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a. REVI =F DE Historic DA BIBLIOTECA NACIONAL O comércio de escravos na formacao do nosso mundo WU Meme Lean eRM ele CeLaKy STROM RM ARN URC MALLCORE) OM Rem erage llOm em ere Rae Dray ty N° 108 | SETEMBRO 2014 IWIN tai Digitalizada com CamScanner : AT re . : 4 ds Pe ans oid Maca sf BBR gpd mou oot mtfa wane eee eu ee sponle Ss. xe ie al bsp a Ons. Bi ee) pr Mae iee ws money p> c ees ADS Br = meee at wearin fr oC : eo: ah . aiaks a ae ‘Trecho daca, a Poi de Coma elt oe Malo adeno do rst Digitalizada com CamScanner Senhor, posto que o capitao-mor desta vossa frota ¢ assim os outros capitdes es- crevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que se ora nesta navegacao achou, nao deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que para o bem contar e falar o saiba pior que todos fazer. Mas tome Vossa Alteza minha ignoréincia por boa vontade, a qual, bem certo, creia que por afremosentar nem afear haja aqui de por mais do que aquilo que vi e me pareceu. Da marinhagem e singraduras do caminho néo darei aqui conta a Vossa Alteza, porque 0 nao saberei fazer e os pilots devem ter esse cuidado. E, portanto, Senhor, do que hei-de falar comeco e digo (...) A histéria recolhida na fonte soo cia Historia i Peraosras Digitalizada com CamScanner A imagem da capa TN ked a acne) Homens negros acorrentados, reunidos em um local frequentado por compra- dores da mercadoria humana. Essa imagem, repetida incontéveis vezes durante (8 séculos de existéncia do trifico de escravos africanos, une-se aos esbocos dos navios negreiros abarrotados de homens, mulheres e Criangas postos lado a lado Soe eG ae ence cr meados do século XIX, fotografias, essas imagens tornaram-se parte do imaginario Ce Oe ec ete oe ee eee cen ct PSs eS oe oe cee oe ec een et Ce coe er ee ge cee Perec er ee CO ee msc ee eae en sultanato da Africa oriental que havia quase dois séculos abastecia de escravos os Estados muculmanos ao redor do oceano {ndico e também os traficantes ocidentais Se eet Observada na sua particularidade, essa imagem nos diz muito. Documenta, por ‘exemplo, parte da arquitetura interna do mercado de escravos, semelhante a uma Prisio, com homens acorrentados pelo pescoco, grades na janela e portas de metal macigo. Ela diz algo sobre a aparéncia fisica dos homens: descalgos, como escra- UCU ec eee eee ee Muitos so jovens do sexo masculino, alvo predileto dos traficantes ocidentais, ee EL cat eee te ee SLR Ee eae eye eee Sa a ACLU Te Rocce ee ete biente do mercado de escravos, a nudez era muito mais comum do que a imagem deixa ver. Em termos técnicos, obter a imagem fotogrifica exigia auséncia de mo- vimento dos objetos fotografados, mas o homem tremido a direita optou por ndo ieee aR ee ee SS eee on te te enn ae Ge ee EL ea ee Se eee ee eae Outras informagdes nio estio na imagem, mas a curiosidade do leitor pode indagar, a partir da observacio, sobre a experiéncia desses homens, Acabavam de Set desterrados? Onde estavam seus parentes? Que situacio 0s levou ao cativeiro? aL at eee cuja Dien cee eee etch tee tanta Paaiatinceeeia ed ate er Tee pare) Spee niphieeio sce eer et ane ean a cS eR erent ne eee 2 se tornar mais sensivel ao que hoje chamamo: ee Unc ee ee Daerah eee Ree UEC Er eee Letesamaetunnceat tice rime eee Pear erties ree rapa sa Se Meare Heart Digitalizada com CamScanner CARTA DO EDITOR Imagine ser arrancado da sua familia, Imagine ser acorrentado, trancafiado, privado de luz, comida ¢ agua. Imagine ser negociado, jogado em um porto ‘imido, quente e superlotado, no qual permanecerd por semanas, sem ter ideia do seu destino. Imagine que aquele que agora © domina cogita jogé-lo ao mar por puro célculo econémico. Imagine, por fim, que sai vivo deste inferno e que agora tema “sorte” de fazer parte de um lote de mercadorias e que sua existéncia dependera do interesse material de alguém que poderd espancé-lo até a morte. Agora multiplique isto por 12 milhées. Comparar tragédias nao é tarefa facil, mas poucas vezes a humanidade foi capaz de atrocidades com a dimensio a escravidio moderna, O comércio transatlantico de pessoas, longe de ter sido uma perversio do carster ocidental, foi uma engrenagem que girou a roda do capitalismo entre os sécuilos XVI e XIX. As ligagdes entre o “infame comércio”, a industrializagio da Europa, a sedimentagio de estruturas de dominacdo no continente africano e a criagio das novas sociedades americanas estio nas paginas do dossié preparado elas historiadoras Cristiane Nascimento e Joice Santos. Dos mimeros da migragao forcada ao tratamento dispensado a carga humana, percebemos uma racionalidade ‘econdmica que nos é muito familiar —lembrando que, em qualquer época, a utilizagio de dados frios para resumir 0 que uma sociedade, sua riqueza ou sua pobreza é uma forma de dissociarse do suor, da carne e do sangue de mulheres e homens que, no fim das contas, sio os habitantes da Historia, Aproveito este espaso para agradecer aos leitores, colaboradores, antigos conselheiros, editores que me precederam e toda a equipe, pretérita e atual, da Revista de Histéria pela construcao continua desta publicacio. Reafirmo nosso compromisso de fazer de suas paginas um lugar para as vozes miiltiplas do trabalho historiografico, Roprico EL1as NESTE NUMERO ‘Alex Borucki ‘Auror de From Shpmates 10 Soldiers: Emerging Black erties Momendeo, 1770-1850 (2011), de ‘Aesloizmoy wifi dees loosen Momedeo ts lo fandecénrepublcona, 1829 1053 (2009) Alex Borucks expla come a Coron espanhoa, sam portos na Alves, providenciaa exera- ‘os para a repo do Rio dt Prats Para o professor de Hissin da Universidade (4 California (vine). 2 rio-de-obra negra era fundamental para a econo ia loca Richard Price No auge do comércio transatlintico de esravs, ot britnioslderaram 0 transporte de catvos. 60 ‘que revels Richard Price, profesor da Universidade 4e Maryland e PhD. em ‘Aneropologa Soc pla Universidade Harvard Com base em estas recenes, autor de ‘Moking Empire (2008) demostra sina que o Beas respondev pela malor parte daquels vigens . Potricia Lessa Com pés-doutorado em Discurso e Lnguagem pos Universidade Federal Fueninense Parca Less ‘decute nsersio do textes, centicos de femiidade not Jogos Olmplcas de 1968, der cradora do Grupo de Pesquisa em Estudos do (Corpo ed Sexualdade (Gepecos) 2 autora do loro _Maleres 3 vend (2005) revel que as atlas de gneroindetermiado” meacavam 0 equibrio ‘Historia ts BIBLIOTECA NACIONAL REVISTA DE HISTORIA ede het toradrantctieacomte DDABIBLIGTECA NACIONAL - SABIN ‘anit Digitalizada com CamScanner ANo 10 | N° 108 | SETEMBRO 2014 DS 8 EM DIA Pesquisudor prope um novo o mapa das capitanias hereditarias 14 AGENDA. EveNTOS CULTURAS BRASIL AFORA DOSSIE TRAFICO DE ESCRAVOS 16 Uma velha novidade Por Cristiane Nascimento “Bropeus conheceram: a escravido na ‘Antiguidade, mas apenas na Epoca Moderna a transformaram emi uma complexa estrutura 20 Oinjustificavel _ *Por Joice Santos -Apesar do forte vies econdmico, os responsiveis pelo comércio de africanes buscavam = _justificativas na Feligido e na cultura 7 23 Um grande negécio Pot Richard Price it 6s séalosemcip, Brasil recebeu 45% dos africans trazidos para as Américas. Muitas nnagbesucraram com o comércio. 26 Tradicdo de agoite Por Alexandre Vieira Ribeiro Eseraviddo era uma prética comum na Africa mesmo ates da cegada ds europe ao continente 31 Investimento de risco Por Daniel B, Domingues da Silva Preservar a mercadoria era indispensdvel ao ‘omerciante de escravos que ndo quisesse ter pPrejuizo com o alto custo do negocio 4 38 52 Rumo ao Rio da Prata Por Alex Borucki Sem feitorias escravistas na Africa, os espanhois compravam cativos de Portugal, via portos brasileiros, para os atuais Uruguai e Argentina Injustiga seja feita Por Nilma Teixeira Accioli ‘Acusado de traficar africanos ilegalmente, 0 comerciante José Goncalves escapa da prisioe reclama de prejuizo eperseguigtio Avontade é a lei Por Juliana Barreto Farias Assim que proibiu o comércio de escravos em suas possessées, a Gré-Bretanha passow a convencer utras nagdes a fazerem 0 mesmo Acabou-se o que nao era doce Por Gilberto da Silva Guizelin “Mes com o comércio proibide, embarcagdo com escravos do Zaire tentou desembarcar em Pernambuco, mas foi surpreendida ENTREVISTA Elisée Soumonni Por Bruno Garcia e Joice Santos “Gasto de dizer que era gragas ao Brasil, seu tamanho ¢ recursos naturnis que 0 pequeno Portugal conseguia administrar seu vasto Império” Provas preliminares Por Patricia Lessa ey ee. : ‘Nas Olimpiadas de 1968, mulheres tiveram, que se submeter a exames constrangedores para ‘provar sua ferinilidade e competir ee aes Digitalizada com CamScanner 5 n Assim nasceu Fordlandia Por Antonio Marcos Duarte Jr. As particularidades da selva amazénica Srustraram a tentativa do magnata Henry Ford de criar um polo de extragdo da borracha PERSPECTIVA Art nouveau paulista Por Mauricio Silva [No inicio do século XX, o estilo europeu cain no ‘gosto da aristocracia cafeeira Enquanto isso... Por Marcello Scarrone ‘Na virada para o XX, o mundo foi se enchendo de flores, curvas e assimetrias. Bem-vinda, art nouveau! EDUCACGAO, Narrativas da repressdo Por Carlos Eduardo Pinto de Pinto A histéria da ditadura civi-militar brasileira fot ‘muito abordada no cinema. Material pode ser aaproveitado em sala ‘Carnaval por liberdade Por Eric Brasil As vésperas da Abolicio, folides negros agitavam as ‘ruas do Rio cantando que “a Africa sempre fot livre” 16 84 89 2 %6 RETRATO Sem travas na lingua Por Zsuzsanna Spity 0 jove profesor hingaro Paulo Ronai no imaginava que ointeresse pelo portugué ra salvd-lo dos nazistas LEITURAS © mundo segundo 0 Popol Vuh Por Milton Hern Bentancor Livro sagrado do powo maiarquchéexpica a origem do homer muito antes da colonizagdo espanol nas Américas ALMANAQUE HUMOR E:CURIOSIDAE DECIFRE SE FOR CAPAZ poder da pena Por Expedito Elofsio Ximenes 1762, Antonio Gomes de Freitas preiou de uma proviso do governador do Ceard para se tomar acide de sua vila POR DENTRO DA BIBLIOTECA Caminho sem volta Por Lia Jordao Quando o trafico negreiro enfraqueceu, o rei de Onin, na Africa, escreveu d Coroa portuguesa para manter lacos comerciais LIVROS. CARTAS. A HISTORIA DO HISTORIADOR Entre dois gigantes Por Femando Nicolazzi ‘Ao trabathar com obra de Gilberto Freyre ¢ Buclides da Cunha, pesquisador percebe as contradigées de nossa realidade social Digitalizada com CamScanner As umas de cerdmica pertenceram & etnia indigena pall, que tera habtado a regio por voka dos 0 a 1300. Em Dia Brasil profundo Pesquisadores do Amapd encontram poco funerario construido hd quase mil anos por povos indigenas UM LIToRAL rovoapo F UM IN- ‘TERIOR VAzIO. Esta foi, durante muito tempo, uma concep¢ao de demografia hist6rica que fez sucesso no pais. A arqueologia, entretanto, mostra 0 contratio: por conta das transformacées naturais e das geradas pelo ho- ‘mem, diversas regides possuem caracteristicas diferentes das que apresentavam séculos an- tes. “Muitos locais que hoje sio cobertos por florestas, como é © caso da Amaz6nia, eram habi- tados por diversas populagoes, até mais que no litoral”, ressal- ta o professor de arqueologia Eduardo Gées Neves, da Univer- sidade de Sao Paulo. Segundo ele, a regido possui uma grande diversidade de sitios arqueol6- sgicos no que se refere a ater- 10s feitos pelo homem, como ‘também vestigios em ceramica. “Acho que existe uma correla- ‘cao entre a diversidade natural na Amazonia e a variabilidade dos povos antigos da regiao”. Um exemplo disso € 0 pogo fu- neririo localizado préximo & cidade de Macapé (AP) por pes- quisadores do Instituto de Pes- quisas do Amapé (lepa). © poco encontrado tem ‘uma forma inédita: s30 varias ‘camaras mortudrias para sepul- tamentos simultaneos ao invés de uma camara separada. Os restos mortais eram sepultados em urmas feitas de ceramica pertencentes a etnia Palikur, e colocadas nas camaras. 0 local teria sido construido por po- vos indigenas que habitaram a regio entre 1.000 e 1.300 da nossa era. “Esse poco esti muito distante da drea onde ge- ralmente se conhecia sua ocor- rencia. E a primetra vez que encontramos diversas cimaras laterais onde foram achadas as urnas”, explica Jodo Darcy de Moura Saldanha, arquedlogo do lepa e coordenador da pes- quisa. A descoberta foi feita em ‘um sitio arqueolégico de qua- tro hectares, em 2010, a cerca de dois quildmetros da comuni- dade quilombola do Curiati, na zona norte de Macapé. Para abrir 0 poco funera- rio, foram utilizadas méquinas escavadeiras que, controladas Pelos arquedlogos, decapam 0 solo gradualmente até a locali zacdo de estruturas. “Com isto temos areas enormes que sio abertas e 0 niimero de achados cresce de forma exponencial, aumentando a chance de des- cobertas inéditas como esta”, ressalta 0 arquedlogo Joao Sal- danha. E esse € s6 0 inicio das pesquisas na drea. “Calculamos, pela dispersio dos materiais arqueol6gicos, que 0 poco deve medir 8 mil metros quadrados € 56 escavamos pouco mais de mil”, acrescenta ele. 0s vestigios encontrados ~ materiais ceramicos e ossos humanos ~ até agora estao em processo de anlise no labora- t6rio de Arqueologia do lepa, ‘em Macapé. “Queremos, em parceria com a comunidade do Quilombo do Curiai, montar uma pequena exposicio com os materiais mais representativos, uma forma de dar um retorno com informagoes da histéria do territério de ocupacio no préprio territ6rio”, ressalta 0 arqueélogo. Essa proximidade do sitio arqueolégico indigena précabralino com 0 quilombo construido na regio no sécu- Jo XIX também é um destaque para a pesquisa, uma vez que “a presenca de comunidades quilombolas na regiio Amaz6- nica ainda um tema pouco es- tudado”, observa Eduardo Gées Neves. Uma proximidade entre tradigdes materiais que, literal mente, é uma das bases do Bra- sil. (OEBORAH ARAUJO) Digitalizada com CamScanner Em Dig 9 cca Com a palavra, a Maré Moradores do maior complexo de favelas do Rio de Janeiro pesquisam e contam suas hist6rias em livro “Ev NASCI NO ANO DE 1944, fui Janeiro, a Maré. O depoimento pra Praia de Inhatima com qua- _ completo do antigo residente ‘ro anos. Lieu fui crescendo, do Morro do Timbau ~ uma das fui crescendo, meu pai era pes- comunidades do complexo que cador. Com 14 anos, eu sa para fica na zona norte da cidade Pescare aprendi a trabalharem — — est publicado no livro Me-_preservar essas historias, e de traineira. Ali por trés da Nova _miriaeIdentidade dos Moradores_trazer a discussio a importan- Holanda, ali dava muita tainha do Morro do Timbau e do Parque _cia de contar e conhecer essa no meu tempo, Quando eu era__Proletdrio da Maré, langado em —_parte da histéria do Rio de Ja- garoto, jé existiam moradores majo deste ano. Olivro €0 se: neiro”,ressalta o diretor. na Baixa do Sapateiro, mas nao __gundo da série “Tecendo Redes diferencial do trabalho é 0 muito, muito pouco, etinha __de Histérias da Maré”, que pre-_ponto de vista, os envolvidos no Pescador lé também, Eu viaas _tende narrar as trajetérias das _projeto so ou foram moradores palafitas serem construidas aqui 16 comunidades do bairro. do bairro: “todo mundo que fez nna Maré, mas naquela épocaera__—-A.coleta de dados e entre: a pesquisa é morador da Maré”, areia, agora € lama. Eu sabia _vistas, parao livro, durou cerca lembra Edson Diniz. 0 profes- que ia acontecer isso, 0 progres: de um anoee ficou a cargo do sor de histéria da UFF e diretor $0 ia chegando, rapaz!E 0 pro- _Nicleo de Memoria e Identids- _geral do Arquivo Pablico do sesso atrasou tudo no que vocé de (Numim), da ONG Redes de Estado do Rio de Janeiro, Paulo imaginar: a violencia aumen- Desenvolvimento da Maré. Ed- Knauss ~ prefaciador da publica- tou, a poluigio no mar e outras son Diniz, um dos diretores da Gio deste ano ~lembrowa Rov coisas que voce ti vendo ai que Redes e fundador do Numim, ta de Histriaque “o lugar social 9 wer avere = nio precisa falar, entendeu?” —__comemorou a possibilidade de da pesquisa histérica demarca a fos gmutament a { Heassim que Seu Expedito _resgatar a meméria da regio, _paticularidade do olhar sobre a_i ONG Reis © G.da Silva descreve parteda __contando “essa historia por _historia da cidade’. Se beametaae Sy © histéria do maior conjunto dentro” da Maré, afirma. “O ‘Tomando essa iniciativa por Neon! 5 de favelas da cidade do Rio de _livro materializa o sonho de base, o professor Paulo Knauss = que ja acompanhava o traba- Iho da ONG na Maré - destaca a mudanca nas possibilidades da pesquisa histérica no Brasil: “o perfil dos profissionais de hist6ria e os espacos de inser- ‘40 social de conhecimento historico tém se multiplica- i do”. E, com essa mudanea, fica clara a relevancia do projeto: —* e:p2co ns publ “trata'se de um produto de pesquisa com um objetivo que, além da contribuicao académi- ca, procura ter repercussio so- cial na cidade, legitimando co- munidades urbanas”, conclui. (DEBORAH ARAUIO E ANGELICA FONTELLA) Digitalizada com CamScanner 10 Em Dia A Italia brasileira ist6 Veneza, Documentario exibido no Canal Brasil conta a historia de Nova de descendentes de italianos cidade catarinense com o maior indice Joao Fabio Bertonha, professor de histéria na Universidade Es. tadual de Maringé (Paran) ‘Além do mimero de des- cendentes, Nova Veneza se distingue de outras col6nias italianas no Brasil quanto a va- lorizagio da cultura - ao me- nos no nivel institucional - ea ligacdo com a Itélia, O munici- programa de televisio. “A ma- téria nao saiu porque a gondo- la nao navega, e foi justamente por isso que eu me interessei e fiz o documentario”, ressalta Joana Nin. A gondola de Nova ‘Veneza esta instalada em um lago artificial na praga da ci- dade, com um “gondoleito” contratado pela prefeitura ape- nas para tirar fotos com os tu- _pio hoje tem pacto de amizade ristas, “A gondola esti parada__com cidades italianas como hoje porque €um monumento. Caravaggio (na Lombardia) e a A gOndola de Nova. NOVA VENEZA FOI A PRIMED: Por ser a tinica, a questo de _ propria Veneza. Desde 2002 Venera esti atrcacs Rae tiltima colonia italiana _turista navegar acaba dete- ensino da lingua italiana um liga srtfcal_—-no Brasil da Repiblica Velha__riorando o presente”, explica___ (como segundo idioma) é obri- onside na past (1889-1930). A cidade, resul- _Giliard Cava, secretério de Cul- _gat6rio na grade curricular de ch echse Aemésr tad de um processo de co- _—tura, Esporte e Turismo do mu- todas as escolas do municipio. cssao esti sberin 29 Jnizacdo entre 1891 e 1897, _nicipio de Nova Veneza. Segundo Joao Fabio Bertonha, publeo como po%2 tem um grande indice de Noentanto, aembarcagdo para a maioria esmagadora raed casamentos entre descenden- _ foi apenas 0 inicio do encontro dos descendentes de italianos. Odocumentiro tae tS de colonos, o que ajudou de uma historia mais ricae in- essa proximidade com a Itdlia hiswénas dos cescon- A Manter uma alianga forte _teressante na cidade catarinen- _¢, paradoxalmente, algo dis- Gentes de talancs Coma terra natal de seus an- se. “Fuidescobrindo aos pou. _tante. “A grande maioria nun- em Nova Venes cestrais. Esta e outras peculia- cosa forga determinante da__ca foi a Italia, nao se interessa Seus ancestrasche- _ridades da cidade de aproxi- cultura italiana na construcio _de verdade por ela e nem fala rm iregdoenve madamente 13 mil habitantes da identidade local”, declaraa__italiano. Alguns habitos so se- 191 © 1897 no sudeste de Santa Catarina diretora Joana Nin. “O percen- _guidos por tradicao familiar e so apontadas no documen- _tual de descendentes passa de __local, mas muitas vezes 0 que tério Uma Gondola para Nova 90%, 0 que & incomum em ou- _ eles imaginam ser um habito Ua Gondolpara_——-Veneza, ditigido € produzido _tras cidades que foram coloni- _ italiano é italo-brasileiro, ou Now Verwn Owes de por Joana Nin, que estreia no zadas, especialmente mais de _seja, uma mistura, uma adap- leherten sim Canal Brasil no dia 16. 120 anos depois”. O casamento taco”, completa o pesquisa: 1709, qareters'si7 A embarcacdo que da entre familias de imigrantes dor. (DEBORAH ARAUJO) tulo ao projeto foi doadaem ——_era comum no sul do Brasil, 2006 pela Prefeitura da Cidade “especialmente em colonias de Veneza, na Itilia, Apenas _isoladas, por questdes préti- mais trés cidades em todo 0 cas, geograficas. No inicio, eles mundo tém gondolas doadas _—_falavam, muitas vezes, lin- oficialmente pela historica ‘guas locais ou regionais, com ‘metr6pole italiana; Las Vegas _dificuldade de comunicacao (EUA), Toronto (Canada) e Sio__até com outros italianos. Isso Petersburgo (Riissia). A gondola mudou depois, na metade do foi sugerida como pauta por _século XX, quando estradas ¢ uma amiga da diretora, que escolas brasileiras foram final na época trabalhava para um mente construfdas”, explica Digitalizada com CamScanner Em Digi saiissn Sob 0 céu paraibano Projeto em Jodo Pessoa propée valorizar referencias culturais da cidade a partir do mapeamento de tradi¢ées, lugares e eventos locais Cu ABERTO no lugar de tetoe —_ portuguesa, educacio patrimo- paredes monumentais. Festas nial, informatica, direito cultu- tradicionais no lugar de vitri- _ral, economia criativa e elabo- hes para protecio de obras ra-_racdo de projetos, “O resultado ras. Moradores locais no lugar mais significativo para as co- de guias uniformizados. Este munidades beneficiadas pelo 0 Museu do Patriménio Vivo _projeto tem sido o processo de de Joao Pessoa, cuja proposta. __ empoderamento por parte dos 6a valorizagio das expressoes _jovens, que tém cada vez mais culturais da capital paraibana, _se sentido responsaveis por premiado na categoria patrimo- _contribuir e propor agdes de fo- nio imaterial na tltima edigio mento e salvaguarda dos bens do Prémio Rodrigo Melo Franco imateriais em suas préprias co- de Andrade, concedido pelo munidades”, declara Muccillo, Iphan. Criado em junho de Oiinventério do patrimé- _—_ganhardo destaque tanto no roda de danca» 2012, 0 projeto capacitou como vivo foi feito com base na catlogo como na exposigo ——Baracio do agentes culturais cerca de 300 __metodologia do Inventério Na-__itinerante”, acrescenta Moysés ode, ra comtnisas jovens entre 15.¢ 25 anos,de _cional de Referéncias Culturais Siqueira Neto. quiombola Gur 15 comunidades de Jodo Pes. _(INRC) do Iphan. No primeiro Para Luiz Phillipe Torelly, __ ¢2s patinénios soa. Além disso, produziu um momento, foram mapeados _diretor do Departamento de catdlogo de bens culturais, um 0 diversos bens culturais que _Articulacio e Fomento do site e uma exposiggo itinerante. so referéncias de cada bair- _Iphan, a proposta do Museu do “Estamos em fase de conclusio ro de Jodo Pessoa: os agentes _PatrimOnio Vivo de Joio Pes- desses produtos para que sejam _culturais fizeram pesquisas, 0a revoluciona o conceito de lancados de forma conjunta, __—bibliogrdficase de campo para museu. “Normalmente, quando emeetembro, nas localidades reconhecer suas referéncias _falamos de museu, pensamos Syagnr ae frrtsano participantes”, acrescenta Moy-_culturais mais importantes em um edificio grande, cheio Vo de oto Pessoa sés Siqueira Neto, supervisor _€ identificar seus principais _de objetos atrds de vitrines. em: inseudops téenico do Museu. mestres, préticas, lugares e ob- estitico, parado no tempo", “amgnewwetionnox ‘A ideia surgiu por meio da _jetos, totalizando mais de 100 _explica. “Esse projeto propde participagio da equipe do Mu- _ tens. “Na segunda etapa, os ___que cada bairro de Jodo Pessoa seu no Férum das Culturas Po agentes selecionaram apenas um museu aberto, vivo, ¢ | pulares Tradicionais da Parafba, alguns bens, mais represen- _fazem parte as manifestagbes, fem marco de 2012, “Tomamos _tativos de cada comunidade, _culturais e a atuacZo das comu- conhecimento de varias de- para aprofundar suas pesqui- _nidades locais”, completa. ‘mandas, dentre elas a faltadde _sas. Estes totalizaram 30 € (DEBORAH ARAUIO) envolvimento dos jovens, a di- Dee eee a, ee Mee cy de fomento & cultura, a falta de publicagbes que divulgassem — | payiga Melo Feo de Arcade cepa com novices er ce sua 27" edigio, Em vez_ das oto categoras que prestigavam projetos nos de Oliveira Muccillo, coordena- Ambit cultural Histrico e educaconal, este ano a premio se die ern dora geral do Museu. dduas grandes dreas - “Iiiatvas de exceléncia em técricas de preservacbo A formagio dos agentes fe salvaguarda do Patriménio Cultural e "Promocio e gestio compara culturais teve como base 0 en- dda do Patriménio", com tréstrabalhos a serem premiados em cada rea sino das disciplinas de lingua Digitalizada com CamScanner Mapa redesenhado pelo engerheiro Jorge Cintra mostra (que a coptaias do norte da calénia exam divides de forma vertical no horizontal, 20 contriro do que se pensava Em Dia Uma questio de limites Refeito recentemente, mapa das capitanias hered litérias ganha nova cara, 150 anos depois da publicagGo de sua yersao mais conhecida Pox QuestOES FOLTICAs, 0 rei Dom Joao III autorizou a colo- nizagdo do Brasil 30 anos aps a chegada de Pedro Alvares Cabral a este lado do Atlanti- co, Em 1533, a Coroa decidiu repartir as terras do além-mar entre 15 capities donatarios, ‘gente que nio tinha grande fortuna ou negécios na metré- pole, mas que teria condigdes de administrar a nova colénia. Mapa das Capitanias Hereditérias 1834 - 1536 ‘Assim nasceram as capitanias hereditérias que, durante mais ‘de cem anos, pareciam ser (geograficamente) “uma série de linhas paralelas ao equador ‘que iam do litoral ao meridia- no de Tordesilhas”, conforme explicon o historiador Boris Fausto em Histéria do Brasil (1996). Um estudo publicado recentemente, no entanto, contesta a versio clissica do ‘mapa das capitanias presente ‘até hoje em livros didaticos, e mostra que a divisio de terras do norte do pais, na verdade, seguia linhas verticais e nao horizontais. O engenheiro Jorge Cintra, professor titular de Informa- ‘ces Espaciais na Escola Poli- técnica da USP, é 0 autor da pesquisa que pode mudar a ‘maneira como se visualiza a configurago do Brasil nos pri- meiros 50 anos de colonizacio. “Bu comecei a fazer um estu- do sobre os limites da regio Sul e encontrei alguns erros. Decidi conferir tudo e vi que o maior quebra-cabeca estava no norte”, conta. Ao ter acesso a cépias de documentos originais, como a carta de doagio a Joo de Bar- ros (da capitania do Rio Gran- de), Cintra pode perceber que se as linhas dos segmentos do morte seguissem para oeste, 0 rei estaria repassando pedacos de mar a alguns donatarios. E, além disso, se mantivessem 0 Titmo, em paralelo, jamais se cruzariam, conforme sugere a seguinte declaracio do rei de Portugal: “Léguas se estenderio © serdo de largo ao longo da Costa e entrardo na mesma lar- ura pelo sertdo e terra firme dentro tanto quanto puder e” trar e for de minha conqu’s ‘que no sejam por mim | das a outro capitao” Temistocles Cézar, profes Sor do Departamento de Histo Tia da UFR@S, diz que o estudo de Cintra é “mais do que uma Digitalizada com CamScanner nova cartografia", é uma “for- ma de entender 0 que jé exis- te através de um exercicio de desconstrugio original, erudito € consistente, sem fechar a questo, mas colocando-a em um patamar mais sofisticado de argumentacéo”. Um tipo de estudo que nao é muito reali- zado no Brasil. © mapa com que Cintra dialoga ~ usado nos livros di- daticos - foi feito no século XIX pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen (1816- 1878), responsdvel em grande parte pela construgao de uma visdo de Brasil que prevalece até hoje. Para desenhar aque- le mapa Varnhagen teria re- corrido a uma cartografia de Luis Teixeira, de 1586, quan- do a configuracao do que vi- ria a ser o territdrio brasileiro Jd era diferente. Especialista nas publicacdes deste gran- de pioneiro da historiografia brasileira, Cézar comenta que, “no caso de Varnhagen, em que pesem o nimero de criticas que recebe desde a publicacao da Histéria geral do Brazil [1854-1857] e sua pecu- liar tendéncia para a polémi- «a, ele pouco foi contestado em relacdo ao material icono- gréfico e cartografico de suas produgdes”. Gético em relagio ao alcan- ce que este estudo pode ter, 0 historiador Guilherme Pereira das Neves, da UFF, opina que talvez 0 redesenho leve mui- to tempo para ser conhecido pelo grande piiblico. “O re- sultado do mapa é importan- tissimo, mas acho que dificil que deem importancia a isso. £ um tipo de resultado que se tem na historia que nao re- presenta uma nova teoria. £ “= correcao de rumo”. Para de vide de Nevin do ab Sante pin ES Uy SS ele, existe “um problema es- pecifico de como o Brasil lida com sua hist6ria”. Exemplo disto seria “a pouca importan- cia que se dé a essa historia. Hé exemplos de best-sellers que romanceiam personagens ¢ eventos [do nosso pasado], ‘mas que repetem os grandes jargoes. Nao existe preocu- pacio em provocar 0 leitor a pensar uma coisa diferente. Portanto, a histéria nao tem funcao critica no Brasil, é uma memiéria identitaria”. We wy As . We LAG ( A Em Dio 13 ‘ennrvowos LiWTROPHES. e E ic BNE Ax Le Tae SE RShaae i Para além deste problema estrutural da relacao do pais com seu passado, se existe uma esperanga de que a releitura chegue ao grande piiblico, ela vai demorar ao menos trés anos para se materializar,j4 que a se- lego do MEC de material did tico para a rede piiblica de en- sino (refeita neste intervalo de tempo) acabou de ser concluida. Por enquanto, nio ha indicios de que editoras deste tipo de li- v1o publicardo 0 estudo em suas pginas. (ALICE MELO) Publicado pelo histo ador Varnhagen no século XIX, mapa das capitanias heredtias atualzado por cat gros 20 longo cs ca Digitalizada com CamScanner 3 0 Dia Internacional da Mulher Afro: C=] caribenha eo Dia WEF Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra sto celebrados em 25 de jutho. Para co da Abolicdo (MAB) langou a mostra “Of cina Gualanases de Gravuras:o olha fe. minino*, em cartaz até 30 de Setembro. A exposicdo reine obras de um dos movimentos artisticos mals significativs e dturadouros de Pernambuco —a Oficina Guaianases de Gravu ras, criada em 1974 - que tem em seu acervo a grande parti cipacio de mulheres. A mostra traz obras de importantes arts tas, como Guita Cherifker, Inal- da Xavier, Isa Pontual e Liliane Dardot. O MAB esta localizado na rua Benfica 1150, Madale- na, ¢ fica aberto de segunda a sexta, das 9h as 1 bados, das 13h as 17h, Entrada franca, Mais informagdes: (81) 3228-3248, € a0s sé Brasilia As Cortes de Contas foram or- ganismos estatais préprios das sociedades do século XIX e con: figuram, de certo modo, um reflexo das mudaneas politico- culturais de pafses impactados pelo liberalismo, Com o intuito de explicar a instaurago desse processo econdmico-administra- tivo do Brasil e sua influéncia portuguesa, o Museu do Tribu- nal de Contas da Unido apresen- ta.a exposicdo "Casa dos Con- tos”, A narrativa historica traz imagens, documentos oficiais e outros arquivos que expdem as instituigdes anteriores & criagao do Tribunal de Contas no Brasil ‘A mostra permanece em car: taz até 0 dia 12 de dezembro. © Museu do TCU fica no Seto: de Administragio Federal Sul ‘quadra 4, ote 1. Aberto para vi sitagdo de segunda a sexta, das ‘oh as 18h. Entrada franca, Mais informacées: (61) 3316-5381 SGo Paulo Sao Paulo “Do coragao da Africa” é uma exposicao inédita que traz obras de arte dedicadas & cultura ioru- a, As mascaras e as esculturas tradicionais feitas para adorno, como simbolo social e para culto religioso - foram confeccionadas até os anos 1960, portanto ante- riores a pressdo globalizante que assou a influenciar a economia Digitalizada com CamScanner Agenda 18 snus x de paises como Nigéria, Costa 0 Museu Provincial de Bellas Ar- do Marfim, Zaire e Benin, entre _tes Emilio Caraffa, em Cérdoba ‘outros, que sio berco da etnia. _(Argentina). O MHN esta locali- © Museu de Arte de Sio Paulo _zado na Praca Marechal Ancora Assis Chateaubriand expée até _s/n°, no Centro, Aberto de terca © fim de outubro as 49 pecas a sexta, das 10h as 17430; fins pertencentes a colegio Robilot- de semana e feriados, das 14h ta, doada em 2014 a instituicdo, _ as 18h, Ingresso: RS 8 (entrada © Masp esti localizado na Av. _franca aos domingos). Mais in- Paulista 1578. Aberto de tergaa__formacdes: (21) 3299-0324, domingo, das 10h as 18h (com horirio estendido as quintas, até as 20h). Ingresso: RS 15; estudan- tes, professores e aposentados pagam RS 7. Mais informagdes: (11) 3251-5644, segunda a sexta, das 9h as 18h. Entrada franca. Mais informa ses: (51) 3308-3390, de Janeiro Rio de Janeiro A Bienal Sul Americana de Gravura e Arte Impressa Rio] Cérdoba chega 20 piblico com a expectativa de ser uma refe réncia em arte grfica no cont Portal de Historia Com informagoes referentes a ‘6rgios e cargos administrativos vigentes no Brasil de 1822 a 1889 em forma de verbetes, 0 nente, Em sua primeira edicio, Arquivo Nacional lanca Dicio © evento traz 0 panorama atual_ Rio Grande do Sul nario Online da Administragéo das variadas formas expressivas, Porto Alegre Pablica do Perfodo Imperial (0s recursos técnicos de impres- Colecionar coisas € um habito Por meio da plataforma, é pos slo (como madeira e metal) antigo. Mas 05 objetos 6 ad-_sivel conhecer érgios publicos eas tendéncias das imagens _quirem significado mais amplo_da época a partir da anise es sgrificas, O Museu Histérico Na por meio de pesquisas que os _trutural, suas aribuigdes e seu cional recebe obras de artistas contextualizam. E 0 caso dos papel diante das diferentes con- como Marcelo Oliveira, Marcio museus e das colegdes universi-_junturas politica, socais e eco- Goldzweig e Rubem Grilo.A tari. Com a proposta de apre- _‘nmicas. Os primeiros 20 verbe mostra fica em cartaz até 28 de sentar,refletirediscutir sobre _tes jd estdo dispontvels no site setembro, e depois seguird para esses acervos, o Museu da Unt _¢ a cada més serio adicionados versidade Federal do Rio Grande novos, com previsio de conch do Sul promove a mostra “Co- so até junho de 2016, 0 mate legdes de saberes: trajetorias de rial contempla 130 instituigdes. conhecimentos na UFRGS",em —_O projeto foi desenvolvido por cartaz de 16 de setembroa30 meio do programa de pesquisa de janeiro de 2015. Serao ex Meméria da Administracio Pé postos instrumentos cientificos, _blica Brasileira e esta disponivel artefatos arqueolégicos, obras. no endereco: httpy/inux.an gov. de arte, livros, fotografias e do br/mapaf?p=5401 cumentos, entre outros, que re- presentam parte do patrimanio cultural, material e imaterial produzido e preservado pela instituigio. O Museu da UFRGS fica na Av. Osvaldo Aranha 277, no Campus Centro, Aberto de Digitalizada com CamScanner Digitalizada com CamScanner E DOSSIE ORGANIZAGAO: CRISTIANE NASCIMENTO E JOICE SANTOS CRISTIANE NASCIMENTO Antigo comércio Antes de ganhar uma dimensdo mundial na Epoca Moderna, a escraviddo jd era importante para as sociedades gregas e romanas “E essencial que cada escravo tenha uma finalidade claramente definida. E tanto justo e vantajoso oferecer liberdade como um prémio Também deveriamos deixar que tenham filhos que sirvam como reféns; e, como é de costume nas cidades, nao deve- riamos comprar escravos das mesmas origens étnicas”. O conse- Tho poderia ser dado a qualquer jovem que desejasse administrar escravos na América durante a Epoca Moderna, mas a admoes- tagdo foi dada por um discipulo de Aristételes em um tratado do final do século IV a.C. Por muito tempo o continente africano tem sido reconhecida- mente o lugar que mais exportou, por séculos, pessoas para ser- virem de mdo de obra escrava para os quatro cantos do mundo. Pesquisas arqueolégicas, registros de portos, cartas e tantos outros documentos atestam a violéncia e a extensdo deste comércio. Nem Digitalizada com CamScanner Foi na Amtigudade modo sstemstico de producio. por isso, entretanto, a Aftica pode ser consierada 6 tinico bergo da escravidio. Impérios como o egipcio,o assirio eo babilonk co tinham como pritica recorrente 0 uso do traba- tho compulsério. 0 cédigo de Hammurabi (1792- 1750 aC), um conjunto de leis do periodo babilé- nico antigo, por exemplo, dedica alguns de seus pardgrafos & regulamentagio da compra e venda de escravos, Na sociedade babilonica antiga os es ravos eram minora, convertidos a esta condicio apés se tornarem prisioneiros de guerra em camm- panhas militares, Havia ainda homens livres que, impossiblitados de pagar suas dividas, vendiam esposas, filhos ou a si mesmos como escravos ‘Assim como a democraca, herdamos a idea de escravomercadoria mais préxima do que enten: demos hoje da Antiguidade Clissica. E foi no auge da civilizacio grega (entre os séculos Ve IV aC) € romana (séculos I aC a Il 4), juntamente com 6 amplo desenvolvimento da Filosofia, da Poesia, do Direito e da Administragio, que a escravidio se tornou o modo de produgio dominante. As cida- des-estados gregas foram, portanto, as prime: ras a transformara escravidio em um. sistema de produgio sistemati co, que ser- viu de base para as rea lizagoes das cidades na Antiguida- de Clissi- Apesar da grande opuléncia das cida- des gregas e romanas, sua economia no estava calcada em uma economia urbana. A oligarquica Esparta, a democritica, Atenas e a Roma sena- torial baseavam a sua economia no campo, a partir da producio de trigo, azeite e vinho. As cidades gregas foram as primeiras a empregar a mao de obra escrava n0 CO- néreio e no cultive de pequenas Areas com escassa poptlagio. Os romanes ampliaram ainda mais este veo, utilizando os cativos para o trabalho em gran- des areas de agricultura, 0 laifundium (6 trabalho livre e o escravo, longe de consti tuirem uma contradigio, eram complementares. De modo geral, poucas atividades eram exclush vamente exercidas por um ou outro. Ads escravos Veuvam vetadas atividades relacionadas & Tei, 2 justica politica, enquanto aos homens Hvres 0s seabalhos nas minas e os servicos domésticos D0 Gram permitidos. No final do periodo republicano somano (509 a 27 2.C), 90% dos artesios eram de Grigem escrava, Jina Grécia do século V aC. cida- des como Atenas, Corinto e Egina tinham uma po- pulagdo escrava maior do que a de cidadios livres Em atenas, por exemplo, havia entre 60 ¢ 100 mil eseravos e cerca de 40 mil cidadaos Na Grécia 0s escravos eram capturados através da guerra contra os povos nao gregos, chamados por eles de “barbaros”, e da pirataria. Dentro do territério, estrangeltos e criancas bastardas tam- bém corriam 0 risco da escravizagio. Havia lucra- tivos mercados de escravos, como os de Tanais, Bizncio e Corinto. As vendas efetuadas em cada cidade-estado deveriam ser tributadas e os comer ciantes eram obrigados a informar a respeito dos possiveis “defeitos” de sua mercadoria, como do- encas, propensdes a fugas, entze outros A excecio de Esparta, em que 0s escravos no podiam ser comprados ou vendidos. de modo ge ral os cativos eram mercadorias moveis. E, apesar de considerados humanos, mantinham na teoria romana um status quase similar ao dos animais de carga, considerados instrumentum. semi-vocale, enquanto os escravos eram um instrumentum vocal. Em Roma, os escravos também eram capturs dos a partir das guerras, que fortaleciam o poder nilltar do Estado. A existéncia dessa mao de obra vermis © eestimento econdmico c, ini . tamento de tropas urbanas livres Para o exército ~ no século Il, por exemplo, foram ferras como as Piieas (264-146 2.6) que fore ca de trabalho para as enormes ters conquistadas e pei entretanto, nfo foi preponderan i io tmp romano, Apesr dest Sands impéio politica mibuiro, os roman waz fama uma unidade econdnica so vo foi forte principalmente e? Digitalizada com CamScanner parte do mundo grego, absorvido pelos romanos, na Sicilia e na peninsula italiana, A escravidio representava a mais radical degra- ago do homem, convertido em meio de produ- sio € privado de seus direitos sociais. A separagao radical entre trabalho material e liberdade permi- tia que a completa auséncia de liberdade de alguns individuos desse lugar a livre participacio politica de outros. A distincao entre trabalho e liberdade se fazia presente até mesmo na lingua. Em grego clis- sico nao havia uma palavra que denotasse o concei- to de trabalho como uma dimensio especifica da vida social. Foi a Igreja a responsavel por criar uma nova relacdo entre trabalho manual e intelectual. 0 trabalho adquiriu um status de culto divino sob a formula laborale est orare dos monges letrados. Se 0 trabalho passa a ser visto de forma dife- Tente dentro da tradicdo religiosa, engana-se quem pensa que a Igreja do Baixo Império alterou a ant a tradicio da escraviddo. Nos escritos de seus pa triarcas, desde o apéstolo Paulo, havia uma aceita- fo undnime da escravidao por parte da instituigéo eclesidstica, aconselhando aos escravos a obedién- cia aos seus senhores, ¢ a estes, o tratamento justo ara seus escravos — a Igreja era uma instituicio proprietiria de escravos em grande escala. ‘A queda do Império Romano no século V ¢ 0 infcio da Idade Média nao extinguiram o trabalho escravo, Durante varios séculos na Europa convi- veram diversas formas de trabalho, coexistindo, além do servo feudal, 0 escravo e o camponés ‘re, Na Europa Carolingia, durante o século VIll, 10 a 20% da populacdo rural eram constituidos por escravos. Na Inglaterra do século XI, 0s escravos compunham cerca de 10% da mao de obra e eram economicamente relevantes nas regides mais re- motas do oeste. Na Peninsula Ibérica do século XIII (onde esto hoje Portugal e Espanha), a servidio da gleba quase desapareceu devido a grande quan- tidade escravos do sul trazidos pelos muculmanos, que dominavam a regio desde o século VIll, lé permanecendo até 1492, ano no qual os europeus chegaram oficialmente a América Foi o califado muculmano na Espanha que in- crementou 0 trifico de escravos na Europa, fazen- do deste continente um importante fornecedor de bracos cativos. Estes prisioneiros, de maioria esla- vva, abasteciam o comércio entre Veneza e o seu im- ério islamico ao sul do Mediterraneo. Assim como @ Africa, 0s povos eslavos serviram de reservatério de escravos para o mundo mugulmano. A palavra *eslavo", alids, determinou etimologicamente a i categoria de pessoas privadas de sua liberdade, originando slave, em inglés, sklaven, em alemio, exclavo, em espanhol, escravo, em portugués, por exemplo. Capturados em guerras internas ou con: ta 08 germénicos, os eslavos eram vendidos para servir de mio de obra na Europa e também nos pa- fses mugulmanos. Eram empregados basicamente no exército e na administragao, Em alguns casos, eram castrados e enviados para os haréns. Com uma atuacio muito distinta do mundo atlantico-europeu, os escravos no mundo mucul- mano tiveram papel de destaque. No Egito, os es- lavos, que chegaram como mercadoria dos Balcas, atuaram como soldados e administradores na con- Solidago do Império Fatimida. Um deles fundou 0 Cairo e a maior universidade do Egito até os dias atuais, a al-Azhar, no século X. A escravidao, enfim, nao foi uma exclusividade africana e, apesar de nao se poder afirmar que ela existe desde sempre, pode-se suspeitar de sua exis- téncia desde tempos imemoriais. Na Antiguidade, antes de atravessar o Atlintico, ela ja havia se con- solidado na Europa e também na prépria Africa. H CCRISTIANE NASCIMENTO £ P=SQUISADORA DA RHON E [AUTORA DA DISSERTAGAO "A RELAGAO ENTRE OS PORTU- [GUESES E 05 MUGULMANOS (1930- 1974)", PUC-RIO, 2010 & Soiba Mais ANDERSON. Fern. Posagens do BOUZON, Emanuel.O «ig de Homma Petepale Edtora Vest, 2001 CARDOSO, Cro Pncigidode Poo de Jane Graal, 1984, POR Digitalizada com CamScanner Ma lll Na pagina equine, ‘Miso cepucinha no reina do Congo, fem granra do século XL © erste {oi usado coma Instrumento para ‘saa ot pavos da barbaric. JOICE SANTOS Em nome do Pai, do filho e da Real Fazenda Europeus buscavam na religido as justificativas para o comércio de escravos, mas a grande preocupacdo dos colonizadores era com 0 fluxo de trabalhadores EM 21 DE OUTUBRO DE 1795, D. Fernando José de Portugal e Castro, governador da Bahia, dava 0 seu parecer sobre a chegada de uma embaixada dao- ‘meana e, mesmo com as consideracées negativas sobre daquele potentado afticano, destacava a sua importancia em termos econdmicos: “A vista da ‘arta que me apresentaram do rei Dagomé [..] e da consideracio de que convém a boa harmonia com este potentado sumamente ambicioso e soberbo, em razio do comércio de resgate dos esctavos tio interessante & Real Fazenda e to necessdrio para a subsisténcia da lavoura destas colénias”. Os interesses da Real Fazenda e a subsisténcia a lavoura foram justificativas formadas ao longo do perfodo em que o reino portugués estabeleceu sua administragio no além-mar, Os primeiros argumentos para a submissio de outros povos, entretanto, no tinham relagio direta com eco- nomia ~ eles vieram sob a forma de aprovacao da Igreja Cat6lica. Através das bulas Dum Diver sas (1452), Romanus Pontifex (1455) e Inter Coetera (1456), Roma legitimava a escravizacio dos infiis € @ conquista ¢ a vassalagem de todas as popula- $0es a0 sul do Cabo Bojador, no Marrocos, com © objetivo de converséo ao cristianismo. Em um plano mais geral, justificava a expansio maritima portuguesa. A-expulsio dos muculmanos e judeus de Portu- gal em 1496 estimulou o “resgate” dos povos nio ctistaos. O proprio termo dava conta da tentativa de trazer 4 luz divina aqueles que estavam na completa ignorancia, nao os muculmanos, jé que estes j rejeitavam o cristianismo, mas aqueles que desconheciam a palavra divina. Os que seriam Tesgatados, segundo a légica do cristianismo euro- ets teriam a possibilidade de viver em melhores condigdes do que na Africa, em meio a barbarie, Em relato de meados co XV, 0 cronista portu- ués Gomes Eanes de Zurara (1410-1474), a0 narrar as aventuras do Infante D. Henrique, afirmava que 0S negros africanos tinham sinais de bestialidade Pela forma como se alimentavam, se vestiam e se relacionavam com os seus semelhantes, Para de- fender a legitimidade do resgate, Zurara indicava due 0s africanos que haviam migrado para Portu- gal aprenderam o portugués, além de terem, adqui- Tido novos hébitos em decorréncia do seu contato com 0s europeus, Digitalizada com CamScanner Os cristdos, naturalmente, faziam esta justi ficativa remontar ao texto biblico. A maldicao langada por Noé ao seu filho Cam havia recaido sobre 0s negros, que seriam seus descendentes, destinando-os a servidao. 0 cristianismo, portanto, teria um papel civilizador ao resgaté-los da barbi- rie, Esse mesmo principio de civilidade dada pela religido justificou a escravidio indigena na Amé- rica espanhola, através de bula promulgada pelo papa Alexandre VI ainda no inicio do século XVI A populacdo indigena foi forcada a trabalhar em uum sistema chamado de encomienda, no qual rei concedia benesses aos primeiros colonizadores, cluindo a forca de trabalho dos indios. No entanto, o ritmo de trabalho adotado, aliado as doencas tra- ziidas pelos europeus, fez com que esta populacio entrasse em declinio. Em fungio dos maus-tratos € das demincias da propria Igreja, a Coroa espa- nhola acabou por interferir na relagdo entre os colonizadores € os ind{genas, em 1542, proibindo a escravidio indigena, determinando o fim da enco- tienda e estabelecendo o repartimiento na pratica, mantendo o trabalho forcado dos indigenas, agora de forma sazonal. © fim da exploragio indigena na América espanhola foi defendido pelo frade dominicano Bartolomeu de Las Casas (1484-1566), que no reco- nhecia, em oposicio a posicéo defendida por Juan Ginés de Sepiilveda (1489-1573), a barbarie dos in- digenas: “eles no so ignorantes, desumanos ou bestiais. Ao contrario, muito antes de ouvirem a palavra ‘espanhol’ tinham Estados adequadamente organizados, sabiamente governados por excelen- tes leis, religido e costumes". ‘A defesa eo fim da escravidio indigena ja nos primeiros decénios da colonizacao espanhola nao foram seguidos no caso lusitano, Os chamados “negros da terra”, termo adotado por jesuftas colonos portugueses para designar os indios, fo- ram utilizados em larga escala no infcio da colo- nizagao, Segundo o historiador norte-americano Stuart Schwartz, a palavra “negro” em Portugal estava diretamente relacionada a uma posi¢do servil e deixou de designar os indfgenas apenas na medida em que aumentou o niimero de escravos africanos na América portuguesa. Essa transigdo entre a mao de obra escrava in- digena € a africana nao se deu por conta da proi- bicdo de aprisionamento dos primeiros, o que de fato ocorreu em meados do XVIII. Também nao se deu por conta de alguma pressio ideolégica : contra 0 cativeiro dos nativos - a exemplo de religiosos como 0 padre Antonio Vieira (1608- 1697). Em terras portuguesas, ao longo de todo 0 século XVII, ainda era valida a pratica das “guer- ras justas” com o objetivo de salvagio crista- com a consequente escravizagao dos derrotados. Tam- bém valia a maxima cunhada por Pero de Maga- Ihaes de Gandavo, autor de Histéria da Provincia de Santa Cruz (1576): tratava-se, para os portugueses, de povos “sem fé, nem lei, nem rei”, A substitu ‘do da origem dos bragos escravizados se deu, em parte, pelo reconhecimento das habilidades dos africanos na iniciante indistria acucareira, além da maior suscetibilidade dos indios as doencas europeias. A presenga africana na América portuguesa, entretanto, se estabeleceu de forma maciga na me- dida em que esta se tornou imprescindivel para a administragdo colonial e por conta das atividades que geravam lucro para a Real Fazenda - escravos africanos eram mercadorias tributadas nas alfan- degas de Sua Majestade. O resgate justificado pela cristianizagio e pela expansio da civilizacdo conti- nou ocorrendo ao longo dos séculos, menos como uma crenga e mais como um recurso para estabe- lecimento da colonizagdo e da permanéncia das Iavouras. Ao menos é 0 que indica a preocupacio do governador da Bahia no final do XVIIL. H JOICE SANTOS £ PESQUISADORA DA RHBN E AUTORA DA DISSERTAGAO “AS EMBAIXADAS DOS REINOS DA COSTA AFRICANA COMO MEDIADORES CULTURAIS: MISSOES DIPLO- ATICAS EM SALVADOR, RIO DE JANEIRO E LISBOA (1750- 1823)" (PUC-RIO, 2012). Saibo Mais ALENCASTRO, Felipe de. 0 war dos brs Slo Paulo: Companhia as Letras, 2000. can “Obie nue entre a oerdade exeravitfo| transatantco” Afi 2013, Sthador SCHWARTZ, Suart 2 Segredes Engentes¢escres na socedodeclonol Sio Pao: Compania das Letras, 1995, VERGER Pre, Fuso enero go do Benin € «Boho de Tacs Xv a XIX Sahader Corr Digitalizada com CamScanner RICHARD PRICE TRADUGAO: RODRIGO ELIAS Outras bandeiras do lucro infame Auge do comércio de escravos foi liderado pela Gra-Bretanha, e trouxe Europa e Estados Unidos para a modernidade Ao LONGO DE TRES sficuLos E MEIO de tréfico transatlantico de escravos, cerca de 12,5 milhoes de seres humanos foram trazidos a forga para as Américas, Entre 1492 © 1820, africanos escravi- zados constitufram mais de 80% das pessoas que ‘desembarcaram nas Américas. Que nagdes partici- param neste crime sem precedentes contra a hu- ‘manidade? Que nagées lucraram com 0 comércio? Sabe-se que o Brasil recebeu cerca de 45% de todos os afticanos trazidos como escravos para as Américas ~ mais do que qualquer outra nagio ~ e ‘que navios portugueses (e brasileiros) conduziram 47% de todos os africanos escravizados que cruza- ram o Atlantico (37% deles foram transportados pelo Atlintico em embarcagdes que safram do Brasil - 5% de Pernambuco, 15% da Bahia e 17% do Sudeste brasileiro, particularmente do Rio de Janeiro}. E quanto as outras nacies? Deixando de lado Portugal/Brasil, as maiores nagdes comerciantes de escravos foram a Gré-Bre- tanha (cujos navios carregaram 26% dos cativos), Franca (11%), Espanha (8%), Holanda (4%), Estados Unidos (2%) e 0s Estados bdlticos (menos de 1%). ‘Ao longo de todo esse comércio de escravos, "em- Darcagbes do Brasil, Inglaterra, Franca, Portugal € Holanda carregaram 90% de todos os cativos transatlanticos removidos da Africa”, como escre- veram em seu atlas David Eltis e David Richardson, cujas estatisticas tomo como base para este artigo. Nos primeiros anos, as maiores nagdes comer- ciantes de escravos eram Portugal e Espanha. O comércio espanhol de escravos para as Américas comegou em 1501, com embarcacdes partindo principalmente de Sevilha e, em menor nimero, de Cidiz, carregando ferramentas, mosquetes, pél- No detalhe, a placa moedas em form: Como a maioria dos produtos trocados por escravos era de fabricagao inglesa, aquela nacdo lucrava duplamente vora, panelas, roupas, micangas, chapéus e bebidas para trocar com africanos por pessoas escravizadas que eram muitas vezes cativos de guerras inter- nas. Seus portos afticanos preferenciais estavam na Africa Central Ocidental. Navios portugueses deixavam seus portos de origem em Lisboa e, em niimero menor, no Porto, também rumo & Africa Central Ocidental. Navios portugueses armados nesse perfodo no Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro tomavam 0 mesmo destino. Os espa- nhdis carregavam suas cargas humanas da Aftica Digitalizada com CamScanner Yorkshire, chitas da India, sedas Ee para serem vendidos capturados ‘no Suriname principalmente para o Caribe, enquanto os portu- gueses as levavam principalmente para o Brasil e, em menor escala, para a América espanhola, Entre 1501 1641, embarcagdes portuguesas ou brasi- leiras respondiam por trés quartos do total do co- mércio, com navios espanhéis carregando 0 outro quarto (outros europeus transportaram apenas en- tre 1 2%), Mas 0 tréfico transatlantico de escravos estava apenas comecando: todo esse periodo inicial representou apenas 7% do total de africanos escra- vvizados que seriam transportados para as Américas até o século XIX ‘Ao longo da costa ocidental africana, os eu- ropeus construfram fortes que constantemente mudaram de mos nas guerras entre nagdes. Eu- ropeus conhecidos como “feitores” representavam, companhias comerciais e negociavam escravos com lideres africanos, para os fortes ou castelos, As nagées europeias se especializaram em diferentes mercadorias na troca por escravos. Os britanicos negociavam prioritariamente com “lis e linhos a anchester € ’ anni e facas, espadas, mosquetes, pélvora, a Chins «tac de ato de Bingham Sheffield, além de Tengois velhos fee procur. dos), chapéus pomposos, contas de pease vss bebidas destiladas”, segundo Daniel P. Mannix ¢ Malcolm Cowley. Uma vez que a maioria destes produtos era de fabricacio inglesa, aquela nacio Iucrava duplamente no trifico de escravos. Fran cceses ¢ holandeses também se utilizavam de bens manufaturados em seus préprios paises, como téxteis e ferramentas de baixo custo. Neste aspec to os portugueses estavam em desvantagem, pois precisavam comprar na Holanda a maior parte dos bens para suas trocas. Foi na segunda metade do século XVII e duran. te o longo século XVIII (até 1807) que 0 comércio transatlantico de escravos realmente decolou. As nagées cujos navios carregaram a maior parte dos escravos durante 0 periodo foram, em ordem, os britanicos, com 3.247.000 cativos (38% do total), ‘0s portugueses, com 3.061.000 (36%). os franceses, ‘com 1.188,000 (14%), os holandeses, com 541.000 (6%), 0s norteamericanos, com 292.000 (3%) e os cespanhois, com 42,000 (menos de 1%). Durante século XVIM, toda a costa ocidental central ocidental africana estava explorada, mas diferentes nagbes europeias preferiam partes es- ecificas do continente, onde haviam estabelecido relagdes especiais com os governantes. Os portugue- ses mantinham lagos com Angola e Congo ~ 75% de todos os afticanos levados para o Brasil sairam des- tas regides, em parte porque a distancia entre essa regio ¢ o Brasil é menor (Salvador foi uma excegio: estabeleceu uma ligacio forte com a enseada de Be- nin). Os britanicos comercializaram mais ao norte da costa ocidental, sendo 0 Golfo de Biafra, a ensea- da de Benin e a Costa do Ouro suas areas preferidas. Surpreendentemente, cerca de 46% de todas as viagens transatlanticas de escravos foram organi zadas nas Américas, e 0 Brasil respondeu por mais de 75% delas. Na Inglaterra, Liverpool, Londres ¢ Bristol foram armados 30% dos navios usados nesse comércio. Os portos franceses de Nantes, La Roche!- le, Le Havre e Bordeaux respondem por cerca de 12% do total. Lisboa armou 4%, portos holandeses 4% espanhéis 1%, Quanto aos Estados Unidos, que *espondem Por apenas uma pequena parte (1%) do ‘rifico de escravos, os principais portos escravistas “stavam, curiosamente, no norte: New London (em Connecticut), Newport, Bristol e Providence (em Rhode Island), e Boston e Salem (em Massachuset) Digitalizada com CamScanner 0 comércio transatlantico de escravos foi for- malmente abolido pelas nagées europeias entre 1803 (data do banimento dinamarqués) e 1836 (quando Portugal se tornou a tiltima nagao do con- tinente a banir 0 trafico), e pelos Estados Unidos em 1807. Mas 0 tréfico continuou até 1867, quan- 49 0 Giltimo navio negreiro chegou a Cuba. Duran- te todo esse period ilegal, mais de 1 milhao de escravos africanos desembarcaram nas Américas: 70% para 0 Sudeste do Brasil e a maior parte dos restantes para Cuba. 0 comércio ilegal foi organi- zado principalmente a partir de portos franceses, espanhois € portugueses. Nantes era o maior, seguido por Lisboa, mas outros portos europeus participaram ~ como Liverpool, Le Havre e Cadiz. Nao € possivel classificar nagdes a partir do quo cruéis eram as condigdes em seus navios negreiros: a vida a bordo era sempre miserdvel. Em alguns casos, infames, capities pensavam que poderiam ter mais lucros resgatando aplices de seguros de escravos do que vendendo-os em seus destinos, entdo simplesmente atiravam afticanos vivos ao mar, alegando as seguradoras que eles haviam ficado doentes e morrido. Desde Capitalism and Slavery (*Capitalismo Es- cravidio"), de 1944, livro classico de Eric Williams, que argumentou que escravidao e comércio escravo forneceram o capital para a Revolucio Industrial na Gri-Bretanha, houve muito debate sobre a lucrativi- dade do comércio negreiro e se ele foi abolido por razbes econdmicas (porque a escravidio nio era ‘mais rentavel do que o emprego de trabalho livre) ‘ou por motivos humanitaérios. Parece claro que 0 comércio transatlantico de escravos desempenhou ‘um papel fundamental ndo apenas fornecendo ca- pital para a Gri-Bretanha, mas também trazendo a Europa e os Estados Unidos completamente para a época moderna. H RICHARD PRICE £ PROFESSOR EMERTO DE ESTUDOS AMERICANOS, ANTROPOLOGIA € HISTORIA DO COLLEGE OF WILLIAM & MARY NOS ESTADOS UNIDOS E COAUTOR DE 0 NASCIMENTO DA CULTURA AFRO-AMERICANA (EDITORA PALLAS. 2002). EU SITE € WWW.RICHANDSALLY.NET & CF Seiba Mois ELMS David & RICHARDSON, Dai te Stove Trade New Haven Yale Univers Press, 2010. MANNS, Daniel P. & CCOWLEY, Malcolm Black Copoes A Lye Trade, New Yor Vike 1962 RED Slove Shp. A Human Vieng, 2007, lado Portugn/ ral Digitalizada com CamScanner oO ALEXANDRE VIEIRA RIBEIRO Si 3 We ‘ ee é 5 aquele que nado sou eu Escravidao era pratica usual na Africa antes de os europeus chegarem e, quando virou negécio global, continuou enriquecendo africanos 72 OM QUASE QUATRO S£cULOs de duracio e mais de 12 milhées de seres humanos embarcados na cos- ta africana, 0 tréfico transatlantico de escravos foi © maior fluxo migratério forcado da Historia, pelo menos até o século XIX. E os beneficiarios desse comércio, rapidamente transformado em um dos principais motores da economia mundial, nao es- tavam exclusivamente na Europa e na América. Os homens e as mulheres embarcados nos navios ne- greiros eram capturados e negociados Por africanos. O trafico foi um negocio afro-europeu. Aescravidao eo comércio de pessoas na Africa exis- tiam antes da chegada dos europeus. Comerciantes Digitalizada com CamScanner ~ Bruroricyus mg pe atravessavam 0 deserto do Saara e o mar Vermelho com carregamentos de cativos que eram ofertados em mercados do norte da Africa ¢ do Oriente Mé- dio, Ha noticias de envios de escravos para o Extre- ‘mo Oriente, onde eram vistos como bens exéticos. A insercao dos europeus nesses mercados fez a atividade ganhar vulto. Comecou ainda no século XV, como uma atividade paralela da expansio por- tuguesa pela costa ocidental da Africa. No contato ‘com os povos subsaarianos, pequenas levas de es- cravos eram adquiridas e enviadas para Lisboa, Al- garve e outras regides do Mediterraneo. No século seguinte, a op¢do pelo uso de mio de obra escrava nas colOnias da América causou a explosio da de- ‘manda por africanos. Em diversos pontos da costa africana, os euro- eus encontravam individuos dispostos a vender escravos. A diversidade de povos do continente im- edia que se forjasse entre eles uma identidade co- mum, Nio se reconheciam como iguais. Constitu- fam lagos de solidariedade por meio de linhagens, lis € Estados, e escravizavam os diferentes. O escravo era a tinica forma de propriedade privada na Africa, pois a terra era considerada um bem coletivo, A escassez de mio de obra possbilitou a disseminagdo de escravos por todo continente, principalmente na realizagdo de trabathos agrico- las. Exerciam também fungdes de mineradores, ar- tesaos, servicos domésticos e até mesmo militares. Ao se tomar escravo, 0 individuo era deslocado de sua terrae perdia os vinculos com seu grupo de origem. Vencido numa guerra, tinha sua pena co- mutada: em vez da morte fisica, a "morte social” Seu tinico lago era 0 senhor e somente a ele devia fidelidade, pois passara a viver como um estranho No deta oF O came ante erica, de atlas do XVI Antes do sécu lo XV, ja hava um que envohia a Aria © Oriente Médo eo Extremo Oriente Sociedades descentralizadas praticavam raptos, cobravam dividas e puniam crimes com a escraviddo. Ndo raro, pessoas se entregavam d escraviddo por falta de alimentos ‘numa nova sociedade. Por isso muito lideres de Es- tados complexos tinham seus exércitos compostos or escravos e chegavam a incorporé-los em des- tacados cargos administrativos, tendo em vista as Digitalizada com CamScanner & Soiba Mais ALENCASTRO, Lue Felipe de. 0 tat dor eres: formato do Baal no Ari Su ues XV eX So Paulo Ci. da Ltrs 2000, FLORENTINO Manolo, Em Cosas Neges une tina do win de cops ene 0 Aiea €0 ioe Jer, So Palo Cia as Leas, 1997 LOVE|ON Pau. sexcemte na Ac mogles. Rie oe Jane CCvilzarso Bras, ‘THORNTON, ohn. A Ati © 08 aftcaras a formogd0 do mundo itn 1400-1800. Ro de janeiro Eeeier 2003, ameacas que sofriam de homens livres, mais devo- ts aos chefes de seus clas e linhagens. Estabelecia se uma relacao organica entre senhor e escravo, na qual havia dependéncia mitua. 0s europeus souberam tirar proveito dessa situ: cdo e passaram a ofertar produtos em troca de es cravos. Os bens importados eram supérfltuos, como rum, cachaca, vinho, famo, tecidos, armas de fog, pélvora e utensilios de metal, muitas vezes de qualidade inferior aqueles produzidos na propria Africa. Mas davam prestigio. As liderancas locas, adquiriam esses artigos para cooptar adversarios politicos, angariar apoio e consolidar seu poder. Sociedades descentralizadas também mercade- Javam com os europeus. Muitas buscavam obter, em troca de escravos, objetos de metal que os aju- assem na agricultura, na caca e na defesa contra inimigos mais bem estruturados, Ou armas e mu- nigdes que Ihes garantissem maior poder de fogo. ‘As guerras foram 0 mecanismo principal para a escravizagio de individuos. Como exigiam um alto nivel de organizacao e investimento, s6 podiam ser realizadas pelos Estados mais fortes. Jas sociedades descentralizadas atuavam localmente, praticando Taptos, cobrando dividas e punindo crimes com a escravidio. Nao raro, pessoas se entregavam a es- cravidao, juntamente com sua familia, por falta de ‘alimentos ~ fosse pela seca ou por pragas de insetos. Outros tomavam a crédito produtos com a promessa de retornarem com carregamento de escravos. Como garantia, deixavam parentes sob a custédia do capitdo senga de europeus Ma costa redirecin,, tergesses cativos 20 tTafico transatlng,. reir al as transagoes ocomTiam NO Proprio nay, Bm ger ancorado 2 argo da costa. Pequencs ere cativos eram Jevados Por mercadores afr, es se captao, que realizava ainda a bordo op, nto, Outros tomavam a crédito Produtos cop, Fr escravos. Como garantia, deixavam iparentes ‘sob do capitao. Algumas ¥ezes aS Ancora, a custédi - foram igadas e os navios partiram levando pessoas da estima dos comerciantes africanos. Nem todos os escravos eram remetidos ao co mércio internacional. Geralmente, as sociedades africanas retinham as mulheres € as criancas, 4 ‘mulher, por sua capacidade reprodutiva, as crian. gas, por serem mais propensas a absorver ums nova cultura e cédigos morais. Atravessaram o ‘Aflantico principalmente homens adultos, aten dendo demanda dos mercados do Novo Mundo. ‘A associagao de chefes locais com o trifico in ternacional alterou o equilfbrio de forcas em todo © continente. Novas organizacdes politicas surgi ram, como o reino de Gassange, fruto da alianca de povos do interior da Africa Centro-Ocidental com os portugueses, Na bafa de Biafra, os ibos e ‘bibios, aliados a ingleses e franceses, enriquece ram mercadejando escravos e viraram a nova elite econdmica local. A pres Os marinheiros que quisessem ter acesso a escravos tinham que pedir permissao para uma autoridade local para permanecerem atracados € negociar. Pleiteavam também a construcio de fortes para se resguardarem da chegada de rivais europeus, e de armazéns onde estocavam manti mientos € artigos usados nas trocas. A construcio de fortes e feitorias nas praias africanas s6 era autorizada apés uma série de tratativas com 0s Mideres. Era preciso oferecer uma variedade de Presentes para muitas pessoas a fim de garantir 0 bom andamento dos negécios. Ainda assim, nem sempre se agradavam os soberanos. Em 1759. insatisfeito com 0 andamento do comércio, o rei daomeano Tegbessu expulsou 0 diretor do forte Portugués em Uidé, impedindo que navios baianos negociassem na regio. Os comboios com carregamento de escravos vinham de regides interioranas. Rotas de milha- es de quilometros de distancia eram percorridas até que se alcancassem os portos de embarque. Por esse caminho, muitos Iucravam com a venda de viveres para as expedicdes. Autoridades locais Digitalizada com CamScanner recebiam taxas pelo direito de passagem em suas terras. A dieta do escravo, desde 0 momento da sua captura, era insuficiente para nutri-lo de forma adequada. O indice de mortalidade era elevado, criando um ambiente propicio para a dissemina- do de doengas que rapidamente se alastravam € atingiam regides inteiras. Um surto de variola fechou o porto de Luanda na primeira década do século XIX, estancando 0 fluxo negreiro ¢ causan- do muitas mortes entre livres e cativos. Apinhados dentro de embarcages em condicdes degradantes, homens e mulheres, adultos ¢ crian- (qs, padeciam durante a travessia atlintica. Havia racionamento de comida e a gua de qualidade duvidosa era limitada a pequenas doses. 0 ar dos pordes onde eram acomodados era nauseabundo, ‘uma mistura de suor com dejetos humanos. Alguns comandantes, conscientes do valor de seu carrega- ‘mento, permitiam que os escravos circulassem por alguns minutos no convés para respirar. Nao € de surpreender que no século XVIII a mortalidade nes- ses “tumbeiros” girasse em tomno de 14%. 0 sistema de navegacio a vela precisava seguir 4 orientagio dos ventos e das correntes maritimas do oceano. No Atlantico norte, eles movimentam- se no sentido horrio, 0 que forcava os navios que partiam da Europa para o Caribe a descer primeiro €m diregio a Linha do Equador para depois navegar para o norte, No Atlantico sul, os ventos e as corren: tes maritimas movem:se no sentido antichorério, levando navios que partiam do Brasil para a Africa a seguir primeiro a corrente rumo ao sul para cru- zar 0 oceano, e entdo tomar a corrente de Benguela para o norte ao longo da costa africana, Foram esses ventos e correntes maritimas que influenciaram as conexdes entre regides america- nas ¢ afticanas. 0 comércio de escravos brasileiro importou cativos de cinco amplas dreas daquele Digitalizada com CamScanner Novas organizacées politicas surgiram, como o reino de Cassange, fruto da alianca de povos do interior da Africa Centro-Ocidental com os portugueses Bra Alinco no Feriodo Colonia’ te (Anan Marts, 2014, (0 comércio de excravoe pelo Atco movimen 116 0 séulo XIX continente: Senegimbia, Costa da Mina, bafa de Biafra, Africa Centro-Ocidental e Sudeste africano. A Senegimbia compreendia a costa entre os rios, Senegal e Gambia e foi uma das primeiras regides a fornecer escravos ao tréfico transatlantico. Os navios luso-brasileiros embarcavam escravos nos portos de Cachéu e Bissau e em mercados préxi- ‘mos, estabelecidos na regido de Serra Leoa, nas ilhas de Cabo Verde e Bijagés. A Costa da Mina era 0 maior territ6rio costeiro envolvido no co- mércio de escravos. Compreendia a érea entre as atuais Libéria e Nigéria. Nessa regio, os capities luso-brasileiros costumavam negociar na bafa do Benin. Na bafa de Biafra, entre os atuais Nigéria fe Camardes, os traficantes ingleses tiveram gran- dde atuagio, mas dali também saiam escravos em ‘quantidade para os comerciantes brasileiro. A re- ido Centro-Ocidental do atual Gabio até o sul de ‘Angola estava entre as primeiras grandes fornece- ddoras de cativos para o Brasil. E 0 Sudeste africano, principalmente a atual costa de Mogambique, era mais longa rota da atividade negreira, apenas {uma alternativa as demais fontes de escravos. Comerciantes baianos tinham representantes em portos da Costa da Mina, enquanto 0s cariocas privilegiavam a Africa Centro-Ocidental. As redes comerciais interregionais garantiam 0 bom anda- mento dos negécios. Uma das chaves para o suces- s0 era 0 acesso 2 informacio: s6cios em ambos 0s lados do atlantico trocavam mensagens comu cando as necessidades e 0 ambiente de negécios ‘nos portos. A confianga no parceiro de negécios cra fundamental, uma vez que milhares de mithas nduticas separavam as duas esferas desse mercado. © trato negreiro era uma atividade muito ar- riscada, Para além da mortalidade dos escravos em alto mar, havia 0 risco de rebelides, pirataria c naufrégios, que poderiam causar danos irreparé- veis aos negécios de um comerciante em inicio de carreira, Por isso, era também uma atividade con- centrada nas mios de poucos. Com 0s 10 contos de réis emptegados no custeio da viagem do bergan- tim Ceres para a Costa da Mina, em junho de 1803, podiase adquirir, na Bahia, o Engenho do Macaco na Vila de Séo Francisco da Barra, com todas as suas casas e benfeitorias, e ainda sobrariam quase 3 contos de réis, Em suma, com a quantia neces- sdria para uma expedi¢io negreira, os traficantes poderiam converter-se em senhores de terras e de homens. Se assim nfo o faziam & porque o retorno do comércio negreiro era bem superior aos inves timentos produtivos, como fazendas e engenhos. O trifico de escravos causou softimento inco- mensurdvel a milhdes de seres manos, levados 4 forca de suas terras, apartados de seus parentes ¢ amigos. E mudou o mundo, principalmente 0 Novo Mundo. Influenciou aspectos politicos, econdmicos ¢ Sociais tanto nas dreas agricolas como nas urbanas. | sua heranca cultural definiu 0 que seriam os povos dda América, moldando sociedades miscigenadas. H eS ALEXANDRE VIEIRA RIBEIRO ¢ > PROFESSOR DA QRIVERSIOADE FEDERAL FLUMINENSE E AUTOR DATESE A DADE DE SALVADOR ESTRUTURA ECONOMICA, COMER. ESCRAVOS, GRUPO MERCANTIL (C.1750-C.1800) (UR Digitalizada com CamScanner DANIEL B. DOMINGUES DA SILVA Calculos de risco Para garantir o lucro da operacao, traficantes de escravos contabilizavam custos e tentavam diminuir perdas, principalmente mortes O TRAFICO DE EScRAVoS nao era a atividade mais lucrativa do mundo, Esse comércio demandava al- tos investimentos e envolvia riscos consideréveis, Nem todos o viam como uma atividade moralmen- te aceitavel e havia outras éreas que podiam gerar lucros maiores, como 0 comércio de especiarias, tecidos, metais e pedras preciosas. Ainda assim, valia a pena; durante mais de trés séculos o trafico manteve-se como um negécio atraente e viavel. Desde meados do século XV, alguns africanos escravizados ja vinham sendo transportados para a Europa. Mas o trafico se transformou em negécio lucrativo somente quando os europeus espalha- ram a cana-de-agticar nas Américas e nas ilhas do Atlantico - como Madeira e Sio Tomé e Principe ~ no final daquele século e no inicio do seguinte. O agiicar era considerado uma mercadoria de luxo, e o.alto preco pelo qual era vendido cobria os custos da sua producio. A produgio do agticar facilitava também a colonizacio de territérios onde os europeus de- moraram a encontrar metais ou pedras preciosas. Oriunda das regides tropicais do Sudeste asiatico, a cana-deagticar adaptou-se bem ao clima das ilhas atlanticas e das Américas, e serviu como principal artigo de exploragio econdmica em varias cold- nias, inclusive no Brasil. Inicialmente, 05 europeus utilizaram mao de obra indigena para produzir acticar, mas esbarraram na alta taxa de mortalidade entre os nativos, decor- ente de doencas trazidas pelos préprios europeus. A soluglo foi recorrer ao trabalho escravo afticano. A sociedade colonial passou a ver aquela mio de obra ‘como superior & indigena, pois os afticanos vinham a de sociedades agricultoras, jé estavam familiarizados ‘com um modo de vida sedentério e tinham conhe- cimentos técnicos facilmente adaptaveis 4 producio de agicar. O trifico de escravos africanos também beneficiava os governos europeus pela renda que _gerava com os impostos alfandegérios, Digitalizada com CamScanner Saibo Mais séaubs Xie XX Sto Paulo: Comps Letras, 1997 me ES, Le Anta ty, 2008 ida 25a de oe Pcrem Meer (coe: 0 nee Registros do Engenho Sergipe, na Bahia, de- monstram que a transicdo da mao de obra indige- na para a africana correu de modo relativamente répido. Em 1572, cerca de 7% da populacao escrava daquele engenho era africana; em 1591, a propor- do aumentou para 37% e em 1638 toda a popula: do escrava do engenho provinha da Africa. A utilizagdo de escravizados afr restrita & produgdo de agticar. Das colénias ingle- sas na América do Norte as coldnias espanholas no Rio da Prata, eles foram empregados em uma série de atividades, como 0 cultivo de algodio, ar- ror, café, indigo, tabaco, a extracdo de diamantes, ouro, prata, a industria metakirgica e a do dleo de baleia, além de comércio, pecudria e do setor de servicos em geral, A extensa presenga de escravos de origem afri- cana nas sociedades do Novo Mundo chamava a atengdo dos viajantes estrangeiros. John Luccock, ‘anos nio ficou. um comerciante inglés que residiu no Brasil entre 1808 e 1818, notou que “parte to consideravel da Populacéo das coldnias sul-americanas consiste de escravos, que cada novo distrito parece exigir alguma observacio sobre o seu ntimero, ocupaci e tratamento” Para suprir as colonias com tantos escravos, ¢ obter 0 maximo de lucro possivel, os traficantes tinham que organizar as suas operacées meticulo samente. cdlculo do valor final da venda de um escravo adulto, por exemplo, precisava levar em conta um detalhado orcamento dos custos da via gem negreira. Um desses documentos, produzi Por volta de 1790, revela os calculos de negoci tes portugueses que pretendiam suprir a regi Norte do Brasil com mio de obra escrava angola: ap6s a extincdo do monopélio negreiro da Com} nhia Geral do Grio Par e Maranhio (1778). © prego dos escravos na Africa era a maior ¢ esa da operacio. Gastos com comissdes, fretes E Postos Fepresentavam quase um tergo do va final de um escravo, Perdas com mortes, inclus a marcha entre o interior e a costa africana, fu ¢ doengas aumentayam o valor final de um esc 6m Pouco mais de 20%. Custos com o sustent outras despesas refletiam apenas em cer: da transagio, Digitalizada com CamScanner guro que muitos traficantes, especialmente brita- nicos e franceses, contratavam para protegerem as suas “mercadorias”. Muito menos a perda das fa- iilias africanas cujos membros foram subtraidos de seu seio irreparavelmente. Ainda assim, os au tores do orcamento julgavam que o que “arrasta [os comerciantes|a semelhante negécio, é s6 a lisonjeira expectativa de obter no transporte dos escravos a fortuna rara de ter menos mortandades, tanto em terra como no mar”. Alucratividade do tréfico residia na quantidade de escravos transportados em relacdo ao diferencial do seu prego nos momentos da compra e da venda. Nao havia muito o que fazer para controlar o pre- G0 dos escravos na Africa e nas Américas. Jia taxa de mortalidade variava de acordo com a satide dos cescravos, a sua alimentacao e a duracio da viagem. Se 0s traficantes conseguissem ludibriar a morte, poderiam nao s6 cobrir 0 gasto estimado com as perdas em trinsito, mas também obter maior mar- gem de lucro sobre os seus investimentos. Pesquisadores, utilizando métodos sofisticados € um grande leque de fontes, demonstram que a taxa de lucratividade média do tréfico variava de acordo com a demanda ¢ a rota. Em geral, os lucros eram maiores em rotas curtas e durante periodos de expansio do trifico. Por exemplo, a taxa de lucratividade média no tréfico para o Rio de Janeiro, entre 1810 e 1820, teria sido de cerca de 19%. No comércio britanico, entre 1761 ¢ 1807, ela variou entre 8% e 13%. No tréfico francés, entre 1713 e 1792, 0 lucro médio era de 10%, enquanto no holandés, entre 1740 e 1795, era de apenas 3%. Essas taxas de lucro sio maiores do que as de muitos fundos de investimentos atuais, mas nao era sempre que elas vingavam. De todo modo, & ‘medida que a demanda por mao de obra africana crescia, 0 trafico ia se consolidando como inves- timento atraente. E a “lisonjeira expectativa” de ludibriar a morte, longe de se inspirar em questées humanitérias, movia a mais elementar ganancia por lucros cada vez maiores. H DANIEL B DOMINGUES DA SILVA f PROFESSOR DA LUNIVERSIDADE DE MISSOUR, ESTADOS UNIDOS, E AUTOR. DE “THE ATLANTIC SLAVE TRADE FROM ANGOLA: A PORT: BY-PORT ESTIMATE OF SLAVES EMBARKED, 1701-1867 INTERNATIONAL jOURNAL OF AFRICAN HISTORICAL STUDIES, VOL. 46,0" 1, 2013, Orcamento do transporte de escravos de Angola para o Brasil, c.1790 Preco do escravo Sustento no porto de embarque Batismo, tangas e outras despesas |Até 0 embarque Impostos Frete e mantimentos dos que embarcam ‘Comissio de compra e remessa Perda com mortos,fugidos e doentes 60000 377 49800 30 13200 og. 73920 50 99000 57 75200 45 53400, 34 ‘Nao entram nese célculo os custos com 0 se- 3 de escravos da escu na Zeldina publcada em jomallondtino, fem junho de 1857. A ‘embarcagio saiu de Cabinda, em Angola, fot interceptada em sua rota para Cuba pela forga naval bt rica naquele ano. Digitalizada com CamScanner ALEX BORUCKI TRADUCAO: CAROLINA FERRO Conexd@o argentina Mesmo sem presenca na Africa, Coroa espanhola garantiu escravos para o Rio da Prata com a ajuda de Portugal e rotas brasileiras BUENOS AIRES TINHA CINCO ANos de fundagdo quando, em 1585, 0 cabildo (similar & camara mu- nicipal) soliciton & Coroa espanhola permissio para trazer escravos de Angola. O bispo de Tucu- ‘man, Francisco de Vitoria, enviou uma expedigio ‘comercial de Buenos Aires até o Brasil. Ela passou por Sio Vicente, Salvador e Rio de Janeiro. Quando retornou a Buenos Aires, em 1587, trazia, além de mercadorias, cerca de 60 escravos. Foram os primeiros africanos a chegar ao Rio da Prata em uma expedicao escravista. Este epis6dio iniciow um pro- ccesso de 250 anos, no qual os espax nhéis do Rio da Prata, assim como os “riopratenses”, se relacionaram com 0 Atlantico portugués com 0 ob- jetivo de comprar africanos escravizados. Como, 0s espanhéis nao possuiam feitorias escravistas na Africa nem contatos diretos com trafican- tes africanos, a Coroa estabeleceu contratos com traficantes europeus para suprir suas colonias com escravos até 1789, quando co- mecou a desenvolver este tipo de comércio em embarcagdes espanholas diretamente da Africa, Apesar de o Rio da Prata nao ter uma sociedade baseada exclusivamente na mao de obra escrava, os cativos eram fumn- damentais para as fazendas pecuaristas e as lavouras de trigo. Também desempenhavam a maior parte dos oficios urbanos, da car- pintaria a sapataria. Os comercian- tes constituiam a classe principal daquela sociedade, inclusive acima dos proprie- tirios de terra, e vendiam escravos para 0 centro do império espanhol na América do Sul, Potosi ¢ Lima, através de rotas comerciais que iam para 0 interior do que hoje sio a Argentina, a Bolivia, o Paraguai, o Chile e o Peru. 0 trafico de escravos foi central para Buenos Aires entre 1580 ¢ 1640, durante a unio das Co- roas portuguesa e espanhola ~ a chamada Uniio Tbérica. Os espanhéis haviam fundado a cidade para resguardar as fronteiras do Império ao sul bloquear, as incursées estrangeiras, 0 acesso 3 Potosi, sua principal fonte de prata. Buenos Aires era a prinefpio um porto fechado ao comércio, para evitar 0 contrabando. Como nao produzia nada que pudesse vender as provincias do norte, a subsisténcia desse porto dependia dos poucos navios que vinham da Espanha com licenga pata fornecer guarnicao militar, Na maioria das vezes. Porém, os comerciantes compravam estas licencas na Espanha com 0 objetivo de embarcar escravos no Brasil € vendé-los em Buenos Aires. Quando 0 barcos chegavam, eles pagavam um indulto 20: cofres régios, e assim Tegularizavam 0 comerci dos escravos. Buenos Aires dependia destes ind 08, ou seja, seu funcionamento dependia do co trabando legalizado, Esta era apenas uma entre as varias formas ee escravos na regio. Estimase aoe eee ao Rio da Prata 50 mil afri gis eas a 7 um ao vindo de Angol. anlateestaee io de Janeiro e de Salvador. F epee eee agemegap eco ver em . Salta e outras regides inte Digitalizada com CamScanner onde as economias eram orientadas a produzir vinho, produtos agricolas, tecidos e a criar gado mulas para Potosf. Assim obtinham prata po- tosina e com ela pagavam os mercadores em Buenos Aires, que a canalizavam para as rotas portuguesas. ‘A ruptura entre Portugal e Espanha, em 1640, suspendeu o trafico portugues para a regizo do Pra- ta. Alguns navios holandeses chegaram a Buenos ‘Aires para vender escravos, mas a conexio portu- guesa se restabeleceu em 1680, com a fundacio da Colénia do Sacramento ~ onde hoje ¢ o Uruguai. O principal ramo comercial dessa coldnia também era o trifico de escravos, via Buenos Aires, a maior parte origindria do Rio de Janeiro e, em menor es calla, de Salvador. Mudancas politicas na Europa estabeleceram novos contratos de introducio de escravos para as colonias espanholas. Em Buenos Aires, os franceses da Companhia da Guiné (1703-1713) introduziram 3 mil escravos, ¢ os ingleses da Companhia do Mar do Sul (1714-1737) trouxeram outros 14 mil africanos. Durante a segunda meta- de do século XVIII, a Coroa espanhola investiu no tnifico de escravos com o objetivo de transformar Cuba, Venezuela e o Rio da Prata em centros de producao e comércio para o Império. Entre 1777 € 1812, o Rio da Prata recebeu pelo menos 70 mil escravos, sendo 60% vindos do Brasil e 0 restante diretamente da Africa (Mogambique foi a princi- pal origem, seguida por Angola e Congo). Parte Soiba Mais ac de Bar nia do Sacramento (0749-1760) Top, vel. 13, 24,» 29-2 Janu, 2012, URS, ¥ Conte Coenen Baers A AL, 1988, PRADO, Fabia" B Melo no ro da Prata do desses escravos era reembarcada para 0 Chile, 13,9725, p. 16864 para o Alto Peru e para Lima. 2012 © Governo das Provincias Unidas do Rio da Pra- ta proibiu o tréfico em 1812, durante a revolugio de independéncia. Depois disso, alguns escravos chegaram de forma esporddica, vindos do Brasil. Entre 1825 e 1828, durante a guerra entre Argen- tina e Brasil que determinou a independéncia do Uruguai, corsdrios argentinos capturaram barcos brasileiros € conduziram em torno de 1.700 es- cravos a Carmen de Patagones, ao sul de Buenos Aires, para desembarcé-los como “libertos”. Mas s0brevver alguns foram postos a servico das milicias para combater o Império do Brasil. Entre 1832 e 1835, para ocultar a pratica ilegal, © governo uruguaio fez trés contratos visando in- troduzir “colonos africanos” em Montevidéu, em troca de uma quantia paga pelos traficantes bra- sileiros. Esta prética estava conectada com a con- tinuidade do trafico de escravos, jé ilegal, a partir do Rio de Janeiro desde 1830. Em sua maioria, esses africanos foram introduzidos como escravos, endo como “colonos”. Foram os tiitimos escraviza- dos vindos diretamente da Africa para a América continental espanhola. H egies, co [ALEX BORUCKI £ PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DA CALIFORNIA, IRVINE, NOS ESTADOS UNIDOS, E AUTOR DE ABOLICIONISMO ¥ TRAFICO DE ESCLAVOS EN MONTEVIDEO TRAS LA FUNDACION REPUBLICANA, 1829-853 (BIBLIOTECA NACIONAL, 2008), Digitalizada com CamScanner ossié Trafico de escray) POMP ray er cr sd aa ‘as europeias. Confira algumas das pete ste negécio envolvia poderosas empres companhias e os principais caminhos Rc taaa - — Africa para Américas Dentro do Brasil / — América para América Digitalizada com CamScanner OSM Masi [ees Aye g eh ek CTI Or Oar ieee ee Ee Gere Oa ee 2) Europa 10.798 ‘América inglesa 472.381 {ndias Ocidentais dinamarquesas 129867 Caribe britinico 2.763411 Caribe francés 1.328422 * mam = ‘América holandesa 514.192 -Améri la 1.591.245 5532118 > Companhia Holandesa das indias Ocidentais (1621) - Holanda CCriada por mercadores holandeses, a companhia conquistou no século XVII parte do nordeste brasileiro. > Companhias do Grao-Para e Maranhao (1755) ede Pernambuco e Paraiba (1759) - Portugal Fundadas pelo Marqués de Pombal, as empresas tinham o ‘monoplio do abastecimento das regides, do comércio e da nnavegagao. ‘Companhia da Guiné (1703) - Franco ra especializada no trfico de escravos para as Américas e tinha como um de seus acionistas o rei Luis XIV. Companhia dos Mares do Sul (1711) -Ingleterra ‘A companhla recebeu depots da Guerra de Sucessao Espanhola (1701-1714) o monopélio de comércio coma ‘América do Sul, ‘Companhia de Filipinas (1785) - Esponha Criada pela Coroa espanhola, gerou a segunda maior Introdugao de escravos no vice-reino do Rio da Prata, Digitalizada com CamScanner a | NILMA TEIXEIRA ACCIOLI O traficante — Cas . 9 &§ injusti¢ado Em raro libelo de defesa, José Gongalves da Silva se queixa de perseguicao e pede reparacdo por perdas financeiras e bens confiscados AcusADo DE TRAFICO DE EScRAVOS, preso e depois “José Gongalves da Silva 4 Nagdo Brasileira” absolvido, José Goncalves da Silva nao se fez de roga- do: durante 13 anos reuniu artigos de jornais, cartas, discursos de deputados, documentos oficiais e man- €0 titulo do seu libelo, hoje 0 tinico documento conhecido de autoria de um acusado de trafico de escravos. Nele, 0 autor denuncia o que chama de dou-os imprimir, em 1864, na tipografia da Univer- sidade de Coimbra, onde seu filho estudava Direito, “grande injustica”, reivindicando indenizacao pe- los danos sofridos com 0 processo, que teria pro- vocado um “descomunal abalo” em sua fortuna. Quando desembarcou no Brasil, em 1813, ele ti nha entre 11 12 anos. Fazia parte de uma geracio de meninos portugueses que vinham tentar a sorte no Rio de Janeiro, sede da monarquia desde 1808, Comegou trabalhando como caixeiro. Em 1839 ja havia construido fortuna, Atuava em Cabo Frio, “cutidando de seus interesses e do seu sogro joao Moreira”. Foi quando fez uma peticéo ao chefe de Policia solicitando protecio: sentiase ameacado Por ter que cobrar altas quantias a devedores. Sua Presenga em Cabo Frio, justamente no perfodo em ue 0 tréfico deslocouse para 14, é sintomatica Desde que o trifico de escravos para o Brasil se tor. nara ilegal, em 1831, com a “lei Feij6-Barbacena” ~ Primeira proibicao de entrada de escravos africa: ‘os nos portos brasileiros ~ cresciam os desembar- ues clandestinos na regia, Pego a0 povo braslero que repare fem todos os documentos que aqui Ihe coferego, para que a0 menos possam acautelar 05 seus dreitas e proprie- dades da voragem desses vampiros, que, empolgando © poder jugam que todos 0s meios $80 lkitos para che- garem a seus fins, a despeto mesmo do sagrado respeito que em todas o: ‘tempos tem merecdo, e para todos o5 ppovos lies, o direito de propredade €¢ involablidade do cidsdio.” lestaspiginas encontrario o¢ lei- tores nacionais e estrangeiros tudo ‘quanto se tem passado hi 12 anos, esta malfada perseguicdo, a ja voracidade se entregaram os mais ivioléveis princpios de dito e jus tiga a propriedade, 0 futuro, e a vida de uma farila brasieira. que tem exgotado todos 0: meios, e todos os recursos para alcangar justia, encen- Arando 36 0 escémio © 0 hidéxio 20s mais sagrados diretos supicados ‘mendlgados por um cidadio brasleio ‘em nome da le, em nome da consti- wigs do Estado! Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1862. José Goncalves da Sia, Digitalizada com CamScanner Tornou-se negociante conhecido € poderoso, Possuia armazém na boca da Barra, préximo da Fortaleza Sio Matheus, fazenda na Bahia Formosa ¢ chacara no Cercado da Restinga, Tinha ainda um consideravel patriménio em acées e era proprieta- rio de uma chacara em Sao Cristévao, na sede da Gorte ~ que the garantia bom trinsito entre as autoridades, Quando D. Pedro II esteve em Cabo Frio, em 1847, José Goncalves emprestou dinheiro € cedeu méveis para a recepcio, destacou empre- ¢gados para ajudarem nos preparativos e emprestou a lancha Rival para o deslocamento do imperador. José Goncalves contava com excelente organi- zagio para realizar o tréfico clandestino - arma- z6ns, trapiche © pontos de desembarque na Bahia Formosa e na Ponta das Emeréncias. Seu sécio era © comendador José Antonio dos Guimaraes, que ‘ocupou os cargos de juiz de paz e presidente da ‘Camara de Cabo Frio. Ambos eram proprietarios de vasta extensio de terras, 0 que possibilitava 0 desembarque ¢ 0 transporte dos africanos até 0 Ponto de revenda sem maiores transtornos. Em 1850, 0 governo imperial adotou uma poli- tica mais severa de combate ao trifico de africanos © aprovou a chamada lei Eusébio de Queirés. Em 20 de janeiro do ano seguinte, uma forca policial invadiu as terras de José Goncalves. A operacio teria sido determinada pelo proprio Eusébio de Queirés, ministro e secretirio de Estado dos Negé- cios da Justica. As propriedades foram arrombadas, saqueadas e os bens confiscados pelo governo. José Gongalves escapou da prisio por pouco. ‘Apresentaria duas versdes para explicar 0 que aconteceu naqueles dias. Primeiro, afirmou ter safdo de Cabo Frio em 11 de janeiro de 1851. 0 jor ‘nal Correio Mercantil, em “Movimento dos Portos”, de fato registra sua saida rumo a Corte no vapor Macaense. Em outra versio, afirma que estava em Cabo Frio e fugiu por terra até a Praia Grande, em \Niter6i, gastando para isso “grande soma”. Os dois depoimentos levam a crer que, gracas a sua ligagdo com as autoridades, ele sabia que alguma coisa estava para acontecer. Saiu de Cabo Frio no Ma- ‘caense, mas no dia 20 de janeiro estava de volta, ‘escapando apés a invasio policial e escondendo-se “em um sitio na Tijuca, estando por lé 3 anos” ~ stadia que teria custado 7 contos e 200 mil réis. ‘As buscas ao traficante continuaram. Um ano ‘mais tarde, em 1852, sua chacara na rua Nova do _Imperador, n° 17, foi cercada por forga policial, em desespero minha mulher e fills”, ‘le nao foi encontrado. Quando se apresentou as autoridades, acompanhado de seu advogado e comitiva, foi preso, mas deu gratificacéo de 600 mill réis a0 carcereiro para nio ser colocado em “ferros”. Apés ser absolvido no processo judicial, José Goncalves intensificou sua campanha contra “injustica sofrida’, Afirmava que nio traficara africanos apés a lei de 1850, Concentrava suas acusagées contra Eusébio de Queirds e seu antigo s6cio José Antonio dos Guimaraes, que teria ficado com parte de seus bens. “O Sr. Eusébio sabe que ‘esse meu socio sempre teve esse género de negécio (importagdo de africanos); e que foi a razdo que 0 nao fez responder a igual processo ao meu? Ele era ‘met s6cio, e se eu traficava em negros, aquele G ‘mardes igualmente traficava, e se Guimaries nio era criminoso por isso, também eu nao, porque ne- gockivamos ambos. Que moralidade! Que justical Que pafs! Contra mim havia provas e contra meu sécio nao”, escreveu em 1863. Passados 160 anos, seu nome ainda é bastante Iembrado pelos descendentes de escravos nas att- ais cidades de Cabo Frio e Armagio dos Biizios. A Praia de José Goncalves € conhecida como o local onde o traficante — que chegou crianca e pobre ao Brasil para se tornar responsdvel pelo comércio € escravizagio de milhares de afticanos ~ explorou seu tiltimo ponto de desembarque ilegal. H INILMA TEIXEIRA ACCIOLI DIR-TORA DO DOCUMENTARIO IB TUA BOCA FALA POR NOS 2008) E AUTORA DE Jose CONCALVES DA SILA A NACHO BRASLEIRA-O TRARCO LEGAL DE ESCRAVOS NO [ANTIGD CABO FRO (FUNARJIMPRENSA OFCIAL, 2012) GOMES, Févo, Hit ‘camber «comune Jonero, Ro “Argivo Nacional, 1995. MATTOS, Hebe & IOS, Ara Memos, aenedede © Gdadonia a Peabo, Reo Janeiro: Casio Basia, 2005, RODRIGUES, Jame. 0 treo de oftcenes para Bros (1800-1850) Campinas: Ettore da Unica Cec, 2000, TAVARES, LHD, crs. Sto Pao: Ae Braun: CNP, 1988 Na pagina antes Gor por jose 1s ca Siv Ao lado, esquera de 1788, Mesm ele, Go Digitalizada com CamScanner No detahe, ravra francesa da Sociedade de Arigos dos Negros de 1786, com a inseriglo "Nao JULIANA BARRETO FARIAS Na lei e na marra Ap6s abolir o trdfico de escravos em seu Império, a Gra-Bretanha partiu para uma acirrada campanha em outras na¢oes Os 1MENSOS CALDEIROES DE CoBRE postados no ‘convés do solitério navio mercante comprovavam: a embarcacio era usada “no carregamento de afii- ‘canos da costa para o comércio proibido de escra- vos". F 0 capitio do brigue Wizzard, da Marinha de Guerra de Sua Majestade Briténica, no teve diavidas, Ao avisté-los no amanhecer de 27 de de- zembro de 1838, decidiu iniciar uma “cacada” nas proximidades da costa de Cabo Frio, litoral da pro- vvincia do Rio de Janeiro. A forca, oficiais e soldados invadiram o navio suspeito e rapidamente toma- ram seu controle. Assim que abriram as escotilhas: do pordo, depararam com uma visio aterradora: 230 africanos - homens, mulheres e criancas ~ se acotovelavam na escurido. Desde pelo menos 1810, autoridades inglesas e brasileiras patrulhavam Aguas americanas e africa- nas em busca de embarcagoes envolvidas no tréfi- co ilegal de escravos. Depois de abolir o comércio. negreiro em suas possessdes, no ano de 1808, 0 Império Britanico partiu para uma acirrada cam- panha para que todas as outras nagdes também de- sistissem daquele lucrativo negécio. E ndo mediu esforcos para alcancar seus objetivos. Os questionamentos em torno da escravidio ¢, sobretudo, do tréfico de afticanos mobilizavam, fildsofos, intelectuais ¢ politicos europeus desde a primeira metade do século XVIIL. Ao lado de pensa- dores como Montesquieu, Rosseau e Adam Smith, grupos religiosos protestantes, como os quaker atacavam a imoralidade da instituigao escravista ¢ do comércio que a sustentava. No final do século, era dificil encontrar na Europa quem a defendes- se. Especialmente com as repercussdes dos ideais de igualdade e liberdade das revolugées Francesa (1789) ¢ Haitiana (1791). Ainda assim, mesmo com sett profundo apelo moral, essa campanha anties ctavagista nao estava baseada numa postura pro: africana ou mesmo na crenga da igualdade dos ne- gros. Pelo contrério. Alguns de seus lideres e divul gadores apostavam em ideias e priticas “racistas” De acordo com o historiador Herbet Klein. 0 que estava em jogo, na verdade, era a crenca de que 0 trabalho livre era um dos pilares da socic ade moderna, uma garantia do progresso da hi manidade. E essa postura era compartilhada tan: Por capitalistas que pregavam o livre comérci como pelos préprios trabalhadores que estavam © integrando ao mundo urbano e cada vez mais i! are da Inglaterra do século XIX. Enfrer iy Impacto do sistema salarial ¢ a autodet® minacao nessa nova Sociedade, eles também via" Digitalizada com CamScanner wp ne Side bint be Ps we eh ane babolition dla trate a escravidio como algo antiético e uma ameaca a sua propria seguranca, mesmo em terras distantes. Nio & toa, a campanha rapidamente se alastrou pelos gabinetes e ruas da Gré-Bretanha e também por suas colénias. Dos dois lados do Atlantico, 90 mil quakers de lingua inglesa comegaram, a partir de 1750, a forcar seus membros a abandonarem o traf coe a propriedade escrava, Em 1787, eles se integra 1am A mobilizacao nacional, chegando rapidamente ‘aos metodistas e a um grande mimero de igrejas protestantes tradicionais ¢ seitas radicais. Entre 1787 e 1792, diversos clubes populares antiescrava- gistas formaram-se em Londres, e uma campanha de petigdes em massa foi organizada. Como primei- ro resultado dessas investidas, houve modificacdes nas leis sobre transporte dos cativos. Liderados por William Wilberforce, os abolicionistas que atuavam no Parlamento também foram angariando restri- (es parciais, com o fechamento de algumas areas de comércio escravista. Até que, em marco de 1807, velo a suspensio total do trfico britanico, colocada em pratica no primeiro dia do ano de 1808. Dai em diante, os ingleses se empenhariam no combate sistematico ao “infame comércio” reali- zado por outros paises. Em 1814, com 0 possivel Te Cag ang th Wfrans pats etry of poor bi eal pent the wef inp the thebton fee retorno francés ao negécio, conseguiram reunir mais de 700 petiodes com assinaturas de quase 1 milhio de pessoas exigindo a abolicio universal. No ano seguinte, as presses s6 aumentaram, e 0 go- verno britanico negociou um tratado com Portugal, proibindo imediatamente o tréfico acima da linha do Equador e garantindo o inicio de sua extingio progressiva para o Brasil. Ainda em 1815, durante 0 (1800-18 Soiba Mais ‘cro ro Bro Ge 307-1869, Reo sup 1976 KLEIN, Herbet 0 trio Funpec Ector, 2008 RODRIGUES, Jame, ). Campinas, O que estava em jogo era a crenca de que o trabalhd livre era um dos pilares da sociedade mo: Congreso de Viena, as principais nagdes europeias concordaram com as determinacées inglesas, com excegio da Franga e dos paises ibéricos. Contudo, com o fim das Guerras Napolednicas, os franceses foram forcados a ficar ao lado dos abolicionistas da Inglaterra. Portugal e Espana tornavamse os ti ‘cos no velho continente a ainda praticar 0 comércio de escravos, mesmo com as proibigbes ja firmadas 0 governo espanhol tentou ao miximo protelar abolicio total. Como perdera a maior parte de seu império na América com a independéncia de suas col6nias, estava cada vez mais dependente da derna Digitalizada com CamScanner crescente economia acucareira de Cuba, sua princi- pal fonte de financiamento. Por isso, acabou adotan do uma espécie de jogo duplo, mantendo o trifico naquela area colonial até o final da década de 1860, 0 caso portugues era um tanto diferente. O pais era intimamente dependente da Inglaterra: conta- va com sua protecio para 0 mercado de vinho do Porto e tinha apoio politico em diversas questdes continentais desde o século XVIIL, especialmente nas Jutas travadas contra a invasio napolednica, a partir de 1807. Estava por isso muito mais vulnerdvel as investidas inglesas. Jé em 19 de fevereiro de 1810, foi assinado o Tratado de Alianga e Amizade entre 0 Principe Regente de Portugal e o Rei do Reino Unido da Gri-Bretanha e Irlanda, Era o primeiro ato formal que daria impulso a uma série de tratados interna- ionais entre os dois pafses - e, apés a Independén- Gia, com o Brasil - para dar fim ao trafico de cativos. Por este acordo, ficava firmado que o principe portugues, convencido da injustiga do comércio negreiro e decidido a cooperar com Sua Majesta- de Britanica, adotaria os meios mais eficazes para atingir uma aboligao gradual em seus dominios. jmeiro momento, nem tod:, onto, nes fom sfechaas”- 08 dios po come sobre alguns territOrios africanos, come Conds @pemegemmmmeree =OCOS. Eo cainércio com Ajuda e outros portos OcUpaCOS Po portugal também persist, Mesmo assim, sin havia dkvidas sobre os locais na costa africana em, negociar escravos. Diversas em, que era permitido =: parcagdes de siditos portugueses acabaram Sendo apreendidas sob acusacao de trafico llega, 0 cue trouxe uma cetalaelieao)entre 08 negecants cspecialmente os estabelecidas na pracs Bahn tm apenas dois anos, 17 embarcagbes foram apre sadas pela Marinha de Guerra britanica ‘Tanto na provincia baiana como em outras ras e 4guas das Américas e da Africa, 0s britanicos ‘enfrentavam forte resisténcia de governos € dc pequenos grandes mercadores. Para contorns |a, a solugio era sempre a mesma: mais pressio ‘Além de firmar tratados cada vez mais rigorosos aparelhavam ainda mais sua frota (estabelecida até mesmo no litoral afticano) criavam comissoes judiciais mistas com outras nagdes. Com sedes em Serra Leoa, Rio de Janeiro e Londres, esses grupos ~ que contavam com funcionérios dos paises en volvidos - deviam julgar se os navios detidos eram. ou nao empregados no comércio de escravos. Se a acusagao ficasse comprovada, a embarcacio eri confiscada e os escravos recolhidos, transforma dos em africanos livres ~ alforriados e estabelecidos como trabalhadores livres consignados ao governo do pais em que foram julgados. Mas nem todas essas medidas pareciam su Digitalizada com CamScanner dos traficantes em terra, e de que eles agiam con- tando com a cumplicidade dos Cavalcanti. Esse tipo de auxilio das autoridades e da elite local era comum nas décadas de 1830 ¢ 1840. Mas aqueles eram outros tempos, em que a conivéncia ‘com 0 negécio negreiro nao podia mais ser tolera- da pelo governo central brasileiro, Nao por acaso, todas as tentativas de desembarque ocorridas apés 1850 foram acompanhadas de perto pelos ministros da Justica e dos Negécios Estrangeiros do Império, 0 objetivo era restabelecer a soberania nacional ar- ranhada pelo bill Aberdeen ~ medida adotada pela Inglaterra para retaliar a vista grossa que se fazia ao trafico, por meio de abordagens e apreensdes de embarcagées brasileiras tanto em altomar como nos portos nacionais. Para o ministro dos Negécios Estrangeiros, José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco, era preciso convencer os ingleses da “firme determinacao do governo imperial em ani- quilar todas as tentativas de fazer reviver o detest vel trifico de afticanos”. Acontece que 0 caso de Serinhaém no reper: cutiu bem no governo inglés, que consid agio das autoridades “longe de ser satisfatéria”, Para acalmar os britanicos, 0 governo imperial exonerou o presidente de Pernambuco, José Bento da Cunha Figueiredo ~ apontado por diplomatas ingleses como o principal responsavel por deixar 88 iia Batilistetise aris athens escapar a tripulacdo do palhabote - e afastou 0 delegado responsivel pela apreensio das “pecas humanas” contrabandeadas, considerado rel nite em cumprir com 0 seu dever. Estas medidas simbé- licas nao tiveram o efeito esperado sobre Londres. Pelo contrario, 0 governo inglés, através de seu encarregado de negécios no Rio de janeiro, Willian Stafford Jerningham, manifestou em nota de 7 de margo de 1856 a Legacio Imperial a sua descon- fianca em relacio ao verdadeiro interesse do Brasil em realizar “os maiores esforgos a fim de descobrir € punir com todo o rigor das leis os delinquentes nesta e em qualquer outra tentativa de tréfico”. Como consequéncia, o bill Aberdeen foi mantido em vigor, ¢ a Marinha Britanica intensificou 0 pa- trulhamento da costa brasileira, o que gerou novo desgaste nas relagdes anglo-brasileiras. Muito mais do que apenas o capitulo final do trdfico de escravos para o Brasil, 0 caso de Serinha- 6m revela a manutencdo da “corrupgio dos costu- mes” da sociedade brasileira de meados do século XIX, e a sua dificuldade em abdicar do tr escravos africanos. ico de Saiba Mais Digitalizada com CamScanner ENTREVISTA POR BRUNO GARCIA E JOICE SANTOS Elisée Soumonni : Um oceano a nos unir s brasileiros podem ndo conhecer muito o Benim, mas 0 pequeno pais de pouco mais de 8 milhdes de habitantes, na Africa Ocidental, tem enorme importancia na historia do nosso pais. Foi do porto da cidade costeira de Uidd que milhares de africanos foram enviados para o Brasil. Unidos pelo trdfico transatlantico, os dois paises compartilham uma historia que, segundo o professor beninense Elisée Soumonni, “dificilmente pode ser contada de forma isolada”. Mais de dez anos depois da inclusdo do ensino de Hist6ria e Cultura Afro-Brasileira no curriculo oficial, 0 interesse de alunos e académicos sé cresce. Algo que Soumonni diz ser natural, afinal “o Brasil € um grande pais, e nao é posstvel formar um especialista tao rapidamente”. O professor, no entanto, adverte para a necessidade de encontrarmos nosso proprio caminho. “E preciso que os estudantes aqui encontrem suas proprias razoes para estudar, descobrir como e o que vdo abordar da realidade brasileira”. Em visita ao Rio de Janeiro para um semindrio, Elisée Soumonni conversou com a equipe da Revista de Historia sobre suas Hee 0 interesse pela didspora africana, Py ee ‘a nod Hs Jormagdo particular. Ele contou , para fazer seu dout ' ae na Nigéria, em Toe a e sua graduacdo — pois 14, nas suas pré Pela ‘ ee Proprias palavras, “néo aprenderia nada de novo”, Digitalizada com CamScanner Digitalizada com CamScanner aera mee ntrevista Verbetes Retormdos ersc ergo ro Bra que retormaram sos sms pats ce Frances Fx 6 Sou (7541649) Nasco Seedorf an dos grader tes de eras de Aca pro Bal Racca na com acer arcana, estoy de enorme prestige eal eft reco com eto de Chace REVISTA DE HISTORIA O que o levou a estudar o Brasil? ELISEE SOUMONNI Era qua- se natural. Ha uma ligagao muito forte entre 0 Benim e © Brasil. Os retornados me interessavam muito. Eu queria saber o porqué da origem dos seus nomes. Eles voltavam para o Daomé com sobreno- me Pereira, Oliveira, Silva... enfim, nomes que tinham ori- gem no Brasil. Esses afro-bra- sileiros mantiveram, na sua maioria, 0 nome dos antigos Em Uida existe 0 quarteirao do Brasil, a casa do Brasil. Mas nao hd nada como 0 quarteirdo de Portugal ents Terme que desga.no Berm os descend tesde exraos ou de rercadores de exravos basis que no seul XX comegaren aerigre para cosa cident arcana senhores e com isso um certo status de classe. Esses senho res, claro, nao eram seus pais biolégicos, mas guardavam muitas relagdes com suas fa- milias. Por isso os arquivos da Bahia sdo muito importante: eles guardam fontes impor tantes para reconstruir 0 passado desses retornados e a vida que tinham li. A ligag3o RH Os paises foram unidos pelo comércio transatlantico. ES Sim. Posso dar um exem- plo, Em Uidé hé um forte portugués, hoje transformado em museu, que abrigou Francisco Félix de Souza, traficante e comerciante de escravos. Nao era um retor- nado, mas um brasileiro que se estabeleceu ld por muito tempo. Ele teve muitos filhos, ninguém, nem ele mesmo, sabe ao certo quantos. Seus muitos descendentes sio hoje parte de uma elite no pais. Ele continuou no trafico de escravos durante o século XIX é importante lembrar que, como ele [que chegou a ser escrivao e contador da forta- leza}, os diretores dos fortes portugueses eram nomeados em Salvador da Bahia. O dire~ tor nio vinha de Lisboa. Era Brasil que administrava a maior parte dos fortes portu- gueses ao longo da costa da Africa, afinal era uma colénia muito maior do que Portugal Eu gosto de dizer que foi gra~ as ao Brasil, seu tamanho recursos naturais que 0 peque- no Portugal conseguitu admi- nistrar seu vasto império. Daf a proximidade entre 0s paises. Eu diria que o Brasil perma- nece no imaginario do Benim’ até hoje. RH_ Nao s6 para os historia- dores? ES Nao. No Benim, o Brasil nao € s6 parte da nossa his- t6ria, mas est presente na nossa vida cotidiana, Em Uidd existe 0 quarteirao do Brasil, a casa do Brasil. Mas nao hi nada como 0 quarteirao de Portugal. No imaginario coletivo, a maioria da popu- lacio conhece o Brasil, nao Portugal. © quarteirao diz respeito aos que vieram do Brasil, mas 0 nome caracteris- tico € Aguda. A origem vem de um forte portugués chama- do Sao Joao Baptista de Ajuda, dai veio a palavra agudé, em referencia aos afro-brasileiros, RH O senhor veio muitas ve- ‘zes ao Brasil? ES Sim. Em 2003 eu dei um curso na UFR, algo como Introdugio a Histéria Africana, Isso foi ‘UM pouco depois de o governo brasileiro decidir pela obrigatorieda- de do ensino da historia da Africa. Mas é muito dificil co mecar um curso assim. Tentej s6 dar uma ideia sobre o que significa estudar isso. Como nao falo portugués, as minhas aulas foram em francés e inglés, e parece ter dado cer- to gracas a ajuda de colegas que falam muito bem essas Jinguas. O mais interessante foi perceber como o tema era apaixonante para os estudan- tes. Muitos professores tam- bém foram assistir as aulas. £ compreensivel a importancia dessa troca, quer dizer, de se estudar a hist6ria da Africa no Brasil. H4 uma série de re- feréncias para a cultura afro- brasileira, como a religiio, ‘0 candomblé ou o carnaval, que no sdo necessariamente 6 africanas, mas nao é pos- sivel compreender a histéria afro-brasileira sem se reportar 4 historia da Africa. Quando estudamos retornados, por exemplo, ha um conjunto de experiéncias sobre 0 continen- te americano, sua.interacdo com europeus e amerindios, gue sio fundamentais para se compreender a transformacio da cultura africana original Quando retornam com essa experiéncia, 0 impacto cultu tal fica evidente. RH Poderia dar um exemplo? ES A farinha foi um produ to vindo do Brasil, eram os indios que sabiam fazer. Foi com eles que os africanos aprenderam como fazer a fi tinha de mandioca. E este ¢ apenas um exemplo de com @ cultura africana Pode ser compreendida s¢ Se referir a experiencia a’ cana. © mesmo pode se « a cultura americana, is que sem referencia 3 cul cilm Digitalizada com CamScanner africana de origem € muito ‘complicado estudar alguns elementos. RH Como foi sua formagio? ES Na época em que nasci, 0 Benim ainda era Daomé. Li fiz meus estudos na escola primé- ria e secundaria e, depois, fui para a Franca. Porque, afinal, Daomé era uma col6nia fran- esa € a maioria dos que iam para a universidade precisava ir para a Franga. Lé fiz meus estudos de hist6ria, tirei um diploma equivalente ao do mestrado, Naturalmente 0 curso nao era de historia afri- cana, mas de hist6ria em geral mesmo. Dentro do programa, havia muito pouca coisa sobre histéria africana. RH Que tipo de coisa? ES Apenas questées relacio- nadas 4 colonizacdo europeia, sobretudo a francesa. A histéria a Africa aparecia dentro de um discurso muito voltado a destacar os bons aspectos da colonizacio francesa. Para mim essa nao era a histéria da Africa, mas uma histéria da atividade europeia ou francesa no continente, sem levar em ‘consideracao a cultura da po- pulaclo africana. Quando ter- minei meus estudos em Paris, voltei ao Benim para ensinar por alguns anos na escola se- cundaria. Tornei-me professor em um perfodo interessante, em que tinhamos um novo pro- grama, este sim com um forte contetido dedicado a Africa Isso porque foi montado depois da independéncia (1960). RH Por que escolheu histo- ria? ES Nao sei, no foi uma es- facil. Eu tinha muitas ‘opcées. Quando cheguei a Franca nao tinha muita certe- 2a, Conversei com um psicé- Jogo que me perguntou o que eu queria fazer. Disse filoso- fia. Fle perguntou por que. Bom; eu disse simplesmente que me interessava, que tinha boas notas em filosofia na escola. Dai ele me perguntou em que outra disciplina eu ti- nha boas notas. Falei hist6ria. Foi quando ele disse que se eu estudasse historia, neces- sariamente passaria também Pela filosofia. Ble tinha razao, Além disso, pensei que para me tornar professor, algo que eu queria, estudar histéria poderia ser mais interessante. Foi assim que escolhi. Nao foi nada muito planejado, mas eu do me arrependo da minha escolha. A forma de recons- truir 0 passado, as diferentes perspectivas, os meios, as for- mages, o documento do ar- quivo, tudo isso faz parte das coisas que realmente me inte- ressam. Acho que todo mundo quer conhecer a historia de sua familia. Mas a formacao na Franga nfo me permitia aprender o que eu queria, RH Como resolveu isso? ES Eu decidi que deveria ir as universidades africanas para fazer meu doutorado em Historia Africana. Eu ja sabia que na Franca no aprende- ria nada de novo. Era mais interessante ir para uma boa universidade no continente. Pensei em ir para a Nigéria, que era um pais proximo, e sabia que a Universidade de Ile-Ife [hoje Universidade Obafemi Awolowo] era muito boa. Claro que, por conta da minha formagio francéfona, precisei aprender ingles para Entrevist poder estudar 14, mas encon- —_Verbetes trei muitos professores de hist6ria ~ europeus, america- _PereVeceer (1902-1996) nos, canadenses e brasileiros — (otdp ape ensogo = que ampliaram as minhas ——favotrasiero que se perspectivas de pesquisa. La “sedcov spenudo a conheci Pierre Verger, que ess oops? tinha sido convidado para rips aeanas no falar da relacio entre Bras Drea e Africa Ocidental. Foi assim que comecei a me interessar pela histéria da diaspora e pela relagdo entre Daomé e 0 Brasil. RH O senhor fez parte de um grande projeto da Unesco. Como foi? ES Ah sim, voce se refere ao “The Slave Routes” [As Rotas dos Escravos). Essa é uma longa historia. A iniciativa do projeto partiu do Haiti, no contexto da comemoragio dos 500 anos da chegada de Cristévo Colombo a América, em 1492, Nesses eventos, a Africa foi praticamente esque- ida, Entao 0 Haiti, para onde A farinha foi um produto vindo do Brasil, eram os indios que sabiam fazer. Foi com eles que os africanos aprenderam como fazer a farinha de mandioca grande nimero de escravos africanos foi transportado, achou justo que a celebracao da aventura de Colombo ndo negligenciasse 0 protago- nismo africano, ou seja, a contribuicdo dos africanos a0 desenvolvimento econd- mico da América. Como na comemoragio de 1992 tinha havido esse viés europeu, sem levar em consideragio 0 sa- ctificio de milhdes de negros, eles queriam, afinal, associar 08 africanos ao seu projeto. Digitalizada com CamScanner Sere meen trevista Entdo decidiram fazer uma conferéncia, em 1994. RH 0 senhor esteve envolvido desde 0 comeco? ee ee com ES Sim. O Haiti, como 0 pontiktnc.” — Benim, tem uma relagio espe- retinas (ous cial com a historia da escravi- camo eam chamados). ga : corocremctunsco) do e, portanto, fui chamado, Siovonsomoimena Pata ajudar o pessoal da Quivoforeniades Unesco na época. A conferén- ee cia contou com a participagio de gente de muitos lugares diferentes do mundo, afinal essa € a natureza da didspora. RH EF ela aconteceu em Uida. Por que? ES Sim, Vids foi escolhida por ser um lugar importante de meméria da didspora afri- cana. Era 0 ponto de partida de milhares, talvez milhoes, de africanos para diferentes lugares do mundo. Essa es- colha teve, sem diivida, um cardter simb6lico. Mas, na verdade, a conferéncia deveria acontecer no Haiti. Esta era a ideia original. Porém, por con: ta da particular instabilidade Nao podemos nunca esquecer que a Revolucdo Haitiana, em 1804, aconteceu quando o comércio ainda exis- tia. Talvez isso ajude a entender um pouco o pats hoje politica do pafs naquele pe- riodo, por razes de seguran- ¢a, era impossivel organizar 1i uma grande conferéncia. Entdo foi para o Benim. RH Quais foram os desdobra- mentos do projeto? ES Depois da conferéncia houve mais integracio nao s6 entre as instituicdes do con- tinente, mas entre os centros que estudam histéria africana pelos paises da didspora, na ‘América ¢ mesmo na Europa. Muito do projeto esta rela- cionado a centros de pesqui- sa, como a Universidade de York {no Canad] ¢ institutos de virios outros paises. [0 historiador canadense] Paul Lovejoy veio a conferéncia ‘gracas ao projeto. Ha também um centro de pesquisa na Gra-Bretanha concentrado em estudar as tentativas do pais em abolir a escravidao desde 0 comeco do século XIX. Voce sabe que os ingleses tiveram um papel importante nese processo, RH Sim, comecaram proibin- © comércio nio era 0 mesmo que abolir a escravidao. Ha 0 status do es- cravo, que passa por um lon- 0 processo até conseguir se libertar. Em 1807 aboliu-se 0 comércio, mas nao a escrava- tura, Dentro dessa discussao, nao podemos nunca esquecer que a Revolugdo Haitiana, em 1804, aconteceu quando o comércio ainda existia. Talvez isso ajude a entender um pou- co 0 pafs hoje. 0 Haiti consti- tui um exemplo de aboligio ¢ do fim do sistema pela revol- ta, Isso todos sabem. Porém, 0 problema do Haiti se explica, para mim, pelo fato de ter se tornado independente num ‘momento em que no apenas a escravidao estava ainda em vigor, mas também o proprio comércio de escravos, RH Foram isolados por isso, nao? ES Exatamente, Para que nao contaminasse as demais colonias, 0 Haiti recebeu um embargo que, além de deixar © pafs isolado, também im- pediu seu desenvolvimento ‘Além disso, é importante lem. prar que a Franga exigiu que Haiti independente pagasse uma multa aos senhores de escravos que perderam seu meio de produsio. RH O senhor acha que o inte- resse pela Africa esta crescen- do no meio académico? ES EF isso que estamos vendo aqui no Brasil. E por isso que digo que a nova lei é algo progressivo, nao produz seu efeito imediatamente. 0 Brasil é um grande pais, e nao é pos- sivel formar um especialista ‘to rapidamente. Também nao poderiamos ensinar a histéria da Africa no Brasil do mesmo: jeito que farfamos na Africa. E preciso que os estudantes aqui encontrem suas préprias razdes para estudar, descobrir ‘como € 0 que vio abordar da realidade brasileira. Isto sig- nifica fazer sempre um exer- cicio de aproximagao, isto é, fazer historia a partir de uma perspectiva comparativa. RH A mesma légica vale na Africa? ES Nao podemos ensinar a histria do continente sem essa erspectiva comparativa. Nio +a uma etnia pura na Africa. No interior das sociedades afticanas aprendemos os elementos, uns dos outros, pelo contato das cul- turas. Falamos do tréfico trans tlantico, mas antes dele jé exis. tia 0 comércio de escravos entre 8 paises muculmanos. Isto Precedeu em muitos séculos © comércio para as Américas. E, antes de existir o trifico de escravos, hd também uma longa historia que o precedeu. Digitalizada com CamScanner RH Os temas de estudo sobre historia africana tem se modi- ficado? Es £ dificil dizer. Nao conhe- ‘go bem 0s programas porque cada umiversidade €, em certa medida, independente. Elas mesmas determinam seus pro- ‘gramas de ensino. Sei que nos primeiros anos havia um pro- grama em comum, mas nunca soube exatamente 0 contetido, Isso € muito dificil. Na Africa n6s também temos Histéria da América nos nossos pro- ‘gramas, Claro, temos Histéria da Europa, da Africa, das di- ferentes colonizaces. Mas ha ‘uma certa ideia dos aspectos americanos que influenciaram nossa cultura, assim como a histria dos africanos na ‘América, Pouca gente estu- da, mas muitos foram para 0 Maranhio e o Parana depois de 1818. 0 que estou dizendo, enfim, € que mesmo lé a his- t6ria da Africa deve ser repen- sada permanentemente. RH No periodo das indepen- déncias o estudo da historia Jocal teve mais importancia? ES Claro, existia um progra- ma de formacao civica do qual muitos historiadores partici- pavam. Ensinavam-se coisas como a evolucao do pais, a crise, um certo fervor patris tico que inclufa os herdis na- cionais antes da colonizacao, ‘ou 0s que apareceram depois da independéncia. Nao surpre- ende que muitos historiadores tenham se envolvido mais tar- de com a politica. Mas, como eu disse, mesmo os programas de hoje precisam ser melho- rados continuamente. No Brasil, as diferentes partes da ca so ensinadas, muitas . como se formassem um tinico conjunto: a influencia africana na cultura brasileira. Mas so muitos e diversos os aspectos do que estio sendo chamados de africanos. Ha a cultura alimentar, que tem toda uma histéria. E os aftica- hos mugulmanos, que se con- verteram antes de chegar ao Brasil e que aqui organizaram Tevoltas como a dos Malés, na Bahia, RH O senhor tem feito um trabalho de formar novos historiadores, nao s6 no seu pais. ES Sim, mas nao é bem as- sim, Quando vocé ensina, ndo © faz necessariamente para historiadores, 0 que quero dizer € que mesmo aqueles que seguem 0 caminho das ciéncias também fazem disci- plinas em historia, Nada mais natural. Todos precisam dessa perspectiva histérica, Claro, ha uma grande diversidade de historias também. Ha hist6ria da ciéncia, das artes, das re- ligides etc. Na verdade, cada disciplina, cada profissao tem sua historia. E é importante refletir sobre 0 processo de sua formacio, de sua especia- lizacao. Nao ¢ obrigatorio que todos sejam historiadores. RH A multidisciplinaridade é importante. ES Claro, Os pioneiros da histéria africana nao eram os historiadores de profissio. ‘Tinhamos antropélogos, como o norte-americano] Melville [Jean Herkovits]. Quando se estudam as sociedades, isto é como elas se organizam hoje, muitas vezes somos obrigados a retornar ao seu passado. £ natural que antropologia ¢ histéria ndo tenham uma Entrevista barreira definida, uma frontei- ra lara. Blas ganham juntas uma ajuda e uma esclarece a outra. Posso falar da minha experiencia aqui no Brasil. Mesmo sem estrutura, muitos No Brasil as diferentes partes da Africa siio ensinadas, muitas vezes, como se for- ‘massem um tinico conjunto: a influéncia africana na cultura brasileira historiadores tém a sorte de contar com os trabalhos dos antropélogos em suas pesqui- sas, Mas nio sio s6 eles. Ha 0s arquedlogos também. Nao se pode ignorar o imenso ma- terial cultural que produzem acerca dos perfodos que estu- dam. Isto nos permite saber sobre épocas em que nao po- demos contar com documen- tos escritos. RH Seu trabalho tem como meta buscar o cruzamento desses saberes? Es F dificil responder a isso. Eu diria que como método, sim, Mas meta € algo diferen- te. Acho que 0 historiador africano precisa saber lidar com uma histéria fragmen- taria, que nao diz respeito a similitude de culturas. Este é um ponto importante. Mas 0 meu combate hoje é ultrapas- sar a cultura da fronteira co- lonial para fazer os estudos da hist6ria e da cultura africanas. Obras do autor The Arian of aPertfthe Se Tate Qucan inthe Nreteent Contry LAW Rabin & Por of Se Toe (Gaps of Bein ord 8 Siig 19% The Nee ac The Sie ode arte Urner of Siring 197 ovo Sanson ry. 200, Deport er onpehaplpco ‘ehond/20108Daare comndosietcopal Digitalizada com CamScanner ee (t PATRICIA LESSA O sexo a quem compete? Nas Olimpiadas de 1968, as atletas tinham que comprovar que eram mulheres submetendo-se a testes constrangedores LIMP{ADAS VENCEM A GUERRA DOS SEXOS”, anunciou 0 Jornal dos Sports no dia 30 de outubro de 1968. O tom da manchete reflete a empolgacéo em torno de uma novidade implantada no megaevento dispu- tado na Cidade do México: 0 exame cientifico para confirmar 0 sexo das atletas. O texto da noticia parecia imparcial: “A. presenca de individuos cujo sexo nao Pode ser perfeitamente definido nas provas femininas das Olimpiadas esta completamente banida e a Prova é que muitos dos maiores atletas que o mundo Ja viu ou nao chegam ao México ou, l4 chegados, se negaram a submeter-s¢ “8 provas para comprovacaio de sexo — disse ontem Digitalizada com CamScanner ! ma redacao do JS o Dr. Anibal Silva e Costa, pre- sidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Es- portiva. “A obrigatoriedade dos exames de sexo hd muito tempo devia constar dos regulamentos olimpicos para evitar a sobrevivéncia dos herma- froditas no esporte. Sempre fui a favor dos exames porque existem mulheres que competem em tal categoria que na realidade sio homens, Com a obrigatoriedade dos exames, alguns fendmenos esportivos como as irmas Irina e Tamara Press, da Unio Soviética, no compareceram a0 México Pela primeira vez as mulheres atletas tinham seus corpos vasculhados, sua sexualidade questio- nada, seu sexo verificado cientificamente. Sob a orientagdo de um comité médico, os testes de femi- nilidade, também divulgados como testes de sexo, ‘garantiam uma “carteira rosa” as atletas considera- ddas aptas a competir. Reduzidas i equacdo XX, atta- ‘¥és da contagem dos cromossomos, somente assim ‘elas poderiam participar de Jogos oficialmente orga- = pelo Comité Olimpico Internacional (COD). Nos primeiros Jogos Olimpicos da era moderna, em 1896, as mulheres ndo podiam competir. Sua insergao nas competigdes internacionais foi grada- tiva, A antiga crenga na vulnerabilidade biolégica € na fragilidade inata deixava as mulheres de fora de muitos eventos desportivos. Fragilidade, vulne- rabilidade e passividade foram consideradas teristicas totalmente desfavoraveis a exigencia de ac Sob orientagdo de um comité médico, os testes de feminilidade conferiam uma “carteira rosa” ds atletas consideradas aptas a competir desempenho atlético. Durante todo o século XIX, inina foi na Europa, essa ideologia da natureza fe fundamentada “cientificamente”: buscava-se provat que a mulher é fisicamente inferior ao homem, in- lusive pela capacidade de engravidar. As disciplinas requisitadas para defender tais argumentos eram a obstetricia, a biologia, a sociologia, a psicologia, a Digitalizada com CamScanner Antes das Olimpiadas de 1968, o teste de sexo era feito da seguinte forma: as mulheres expunham seus corpos nus a um comité de “peritos” antropologia e a ginecologia. Esta tiltima consolidou a imagem da mulher como um ser submetido ao im pério de seus rgios genitais - que determinariam sua natureza nervosa, frdgil e inconstante e sua predisposicdo a doengas e perturbacdes mentais, moldando assim suas capacidades sociais. ‘Alguns bidlogos e médicos, como Cesare Lom- roso (1836-1908). reforcaram naquele século que © cérebro da mulher era menor que o do homem e que 0 ovario e o titero exigiam muita energia Duy A comtestagio da feminiidace afetou a vida de varias atletas a0 longo do século, até recentemente. Em 1930, 1 comedora tcheca Zend Koubrova viu uma fotografia de seus genitals _ambiguos ser exposta pela imprensa Nos Jogos de Berlim, em 1936, 2 nadadora Stella Wash foi acusada de serum homem por um jomalsta que fazia cobertura do evento, ¢ acabou ‘tendo os seus genitasinspecionados pelos médicos germlnicos. Ele con: {diram que ela era uma mulher. Em | ‘a polonesa Eva Kobkowsca foi i banda dos eventos femininos par ter cromossomos XXY, No Bras, dos casos ganharam vib dade na mida nacona nos anos 1990. No jud6, howe a polémica em toma de Ednand Shae, no vile, 0 cso de Era Coimbra. Ambas rasceram mulheres ras tiveram 2 sexualdade contestadh porque apresentavam caracteisticas de ‘ambos os sexos, © excess0 de horménio rmascuino. AS dias se submeteram a rugs "reparadoras’, ou seja, passa= ram peo processo de “adequicio do sexo" imposto pelo COL e repouso para funcionar apropriadamente. Em consequéncia, as meninas deveriam ser mantidas Jonge de escolas e faculdades a partir do momento ‘em que comecassem a menstruar. Sem esse tipo de precaugio, seus titeros e ovarios poderiam se atrofiar e a raga humana se extinguir. ‘A mesma andlise no se estendia as mulheres pobres, obrigadas a trabalhar duramente e cer suradas por se reproduzirem demais. Na verdade justamente por conseguirem trabalhar tanto e ain da assim gerar muitos filhos, elas eram considers das mais proximas dos animais e menos evoluidas do que as mulheres das classes altas. No século XIX pesquisas da craniometria ressal: taram a inferioridade das mulheres devido ao ts manho da estrutura 6ssea, incluindo quadril. Com os avancos das mulheres nos esportes, isto perde a importancia e a forca, Foi nas décadas de 1960 ¢ 1970 ~ quando os movimentos feministas aumen faram ~ que as pesquisas sobre diferencas sexuais voltaram a ganhar forca. Os sociobiologistas tent vam @gora provar que os comportamentos sociais constituem caracteristicas humanas universais € acabam sendo transmitidas geneticamente agressividade ¢ 0 “instinto de caca”, por exemplo ‘erlam essencialmente masculinos. Bee saa da noticia de que haverie 8 contra o doping e contra mu Iheres de “sexo duvidoso", a im, rod eee + a imprensa se mos comsmPlacente com as versdes cientificas ees da infetioridade feminina e de sv Para os esportes. Naquele momento. : Digitalizada com CamScanner minagdo do sexo por um exame “cienti- soava como uma ameaca ao regime social sossexista. AO mesmo tempo, a homossexuali- feminina colocava em risco o regime patriar. ninante, no qual as mulheres assumem sociais considerados hierarquicamente in. aos dos homens, tornando-se consciente onscientemente submissas a eles, Mulheres ‘ou com género indeterminado eram uma ao pretenso equilibrio social. Por isso o ge de sexualidade das Olimpiadas do México foi n recebido. “O exame para a comprovacio exo ~ masculino ou feminino ~ é bastante sim- pode ser feito através de pesquisa de dois saliva ou sangue. Colhido o material, os mossoMos So contados. Se atingir um indice X, fologicamente a atleta é impedida de competir as mulheres, j que passa a ser considerada na anomalia”, explicava o Jornal dos Sports , 0 Jornal do Brasil também comentou a ‘Sobre a questio do controle de sexo, jo pelo regulamento, o secretirio geral Jo: Westterohff disse que a Federacio Interna- al de Nataco foi a tinica que nao respondeu almente ao convite que Ihe fez o presidente isso médica para as nadadoras se subme- nA verificacdo sexual, apesar de as nadadoras, peticdo de inscricdo, terem firmado o com- $0 de se submeterem ao controle de sexo trole sobre o uso de drogas. O presidente da médica acrescentou que varias atletas inscritas nos Jogos jé haviam aceito vo- ante as exigencias regulamentares”. 0 voluntariamente as exigéncias” é uma . pois se € uma exigéncia jamais sera a. Além disso, 0 olhar retrospectivo para acontecimentos desperta diividas sobre 0 entre os testes e 0 dopping. Sobretudo pela sa das nadadoras, pois a natacdo era 0 esporte is casos de uso de substancias quimicas ia do desempenho em edicdes anterio- is Olimpiadas. Talvez fosse mais ficil duvidar za do sexo” do que assumir que 0 dop- tusado em grande escala ~ algo desaconse- diante de uma industria farmaco-quimica ascensio mundial. a4 tes de feminilidade duraram oito edigdes Climpicos, de 1968 até 2000. Por que Tmais de trés décadas mesmo diante das tanto de associagdes € entidades mé ficas como da imprensa e das Proprias Tiss. atletas? Essa medida e sua duragao podem ser vis- tas como barreira a participacao feminina e como ‘uma forma de mascarar 0 fato de que 0 dopping assumira proporgdes incontroliveis com 0 advento a indiistria farmaco-quimica, ‘A imagem de uma mulher forte e atlética con- fundia as certezas criadas pela ciéncia do sexo e do -genero como norma catalogivel. Vale dizer que, an- tes das Olimpfadas de 1968, 0 teste le sexo era feito da seguinte forma: as mulheres expunham seus cor- Pos nus a um comité de “peritos”, que julgavam € certificavam se sua morfologia era compativel com a ideia que tinham de feminilidade. Como tal pré- tica significava uma exposicao publica dos corpos as atletas e vinha ganhando criticas das entidades esportivas, 0 comite resolveu “modernizé-la”. © parametro genético adotado no teste de cro- ‘mossomos indicava uma nova realidade: a politica tecnolégica de monitoramento e catalogacdo dos corpos femininos. A “carteira rosa” simbolizava feminilidade. Era o passaporte das mulheres para © universo idilico de um feminino universal, na- turalizado e definido por uma equipe de peritos ‘composta por homens. H PATRICIA LESSA E PROFESSORS DA UNIVERSIDAD ESTADUAL DE MARINGA £ AUTORA DO RELATORIO DE POS DOUTORADO "A FABRICAGKO DOS TECNO-B10:CORPOS E ‘A PRODUGAO DO SEXISMO NA LINGUAGEM" (UFF, 2010), hoje 2 6 ce deser Digitalizada com CamScanner fem juho de Nadadoras nos Jogos Commonweath em Glasgow, na Escécia, 1968 para os das & fem reaco 30s cor pos das atets fo) 10 do sone ANTONIO MARCOS DUARTE JR. Easelva | venceu o capital Fordlandia, a cidade da borracha inventada por um dos maiores empresdrios do mundo, fracassou na imensiddo amazonica ENRY FORD TINHA 40 ANOS quando, contando com 11 sécios e investimento inicial de US$ 28 mil, fun- dou a Ford Motor Company. O ano era 1903, e co- mecava ali a trajetéria de um dos empresdrios que ajudariam a elevar os Estados Unidos A Posic¢ao de Poténcia mundial. Seu nome ficou para sempre as- sociado a uma revolugdo do capitalismo, mas o su- Cesso nao o acompanhou quando tentou aventurar- se em uma audaciosa empreitada tropical. Na Ama- zOnia, Henry Ford fracassou, Uma das taticas bem-sucedidas do empresario consistia em tomar para sia Producao dos insumos usados em suas fabricas, Para depender 9 minimo Digitalizada com CamScanner ed possivel de fornecedores externos. Obter borracha natural era um problema: 0 monopélio dos brita- hicos sobre a oferta mundial do produto incomo @ava-o profundamente. Sob a influéncia de um “de seus poucos amigos, Harvey Firestone (que se } fomaria o lider dos pneus nos Estados Unidos por Umais de oito décadas), Henry Ford passou a consi- rar ter a sua propria plantacao de seringueiras. Mas onde plantar seringueiras? Que tal na regio Ge onde as sementes das plantagdes britinicas no Slideste asidtico haviam sido furtadas? Foi assim ‘© homem mais rico do mundo decidiu possuir 9 do rio Tapajés, no Pard. ‘0s governos federal e estadual receberam com) contida satisfacao a noticia dos investimentos, fa itando a instalaco dos norte-americanos na Ams ‘A Companhia Ford Industrial do Brasil teve escritura publica aprovada em 10 de outubro 4927. Dois navios foram enviados para Santarém lem seus pordes tudo o que se imaginava ne io para a construcao de uma cidade: tratores, es, enxadas, machados, britadeiras, equips Shtos hospitalares, concreto, uma fabrica de gelo Miosamente, nio havia nenhum arquiteto, urbe B ouengenheiro sanitdrio na expedicao inicial. © planejamento foi feito pelos norteamnet™ Gsm Michigan, ¢ 0 resultado foi uma sequcne® 05. Os primeiros gestores sentiram na PE! fos de mio terem estudado a realidade loca” Sexmpamento sem higiene. protiferavam ® et es 57 ore Saiba Mais CALEY, John Industrie nthe Fonts rrcon Stes Rubber Prato moscas nos refeitérios € os mosquitos nos dormité- rios. O recrutamento de mao de obra era um entra- ve, Nao havia na regio homens em quantidade ¢ com formagiio profissional suficiente para operar € realizar a manutengio de maquinas, como tratores, serras elétricas e caldeiras. Entre os contratados, ‘© clima décil logo evaporou. Diante da qualidade {777 Resvoos ruim da comida servida (diferente da que recebiam — (nuery em. 98 Dois navios levaram tudo o que se imaginava necessdrio para a construgdo de uma cidade. Mas nenhum arquiteto, urbanista ou engenheiro sanitdric os norteamericanos) e do tratamento cada vez mais insultuoso (& base de gritos e humilhagoes), acendew-se o estopim para a primeira revolta: os tra- == balhadores ameacaram os norteamericanos com fa! ces e machados. Nao houve feridos, mas o trauma nunca seria superado pelos estrangeiros. Fez-se alia primeira mudanca no corpo diretivo da Companhia. Entre 1928 e 1930, viriam outras tré. Nao bastassem os problemas locais, houve os impactos da crise global de 1929. Nos Estados Uni- dos, a Ford Motor Company amargou uma queda de quase 50% na produgdo de automéveis. Mesmo dliante dessa nova realidade, Henry Ford garantiu recursos para que o projeto seguisse adiante. Ao final de 1930 surgia Fordlandia, um projeto de plantacdo de seringueiras em uma pequena cidade de aparéncia norteamericana, com seus hidrantes Digitalizada com CamScanner aoe 58 fomecimento da bor vermethos nas calcadas, em plena selva ee nica, Mas as riquezas imaginadas por Henry Fo! estavam Ionge de se concretizar: as seringueitas ‘fo produriam boracha (iniialmente por Serer Jjovens demais, depois, por conta de ataques de fun- {g0S e de insetos), os minérios e as pedras preciosas no foram encontrados, ¢ a madeira, nico produto rentavel, era agora taxada pelo governo paraense. ‘Tantas insatisfagdes se refletiram na relacao dos patrées com os funciondrios, Os estrangeiros achavam os brasileiros preguicosos e passaram chamé-los com apelitos relacionados & cor da pele e a baixa estatura - foi comum 0 uso do ter- mo “demente”. Enquanto isso, 0 Departamento Sociolégico tentava “civilizar” os trabalhadores, impondohes restrigdes ao modo de vida. Visita: ‘vam as residéncias para verificar condigoes de hi- sgiene, preparagio da comida, lavagem e secagem as roupas, se as vacinas estavam em dia, Chega- ‘vam a ponto de indagar sobre a vida sexual do casal. Outra questio que irritava os brasileiros era a obrigatoriedade de comer apenas comida genui- O Departamento Sociol6gico tentava “civilizar” 0s brasileiros, impondo-Ihes restricdes ao modo de vida. Chegavam a ponto de indagar sobre a vida sexual do casal Foran hideonte namente norte-americana. O peixe e a farinha nao se encontravam disponiveis nos refeitérios, mas derivados de soja (leite, doces, margarinas) vindos dos Estados Unidos eram frequentes nos cardépios. Em dezembro de 1930 irrompeu a segunda re- volta dos brasileiros. Os norteamericanos foram ameagados por trabalhadores portando porretes, faces e machados. De novo, sem feridos. Mas nas instalagdes de Fordlandia a destruicao foi enorme: tratores e caminhdes jogados no rio Tapajés, \. dros das instalagoes industriais quebrados, loucas do refeit6rio pisoteadas. A Policia Militar do Pars foi chamada para debelar a revolta, mas chegov trés dias depois, com a situagao ja calma. (O que fazer entao? Insistir em Fordlandia ov abandonéla? A deciséo de Henry Ford foi pela reconstrucao completa da cidade. Outro dirigente foi enviado de Michigan para a missao. Archibald Johnston fez um belo trabalho, instalando um hospital que se tornaria referéncia nacional, sis tema de captagio, filtragem e cloracio da égua saneamento ¢ iluminacio da cidade, chegando construgo de um clube social com quadras de tenis e um campo de golfe com 18 buracos. 0 cl be era exclusivo para os estrangeiros, mas varias atividades de lazer passaram a ser oferecidas a0: brasileiros: bailes com. tiisicas norte-americanas cursos de jardinagem, filmes sobre a aerodinimi. ¢a.dos novos modelos produzidos pela Ford Motor Company. Como bem observou um padre em visi ta a Fordlandia naquele periodo, os dirigentes nic sabiam em qual pafs estavam, Em 1932, havia 4 mil he ras em Fordlindia cares de seringuei juan¢ asco e csouo mado “mate eo truindo praticamente toda a plantacdo. As folhs cau € a8 divores definharam. Ao final, pe corn ® jaeattas liquidaram © pouco que havi: ld Johnston solicitou a presenc: de um botanico - incrivelmente, o primeiro en i<' @ recomendacio foi pelo abandono da - © local seguiria apenas abrigando pes: Digitalizada com CamScanner Ber construida ¢ uma nova plantagio q gueiras iniciada. Henry Ford nig devia, que Fecursos financeiros nao fattariany ova plantacio foi iniciada aproximademe Be loralza @ cidade de Betterra. 0 goipe n. fiveo em 1942, quando uma severa infetacsy iu os seringals metade. O desinimo ficou Mie nOs norteamericanos. O pais havia entra, Segunda Guerra Mundial, Henry Ford ver mais senile no ano seguinte falece filho, Fdsel Ford. Em 1945, quando filho de Edsel, assumiu o comando da Ford tor Company, um de seus primeiros atos foi ender Fordlandia e Belterra. © governo brasileiny pagou USS 250 mil pelas instalacdes que, segundo Rorte-americanos, valiam trinta vezes mais, Hoje, Fordlandia é um distrito do municipio de iro. Para chegar até 14, 0 viajante pode tomar dos barcos que ligam diariamente Santarém, Gro ¢ Itaituba. A viagem de barco-motor entre fantarém e Fordlandia leva cerca de 12 horas. Fora periodo de chuvas, é possivel hoje utilizar um a0 4x4 ¢ percorrer o trecho em até oito horas. dia conta com menos de mil habitantes e das pensdes pagas pelos governos e das lem- ancas do passado. O Instituto do Patriménio His- sistiu: ga. stava ria seu Henry iu proteger as construgdes na regio, quase em franca deterioracao pelas chuvas ¢ a umi- € Softendo com furtos. Em 2012, desabou 0 hospital construido pelos norte-americanos. H;.. Gant ry © naturalsta francés Charles de a Condamine foi 0 monopdiio brasieira da 77a cea tora al "al cide seringutin arson (Here tose) Anodade de, Periou o interes de varios empre. sos navanguara, da, Rolo Industral Hen Wekhan ro, foo primeira borat ater sucssa ma Amazin vou 70 ri sementes da regio doo Tapaés part © Real rn BotniceKe. Em 1876, 2500 mus de serps foram ransplrades dager botinie para a clbnas bins no Side sco, quebando de borracha natural, O Ciclo da Borracha foi uma a regio AmaxB ‘das duas malores cidades periode. Esse periodo ‘chegou a0 fim na segund: bes dos britdnicos, ji nacional a presos menores Estima-se que a Ford Motor Company tenha De investido, em valores atuais, cerca de USS 1 bi- Iho em Fordlandia e Belterra, Como retorno, — sofend conseguiu produzir e enviar para os Estados Uni- dos menos de mil toneladas de borracha natural. Henry Ford recusou todos os convites posteriores de governantes e empresérios brasileiros para que visitasse o Brasil - em particular, seus fracassados investimentos no Paré. H ANTONIO MARCOS DUARTE JR, & PROFESSOR D0 [aMEC) RJ E DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. desenvolvimento sem prec producto Primeiro é0ca de rica. O erescimento a regiio foi explosive, com a populacio de Belém multipicando-se quatro vezes centre 1890 ¢ 1910, ea de Manaus mais do que dobrando no mesmo préspero a decade do século XX quando as planta scidas no Sudeste asatco, passaram a oferecer bborracha natural no mercado inter: Digitalizada com CamScanner aCe eonaueno 304 60. Perspectiva MAURICIO SILVA Meu café por seu estilo Aristocratas paulistas contratavam arquitetos estrangeiros para ostentar em suas residéncias 0 art nouveau europeu com pitadas locais UANDO OS PRIMEIROS GOLPES DE MARRETA Soaram no pacato quarteirao entre as ruas Marqués de Para- nagua, Caio Prado e Augusta, em 1974, muita gente nao acreditou no que ouvia. Vinha abaixo uma das mais iconicas residéncias paulistanas, uma constru- Gao eclética, mas com significativas marcas da esté- tica art nouveau, para a familia de Flavio Uchoa. Era o fim de um dos tiltimos testemunhos arquitetoni cos daquela estética na capital, Enquanto no Rio de Janeiro, no fim do século XIX e inicio do século XX, a arquitetura art nouveat se espalhava “democraticamente” Por varias cons trugdes e espacos — a exemplo do que ocorria em Digitalizada com CamScanner 5 capitais do pais, como em Bete joa assum 0 status de manitestag vee fq vineulada & aristocracia cafeeira. Ommae jas abastadas, 05 grandes pro me ce femas tinham gosto pelas tendénc f apego 20S Modismos estéticos G@pial, mandavam construir grandes complenss esdencials, erEuidos por ilustres arquiteros se fgangelros = como Vila Penteado, Vila Uchoa, Vig, ‘América e Vila Nené. i estétea art nowveau desenvolveu-se na Europa Morante a chamada Belle Epoque ~ da tittima décor Go século XIX até a eclosio da Primeita Guess Mundial. Exprimia, antes de tudo, um anseio de enovacio artistica, depois de meio século de pre. dominio do academicismo burgués. Baseavase ng fstilizagao da natureza, no apego ao ornamento ¢ AAdecoracdo, no apreco pelas composigdes florais dladas a tematica feminina. A principal marca do irtnoveau, segundo o historiador da arte, o norue ‘gis Stephan Tschudi-Madsen, era a linha ondula- Mia assimétrica, com sentido de movimento, mas “Em busca do equilibrio visual. Muitas vezes sem conseguir livrar-se completamente da tradicao aca- BEmica, 0 estilo também incorporava elementos Ineocldssicos, neobarrocos ou neogéticos, além do " Siotismo oriental. No Brasil, como em alguns paises latino-ameri- 3S, 0 art nouveau mescla-se, de forma inevitavel, @stética local - de natureza colonial, as vezes gm exagero formal, além de motivos nativistas No caso de Sio Paulo, adotaria o tema do ale, A capital ainda tinha feicdes coloniais. A vida fal, até entao concentrada nas fazendas do in- ; comecava a ser deslocada para o ambiente sente dos centros urbanos, mudanga que se Acentua com o surto da economia cafeeira, com 0 esenvolvimento dos meios de transporte € com a ga macica de imigrantes. Este tltimo aspec 0foi decisivo para a arquitetura da cidade, entio Monopolizada pelo estilo neocolonial de Ramos de Azevedo (1851-1928) ¢ pelo ecletismo dos pro Het0s de pequenos escritsrios. Muitos imigrantes GGobretudo italianos) passaram a trabalhar como Eiomastri (mestres de obras) frentistas. modelado HRS € artesdos em geral, inserindo nas construcoes da arquitetura italiana, como 0 neockissico, Mais tarde, sob influéncia franco-saxa, aspectos €siética art nouveau. a Bima nascente burguesia urbana eta atrafda Tegibes centrais (Luz, Santa Czcia, Cam Bliscos) « depois para is ame "™ ~ em Sao Prietitios de ias europeias Instalados na reas mai Perspectiva 61 11 “higiénicas” (Higiendpolis, Cerqueira César), en- Vita pac do quanto n; ~ » f ‘4 periferia formavam-se os bairros de Bee antes € operdrios (Barra Funda, Belenzinho, ris, Bom Retiro). Inspirados, de inicio, nos bow- kevards franceses, os novos e elegantes bairros da aristocracia cafeeira contratavam arquitetos es- "rangeiros que pudessem dar as stias residéncias ‘um inquestiondvel status social, am nas construcdes Tacos da arquitetura italiana, como o neocldssico, | franco-saxa beoooes’ 5298S Digitalizada com CamScanner wu 62 Perspectiva Digitalizada com CamScanner Digitalizada com CamScanner Os novos e elegantes bairros da aristocracia cafeeira contratavam arquitetos estrangeiro que pudessem dar suas residéncias um inquestiondvel status social Detahe de ba: co lateral da Vi Penteado, Dois grandes arquitetos europeus foram mar- cantes para inserir 0 art nouveau em Sio Paulo: 0 sueco Carlos Ekman (1866-1940) e o francés Vic- tor Dubugras (1868-1933). Carlos Ekman (nascido Karl Wilhelm Ekman) era filho de arquiteto ¢ morou em diversas cidades, incluindo Nova York fe Buenos Aires, antes de se mudar em 1894 pa,, a capital paulista, onde viveria definitivameny, tendo inclusive se naturalizado brasileiro. Ekmay trouxe a arquitetura dos palacetes brasileiros « hall com pé direito duplo, presente nas duas cons trugdes que realizou para 0 conde Antonio Aly res Penteado, rico cafeicultor e industrial que, ao visitar a Exposicio Universal de Paris, em 1900, entusiasmou-se com 0 estilo art nouveau. Alvares Penteado encomendou a Carlos Ekman 0 projeto da Escola de Comercio Alvares Penteado (1909) « de sua propria residéncia, a célebre Vila Penteado (1902), construfda no puro estilo da Secessio Vie nense (Sezession), como ficara conhecida a estética art nouveau em Viena. Mais completo exemplar do art nouveau pau lista, a Vila Penteado foi construida num terreno adquirido pela firma de Victor Nothmann e Mar. tinho Burchard, que compraram a antiga chacara do Bario de Ramalho, lotearam-na e formaram um novo bairro (0 Boulevard Burchard) em 1898, depois batizado de Higiendpolis. Carlos Ekman mesclou estilos distintos, com prevaléncia do art nouveau, adicionando motivos relacionados & economia cafeicultora, certamente por influéncia do proprietério, Pinturas de frisos decorativos. principalmente com motivos florais, espalham-se por toda a residéncia, Ha pinturas murais em que sobressaem figuras femininas, e a incorporacio de elementos funcionais (macanetas, grades, fe chaduras) ou decorativos (lustres, estatuetas, aba: Jures) inspirados na estética art nouveau, muitos deles importados da Europa. O ecletismo se des taca no sagudo de entrada, em imensos quadros académicos de autoria de Oscar Pereira da Silva Professor da Escola de Belas Artes de Sio Paulo ¢ autor de alguns painéis para o Teatro Municipal da cidade. Em 1948, o prédio foi doado a USP pe los herdeiros de Alvares Penteado, e li funciona hoje a pos-graduacao da Faculdade de Arquitetu: 14 € Urbanismo. © outro expoente do art nouveau paulistano. Victor Dubugras, nasceu na Franca e foi criado em Buenos Aires. Mudou-se para Sio Paulo em 1891, passando a trabalhar com Ramos de Az¢ vedo, entio o mais famoso arquiteto da cidade Trabalharia ainda no Departamento de Obras Pu blicas de Séo Paulo e na Escola Politécnica de Sic Paulo. Ao longo da carreira, adotou estilos dife Tentes (neocolonial, neogético, ecletismo, art nol veau, protomodernismo), tendo sido responsive Por dezenas de construcées de casas, palacetes Digitalizada com CamScanner fpamsmentos,ediCIos PSbLcos (penizen foclas,estagdes de trem) © comercais ve pjetas no realizados ~ entre eles, yn ysores da arquitetura moderna na Area’ a adeira da Meméria (1919), em a0 Panto, vo fara (1896), a residéncia de Horieio Sonn (1902), ambos em Sio Paulo i sta titima construcio, conhecida como Vila {ehoa, foi uma das mais vistosas e arquitetonee gente avancadas residéncias do comeyo do séen, Jo, Gom influéncias neogéticas em sua fachada possufa amplo jardim frontal e lateral, O interior finha diversas marcas art now iérias, lém de ‘au: decoragdes em Perspectiva 65 = COT Omer) ‘Aproximando-se da estiteaglo da na ‘ureza, 0 an rowveau teve seu nome inspirado na Maison de It noweau Inglaterra, por causa da loja de de (1895), do alero naturaizade fran- partamentos London, Liberty & Co. Samuel Bing (1838-1905), que a (nome adotado por fez em Pars uma pioneira exposicio Portugal) fcou mals conhecida como e objetos de “arte nova’, também Uberty. € asim chamada também pe comercialzados em sua loja. Mas © los talanos, que adotam ainda o ter- termo nfo € 0 nico usado para re- mo stile flreale. Nos Estados Unidos Presentar essa geragio de artistas, onome é sil Tifory,associado ao ar Na Franca, recebeu outras aleunhas, — tsta Louis Comvort Tiffany, cys Ids- como Guimard ou Met = ambas com tres € abajures de vidrihos colores a mesma origem: a obra de Hector sfo até hoje famosos. A mistura do Guimard (867-1942), criador das fa mosas entradas do metr6 parsinse Na Alemanha, prevaleceu Jugen (ca revista Jugend, de Munique) e ra Austra impés-se © Sezessonstl (do movimento. Secess30 Vienense. do ql partcipava Gustav Kl), Na ‘are aouneou com outrasreferéncas re sultou no temo “estilo macarérico" como aconteceu em S30 Paulo ou na Franca, onde era promovida ua es pécie de ecetismo de gosto duvidoso. alto relevo nas paredes, pinturas de motivos flo- rais, ornamentos e objetos (como lumindrias) na mesma estética FP Em 1907, 0 palacete foi vendido e transforma- do no conhecido Colégio Des Oiseaux, tradicional escola feminina da elite paulistana, inspirada no Colégio Notre-Dame Des Oiseaux, de Paris, ¢ ge- rida pelas Cénegas de Santo Agostinho. No local onde se situava 0 colégio, foi fundado em 1933 0 Instituto Superior de Filosofi Sedes Sapientiae, que em 1971 seria incorpora- do pela PUC de Sao Paulo. Antes disso, contudo, ainda na década de 60, 0 colégio foi desativado (1969) e, anos depois, demolido (1974), restando apenas 0 bosque que o circundava, No lugar da- REIS FILHO, Nestor Ciencias e Letras preuno {quela que foi uma das mais vistosas construgdes sic Sio Pavo: Dus art nouveau da cidade de Sao Paulo, avista-se hoje iaes 1981 um precdrio estacionamento. Em 2004, 0 Con pavepsioade selho Municipal de Preservacio do Patrimonio beso pauioi Historico, Cultural e Ambiental da Cidade de Sio ‘AC Paulo (Capel ei rentetec et ien cea oe junto de expéces arborea do bosque; edficagSes Pena os ‘em ruinas que compunham 0 antigo colégio; e a velha e suntuosa portaria que, embora degrada: da, ainda se mantém, imponente, como meméria > de um esplendoroso e distante pasado. H MAURICIO PEDRO DA SILVA £ PROFESSOR DA TAIVERSIDADE NOVE DE JULHO E AUTOR DA TESE “O AOD a SOCIEDADE: LITERATURA E ACADEMICISMO NO iS De JANEIRO DA VIRADA DO SECULO” (USF. 20!) Digitalizada com CamScanner cus ja. 66. Enquanto isso... por Marcello Scarrone Pr POR Ta airs Sete on geo A temporada (breve) de uma nova arte Assim foi apelidada a expressdo artistica que marca a tiltima década do século XIX e a primeira do XX: “nova”, ou “jovem”. Ou, ainda, estilo Liberty ou Glasgow, ou entdo secessionista, em sua vertente austriaca. Com suas origens nas artes e nos oficios britanicos e seu apogeu nas exposigées internacionais do inicio dos novecentos, 0 art nouveau conquista artesdos e pintores, ourives e livreiros, escultores e arquitetos. Mucha, Guimard, Horta, Morris, Klimt e Gaudi sao alguns dos nomes arrolados na nova estética, inicialmente europeia, mas que serd capaz, em breve, de criar tendéncia também nas Américas. 1883 De autoria do inglés Arthur Mackmurdo, rica de curvas ‘¢ motivos florais, a capa do livro Wren’s City Churches, que documenta a recons- trucio da catedral de St Paul e de outras 50 igrejas Iondrinas apés o grande incéndio de 1666, é consi- derada uma das primeiras realizagbes do art nouveau. 1891 O ingles William Morris, expo- ente do Arts & Crafts (Artes Oficios), movi- mento britani- co inspirador ‘das muitas sucessivas Tealizacdes do estilo art now- veau, funda em Londres a edi- tora Kelmscott Press, com a finalidade de Produzir livros ‘com capa e impressio aprimoradas. 1992 A obra Cyclamen, do alemio Herrmann Obrist, com suas linhas ondulantes e flutu antes, também representa ‘um dos marcos iniciais do novo estilo. 1895 Por iniciativa do comer- ciante de arte Samuel Bing, abre em Paris uma galeria, a Maison de Art Nouveau, dedicada exclusi: vamente a apre- sentar produgoes artisticas ligadas a este novo estilo. 0 nome da loja aca- bard sendo usado para definir a nova corrente artistica. Aparece nas ruas, de Paris 0 manifes to de propaganda de Gismonda, Pega teatral interpretada por Sarah Bernardt. Digitalizada com CamScanner acabard popularizan- tética art nowveau, jonard ao artista de seis anos, to contribuird para a isio do novo estilo na E do proprio da revista que deriva © que designara o art no pais: Jugendstil tiva dos Artistas 05 e de suas orien- Tigadas & academia e jum movimento auto- Eaassim chamada do Vienense, cujos nentos buscam de arte total, com sera o Palacio da S30, criacdo do arqui- sph Maria Olbrich, finalizado no ano Acstética do art ‘encontra sucesso , que possui entre a0 Universal de eM varios setores Gedicando espaco e atencao 08 artefatos e as criagdes artisticas de estilo art nouveau, E inaugurada a entrada da estacdo do met parisiense Porte Dauphine, uma das dezenas que serio reali- zadas, em auténtico estilo art nouveau, pelo escultor Hector Guimard, usando es- Pecialmente ferro e vidro, ¢ deixando assim uma marca inconfundivel de sua arte. Em Bruxelas, é finalizada a construcao da Casa Solvay, mansio em estilo art now- veau que recebe 0 nome da abastada familia que a en- comendara. 0 edificio é de autoria do arquiteto belga Victor Horta, que planejou cada detalhe, utilizando abundantemente materials caros, assim como ja fizera em prédios realizados na cidade na década anterior. 1902 Na Exposicao Internacional de Artes pecorativas Modernas de Enquanto isso... 67 sss. Turim, 0 art nouveau en- junto a iniimeros outros contra um dos seus pontos _detalhes arquitetonicos, ‘mais altos: expositores __fazem do prédio, que sera de varios paises apresen- _chamado de Casa Battl6, tam obras e realizages um marco na carreira do segundo a nova estética. __arquiteto catalio, que ali Impressionam particular __mistura sugestdes oriundas mente os artefatos do ar- do art nowveau com elabora- mazém londrino de Arthur des pessoais. Lasenby Liberty, sobreno- 1908 ‘me que passard a designar © novo estilo, sobretudo _ Beijo, 6leo e folha de ouro na Italia, sobre tela, de Gustav Klimt, se torna a obra-simbolo do Outro arquiteto belga, movimento da Secessao. Ernest Delune, constr6i em Ixelles, préximo a ' Bruxelas, um atelier 4 artistico cujas caracteris- ticas (fachada assimétrica, | alternancia de circulos eretingulos, misturade || materiais) sao tipicas do novo estilo. 1906 Antoni Gaudi termina a reforma de um edificio de propriedade do empre- endedor José Battl6, em Barcelona. As ondulacdes do telhado e dos balcoes, 1909 Apés mais de dez anos de trabalhos ¢ finalizada a construgio da Escola de Artes de Glasgow, na Escécia. Com este pré- dio, onde utiliza motivos tradicionais locais e novas linhas e formas, seu autor, © arquiteto escocés Charles Rennie Mackintosh, con- tribuird significativamente para a fama do art nouveau na Escécia, onde sera bati- zado de Glasgow School. Digitalizada com CamScanner 68 Educacao CARLOS EDUARDO PINTO DE PINTO Isso daria um filme... A vasta produgao cinematogrdfica sobre a ditadura permite conhecer e debater diferentes narrativas para o periodo MA CONSPIRAGAO INTERNACIONAL liderada pelos Estados Unidos. Mensagens cifradas, tortura, assas- sinatos. Gritos. Sussurros. Medo, A hist6ria da dita- dura civil-militar no Brasil (1964-1985) é Ppovoada por elementos que renderiam um filme. Para sorte dos professores de histéria, €sse periodo nao ficou imune ao registro cinematografico Critico, e rendeu nao apenas um, mas muitos filmes. Sao dramas histéricos, documentarios, roman- ces e até filmes infantis Tealizados desde 0 Tegime de excecao até hoje. O uso desse Vasto material em sala de aula pode ser mais do que um recurso para desvendar os acontecimentos daquele periodo. Digitalizada com CamScanner fruicdo de sentimentos, alertando os |a dimensio sensorial ¢ emocional da Possibilita refletir sobre aspectos linguagem audiovisual. dias 31 de marco e 1° de abril de 1964, se civis, Entre os envolvidos, parti institutos de pesquisa e setores da t6lica, atuando principalmente através da inicio uma ditadura civil-militar que nte anos. nema, como entrou nessa hist6ria? Em ‘outras manifestagdes artisticas, ele se va em um momento de intensa politizacdo clonal quando sofreu o impacto do golpe. s trataram do tema, como o censurado aaulo César Saraceni, 1965), que acom- “angiistias de um escritor ¢ jornalista de diante das consequéncias dos eventos de tematizaram a derrota dos projetos istas, como ‘Terra em transe (Glauber Rocha, ‘O bravo guerreiro (Gustavo Dahl, 1969). io, embora os militares decretassem 08 itucionais (Als) para legitimar sua ata havia uma liberdade relativa. Mas em de 1968 0 ALS dissolveu por completo tos politicos e civis, facilitando as prisbes € - ‘a censura. Estavam instaurados 0s ‘chumbo”. Iniciow-se a luta armada, ong" gm guerrilhas urbanas ¢ rurais, enquanto PW muitos recontam 20 ilo) dando sentdo'20 dos gm do governo, “Brasil: Ameo ou deixe-o”. Uma parcela da populacdo acatava 0 ufanismo, aditiva- do pela vitéria do Brasil na Copa de 1970 e pelo crescimento econdmico. Acensurae oexilio de muitos artistas explicam © periodo de baixa na quantidade de filmes produ- 2idos. Em 1972, Joaquim Pedro de Andrade lanou Os inconfidentes, com estreia durante a comemora- io do Sesquicentenério da Independencia, A obra aborda temas como prisio, inquéritos e tortura, mas em forma de alegoria. Esse recurso foi uma tendéncia da época, sobretudo entre os cinema- novistas, pois servia de “capa” para o tratamento anos depois do golpe,a ries en anda um dos dros mais sauantes, Acima, pagina do Joma! do Beasl de 6 de abr de 1992, A censura ¢ 0 exilio de muitos artistas explicam o periodo de baixa na quantidade de filmes produzidos de assuntos proibidos. Lancado no mesmo ano, Independéncia ou morte (Carlos Coimbra), com seu assumido ufanismo e com Tarcisio Meira no papel d= org, ce Siva de D. Pedro I, tornowse 0 preferido dos ditadores. Teer (1984). 0 A partir de 1974, iniciou-se um processo de “”* "2" conbes: “distensdo lenta, gradual e segura”, que culminou na Anistia (1979) ~ com a volta dos exilados e a li- ertagao dos presos politicos, Novos cineastas sur- giram e, embora a experimentacio estética jé nao fosse tio intensa, cresceu a variedade de enfoques. ra frente, Brasil (Roberto Farias, 1982) é uma obra de ficedo sobre um trabalhador que, por engano, € reso como guerrilheiro, torturado e morto duran- te a Copa de 1970. 0 filme foi criticado por repre- sentar a tortura como acio individual, sem ligagio Na pagina anterior carte de divulgacto do pels impactantes cena de época qu regstram o Comico da Central 0 Bras Digitalizada com CamScanner Um bom exercicio para 2 sala de aula € usar um trecho de um filme de oporigio a0 governo, produzido durante a ditadura, solictando aos alunos que exergam o papel de ‘censores”, ou sea regstrem tudo © que possa ser “subversivo”, Esta roposta estimula 0 debate sobre a participacio civil na constituiclo do regime Outra possibilidade € comparar duas obras soby Por exemplo: O que & isso, com onheiro? © Hércules 56, que tem abordagens bastant mesmo evento. A proposta soli citar aos alunos que identifiquem 35 caracteristicas ferentes do cada filme, procurando fugir da ideia do documenta a tada'’. Todo filme possui g vaniados de da ficcio como. “inven- Pode-se interromper a exibigio de 0 ono em que meus pas sam de féras antes que 05 motivos para sugeridos. A © sumigo dos pas st ‘urma registra entdo causas possves Em seguida, exibe-se 0 filme até 0 fim e, em debate, deve se constatar 2 as possbildades levantadas pelos alunos se confirmaram. A vantage esse exercicio esti no esforgo de contextualizacio: para se aproximar da “verdade", 05 alunos. precisam atentar para o ano em que se desen- volve ahistéria e para os indlcios que Em qualquer das opcées, 6 esti- mulante dedicar atengio a elementos e camera, wihas sonoras © enqua- da emocio que © fime cons mbox como Estado, além de conter um texto de abery, fem que os eventos narrados eram apresentac como parte de uma “pagina virada na histéria" pats, Tais aspectos poderiam ser considerados Ga efeitos da ditadura (pelo menos, sabemos que ; Jetreiro inicial foi exigéncia da censura), mas of, de ser o primeiro filme a tratar abertamente g, tortura jé 6 uma evidencia do avangado process de reabertura politica. No mesmo periodo, surgi ram 0s documentérios Jango (Silvio Tendier, 1984 fe Cabra marcado para morrer (Eduardo Coutinho) Fste tiltimo tem a peculiaridade de ter sido fej ‘em dois momentos: abortado pelo golpe em 1964 foi finalizado vinte anos depois. Ja no fim da década, coincidindo com as pr meiras eleigdes diretas para presidente, estreo) Que bom te ver viva (Liicia Murat, 1989). A cineas ta, exguerilheira e prisioneira politica, mistur reminiscéncias pessoais a entrevistas com outras mulheres para se aproximar do tema da tortura. 0 foco é a dificuldade em conviver com a meméria do periodo e em reconstruir suas vidas, revendo ainda o papel da luta armada. ‘Apés um perfodo de crise causada pelo fim da estatal Embrafilme (1990) e pela auséncia de um: Politica para o setor, a produgio cinematogritica viveu a partir de 1995 a chamada “Retomada com crescente producio de filmes, pluralidade te mitica e estética e suporte financeiro por leis de Digitalizada com CamScanner ntivo fiscal. De lé para cd, o interesse do cine. pela ditadura s6 fez aumentar. Entre as obras ficgéo, procurou-se humanizar as acdes dos onagens, encarados como sujeitos complexos, mm interesses politicos, mas também motivacdes sionais. A ditadura passou a ser representada @ um periodo histérico encerrado, sobre 0 se poderia ter certo distanciamento. Foi 0 1997), que aborda o sequestro do embaixador dos $$ Unidos, Charles Elbrick. Em que pese certa fcaturizacdo, o filme pode ser considerado um atraente. “Em Uma longa viagem (2012), Lticia Murat revi- 6 tema da meméria ao contrapor sua exper- como presa politica a de um de seus irmaos, fembarcou numa viagem repleta de experién- ‘sensoriais, Sem julgamentos, ela procura com- render a atracdo que tal caminho exerceu sobre jutros jovens de sua geracao. : ‘A cooperacao internacional para a instauragl0 i ditadura também tem sido investigada, como M10 dia que durou 21 anos (Camilo Tavares, 2013), 4 participacio dos Estados Unidos no gol IGondor (Roberto Mader, 2007), Cidadao Botlesen m Litewski, 2009) e Dossié Jango (Paulo H. Fon- 2012) seguem a mesma linha. Um enfoque original est em 0 ano em que mers Gafram de férias (Cao Hamburguer, 2006) 0 fil Acompanha a trajetoria de uma crianca que VE Pais viajarem de forma jnesperada. Aos pou ‘9s adultos esto foragidos litica. Ainda que m0 ‘compreende-se que hotivo de perseguicio P Educagao 71 | apresente detalhes sobre fatos | histéricos, a obra pode ser re- } cebida de forma empatica pelo | p&blico infanto-juvenil Soiba Mais | Empatia, aliis, € o tema- | chave na hora de escolher cAPELATO. Mar | 9s filmes a serem usados nas aulas. Em geral, os documer tarios sdo mais eficientes quando a proposta é langar um olhar panoramico sobre 0 periodo, enquanto as ficgoes tendem a priorizar 0 ponto de vista individual. Os filmes produzidos durante a ditadu- a sfo atraentes por seu ca- réter de mensagem cifrada (sobretudo quando se pensa nos riscos que seus criado- Sto Pale Bros Bauru: Eau, res corriam). Porém, em sua maioria, apresentam internet ‘uma linguagem densa que dificulta sua fruigao. As TOMA, Cais dos produgdes pésRetomada costumam levantar dis- cusses éticas a respeito da responsabilidad sobre 08 atos cle violencia e da omissao dos que nao luta- vam contra a ditadura. Alguns permitem debater © carter problemitico da Anistia no Brasil, que até hoje impede o julgamento e a condenagio dos torturadores. Seja qual for a escolha, 0 uso do audiovisual con- fere vibragdo e calor aos debates sobre a ditadura civikmilitar. Como nas melhores sessdes de cinema, 0 fim do filme € apenas o inicio da conversa. H 1 weld © expe sos politicos a ctadura CARLOS EDUARDO PINTO DE PINTO £ PROFESSOR DA\ (LOE EDUCACAO D0 RIO DE DA MODERNIDADE », CARIO Oo eR ie) Fides Lamar (Sérgo Rezende, 1994), ‘Aco entre amiges (Beto Brant, 1998), ois céegos (Carlos Reichembach, 1999), Azoguoya, canspirordo co siénco (Ronaldo Duque, 2004), Quose dois rmdos (Lia Murat, 2004), Cobro- cega (Toni Vertu, 2005), Zuzs Angel (Sérgio Rezende, 2006), Sonos e dese jos (Marcela Santiago, 2006), Batirmo ‘de sangue (Helvéco Ratton, 2007) & Hoje (Tata Amaral, 2013), Documentérios: Tempo de resistén ia (André Ristum, 2003), Vlado, 20 ‘anos depois (Jo%0 B. de Andrade, 2005), Héreules 56 (Sivio Da-Rin 2008), Coparad (Flivio Frederico, 2007), Reporordo (Daniel Moreno, 2010), Camponeses do Araguaia, a uerniha vista por dentro (Vandré Femandes, 2011) e Marguelia (Isa G Feeraz, 2012). Digitalizada com CamScanner Picco ERIC BRASIL A Corte é dos Cucumbis As vésperas da Abolicdo, carnaval do Rio se torna palco para experiencias de cidadania entre folides negros CORTEJO TEM CERCA DE 20 PESSOAS e avanca dan- cando e cantando sem parar. S40 homens, mulheres e criangas negros, vestidos de “indios”: com cocares de penas, tacapes, lancas e escudos, levam cobras e lagartos - alguns vivos, outros empalhados. Car- regada num andor vai a rainha, ricamente ador- nada, trajando manto e segurando cetro. Ao lado, vem 0 rei. Seus stiditos tocam instrumentos pouco comuns para os habituais frequentadores da rua do Ouvidor, no Centro do Rio de Janeiro: agogos, chocalhos e tambores. Cantam numa lingua ainda menos comum. Mas € carnaval! A Corte esta Passan- do e uma frase fica clara para todos os presentes: Digitalizada com CamScanner ftica sempre foi livre”, cantam os membros do is Africanos. ‘Yigorava a escravidao no Brasil, mas pico tempo: era a segunda-feira de carnaval 8, € a Abolicdo viria trés meses depois. Nao ira vez, no entanto, que os Cucumbis safam as ruas. Desde 1884, sua pre~ na cidade, nbis eram grupos compostos por fol mente reconhecidos como negros. 0 en- de seus desfiles contava a historia de baixada do rei do Congo em visita a outro (0 meio da viagem, o filho do rei € assassi- ‘um rival, muitas vezes representado Por clo” brasileiro. Rei e rainha, desespeTa iro do reino gem que o mais famoso feiticei i a Vida ao pequeno principe. Apés cenas de itamento, batalhas e muitos versos referentes © aos seus costumes, o jovem principe Fe §danca em juibilo com sua familia e stiditos- © quanto a celebracio da alegria ¢ d& © camaval carioca tornou-se, na década um espaco de discussdes politicas. As Sociedades Carnavalescas do periodo- Saiba Mais CUNHA Han ‘Clemenna Paris (om). Camaros € utes fests ersaes (ie hea sc do cat. Campinas Ed, da Unicamp/ Cec. 2002 ‘Cemertna Perea or) Ecos a For ua isis ‘2001 do cand cree tre 1880 1920, Sio Po: Compara dor Leas, 2001 MORAS, Eeita ce isa do Carvel ‘coroca Rio de ners: Recor 1987, PEREIRA, Leonardo ‘Mlonao de Miranda 0 Comaval ds ates XO Campinae Etre Unica, 2004, surgidas em meados do século XIX, formadas = em grande parte por membros da imprensa € dos setores mais abastados da sociedade carioca, estavam afinadas com os inte- resses de parte da imprensa e de mui- tos intelectuais: defendiam caminhos de modernizacio e “civilizagio” para a nagio brasileira. Isso incluia a aboli- do da escravidio e a proclamacio da Repiiblica, mas também a reformulacdo das priticas festivas - consideradas “atra- sadas” e incompativeis com aqueles ideais de progresso. O carnaval de inspiragao veneziana e parisiense deveria substituir 0 “barbaro” entrudo ¢ as demais brincadeiras populares, sobretudo as de matriz africana. Os préstitos das Grandes So- ciedades Carnavalescas pretendiam “ensinar” a0 povo como brincar: organizadamente, apenas as- sistindo ao desfile, como plateia e nao mais como atores. A rua do Ouvidor seria o melhor espaco para tal empreitada, pois era considerada a “arté ria da civilizacao” no Rio de Janeiro e concentrava inimeras lojas de artigos de luxo, além das reda- gées dos principais jornais e revistas. Quando sociedades intituladas Cucumbis Car- navalescos, Lanceiros Cucumbis, Iniciadora dos (Os Cucumis mis avam brincadiras aes sadas ura das quais retvatada acim, numa José do Patrochi, pels socedades Digitalizada com CamScanner No taco de Angelo Agostini ania do (Ouvor na camaval ce 1804. A passagem das sociedades org rizadas de oles por esa nu tha como objeto eviizar 0 car aval earioca Na pligina seguite: Vsdo gerl da ola de 1886, em 0 Mequetefe, través os Cucumbi,setores a populagio negra se faxim presentes no debite sobre a partic pari dos excescraves na socedade. Cucumbis, Filha da Iniciadora dos Cucumbis, Triunfo dos Cucumbis e Cucumbis Africanos disputavam espago na estreita rua e paravam diante dos jornais para saudélos, estavam ul lizando priticas similares aquelas das Grandes Sociedades, mas com outros objetivos. Visavam conseguir destaque na imprensa, ter seu esforco € dedicacao valorizados publicamente e ser eleva- as ao rol dos grandes grupos do carnaval. Ao se tornarem mais visiveis e reconhecidos, diminui- am também as chances de serem silenciados ou perseguidos pelas autoridades. Para completar, expunham publicamente preferéncias, identida- des e expressdes criativas. No carnaval de 1886, José do Patrocinio foi 0 grande homenageado da Iniciadora dos Cucumbis. 0 jomalista ¢ escritor foi um dos mais atuantes abolicionistas do Rio. Fundador da Confederacdo Abolicionista, sediada no prédio da redagao da Ga- zela da Tarde jornal que ele possuia desde 1881 — naquele ano Patrocinio foi eleito vereador e expan- diu suas atividades para além dos limites do jornal: Corer ACIS Em mutas repides do Bras, 0 cama val atraiu manifestagSes culturas de rmatrz afcana, Festas combatidas em urras épacas do ano encontraram no ‘ambiente mais permissivo do period camavalesco a chance de continuar ‘exstindo, e mesmo de se fortalecer, ‘Ac longo da segunda metade do séou- fo XIX, congadas, reisados e ranchos de reis concentraram suas atvidades 1s das de Momo, ‘No Recife, os maracatus apresen= ‘tavam (¢ ainda apresentarn) seus res € rainhas regros, com suas cortes e historias aficanas. Em Salvador, os ‘Afoxés exibiam priticas do candom- big. € sociedaces camavalescas negras ‘explctava sua afcanidade em seus tiulos e pritcas, como a "Embabada Acana’ € 05 “Pindegos aA “raiam cars alepricos sobre rent, afcanoredestacavar sus rei mi tro fetes -Aconqista de espaco no camaval por grupos nears descendentes de afcanos escrazados corey am bam em grande parte des colnias cas Américas. Em Cuba, Compara, tyupos negros fermados inicamente ras imandadesrelijous lear us corte res para deslar no cmaval Em Triad, ape 2 aboigio da ecra- vo, grupos de negroscongustaran ‘ocamival ants control plas eites propretiras, reunndo sob 0 reia- co de Momo inimerss trades de matic afcana, e consegiran elevar seu camaal a sinbolo raion promovia meetings (reunides), comicios em teatros pracas, além de auxiliar fugas e acoitamento de escravos. Ao dedicar parte de seu préstito numa saudacdo a José do Patrocinio, dangando em frente 4 redacao de seu jornal, aquela sociedade carnava- Jesca queria transmitir uma mensagem. Associava- se a imagem do famoso abolicionista e fazia saber a todos que compartilhava de seus ideais. Parece que a estratégia da Iniciadora dos ‘Cucumbis fancionou bem, pois ela entrou no rol das sociedades que continuariam a figurar nos jornais pelos anos seguintes. Mais do que uma pauta meramente carnavalesca, os Cucumbis relacionavam-se com 0 momento politico, social e cultural da Corte naquele perfodo. O Rio de Ja- neiro vivia um momento de ebulicdo social, com a crescente forca dos movimentos abolicionistas € a constante desautorizagao de senhores de es cravos, explicitada por fugas, pelo miimero cada vez maior de escravos vivendo sobre si - longe da vigilancia do senhor e conquistando autono- mia ~ e pelo vertiginoso aumento no numero de alforrias. Intensificavam-se os debates sobre os limites da liberdade, da cidadania e da participa: so dos ex-escravos € negros livres na sociedade como um todo. O cortejo carnavalesco dos Cucumbis saia lado a lado com as demais sociedades, e assim como elas passava pela rua do Ouvidor e parava diante das redacoes dos jornais. Mas seu discurso era bem diferente. Ao carnavalizar a imagem da Africa, os Cucumbis deixavam claro para seus participantes © para o puiblico que possuiam uma identidade cultural prépria, compartilhada por alguns e veda- da a outros sujeitos sociais. 0 rei do Cucumbi era Congo, seus personagens tinham nomes afticanos € quem se sagrava vencedor ao final do cortejo era um reino da Africa. Assim, misturavam as brinca- deiras carnavalescas de inspiracdo europeia com elementos das culturas negras da cidade, como congadas, reisados, festas das irmandades religio- 845, cortejos fiinebres, embaixadas africanas, fo de reis e jongos. Digitalizada com CamScanner

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