (FONSECA, 2007, p. 245).

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Nada mais justo, nesse contexto, identificar a função social do


contrato como o princípio da conservação do contrato, conforme en-
tendimento do Enunciado n.º 22 do Conselho da Justiça Federal. Não
se pode olvidar, todavia, que a aplicação do princípio da função social,
em todos os contratos, inclusive os de adesão, não obsta à liberdade
contratual (FONSECA, 2007, p. 247).
Nesses termos, a função social do contrato não deve e não pode
sufocar a função econômica do contrato, que é a principal função do
contrato.
Corroborando o entendimento doutrinário trazido no presente es-
tudo, interessante colacionar do corpo do acórdão do Recurso Especial
n.º 627424, julgado em 06.03.2007, o entendimento do Superior Tribu-
nal de Justiça, apresentado pelo Ministro Luiz Fux:

Deveras, consoante cediço, o princípio pacta sunt


servanda, a força obrigatória dos contratos, porquan-
to sustentáculo do postulado da segurança jurídica, é
princípio mitigado, posto sua aplicação prática estar
condicionada a outros fatores, como, por v.g., a função
social, as regras que beneficiam o aderente nos contra-
tos de adesão e a onerosidade excessiva.
6. O Código Civil de 1916, de feição individualista, pri-
vilegiava a autonomia da vontade e o princípio da força
obrigatória dos vínculos. Por seu turno, o Código Ci-
vil de 2002 inverteu os valores e sobrepôs o social em
face do individual. Desta sorte, por força do Código de
1916, prevalecia o elemento subjetivo, o que obrigava
o juiz a identificar a intenção das partes para interpretar
o contrato. Hodiernamente, prevalece na interpretação
o elemento objetivo, vale dizer, o contrato deve ser in-
terpretado segundo os padrões socialmente reconhecí-
veis para aquela modalidade de negócio (FUX, 2007
– www.stj.gov.br).

Extrai-se que o princípio da função social dos contratos, no caso


concreto, tem aplicabilidade igualmente nos pactos considerados de

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A aplicabilidade do princípio da função social no contrato de adesão

adesão, justamente pelo papel social que tais instrumentos de negócio


jurídico vem assumindo na atualidade.
No mesmo sentido, já foi decidido pelo Desembargador Marcus
Tulio Sartorato, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no acórdão
2007.041287-3, de Brusque, julgado em 30.10.2007:

Ainda que inexista norma legal que proíba a resolução


unilateral do contrato de seguro de vida, é lícito ao jul-
gador, sobretudo em situações excepcionais que possam
colocar o consumidor em posição deveras desvantajosa,
valer-se da analogia a fim de assegurar o equilíbrio das
partes e de dar prestígio à boa-fé objetiva, à dignidade
humana e à FUNÇÃO SOCIAL do negócio jurídico
entabulado. Neste norte, aparenta-se possível, em tese,
que a análise judicial da questão absorva a mens legis
posta nos artigos 14 e 15 da Lei n.º 9.656/98, que tra-
ta dos planos e seguros privados de assistência à saúde,
no sentido de garantir ao segurado, como alternativa ao
contrato anterior, a disponibilização de propostas viáveis
e razoáveis, mesmo que estas não venham a desprezar a
sua idade avançada (SARTORATO, 2007).

Assim, na vida prática moderna, vê-se que as partes não estão


atentas para a aplicação do princípio constitucionalmente assegurado
da função social, eis que reiteradamente os Magistrados têm que de-
cidir ações de revisão de contrato buscando reestabelecer o equilíbrio
desejado entre as partes. Colhe-se do corpo da decisão proferida pelo
Desembargador Lédio Rosa de Andrade, do Tribunal de Justiça de San-
ta Catarina, no acórdão n.º 2005.036333-0, julgado em 31/10/2008:

E, pelo menos em sede de contratos bancários, o que


se vê é que, ao contrário, os princípios da igualdade, da
função social dos contratos e da proteção ao consu-
midor foram e continuam dia a dia a ser sacrificados,
pois que definitivamente substituídos por um princípio
maior e mais importante: o da manutenção dos lucros
cada vez mais exorbitantes das instituições financeiras.

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Não importa se, para tanto, pequenas e grandes socie-


dades empresariais sejam reduzidas à quebra, se mutuá-
rios perdem tudo o que têm, se os produtores rurais per-
dem suas propriedades. Afinal, o que importa é garantir
sempre o lucro altíssimo dos bancos, ainda que com a
subversão de princípios jurídicos definitivos.
Nesse quadro, não constitui nenhum contra-senso afir-
mar-se que, no Brasil, no quadro atualmente vivido, as
instituições financeiras englobam um triplo poder: o de
Executivo, Legislativo e Judiciário. [São os Novos Sobe-
ranos Difusos, no dizer de Juan Ramón Capella, Fruto
Proibido: uma aproximação histórico-teórica ao estudo
do direito e do estado, Editora Livraria do Advogado].
Enfim, a função maior de um Estado Democrático de
Direito, a exemplo do Brasil, é o de perenizar-se como
o País do Samba, do Futebol e, ainda, da especulação.
E nesse contexto, atinge às verdadeiras raias de uma
“piada de mau gosto” afirmar-se que a legislação pátria,
mormente o nosso Código Civil e o nosso Código de
Defesa do Consumidor são avançados em relação aos
demais países, por estabelecer a primazia dos interesses
dos economicamente menos privilegiados com acen-
tuação dos princípios da boa-fé contratual, da função
social do contrato, da equidade, etc.
No plano hipotético, efetivamente, houve esse avanço,
existe essa supremacia. Entretanto, tal não se reflete no
âmbito da efetividade, onde os mais comezinhos prin-
cípios jurídicos continuam a ser ignorados, onde os di-
reitos dos consumidores continuam a ser vilipendiados
reiteradamente (ANDRADE, 2008).

Assim, deve-se admitir que todos os contratos podem ser revistos


quando não atingida a sua finalidade ou não corresponda aos interesses
da sociedade, ainda que tenham se constituído validamente e se encon-
trem perfeitos (TONIAZZO, 2008, p. 121).
A famigerada função social do contrato que nos dias atuais limita a
liberdade de contratar autoriza que o juiz assuma posições consideran-
do aspectos como o costume, a confiança, a equidade, a moralidade, a

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A aplicabilidade do princípio da função social no contrato de adesão

solidariedade, a equivalência das prestações, a boa-fé das partes, tendo


ampla liberalidade para resolver os conflitos, podendo, inclusive, deixar
de considerar o momento da manifestação de vontade (assinatura do
contrato) para tornar relevantes os efeitos do contrato, durante a sua
execução (TONIAZZO, 2008, p. 123).
Diante de todo o exposto, verifica-se que, ao prever no artigo 421
do Código Civil de 2002 expressamente o princípio da função social
dos contratos, o legislador trouxe mais segurança à atividade jurispru-
dencial, vez que alguns juízes se negavam em reconhecer tal princípio,
eis que não disposto no corpo da lei (GAGLIANO, 2006, p. 56).

Considerações finais

Não se olvidam dúvidas de que o direito contratual sofreu gran-


de mudança estrutural, diante da realidade que se está passando, com
a globalização galopante e a rapidez da vida contemporânea. Pode-se
afirmar, assim, que na sociedade atual, predominam os contratos de
adesão, que objetivam a contratação em massa, tudo de forma a tentar
agilizar os negócios jurídicos a serem realizados.
Conclui-se, destarte, que não há como se entender o Direito Con-
tratual sem relacioná-lo aos princípios que o regem. E, entre os princí-
pios estudados, destaca-se a importância do princípio da função social.
Esse princípio, que há tempos já vinha sendo tratado na Consti-
tuição Federal quando disciplinava acerca da função social da proprie-
dade, é aplicado agora no âmbito dos contratos, ex vi a previsão legal
trazida pelo Código Civil de 2002, que, em seu artigo 421 previu que os
contratos devem atingir a sua função social.
Verifica-se que o Código Civil trouxe alteração substancial em
matéria contratual, com a quebra da regra tradicional do pacta sunt ser-
vanda absoluto.
Porém, o que se percebe é que deve ser dada a devida funcionali-
dade ao princípio da função social do contrato, sem que acarrete inse-
gurança jurídica, pela não aplicação de forma absoluta do princípio da
força obrigatória do contrato. Há necessidade de se chegar a um ponto
de equilíbrio entre a função social e o conteúdo do contrato.

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Dessa forma, pelo estudo jurisprudencial realizado, verifica-se que


efetivamente o princípio da função social vem sendo aplicado pelos
juristas, no sentido de possibilitar a revisão de contratos que contenham
cláusulas contratuais ofensivas a tal princípio.
Contudo, o que se espera, é que num futuro próximo, referido
princípio seja aplicado já na sua origem, ou seja, na formalização dos
contratos, visando evitar o aumento no número de demandas judiciais
objetivando a revisão dos contratos que ofendem o seu princípio da
função social.

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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

SOBRE OS AUTORES
Anemari Socreppa
Professora Titular da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe. Técnica Judi-
ciária Auxiliar do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Graduação
em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – Campus Videi-
ra. Mestranda do Mestrado Interdisciplinar em Desenvolvimento e Sociedade
pela Universidade Alto Vale do Rio do Peixe.
E-mail: anemari@tjsc.jus.br

Jociane Machiavelli Oufella


Doutoranda do Doutorado em Ciências Jurídicas da Pontificia Universidad Ca-
tolica da Argentina (Buenos Aires). Graduação em Direito pela Universidade
do Oeste de Santa Catarina. Pós-Graduação em Direito Processual Civil pela
Universidade do Contestado. Mestrado em Direito Economia e Política – Uni-
versità degli Studi di Padova. Coordenadora do Curso de Direito da UNIARP
– Universidade Alto Vale do Rio do Peixe, Professora titular da Universidade
Alto Vale do Rio do Peixe – Caçador e Professora titular da Universidade do
Oeste de Santa Catarina. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em
Direito Internacional, Direito das Famílias e Sucessões.
E-mail: jociane@uniarp.edu.br

Everaldo da Silva
Mestre em Desenvolvimento Regional e Doutorado em Sociologia Política
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro integrante do
Banco de Avaliadores Ad Hoc do Inep/MEC. Avaliador Ad Hoc de Projetos da
FAPESC. Avaliador Ad hoc de Projetos e cursos de Pós-graduação – FUMDES
da SED/SC. Atua no Ensino Fundamental e Médio. Sólida experiência profis-

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sional no setor bancário. Atuou como Gestor Acadêmico e Pesquisador Institu-


cional de Instituições de Ensino. Professor em cursos de Graduação e Pós-Gra-
duação Lato Sensu e Stricto Sensu. Líder dos Grupos de Pesquisa em Grupo de
Pesquisa em Estudos Interdisciplinares em Ciências Humanas, Contingência e
Técnica (UFMA) – (CNPq); Grupo de Pesquisa em Educação Interdisciplinar,
Inovação e Sociedade – GEIDS. Membro da Associação Brasileira de Editores
Científicos (ABEC). Possui experiência na editoração eletrônica de periódicos
científicos. Também tem formação e experiência na área de educação a distân-
cia (EAD). Consultor e professor autor de livros e materiais didáticos de cursos
presenciais e de EAD. Tendo experiência profissional nas áreas relacionadas à
socioeconomia e à sociopolítica do desenvolvimento.
E-mail: prof.evesilva@gmail.com

Submetido em: 22-10-2016


Aceito em: 30-10-2017

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